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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
"^
ÍÍÜÜI

255
Representantes da Idade da
Pedra em extincao

"Rico em misericordia"
de Joáo Paulo 11

Sucessáo de Pedro e Papado

Batismo das criancas

rii
Dispensa do celibato sacerdota

Ano XXII - margo-abril - 1981


ERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XXII - margo-abril - 1981 - N? 255
Publicarlo bimestral
SUMARIO

stor-Redator Responsável:
■stevao Bettencourt OSB Estao para se extinguir:
REPRESENTANTES OA IDADE DA PEDRA? .... 98
¡tor-Administrador:
-tildebrando P. Martins OSB
A segunda encíclica de Joao Paulo II:
"RICO EM MISERICORDIA" (Ef 2, 4) 103
ninistracfo e distribuicao:
poes Lumen Christi Em vista de um livro polémico:
n Gerardo, 40 • 59 and., sala 501 A SUCESSAO DE PEDRO E O PAPADO 116
postal 2666 - Tel.: (021) 291 -7122
lOO Rio de Janeiro RJ

Um documento da Santa Se:


SOBRE O BATISMO DAS CRI ANCAS 131
amento em cheque
rale postal ao:
Delicada questao:
steiro de Sao Bento
A DISPENSA DO CELIBATO SACERDOTAL
Rio de Janeiro (um documento de Roma) 145
xa postal 2666
)00 Rio de Janeiro RJ
Um livro novo e ¡novador:
"COMO VIVER ASEXUALIDADE"
¡ONTINUAQÁO DESTA por Frei Ovidio Zanini 152
VISTA DEPENDE DOS
JS ASSINANTES.

RENOVOUASUA TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO: 256


5INATURA?
maio-junho
i 500,00 (1981) de Janeiro a dezembro.
O Essenc¡alismo:Que é?
a número avulso
gir-se á Administrado. A Ordem Renovada do Templo
A meditapao transcendental em foco
"Os milagres do Johrei"
MUNIQUE-NOS QUALQUER
DANCA DE ENDEREQO Os mandamentos da Lei de Deus
A tragedia do Pe. Dmitri Dudko
O método Silva de controle mental
íposicSo o impressao: Livros em estante
ques-Saraiva
tos Rodrigues, 240
de Janeiro
Com aprovacao eclesiástica
«COMPLETO EM MINHA CARNE...
A PAIXÁO DE CRISTO» (CL 1,24)
Margo e abril sao os meses em que os cristáos celebram a
Páscoa de Cristo, com os seus contrastantes aspectos de morte
ressurreigáo.
Tal celebracáo nao é mera evocagáo do passado, mas rea-
firmacáo do misterio do próprio cristáo. Com efeito, referin-
do-se á sua vida atribulada, o Apostólo Sao Paulo escrevia:
«Completo em minha carne o que falta á paixáo de Cristo em
favor do seu corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24). Estas palavras
nao significam que a Paixáo de Cristo tenha sido incompleta;
na verdade, sabemos que teve o valor infinito que Deus feito
homem lhe conferiu. Todavía a Paixáo de Cristo só poderia ser
estendida e vivida através dos sécalos mediante o suporte que
cada cristáo lhe daría; a vida de cada discípulo, membro do
corpo de Cristo, é o cenário próprio ou a moldura singular, irre-
petível, que a Paixáo de Cristo vai tomando através das suces-
sivas geragóes da historia. Por isto pode o cristáo dizer: «Pa-
dego eu, nao eu; é Cristo quem padece em mim, completando
a sua Paixáo» (cf. Gl 2,20).
Desta maneira é transfigurado o sofrimento do cristáo;
torna-se precioso, á semelhanca do que foi a Paixáo de Cristo.
Tal sofrimento vem a ser penhor de participado na ressurrei-
Cáo ou na vitória de Cristo sobre a morte. Mais: padecendo com
Jesús, o cristáo se torna também corredentor, isto é, beneficia
os demais membros do Corpo Místico de Cristo ou da Igreja;
ele se torna portador e comunicador de gragas para todos os
homens. Há realmente a todo momento urna multidáo de pes-
soas que necessitam das mais variadas gragas de Deus, porque
doentes física ou espiritualmente; em última instancia, quem
lhes acode é o cristáo — talvez ignorado e marginalizado —
que associa o seu sofrimento á Paixáo redentora de Cristo, a
fim de poder estender aos demais homens as gragas que a Cruz
de Cristo obteve para a humanidade. Dizia muito sabiamente
o Papa Pió XII: «No Corpo de Cristo somos todos remides e
corredentores», ou seja, no Corpo de Cristo ninguém é mera
mente passivo, mas, ao mesmo tempo que padece com Cristo,
soergue e constrói urna nova humanidade.
A consciéncia destas verdades desvenda as pessoas de fé
um novo sentido da dor e da morte. Nao há existencia inútil,
mesmo que parausada sobre um leito de dor; talvez se possa
dizer que o dia-a-dia monótono e penoso de nossos enfermos
constituí um dos manancíais mais valiosos de gragas para os
demais homens, desde que unido & Páscoa de Cristo...
«Se conhecesses o dom de Deus...» (Jo 4, 10). O cristáo
saberá tomar nova consciéncia disto ao celebrar mais urna vez
a santa Páscoa ! E.B.
— 97 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXII — N' 255 — Marco-Abril de 1981

Estáo para se extinguir

representantes da idade da pedra ?


Em síntese: O jornalista alemáo Clark Slede descobriu recentemente
urna tribo que vive no arquipélago de Andamanas (Océano Indico), exiblndo
os traeos da clviüzacio da Idade da Pedra, ou seja, de 60.000 anos atrás.
As vinte e tres pessoas que Integran) essa populacao — dita dos Ongos —
foram afávels em relacáo ao visitante alemáo, que pode colher ¡mpressóes
positivas atinentes á vida moral e familiar de tal gente. No tocante á rell-
giio, os Ongos sao monoteístas. Ora tais características ético-religiosas
reforcam a tese da Escola Etnológica de Vlena segundo a qual a religiSo
primordial da humanidade era monoteísta (quanto mals a civilizagáo recua,
tanto mais as arengas religiosas se depuram e se aproximam do monoteís
mo); com o deconer dos tempos, os homens foram endeusando os astros,
o fogo, a térra, a agua... e outros elementos naturais de que precisavam
para o progresso da civilizacSo; assim o monoteísmo terá cedido ao poli
teísmo. O surto de monoteísmo no povo de Abraáo (séc. XIX a.C.) ó
Inexplicável do ponto de vista das ciencias humanas e corresponde a
urna intervencao do Senhor Deus, que assim quis restaurar entre os homens
a consciéncla religiosa primitiva.
Clark Stede lamenta que a tribo dos Ongos esteja para desaparecer;
os povos mals civilizados tém felto sucessivas tentativas de ocupar os
350 lem2 do arquipélago para al estabelecer-se; o que vem defendendo a
populacao primitiva, é a gigantesca rede de coral que cerca as linas
Andamanas.

Comentario: No Océano Indico, entre a india, o Bang-


ladesh e a Birmania, existe un conjunto de pequeñas ilhas
ditas Andamanas, ñas quais ainda vivem vinte e tres pessoas
(homens, mulheres e criancas), de raga negra, que seguem os
costumes da Idade da Pedra. Isto quer dizer:... que ainda
estáo num estágio de civilizagáo correspondente a 60.000 anos
atrás. Os Ongos — tal é o nome dessa tribo — véem-se amea-
gados de desaparecer, porque a India precisa de territorio para
expandir a sua numerosa populacao; até a presente data os
indianos nao ocuparam o arquipélago de Andamanas por causa
de enorme rede de coral que o cerca; todavía este obstáculo
está para ser superado em breve e os indianos teráo para si
os 350 km3 de térra que corresponden! ao arquipélago.

— 98 —
REPRESENTANTES DA IDADE DA PEDRA 3

O jornalista alemáo Clark Stede esteve em visita de repor-


tagem entre os Ongos e publicou as suas impressóes na revista
ilustrada Weltbild, de 22/02/1980, pp. 22-26. É desse interes-
sante artigo que extraímos as observacóes abaixo.

1. O tipo humano
Os negritos Ongos medem 1,5 m de altura aproximada
mente; tém pés pequeños e dáo passos curtos. Já Marco Polo
(1254-1324), o famoso viajante, caracterizou tal espécimen
humano como sendo «selvagens com cabega de cao». Nao
usam roupa, e costumam pintar as faces nao só para se ma
quilar, mas também por motivos místicos e, outrossim, para
afastar os mosquitos. Como armadura, contam com arco e
flecha. O seu género de vida é tido como mais primitivo do
que o dos habitantes da Nova Guiñé. Embora nao pratiquem
a metalurgia, verifica-se que as suas flechas trazem pontas de
metal. Isto se explica pelo fato de que recolhem os pregos
que lhes chegam as máos ou através dos destrozos levados
as ilhas pelas ondas do mar ou através de embarcagóes que
se detém ñas proximidades do arquipélago.

O Governo da india, que tem jurisdicáo sobre as ilhas


Andamanas, nao costuma permitir a jomalistas ou estudiosos
a visita ao arquipélago. É o que garante, em parte ao menos,
a conservagáo integra dos hábitos da populacáo local.

2. As impressóes do jornalista

O jornalista Clark Stede teve acesso clandestino as ilhas


Andamanas, visto que as autoridades indianas nao Ihe conce-
deram a autorizacáo para lá estar. Desembarcou de pequeña
nave no litoral de urna das ilhas e pós-se a caminhar á pro
cura dos seus famigerados habitantes; após um dia e meio de
buscas, defrontou-se com um aborígene, armado de arco e
flecha. O coracáo pós-se a bater forte dentro do jornalista.
Todavía nada de mau ocorreu; o homem entrou na selva densa;
daí a pouco apareceu a Clark Stede urna jovem, que Ihe levava
carne assada sobre urna bandeja de folhas. Foi muito agra-
dável a surpresa do jornalista, que aguardava outro tipo de
recepeáo.

Mal acabara de saciar a fome voraz com os pedacos de


carne, quando tres selvagens Ihe sairam da floresta ao encon
tró; vinham sem armas e com os semblantes pintados. Pare-
ciam dispostos á paz e ao bom relacionamento. Eles, que nao

— 99 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

tinham pelo algum a nao ser os cábelos da cabega, puseram-se


a tocar ñas pernas peludas do jornalista e a comparar os seus
pequeños pés com 03 pés «gigantescos» do alemáo. Riram-se
muito; trocaram palavras entre si, e finalmente fizeram sinais
ao estrangeiro para que os acompanhasse. Durante duas horas,
o pequeño grupo percorreu o litoral da ilha entre o océano e
a misteriosa e escura floresta; chegaram, por fim, diante de
duas cabanas primitivas, cujo teto eram folhas de palmeira e
diante das quais havia uma canoa confeccionada com um
tronco de árvore. Era isso que se poderia chamar a «aldeia»
daquela tribo constituida por vinte e tres pessoas.

O jornalista podia-se dar por feliz com aquela recepgáo


amiga. Ele mesmo sabia que em 1974 uma expedigáo de estra-
nhos fora rechacada pelos negritos do arquipélago, armados
de arco e flecha. Além disto, acompanhara os noticiarios da
imprensa que anunciavam escaramugas entre colonos indianos
e os Ongos por causa da posse do arquipélago; centenas de
milhares de indianos poderiam estabelecer-se naquelas ilhas
depois de converterem as florestas em campos de lavoura.
Conscientes do perigo de invasáo das ilhas, os aborigénes
tém-se mantido em firme atitude de defesa e ataque.

Todavía, quando viram Clark Stede a sos e desarmado,


nao o consideravam inimigo; antes, tornaram-se-lhe amigo. Na
pequeña «aldeia» convidaram-no a sentar-se em torno do fogo
enquanto assavam carne de javali. Estavam em maio, época
da caga, que antecede as grandes chuvas trapicáis, ditas Alón-
son, as quais se abatem sobre as ilhas durante seis meses.
Para tal período chuvoso os Ongos fazem previamente suas
reservas alimentares; os homens entregam-se á caga, enquanto
as mulheres coletam raizes e frutas selvagens.

Para comprovar sua amizade ao visitante, os Ongos orna-


mentaram-lhe a face, usando para tanto um extrato de folhas,
barro e pele de tartaruga. Muito provavelmente tal maquila-
gem tinha seu significado místico, mas, sem dúvida, servia
também para afugentar os mosquitos.

Os Ongos sao sobrios em seu regime de alimentacáo e


bebida. Cultuam um só Deus invocado pelo nome de Pulugaa.
Atribuem grande importancia a alma humana. Quando um
dos aborígenes está dormindo, ninguém ousa acordá-lo, pois
dizem que durante o sonó a alma está fora do corpo.

«Tenho a impressáo, escreve o jornalista, de que naquela


tribo a autoridade nada significa. Reina ai o espirito comu-

— 100 —
REPRESENTANTES DA IDADE DA PEDRA 5

nitário» (p. 26). Tanto a caga como a busca de agua e a


colheita de frutas sao realizadas mediante a colaborado de
todos. Muito importante é a vida de familia: os pais nao
repreendem nem batem seus filhos, mas, ao contrario, os tra-
tam com grande carinho, inclusive com beijos. Nao raro se
véem homens e mulheres caminhando de máos dadas.
"Senti-me bem em meló áquela gente, cujo tipo de vida um cidadSo
das nossas sociedades ocidentais nao imaginaria. Verdade é que nao nos
comunicávamos por meio de palavras; mas, apesar disto, os Ongos me
ensinaram a cagar com arco e flecha; dancamos, cantamos e rimos juntos,
únicamente para exprimir nosso bom humor e nossa alegiia", relata Clark
Stede.

"Ao deixar as ilhas Andamanas, senti-me como amigo dessa tribo.


é com pesar que pensó que dentro de poucos anos nao haverá mais tal
cultura. Em dado momento os homens 'civilizados' penetrarlo no ambiente
de vida dos Ongos e o destruiiáo. E pergunio-me: quem propiiamente é
mais feliz — nos ou eles ? A resposta, nao preciso de a dar a mim
mesmo" (p. 26).

Assim termina o relato do jornalista, que nao pode deixar


de sugerir alguns

3. Comentarios

Proporemos duas observagóes ao episodio em foco:

1) O jornalista Clark Stede descobriu urna populagáo de


civilizagáo correspondente á da idade da pedra! Sem tencionar
ser um historiador das religióes, deixou-nos todavia algumas
observagóes sobre a religiosidade e a moral dessa tribo.

Os Ongos sao monoteístas e levam urna vida moral assaz


pura, respeitando o senso de familia e cultivando o espirito
comunitario.
Esta verificacáo faz eco, de certo modo, á tese do Padre
Willhelm Schmidt, da Escola Etnológica de VIena, que, através
de numerosas e variadas pesquisas, chegou á conclusáo seguinte:
quanto mais um povo é primitivo, tanto mais tende ao mono
teísmo. Dir-se-ia que as expressóes religiosas iniciáis da huma-
nidade eram monoteístas; todavia o progresso da civilizagáo
foi incutindo atitudes religiosas politeístas; com efeito, a depen
dencia do agricultor e do cagador em relagáo ao Sol, á Lúa,
á Térra, as aguas, ao fogo, á vegetaeáo, aos animáis, levou o
homem primitivo a endeusar tais criaturas; o ser humano come-
£ou entáo a cultuar muitos deuses, atribuindo a cada qual um
poder próprio correspondente as diversas necessidades que vi-
nha experimentando. Por conseguinte, o politeísmo, a idola-

— 101 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

tria e as formas religiosas do fetichismo e da magia nao sao


originarias na historia da humanidade, mas estáo associadas
ao progresso da civilizagáo mal interpretado pelo homem.

W. Schmidt também verificou urna ordem social simples,


mas pura, entre os povos primitivos que estudou, á seme-
lhanga do que observou Clark Stede. Dir-se-ia, pois, que a
humanidade originaria apresenta ao homem posterior certos
valores, que a cobiga e a ganancia, indevidamente agucadas
pelo progresso material, puseram em xeque. Nao seria neces-
sário que andasem de par em par a ascensáo material e a cor-
rupgáo moral; a promogáo material como tal nao é má;
todavía observa-se que ela provocou no homem atitudes, ape
tites e paixóes desregradas, como, alias, hoje ainda parece
provocar.

A evolugáo religiosa da humanidade, na perspectiva de


W. Schmidt corroborada pela reportagem de C. Stede, teria
passado do monoteísmo para o politeísmo e a idolatría, até o
novo surto de monoteísmo suscitado pelo Senhor Deus no povo
de Abraáo ou de Israel no séc. XIX a.C. O monoteísmo israe
lita é um portento histórico, que nao se explica do ponto de
vista das ciencias humanas; todavía corresponde a urna inter
vengo do Senhor Deus na historia, que assim quis restaurar
entre os homens a consciéncia de que nao pode haver muitos
deuses, mas há um só Deus.

2) É de se lamentar que mais um importante vestigio


do passado remoto, como é a tribo dos Ongos, esteja fadado
a desaparecer diante do avanzo de povos mais civilizados. O
jornalista Clark Stede exprimiu seu pesar diante de tal prog
nóstico. — Nao queremos dizer que a civilizagáo da pedra seja
preferível á contemporánea, mas julgamos que seria desejável
o respeito aos documentos do passado e aos homens que o
representam.

Em conclusáo, verifica-se que o relato de Clark Stede é


altamente interessante e valioso nao só para o historiador, mas
também para o filósofo e o teólogo.

A propósito:

K5NIG, FRANZ, Cristo y las Religiones de la Tierra, 3 vols. Biblioteca


de Autores Cristianos ji<? 200, 203 e 208. Madrid 1960, 19.60 e 1961.
PIAZZA, W. O., Rellgiees da Humanidade. Ed. Loyola, Sao Paulo 1977.
Introdueáo á Fenomenología Religiosa. Ed. Vozes, Petrópolis 1976.
SCHMIDT, W-, Ursprung der Gottesldee, 9 vols. MQnster 1912-1949.

— 102 —
A segunda encíclica de Joáo Paulo II:

"rico em misericordia"
(Ef 2, 4)

Em sintese: A encíclica "Dives in misericordia", datada de 30/11/80,


lembra aos homens Inquietos e atribulados de nossos dias um atributo
divino muito estatizado tanto no Antigo como no Novo Testamento: o amor-
-misericórdia. Se a |ustica é necessárla para reger as relacoes entre os
homens, verlfica-se que a justlga pode ocasionar terrivels injusticas, pols
sob a cobertura da mesma se tém cometido vingancas e maleficios. A
misericordia nao derroga á justica, mas ultrapassa-a; ela perdoa, recor-
rendo á gratuldade, quando a justica exigirla cobranca de direitos. Esta
dimensáo tem faltado ás relacoes entre os homens no mundo contemporá
neo, em parte pelo fato de que as conquistas científicas e tecnológicas vém
agucando entre eles o senso do dominio e a valorizacao das coisas e das
máquinas ácima do própiio homem.
A misericordia também tem sido menosprezada porque sugere depen
dencia e humilhacSo da parte de quem recebe em relacáo a quem dá.
— Tal impressáo é falsa, pols quem exerce misericordia é beneficiado pelo
lrmao que Ihe proporciona a ocasiao de praticar a misericordia.
A Igreja, diante da difícil situacSo em que se debate a humanidade
contemporánea, proclama a misericordia de Deus já exercida no Antigo
Testamento e, de novo modo, revelada por Jesús Cristo; além do qué, ela
procura pralicar a misericordia e implorar a Deus que a derrame sobre a
humanidade Inquieta de nossos dias.

Comentario: Aos 30 de novembro de 1980 o S. Padre


Joáo Paulo II assinou a segunda carta encíclica (= circular)
do seu pontificado, que versa sobre a misericordia de Deus,
como insinuam as suas palavras iniciáis: «Rico em misericor
dia, Deus...»1.
Este documento tenciona ser urna resposta aos anseios do
homem inquieto de nossos dias, apontando a este urna dimen
sáo do comportamento divino que deve tornar-se paradigma
para a humanidade contemporánea: a dimensáo do amor-mise-
ricórdia, que ultrapassa os horizontes da estrita justica (sem
derrogar a esta) e incluí o perdáo e a gratuidade.
A seguir, proporemos resumidamente o conteúdo da nova
encíclica; ao que acrescentaremos breve comentario.

* Tais palavras sSo transcritas de Ef 2, 4.

— 103 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

I. O DOCUMENTO

Antes do mais, convém considerar a concatenagáo das


idéias na encíclica.

Comega por apresentar o Cristo Jesús como revelagáo da


misericordia divina (n» 1-3). A seguir, esboga a doutrina da
misericordia no Antigo Testamento (n' 4) e, de modo especial,
na parábola do filho pródigo (n' 5-6). Volta-se entáo para o
misterio pascal como exercicio de misericordia (n? 7-9) e mos-
tra o desdobramento desta na historia da humanidade con
temporánea (n' 10-12) assim como na missáo (n» 13-14) e na
orajáo da Igreja (n9 15).

Percorramos as sucessivas etapas do conteúdo de tal


documento.

«Quem me vé, vé o Pai» (n* 1-2)

1. «Deus, que é rico em misericordia, é aquele que Je


sús Cristo nos revelou como Pai». Jesús Cristo, alias, é a pró-
pria revelagáo do Pai, consoante palavras de Jesús freqüente-
mente repetidas no decorrer da encíclica: «Quem me vé, vé o
Pai» (Jo 14,9). Assim Jesús Cristo é nao somente o revelador
do homem ao homem (tema da enciclica Bedcmptor Hominis),
mas também o revelador do Pai ao homem.

2. Nao há dúvida, Deus se dá a conhecer ao homem


mediante as criaturas yisíveis (cf. Rm 1,20); todavía este
conhecimento aínda é indireto e imperfeito. Jesús Cristo, como
Deus encarnado, manifesta algo mais de Deus, ou seja, o inson-
dável misterio da SS. Trindade. De modo especial, Jesús póe
em evidencia um atributo de Deus que é a misericordia. Nao
somente falou da misericordia em parábolas, mas Ele próprio
encamou e personificou a misericordia; Ele é, em certo sen
tido, a misericordia.

A revelagáo da misericordia de Deus é particularmente


importante em nossos días, pois, de um lado, os homens, absor-
vidos pelas conquistas da ciencia e da técnica, perderam o
senso da misericordia e, de outro lado, graves ameagas pesam
sobre a humanidade contemporánea. Ora, precisamente em
resposta á situagáo dos homens de nossos dias, faz-se mister

— 104 —
RICO EM MISERICORDIA

apresentar-lhes de novo modo a misericordia de Deus ou o


misterio do Pai das misericordias, para o qual muitos espon
táneamente se voltam; essa renovada tomada de consciéncia
da misericordia divina incitará outrossim os nossos semelhan-
tes a recorrer á mesma misericordia em nome de Cristo e em
uniáo com Ele.

Mensagem messianica (n? 3)

3. Jesús se apresentou como o arauto da misericordia


desde a sua primeira declarado na sinagoga de Nazaré:
«O Espirito do Senhor me enviou a anunciar a Boa-Nova aos
pobres... e a proclamar um ano de gragas» (Le 4,18s; cf. Is
61,1). A mesma proclamado de misericordia ocorreu quando
Joáo Batista o interrogou a respeito da sua missáo messianica;
cf. Le 7,19-23. Jesús revelou outrossim a misericordia através
do seu comportamento diante da fragilidade física e moral do
homem; a atitude de amor-misericórdia caracterizou toda a
sua vida pública.

Mais: «Cristo, ao revelar o amor-misericórdia de Deus,


exigia, ao mesmo tempo, dos homens que se deixassem guiar
na própria vida pelo amor e pela misericordia». Esta exigen
cia constituí a medula do efhos evangélico, ou seja, do porte
do cristáo; o maior dentre todos os mandamentos é o do amor:
«Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coragáo, com
toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o
primeiro mandamento» (Mt 22,37s).

Ai misericordia no Antigo Testamento (n9 4)

4. Cristo dirigia-se a homens que, através da historia


do Antigo Testamento, tinham colhido peculiar experiencia da
misericordia de Deus.

Israel foi o povo da Alianca com Deus, Alianga muitas


vezes violada, de modo a ocasionar a constante efusáo da mise
ricordia divina. Esta foi pelos Profetas assemelhada ao amor
de um esposo traído pela esposa, mas invencivelmente disposto
a perdoar todas as infidelidades. Cf. Os 2,21-25; Is 54,6-8;
Jr 31,20.

— 105 —
10 gPERGUNTE E RESPONDEREMOS». 255/1981

Quem observa os textos bíblicos, verifica outrossim que


a misericordia no Antigo Testamento significa fidelidade do
Senhor a Si próprio também: «Eu fago isto nao por causa de
vos, ó casa de Israel, mas pela honra do meu santo nome»
(Ez 36,22); o Deus da Alianga é responsável pelo seu amor,
cujo fruto é a continua restauragáo da Alianga.

Alias, desde os inicios da sua historia, o povo de Israel


experimentou o amor gratuito e misericordioso de Deus; com
efeito, o Patriarca Abraáo foi escolhido, sem que o tivesse
merecido, para receber a béngáo em favor de todos os povos.
— Depois, por ocasiáo do cativeiro no Egito, o povo de Abraáo
foi visitado pela compaixáo do Senhor, que observou a aflijáo
da sua gente e a quis libertar da servidáo. A seguir, durante
a travessia do deserto o mesmo povo prevaricou erguendo o
bezerro de ouro — o que ensejou a declarado do próprio Se
nhor como «Deus compassivo e misericordioso, lento para a
cólera e cheio de bondade e fidelidade» (Ex 34,6). É a cons-
ciéncia deste atributo divino que comunica forga e razáo ao
povo de Israel a fim de se voltar para o Senhor após cada
prevaricagáo de sua historia. É essa consciéncia também que
inspira aos salmistas niños ao Deus do amor, da compaixáo,
da misericordia e da fidelidade.

Em conseqüéncia, compreende-se que a misericordia seja


o conteúdo da intimidade de Israel com o seu Senhor ou
o conteúdo do diálogo com Deus; o vocabulario bíblico que
designa tal atributo de Javé, é rico e variado. Nao raro mise
ricordia e justiga sao comparadas entre si nos livros do An
tigo Testamento, de tal modo, porém, que a misericordia é
exaltada ácima da justiga. O amor-misericórdia é fundamental
no comportamento de Deus; ele condiciona a justiga. Esta é
táo penetrada pelo amor que o termo «justica» acabou por
significar a salvagáo realizada pelo Senhor e a sua miseri
cordia; cf. SI 39,11; 97,2s; Is 51,5.8; 56,1.

A permanente presenta do amor-misericórdia de Deus ao


povo de Israel se manifesta em textos dos Profetas como o de
Jr 31,3: «Amo-te com amor eterno; por isto ainda te con
servo os meus favores», e o de Is 54,10: «Ainda que os mon
tes sejam abalados..., o meu amor jamáis se apartará de ti,
e a minha alianza de paz nao se mudará».

Assim se vé que o Antigo Testamento preparava a consu


mada revelacáo da misericordia divina que Cristo faria na ple-
nitude dos tempos.

— 106 —
RICO EM MISERICORDIA U

A parábola do filho pródigo (n- Ss)

5. No limiar do Novo Testamento, fazem-se ouvir duas


vozes a proclamar a misericordia divina, ñas quais ecoa inten
samente toda a tradigáo do Antigo Testamento. Sao a de
María SS. em seu canto de louvor «Minha alma engrandece o
Senhor», e a de Zacarías, que bendisse a Deus por ocasiáo do
nascimento de Joáo Batista.

No ensinamento de Cristo, o tema da misericordia apa


rece com a máxima evidencia na parábola do filho pródigo
(cf. Le 15,11-32).

Este filho que recebe do Pai a heranca para ir viver dis-


solutamente em térra longinqua, é a imagem do homem de
todos os tempos, sujeito ao pecado. A conseqüéncia do com-
portamento dissoluto do filho pródigo ou a conseqüéncia do
pecado em geral é a perda da dignidade de filho... Desta
perda de dignidade o filho pródigo toma consciéncia aos pou-
cos. Por islo decide-se a voltar para a casa do pai, a quem
pedirá ser recebido nao como filho, mas como assalariado ; caí
na conta de que nao tem mais direito algum senáo o de ser
um empregado na casa do pai.

Todavia o pai nao quis tratar o filho segundo as normas


da estrita justica apenas; ultrapassou-as, de modo a receber o
jovem com amor-misericórdia, restaurando-o no lugar de filho
sentado á mesa de familia em alegre festim. A parábola vem
a ser precisamente a ilustragáo do amor de Deus que, trans
formado em misericordia, se aplica ao homem pecador ou
decaído.

6. Nao há dúvida, a figura do pai da parábola nos revela


Deus como pai. Este é fiel á sua paternidade ou ao amor que
desde sempre derramou sobre o homem. — O motivo pelo
qual o pai, na parábola, se alegra quando vé o filho voltar,
nao é a recuperacáo de bens materiais esbanjados, mas é o
fato de que a humanidade e a dignidade do homem se haviam
salvo. O jovem foi revalorizado como filho, embora nao trou-
xesse bens materiais, mas voltasse á casa maltrapillo e de
máos vazias. O tratamento que o pai dispensa ao filho, na
parábola, é imagem do que Deus concede ao homem, sempre
que retorna de urna vida pecaminosa. A misericordia parece
esquecer todo o mal cometido pelo pecador, para procurar reva-
lorizar, promover... e tirar o bem de todas as formas de mal

— 107 —
12 gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

existentes no homem e no mundo. A misericordia nao se deixa


vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem; cf. Rm 12,21.

A mentalidade moderna nao entende bem a misericordia;


julga que esta funda uma relagáo de desigualdade entre aquele
que a exercita e aquele que a recebe; a misericordia seria
humilhacáo para quem a recebe. Ora a realidade é diferente,
pois a misericordia procura precisamente realzar a dignidade
e o valor da criatura a quem ela é outorgada; ela só se exerce
porque tem em vista a dignidade da pessoa humana esfar-
rapada (física ou moralmente).

A misericordia assim entendida torna-se especialmente


necessária aos nossos tempos.

O misterio pascal (n* 7-9)

7. A mensagem e a atividade messiánicas de Cristo ter-


minam com a cruz e a ressurreigáo, ou seja, com o misterio
de Páscoa. Este póe-nos ante os olhos a profundidade do amor
que nao retrocede diante do extraordinario sacrificio do Filho.

Na sua Paixáo, Jesús, que havia derramado misericordia,


viu-se carente de misericordia, mas esta nao lhe foi concedida
pelos homens. Foi entregue á cruz, e, desta maneira, obteve
para a humanidade Redengáo. Assim o misterio pascal é o
ponto culminante da atuagáo da misericordia de Deus; a cruz
erguida sobre o Calvario emerge do núcleo do amor com o
qual o homem foi gratuitamente beneficiado segundo o eterno
designio de Deus.

8. Mediante a sua morbe na cruz, Jesús venceu a morte


e o pecado, dando sentido novo aos sofrimentos e dores do
homem; a cruz, acompanhada pela ressurreigáo do Senhor,
preanuncia um novo céu e uma nova térra, quando Deus enxu-
gará todas as lágrimas e nao haverá mais gemidos porque as
coisas antigás teráo passado; cf. Ap 21,4.

A cruz, iluminada pela ressurreigáo de Cristo, é o teste-


munho de que o amor de Deus é mais forte do que a morte
e o pecado; estes males foram vencidos pela Páscoa de Jesús,
que é o penhor de um mundo novo.

Beneficiado pela misericordia de Deus, o homem é cha


mado a transmitir essa mesma misericordia aos seus seme-

— 108 —
RICO EM MISERICORDIA 13

lhantes: «Bem-aventurados os misericordiosos», diz o Senhor


(cf. Mt 5,7).

9. A esta altura da reflexáo, surge a figura de María


como a criatura que, qual nenhuma outra, experimentou a
misericordia e contribuiu para revelá-la. É, por isto, chamada
Máo da misericordia; por meio déla o amor misericordioso nao
nao cessa de revelar-se na historia da Igreja e da humanidade;
esta revelagáo é particularmente frutuosa porque se funda na
singular percepgáo do seu coragáo materno.

«Misericordia... de gera^ao em geragao» (n* 10-12)

10. María predisse que a misericordia de Deus se esten-


deria de geragáo em geragáo (cf. Le 1,50); por conseguinte,
também sobre a nossa geragáo...

A geragáo contemporánea, inegavelmente, usufrui dos


beneficios da técnica; as distancias entre os homens diminuem,
permitindo consciéncia mais nítida da unidade do género hu
mano. Mas, a par de tudo isto, o homem se senté dilacerado
por angustiantes questóes: Qual o significado do sofrimento,
do mal e da morte, que, apesar de táo grandes progressos,
continuam a existir? Para que servem semelhantes Vitorias
pagas por táo alto prego ?

11. Pode-se mesmo dizer que em nosso mundo o ho


mem se senté cada vez mais ameagado:... ameacado por múl
tipla violencia e, em especial, por arsenais atómicos, que sig-
nificam a autodestruicáo parcial da humanidade;... ameagado
também por urna civilizagáo materialista, que aceita o primado
das coisas sobre a pessoa;... ameagado outrossim pela opres-
sáo, que o priva da íiberdade de professar a fé que ele em
consciéncia abraga.

Mais ainda: vemos, ao lado de homens e sociedades abas


tadas, entregues ao consumismo e ao prazer, individuos e gru
pos sociais que passam fome, miseria e subdesenvolvimento; o
número destes atinge dezenas e centenas de milhóes.

Esta imagem do mundo explica a inquietude a que está


sujeito o homem contemporáneo. Inquietude sentida nao so
pelos desfavorecidos e oprimidos, mas também pelos privilegia
dos da riqueza, do progresso e do poder.

— 109 —
14 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

Tanta angustia exige urna tomada de atitude da parte


daqueles que sobre ela refletem.

12. Pergunta-se, pois: para resolver os problemas exis


tentes em nossos dias, será suficiente a justica?

A resposta há de ser negativa.

Com efeito. Verdade é que nos últimos decenios se des-


pertou entre os homens e os povos o sentido da justiga; a pró-
pria Igreja nao tem deixado de propugná-lo, desenvolvendo
progressivamente a sua doutrina social. Verifica-se, porém,
que, em nome da própria justiga, se cometem gravissimas injus-
tiQas, segundo o adagio romano: Summum ius, summa iniuria;
o rancor, o odio e a crueldade nao raro se acobertam sob o
rótulo da justica. Donde se vé que a justiga por si só nao é
suficiente para trazer paz e bem-estar aos homens; requer-se
um valor aínda mais profundo que é o amor e que deve estru-
turar a vida humana ñas suas varias dimensdes. Vé-se assim
como é oportuno o apelo a que a humanidade contemporánea
se volte para as categorías do amor e da misericordia, catego
rías que implicam perdáo, doacáo gratuita e ultrapassamento
da justi?a. Nao há dúvida, o afá de dominar e conquistar
pragmáticamente o mundo empalideceu o valor da gratuidade
aos olhos dos nossos contemporáneos; todavía tal valor há de
ser de novo estimado e cultivado em nossos dias.

A misericordia de Deus na missao da Igreja (n9 13s)

Frente a inquietante imagem da geracáo contemporánea


a Igreja toma consciéncia mais profunda da necessidade de
dar testemunho da misericordia de Deus. Ela o faz profes-
sando-a, em primeiro lugar, como verdade salvífica de fé;
depois, procurando encarná-la na vida dos fiéis e dos homens
de boa vontade; enfim, implorando-a frente a todas as amea-
cas que tomam carregado o horizonte da humanidade con
temporánea.
i

13. A proclamagáo da misericordia de Deus efetua-se


através da leitura da Biblia na Sagrada Liturgia, como tam-
bém na celebracáo da Eucaristía e do sacramento da Peni
tencia. A misericordia de Deus é infinita; por isto também é
inexaurível a prontidáo do Pai em acolher os filhos pródigos
que voltam á casa; infinita também é a forca do perdáo que

— 110 —
RICO EM MISERICORDIA 15

brota continuamente do sacrificio do Filho. Nenhum pecado


humano prevalece sobre esta forga nem a limita; da parte do
homem, só pode limita-la a persistencia na obstinacáo ou a
falta de boa vontade para acolher a graca. — Quem reco-
nhece a misericordia de Deus, nao pode deixar de empreender
mais e mais a sua conversáo ou de viver em estado de con-
versáo; é este estado que constituí a característica mais pro
funda da peregrinagáo do homem sobre a térra.

"A Igreja contemporánea está profundamente consciente de que, só


apolada na misericordia de Deus, poderá realizar as tarefas que derivam
da doutrina do Concilio do Vaticano II e, em primeiro lugar, a tárela
ecuménica, que tende a unir todos os que créem em Cristo. Aplicando múl
tiplos esforgos neste sentido, a Igreja confessa, com humlldade, que
sonriente aquele amor, que é mais potente do que a fraqueza das divisóes
humanas, pode realizar definitivamente aqueta unidade que Cristo pedia
ao Pai, e que o Espirito nao cessa de pedir para nos 'com gemidos inex-
prlmiveis' (Rm 8, 26)" (n? 13).

14. Jesús Cristo ensinou que o homem nao só recebe a


misericordia de Deus, mas é também chamado a praticar a
misericordia para com os semelhantes, fazendo desta um estilo
de vida ou urna característica essencial da vocagáo crista.

O amor misericordioso, ñas relagóes dos homens entre si,


nao é jamáis unilateral. Mesmo nos casos em que tudo parece
indicar que apenas urna parte dá e a outra recebe (como, por
exemplo, seriam o caso do médico que cura, o do mestre que
ensina, o dos país que educam os filhos, o do benfeitor que
socorre os necessitados), mesmo entáo também aquele que dá
é sempre beneficiado. A misericordia será auténtica táo so-
mente se, ao praticá-la, «estivermos profundamente convictos
de que, ao mesmo tempo, nos a estamos recebendo, da parte
daqueles que a recebem de nos». — É importante realgar esta
verdade, quando muitas pessoas hoje em dia tendem a menos-
prezar ou mesmo banir a misericordia como se fosse um pro-
cesso unilateral, que mantém distancias entre aquele que pra-
tica a misericordia e aquele que déla é objeto; removendo a
concepgáo da misericordia assim entendida, tais pessoas pre-
tendem basear as relagóes humanas táo somente sobre a jus-
tica. Ora este modo de pensar nao leva em conta o vínculo
fundamental que existe entre a misericordia e a justica e do
qual fala toda a tradigáo bíblica. A auténtica misericordia é,
por assim dizer, a fonte mais profunda da justiga. Com efeito,
a justiga tende a promover a repartigao dos bens materiais de
maneira equitativa, ao passo que o amor-misericórdia, e so-
mente este, é capaz de restituir o homem a si próprio: só o

— 111 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

amor e a misericordia fazem que os homens se encontrem uns


com os outros naquele valor que é o próprio homem, com a
dignidade que lhe é própria e sem levar em conta bens extrín
secos ao homem; o amor-misericórdia se inclina para o mal-
trapilho táo somente porque este também é gente,

"A misericordia torna-se asslm um elemento indlspensável para dar


forma ás relacdes mutuas entre os homens, num espirito do mals pro
fundo respeito por aquilo que é humano e pela fratemldade recíproca, é
Impossivel conseguir que se estabeleca este vinculo entre os homens se
se pretende regular as suas relacoes mutuas unicemenle com a medida
da justiga. Esta, em toda a gama das relacoes entre os homens, deve
sofrer, por asslm dlzer, urna 'corregió' notável por aquele amor que, como
proclama Sio Paulo, ó paciente e benigno ou, por outras palavras, que
comporta as características do amor misericordioso, téo essenciais'para
o Evangelho e para o Cristianismo" (n? 14).

A misericordia, que há de reger as relagóes entre os ho


mens, exprime-se no perdáo. «O perdáo atesta que no mundo
está presente o amor mais poderoso do que o pecado... Um
mundo do qual se eliminasse o perdáo, seria apenas um mundo
de justioa fria e irrespeitosa, em nome da qual cada um rei
vindicaría os próprios direitos em relagáo aos demais. Deste
modo, as varias especies de egoísmo, latentes no homem, pode-
riam transformar a vida e a convivencia humana num sistema
de opressáo dos mais fracos pelos mais fortes, ou até numa
arena de luta permanente de uns contra os outros» (n» 14).

"Cristo p6e em realce com tanta insistencia a necessidade de perdoar


aos outros, que a Pedro, quando este lhe perguntou quantas vezes devia
perdoar ao próximo, Indicou o número simbólico de setenta vezes seta,
querendo indicar com Isto que deveria saber perdoar a todos e a cada um
e todas as vezes. é obvio Que a exigencia de ser tSo generoso em perdoar
nfio anula as exigencias objetivas da justiga. A Justiga bem entendida cons
tituí, por assim dizer, a finalidade do perdáo. Em nenhuma passagem do
Evangelho o perdáo, nem mesmo a misericordia como sua fonte, significa
Indulgencia para com o mal, o escándalo, a injútla causada ou o ultraje
felto. Em todos estes casos, a reparacáo do mal e do escándalo, o ressar-
cimento do prejulzo causado e a satisfacfio pela ofensa felta sao a con
digno do perdáo" (rr? 14).

A Igreja considera seu dever peculiar guardar a autenti-


cidade do perdáo, tanto na vida de cada individuo como no
desempenho de suas diversas atividades pastorais.

A ora$ao da Igreja dos nossos tempos (n* 15)

15. Além de proclamar e praticar a misericordia, a


Igreja faz apelo á misericordia divina. Em nenhum momento

— 112 —
RICO EM MISERICORDIA T7

a Igreja pode esquecer a oracáo, que é um grito de apelo á


misericordia de Deus perante as múltiplas formas de mal que
ameacam a humanidade.

O homem contemporáneo senté estas ameagas. Se algu-


mas vezes ele nao tem a coragem de pronunciar a palavra
misoricórdia ou nao encontra o equivalente déla na sua cons-
ciéncia despojada de conteúdo religioso, ainda mais necessário
é que a Igreja pronuncie esta palavra nao só em seu nome
próprio, mas também no de todos os homens contemporáneos.

O clamor da Igreja pela misericordia divina tem em mira


cada ovelha desgarrada; ele deveria elevar-se ao céu ainda que
fossem milhóes os desgarramientos ou ainda que no mundo a
iniqüídade prevalecesse sobre a honestidade.

Esta prece significa amor para com Deus, que o homem


contemporáneo afasta de si, considerando-o como algo de
supérfluo. Significa também amor para com todos os homens,
pois exprime um desejo ardente de bem verdadeiro para cada
um deles, para cada familia e cada nacáo.

E, se alguns dos contemporáneos nao compartilham a fé


de Joáo Paulo II, que o leva a implorar a misericordia de Deus
para a humanidade, procurem ao menos compreender o mo
tivo dessa solicitude: é ditada por amor para com o homem,
para com tudo o que é humano e que, segundo a intuicáo de
grande parte dos contemporáneos, está ameacado por perigo
imenso.

A Igreja deve ser constantemente guiada pela consciéncia


de que nao lhe é permitido, em hipótese alguma, esmorecer
na tarefa de revelar aos homens o Pai que se manifestou em
Cristo. Por mais estridente que seja a negado de Deus no
mundo contemporáneo, ainda maior há de ser a proximidade
dos fühos da Igreja ao misterio de Deus-Amor, que foi comu
nicado ao mundo mediante Jesús Cristo.

II. COMENTARIO

A encíclica Dives in misericordia apresenta-se densa em


conteúdo. Nao é difícil, porém, realcar as suas linhas princi
páis. É o que vamos tentar fazer.

Pode-se dizer que o documento tem dois pontos altos: a


explanacáo da parábola do filho pródigo (n« 5s), que resume

— 113 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

toda a doutrina bíblica, e as consideragóes sobre o tempo pre


sente desenvolvidas sob o título «Misericordia... de geragáo em
geragáo» (n» 10-12). O Papa quis aplicar á situagao inquieta
do homem de nossos dias um trago da mensagem bíblica alta
mente oportuno, mas um tanto esquecido.

1. Na verdade, o homem contemporáneo, embora des


frute das enormes yantagens da técnica, é gravemente amea-
gado pela própria civilizagáo que ele criou e que, manipulada
pelo egoísmo, tende a voltar-se contra o seu autor. A encí
clica se detém na descrigáo dos perigos que se fazem sentir
sobre a humanidade de nossos dias (n' lOs). Quanto mais o
homem se assenhoreia do mundo, tanto mais é ele impelido
pela cobiga, tendendo a colocar as coisas ácima do próprio
homem.

2. Neste contexto, o sentido de justiga foi agugado no


mundo, especialmente após a segunda guerra mundial (1939-
-1945), quando ocorreram bárbaros exterminios de massas
humanas. A Carta dos Direitos do Homem, promulgada pela
Organizacáo das Nagóes Unidas em 1948, dá testemunho desse
despertar das consciéncias entre os povos.

3. Acontece, porém, que em nome da justica mesma se


cometem males deploráveis, inspirados por sentimentos de
odio e vinganga: «Summum ius, summa íniuria» (cf. n» 12).
£ preciso, pois, recorrer a outro referencial do comportamento
humano a fim de atingir o cerne da problemática contempo
ránea: tal outro valor é o amor-misericordia. Este vai mais
ao fundo das situagóes do que a justica. Com efeito,
— a justiga considera os direitos no ámbito da vida social
e procura distribui-los equitativamente; ela rege o uso dos bens
materiais que cercana o homem;

— a misericordia vai mais longe, porque considera nao


aquilo que cerca o homem, mas o próprio homem ou a digni-
dade da pessoa; o maltrapilho e esfarrapado, degradado aos
olhos da justiga, conserva um valor que a misericordia aínda
desvenda e salva: o valor de ser pessoa humana, merecedora
de atengáo, embora seja eventualmente culposa; cf. n? 5-6.
4. A misericordia nao se opóe á justiga nem a esta der-
roga. Nao significa condescendencia para com o mal, a injuria
ou o ultraje; ao contrario, ela exige reparagáo do mal e do
escándalo, ressarcimento do prejuízo causado e satisfagáo pela
ofensa cometida. Cf. n» 14.

— 114 —
RICO EM MISERICORDIA 19

5. A misericordia implica, pois, urna dimensáo de gra-


tuidade em relagáo á justiga; ela perdoa, as vezes, o que a jus-
tiga insistiría em cobrar. Perdoar significa per-donare, ou seja,
dar com largueza e magnanimidade, usar de gratuidade. Isto
é valioso; é mesmo indispensável, desde que nao se lese o bem
comum ou nao se prejudiquem inalienáveis direitos de terceiros.
O perdáo e a gratuidade tornaram-se atitudes esquecidas
ou mesmo desvalorizadas, visto o afá com que o homem de
hoje se lan;a á conquista do mundo.
6. O exercício da misericordia é, por vezes, menospre-
zado porque também parece humilhante; dir-se-ia que há ai
um dar unilateral, que torna dependente ou escrava a pessoa
que recebe. — Tal afirmagáo peca por equivoco. Na verdade,
quem dá, recebe ou é sempre beneficiado; deve sentir-se recom
pensado pelo fato de que o próximo acolhe o seu dom e lhe
oferece a ocasiáo de praticar o bem. Ademáis aquele que
hoje dá, amanhá fácilmente poderá encontrar-se na posigáo de
quem recebe ou de quem é beneficiado por misericordia.
7. O exercício da misericordia, que assim é apontado ao
mundo como caminho de salvacáo ñas circunstancias aflitivas
do presente, vem amplamente atestado pela S. Escritura como
sendo o comportamento constante de Deus em relagáo ao ho
mem. Toda a historia do povo do Antigo e do Novo Testa
mento é a expressáo do amor gratuito e invencível do Senhor
para com o homem. Á Igreja compete dizer isto aos homens
de hoje em tom alto e claro e, ao mesmo tempo, continuar a
missáo misericordiosa do Salvador.
Quanto aos homens em geral, é necessário que recorram
a essa inesgotável misericordia de Deus e a implorem para os
nossos tempos (coisa que nao raro, em momentos angustiosos,
as pessoas fazem espontáneamente). .A Igreja nao cessará de
impetrar essa misericordia nao somente em nome dos que
creem, mas também em nome dos que nao créem.

CORRIGENDA

Em PR 253/1981, p. 40, llnhas 3-17, lé-sa algo que deve ser substituido
pelos segulntes dizeres da Constltulcfio Paenltemlnl de Paulo VI datada de
17/02/1966:
"Estfio obrigados á leí da abstinencia todos os que completaram os
14 anos de tdade. A lei do lejum obrlga dos 21 anos completos aos 60 Ini
ciados. Com relacSo aos de Idade Inferior, culdem os pastores de almas
e os país, com todo o empenho, para que sejam levados ao verdadelro
espirito de penitencia" (r* 42s).

— 115 —
Em vista de um livro polémico:

a sucessao de pedro e o papado

Em sínlese : O pastor Aníbal Pereira dos Reís publlcou em 1980 mals


um livro polémico, em que desta vez ataca o Papa e, de modo especial, a
sucessao apostólica a partir de Sao Pedro.

Ver¡fica-se, porém, que o referido autor nSo foi ás fontes da historia


dos Papas, mas consultou manuals de historia da Igreja editados nos últi
mos cem anos, guiado por preconceitos passionais. é o que explica tenha
visto problemas sucessórios onde nSo os há ou tenha exagerado dificul-
dades que nao sao decisivas.

O presente artigo repassa os casos da historia dos Papas apontados


pelo pastor Aníbal, mostrando o que neles naja de vicissitudes humanas,
viclssitudes, porém, que nSo Impedem o historiador de discernir a sucessSo
apostólica Inlnterrupta desde Pedro até Joao Paulo II. É esta a Importante
canclusSo de todo este estudo. A palavra de Jesús que prometeu a Pedro
6 aos Apostólos a sua asslsténcia indefectlvel até a consumacao dos sé-
culos (cf. Mt 16,16-19; 28,19s), continua válida; aplica-so a Jo§o Paulo II
e aos bispos de sua comunháo como legítimos sucessores do colegio apos
tólico chefiado por Pedro.

Quem observa a historia do Papado e a da Igreja, tem motivos para


corroborar a sua fé, pois o conhecimento do passado evidencia que é o
Senhor Deus quem sustenta a Igreja, e n§o a vlrtude dos homens; mais
convicta aínda se torna a consciéncla de que é o próprio Jesús Cristo
quem está presente em sua Igreja e a conserva Incólume Mestra da
verdade através das tormentas da historia.

Comentario: Em 1980 foi editado mais um livro polé


mico, intitulado «Cartas ao 'Papa' Joáo Paulo n», da lavra do
pastor Aníbal Pereira dos Reis. Este opúsculo, redigido em
estilo sarcástico, impugna a legitimidade da autoridade papal.
Para tanto, recorre a afirmagóes nao comprovadas, a fontes
pouco abalizadas e a interpretacóes distorcidas dos fatos. Um
autor que cultive realmente a ciencia, nao usa tal estilo nem
tal método, pois sao passionais e nao se atém á objetividade
do discurso auténticamente científico. Como quer que seja, o
livro do pastor Aníbal pode impressionar leitores desprepara
dos... Eis por que lhe daremos atengáo.

— 116 —
A SUCESSAO DE PEDRO 21

O autor contesta a autoridade de Pedro e o seu sepulta-


mento em Roma — o que já foi estudado em PR 252/1980,
pp. 487-499; conseqüentemente, impugna a autoridade dos
sucessores de Pedro, tentando mostrar que a sucessáo dos Pa
pas através dos sáculos é obscura a ponto de haver contradi-
góes entre os próprios autores católicos. Ñas páginas subse-
qüentes, voltar-nos-emos para a historia do Papado a fim de
elucidar os pontos indicados pelo pastor Aníbal e evidenciar a
continuidade das fungóes de Pedro por entre os altos e bai-
xos que a historia dos homens nao pode deixar de apresentar.

1. Os percaljos da historia

O pastor Aníbal Pereira dos Reis apresenta um quadro


muito confuso da historia do Papado. Cita autores de ma-
nuais .da historia da Igreja como Capelli, Seppelt-Loeffler,
Pastor, Lorenz, H. Bruck..., todos autores dos últimos cem
anos... Aníbal Pereira dos Reis nao pesquisou fontes anti
gás, para poder penetrar melhor a materia, de modo que a
sua explanagáo nao pode deixar de ser superficial e pré-cien-
tífica.

Procurando considerar com objetividade serena o assunto,


observamos que a historia do Papado, como, alias, freqüente-
mente a historia geral, nao pode deixar de ter os seus pontos
obscuros. E isto, no caso do Papado, por quatro principáis
motivos:

1.1. Deficiencia de fontes e cronistas na arrtigüidade

As primeiras tentativas de reconstituir a linha sucessória


dos Papas datam do sáculo II e devem-se respectivamente aos
escritores Hegesipo (151-166) e S. Ireneu (177-178). Ambos
foram a Roma para consultar diretamente as fontes da his
toria ».

O trabalho de Hegesipo chegou-nos em estado fragmen


tario (inserido na Historia Ecctesiostíca de Ensebio de Cesaréia
V 22,3), ao passo que o de S. Ireneu foi conservado integral
mente (ib. V 6,24.28; Adversos Haereses m 3), mas sem

i Sabe-se que o Papa é sempre o blspo de Roma, visto que é o suces-


sor de SSo Pedro, martirizado como blspo de Roma.

— 117 —
22 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

dados cronológicos; a lista dos Papas confeccionada por S. Ire-


neu é o documento mais abalizado que tenhamos no tocante
aos primordios do Papado; comega com Pedro, lino, Cleto e
estende-se até S. Eleutério (175-189).

Acontece que, no decorrer dos sáculos, cronistas e histo


riadores tentaram estabelecer a lista dos Papas da antigüidade,
mas as vezes de maneira pouco científica, comparando a cro-
nologia dos Papas com as de Imperadores e cónsules. Nume
rosas sao as tabelas dai oriundas. Os críticos tém procurado
fazer a triagem de tais documentos, de modo a oferecer ao
estudioso contemporáneo a auténtica imagem da historia do
Papado.

1.2. Erres e incertezas de crónica

Dentre as deficiencias cronográficas, merecem especial


relevo as seguintes:

— por vezes, os cronistas inseriram nos catálogos dos Pa


pas nomes de pessoas que nunca existiram; assim Dono n1,
que teria governado em 972 ou 974; por sua vez, a Papisa
Joana nunca existiu, mas foi introduzida no catálogo dos Pa
pas em lugares diferentes (o que bem mostra que se trata de
fiecáo; cf. PR 141/1971, pp. 411-418);

— a numeragáo dos Papas nem sempre procedeu exata-


mente. Assim o Papa Joáo XV (985-996) em algumas listas
foi considerado Joáo XVT, pois erróneamente se colocou antes
do mesmo um ficticio Joáo XV; em conseqüéncia, a numeragáo
dos Papas subseqüentes de nome Joáo foi aumentada de urna
unidade até Joáo XVDI. Nesta serie, Joáo XVI foi antipapa,
como se verá adiante; nao obstante, foi Joáo XVI computado,
por erro, entre os Papas legítimos... Nao houve Papa de
nome Joáo XX;

— a escrita de determinados nomes oscilou, de modo que


um Papa pode aparecer duas vezes num catálogo com nomes
semelhante: tal é o caso de Cleto e Anafoto 2 e de Marcelo e

1 DeformasSo de Dommis (=Senhor) ou Bonus (=bom).


2Ktetos, em grego, quer dizer chamado. Ana-kletos é aquele que ó
chamado de novo ou para cima.

— 118 —
A SUCESSAO DE PEDRO 23

Marcelino; provavelmente trata-se apenas dos Papas S. Ana-


cleto ou Cleto (76-88 ou 79-91) e S. Marcelino (296-304);

— quando era escomido Papa um diácono nos primeiros


sáculos, este devia receber a ordenagáo episcopal; sem esta o
eleito nao poderia ser considerado Papa. Ora Estéváo n foi
eleito entre 16 e 23/03/752; faleceu, porém, dois dias após a
elei;áo, sem ter sido ordenado bispo, de modo que jurídica
mente nao é Papa; nao obstante, por alguns cronistas medie-
vais foi considerado como Papa Estéváo n, visto que fora
eleito. O seguinte Estéváo toma ora o número n, ora o
número III (752-757), de mais a mais que sucedeu sem inter
mediario a Estéváo (II).

1.3. Ingerencia de Imperadores e familias nobres

Desde que o Imperador Constantino concedeu a paz aos


cristáos (313), o poder imperial foi assumindo fungóes de
tutela em relagáo á Igreja até chegar ao exercicio do Cesaro-
papismo (cf. Justiniano I, 527-565). Além disto, as familias
nobres 'de Roma e dos arredores também se imiscuiram na
esoolha dos bispos de Roma, procurando favorecer seus inte-
resses particulares e políticos. Disto resultou que pessoas nao
qualificadas foram colocadas sobre a sé de Pedro, as vezes
em pontificados breves e tumultuados; resultou também que
os Imperadores promoveram a eleigáo de seu Papa próprio
(= antipapa) em oposigáo ao legítimo Pontífice. Assim, por
exemplo, o Imperador Oto I, no S'nodo de Roma de 4/12/963,
depós o Papa Joáo XH e ooasionou a eleigáo de Leáo VIH.
Este foi antipapa, visto que nenhum Imperador tem autori-
dade para depor um Papa; somente depois que faleceu Joáo XII
(964), a sé papal tornou-se vacante, sendo entáo eleito como
legítimo Pontífice Bento V. Todavía há catálogos antigos que
erróneamente consignam Joáo XII, Leáo VIH e Bento V como
Papas legítimos!

Outro motivo de percalcos na historia do Papado é

1.4. A froqueza de clérigos

Houve, sem dúvida, clérigos cobigosos que disputaram a


ascensáo á cátedra de Pedro, provocando agitagáo e quadros
sombríos na linhagem dos Papas. A verificado da fragilidade
humana nao surpreende o cristáo; este sabe que, desde Abraáo,

— 119 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

Isaque e Jaco, o Senhor se dignou escolher os instrumentos


humanamente mais fracos para realizar o seu sabio plano de
salvagáo. Ao verificar isto, Sao Paulo diz: «É na fraqueza
que a forca manifesta todo o seu poder... Por isto eu me
comprazo ñas fraquezas,... ñas necessidades... pois, quando
sou fraco, entáo é que sou forte» (2Cor 12,9s).

Urna vez expostas as causas de dificuldades que o histo


riador encontra para reconstituir a historia do Papado, com
pete-nos deter-nos mais atentamente sobre o que seja una
antipapa.

2. Antipapa

Exporemos as maneiras como se pode originar um Anti


papa; a seguir, examinaremos alguns casos particulares.

2.1. Como... ?

Como diz o nome, Antipapa é alguém que se opóe ao


Papa legitimo trazendo falsamente o título de Papa; trata-se
de um usurpador, eleito (as vezes de boa fé) em condigóes
ilegitimas. Atribuindo a si a autoridade de Papa, cria um
estado de cisma entre os fiéis. O primeiro Antipapa que se
conheca, é Hipólito Romano (217-235) e o último vem a ser
Félix V (1439-1449); a respeito de um e outro dir-se-á urna
palavra oportunamente.

O número de antipapas oscila, pois os estudiosos seguem


criterios diferentes para definir se tal ou tal figura foi ou nao
antipapa. Os historiadores protestantes, por exemplo, julgam
vacante a sede papal se o respectivo titular é deposto por mo
tivos políticos; ao contrario, os católicos afirmam que nao há
poder imperial nem eclesial habilitado a destituir um Pontí
fice * e estipulam os seguintes criterios para distinguir um Papa
legitimo de um antipapa:

1) esteja a sede papal vacante por ocasiáo da eleigáo ou


da ascensáo do Pontífice á mesma; ora a vacancia só ocorre
por morte ou por renuncia do legitimo titular; fora destes
casos, a sede papal nao pode ser ocupada por quem quer que

i "Pilma sedes a nenrfne ludicatur (a sé primacial por nenhuma Ins


tancia é julgada)", afirma um principio do antlgo Dlrelto da Igreja aínda
hoja Incluido no Código de Dlrelto Canónico.

— 120 —
A SUCESSAO DE PEDRO 25

2) os legítimos eleitores do futuro Papa desempenhem


as suas fungoes com plena liberdade. No caso de terem efe-
tuado urna eleigáo de validade dúbia ou nula, requer-se um
ato público que sane os vicios da eleigáo realizada. Foi o que
se deu no caso do Papa Vigílio. O Papa S. Silvério (536-537)
fora indevidamente deposto pelo general Belisário; a facgáo
deste procedeu entáo a escolha do diácono Vigílio para ser o
«Papa», mas inválidamente. Morto Silvério, Vigílio foi reco-
nhecido publicamente como Papa legítimo (11/11/537); nao
foi Papa senáo após a morte de Silvério;

3) Cumpram-se exatamente as prescrigóes canónicas vi


gentes para a eleigáo de um Papa. Tais normas tém variado
de época para época, tendendo a se tornar cada vez mais rígi
das, a fim de se evitar a intrusáo de facgóes políticas.

Os antipapas tiveram origem freqüentemente pelo fato de


os Imperadores e familias nobres intervirem na escolha do
Pontífice.

A primeira intervencáo imperial em favor de um antipapa


foi a de Constancio (337-361) em prol de Félix II; o monarca,
tendo-se imiscuído na controversia ariana *, exilou o Papa Li-
bério (352-366), que defendía a reta doutrina (o Credo de Ni-
céia); em conseqüéncia, no ano de 355 o diácono de Roma
Félix aceitou ser ordenado bispo, como se lhe fosse licito subs
tituir Libério, o bispo de Roma; voltaremos ao assunto á
p. 123. — Por causa da confusáo dos cronistas, o seguinte
Papa Félix (483-492) foi tido como o terceiro, e nao o segundo,
deste nome2. As intervencóes do Imperador em favor de anti
papas se multiplicaram na Idade Media desde Oto I (936-973)
a Frederico I Barba-roxa (1152-1190).

A partir do antipapa Constantino (767-768) até Ana-


cleto n (1130-1138) a ascensáo de antipapas foi promovida
freqüentemente também pelas familias romanas interessadas
em colocar parentes sobre a cátedra de Pedro.

Examinaremos alguns casos de antipapas mencionados


especialmente pelo pastor Aníbal dos Reis.

i Referente á Divtndade de Jesús Cristo.

*O Papa Félix I govemou de 269 a 274, como legitimo Pontífice.

— 121 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

2.2. Casos especiáis

2.2.1. Hipólito de Roma

Hipólito aparece em Roma no fim do sáculo n como per-


sonagem erudito e, ao mesmo tempo, polemista; combatía as
heresias que sob o pontificado do Papa Vítor (189-199) per-
turbavam a comunidade de Roma.

O Papa Zeferino (199-217) parecía a Hipólito demasiado


indulgente para com os cristáos indisciplinados. Quando a este
sucedeu Calisto (217-222), Hipólito se separou da comunháo
da Igreja, dando origem a urna faccáo cismática, da qual ele
era o bispo. Tornou-se assim o primeiro antipapa, persistindo
nesta atitude ainda sob os pontificados de Urbano I (222-230)
e Ponciano (230-235). Tal situacáo acabou quando o Impe
rador Maximino Trace publicou um edito de perseguido que
atingía principalmente os pastores da Igreja: entáo Ponciano
e Hipólito foram deportados para a ilha «nociva», a Sarde-
nha; Hipólito reconciliou-se com o Papa Ponciano e a Igreja
no exilio; ambos sofreram o martirio pela fé.

Assim se explica que Hipólito tenha sido antipapa e seja


tido como santo. Ele só foi santo por ter deixado de ser anti
papa e haver aderido a Cristo na única Igreja, cujo pastor
supremo é o bispo de Roma. Os santos podem ter atravessado
fases de vida censuráveis.

2.2.2. Os «Félix»

Há tres Papas legítimos de nome Félix e dois ilegítimos


ou antipapas. A numerado é continua de I a V, nao porque
se devam equiparar entre si os auténticos e os falsos Pontí
fices, mas porque as circunstancias da época em que viveu
Félix II nao permitiram aos cristáos discernir entre verda-
deiro e falso sucessor de Sao Pedro. Hoje, ao ler tal nume-
ragáo, o cristáo reconhece o significado relativo da mesma,
sabendo que nao é o título nem a numeracáo que faz de um
antipapa um auténtico Pontífice. Percorramos sumariamente
a seqüéncia dos cinco Félix:

1) Félix I, Papa, governou de 269 a 274. Deixou urna


carta ao clero de Alexandria, na qual afirma a unicidade da
pessoa de Jesús Cristo, tema debatido no século m.

2) Félix n, antipapa. Era arquidiácono em Roma. O


ariariismo (heresia que negava a divindade de Cristo) era

— 122 —
A SUCESSAO DE PEDRO 27

entáo favorecido pelo Imperador Constancio (337-361), que


em conseqüéncia exilou o Papa Libério. Entáo Félix, embora
tivesse prometido fidelidade ao Pontífice, permitiu que o orde-
.nassem bispo de Roma. A cerimónia realizou-se no palacio
imperial, em presenga de poucos funcionarios. O povo de Roma
nao quis reconhecer o antipapa nem freqüentava as igrejas
em que pontificava.

Em 358, quando Libério voltou do exilio, o Imperador


quis que Libério e Félix governassem conjuntamente a Igreja.
O povo se rebelou e levou Félix a deixar a cidade de Roma.
Pouco depois, Félix tentou tomar a basilica lulii no Trastevere
para oficiar, mas o povo o obrigou a sair de novo. Retirou-se
entáo de Roma e morreu junto á Via Portuense em 22/11/365.

No inicio do século VI os acontecimentos do século IV


nao eram claros aos cronistas, de modo que Félix foi conside
rado Papa legítimo e identificado com um mártir do mesmo
nome sepultado junto á Via Portuense; por isto passou a ser
recordado no Martirologio Jeronimiano aos 9 de julho. — Está
claro, porém, que Félix nao foi nem Papa legítimo nem mártir.

3) Félix ni, Papa, governou de 483 a 492.

4) Félix IV, Papa, pontificou de 526 a 530.

5) Félix V, antipapa, foi eleito «Papa» (= antipapa)


nos tempos do Papa Eugenio IV (1431-1447). Em 1439, o
cardeal de Arles e 32 eleitores (dois quais apenas onze eram
bispos), reunidos em Basiléia, escolheram o duque Ama-
deu VIH da Savoia para chefiar urna faccáo oposta á Santa
Sé. Os eleitores pretendiam continuar assim a agáo de um
Concilio que, iniciado em Basiléia (Suica), fora transferido
pelo Papa legitimo Eugenio IV para Ferrara (Italia) em 1438;
a faccáo que permaneceu em Basiléia, nao aceitara a transfe
rencia do Concilio. O antipapa tomou o nome de Félix V, e
foi residir em Lausanne (Sui?a). Em 1449 renunciou, vindo
a morrer em 1451 reconciliado com a Igreja e o Papado.
— Como já foi dito, Félix Veo último antipapa da historia.

2.2.3. Cristóvóo

Contra o Papa Leáo V (903-904) insurgiu-se o cidadáo


romano Cristóváo em setembro de 903. Deteve a sede papal
durante quatro meses, ou seja, até Janeiro de 904. Nao há
cómo atribuir foros de autenticidade ao séu comportamento.

— 123 —
28 «cPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 255/1981

2.2.4. Leáo VIII

O Imperador Oto I (936-973) da Germánia opunha-se ao


Papa legítimo Joáo XII por motivos políticos. Foi entáo a
Roma, convocou um Sínodo local, para o qual chamou o Papa
Joáo XH (4/12/963). Este tendo-se recusado a comparecer,
o Imperador fez eleger como antipapa um leigo, ao qual fo-
ram conferidas todas as ordens sagradas e o título de Papa
Leáo VIH; este devia ser pessoa de costumes dignos, mas fora
ilegítimamente eleito, já que a sé papal nao estava vacante.
A populacáo de Roma permaneceu fiel ao Papa Joáo XII, de
modo que em Janeiro de 964 houve urna revolta em Roma,
durante a qual Leáo VIH sofreu um atentado. Joáo XII, que
deixara a cidade, aproveitou a ocasiáo para voltar a Roma;
um Sínodo reunido em Roma declarou nula a eleicáo de
Leáo Vm no ano de 965.

2.2.5. Joáa XVI

Joáo Filagato era de origem grega, nascido na Calabria.


Tornou-se bispo de Pavía. O Imperador Oto IH enviou-o a
Constantinopla como legado seu. Quando voltou do Oriente
para Roma, na ausencia do Imperador, a facgáo dos Crescen
dos, que dominava Roma, o proclamou Papa, talvez á revelia
do próprio Filagato, que tomou o nome de Joáo XVI em abril
de 997. Era entáo Papa legítimo Gregorio V (996-999); este
teve que fugir de Roma, embora gozasse de apoio do Impe
rador. Quando este retornou a Roma, depós Joáo XVI e o
relegou para um mosteiro. Como se vé, trata-se de um anti
papa devido á ingerencia de interesses estranhos aos da Igreja.

2.2.6. Bento IX

Teofilato era o filho de Alberico m da familia dos con


des de Túsculo, e sobrinho dos dois últimos Papas Bento VTTT
(1012-24) e Joáo XIX (1024-32). Quando morreu este último,
o pai impós aos eleitores a pessoa de Teofilato, que em 1032
foi eleito Papa com o nome de Bento IX. Este tinha entre
vinte e cinco e trinta anos de idade e se achava totalmente
despreparado para táo elevado mister. Levou vida mais seme-
Ihante a de um senhor deste mundo do que á de um Papa.
Em 1045 os romanos elegeram, como antipapa, Silvestre m,
que durou apenas cinqüenta días. Diante do mal-estar rei
nante em Roma, Bento IX resolveu renunciar ao Papado a
1V05/1045. Em seu lugar foi eleito o presbítero Joáo Gra
ciano, com o nome de Gregorio VI (1045-1046). Um Sínodo

— 124 —
A SUCESSAO DE PEDRO 29

em Sutri, orientado pelo Imperador Henrique HE, declarou


depostos o Antipapa Silvestre III e o Papa Gregorio VI
(20/12/1046). Outro Sínodo reunido em Roma aos 24/12/1046
depós Bento IX (que já renunciara havia muito) e elegeu
Clemente n. Quando este morreu (19/10/1047), Bento vol-
tou a Roma e usurpou a cátedra de Pedro de 8/11/1047 a
16/07/1048, quando as forgas do Imperador o obrigaram a
ceder a sede a Dámaso II; este governou apenas tres semanas,
pois faleceu aos 9/08/1048. — Quanto a Bento IX, aínda viveu
até 1055 ou 1056; há quem diga que se arrependeu e terminou
os dias no mosteiro de Grottaferrata, como há (como Sao Pe
dro Damiáo) quem afirme o contrario.

Sao estes fatos que explicam seja Bento IX nomeado duas


vezes ñas listas dos Pontífices Romanos; somente a primeira
referencia é legítima; a segunda estada na cátedra de Pedro
foi ilícita ou usurpatoria.

2.2.7. Silvestre III

O pontificado de Bento IX (1032-1045) foi assaz autori


tario. Em conseqüéncia, os romanos elegeram antipapa em
Janeiro de 1045 o bispo Joáo, da cidade de Sabina, que tomou
o nome de Silvestre HE. Pouca coisa se sabe a respeito deste
prelado; o Concilio de Sutri, apoiado pelo Imperador Henri
que m, o declarou deposto em 1046; na verdade, Silvestre m
só foi antipapa de 20/01/1045 a 10/03/1045.

2.2.8. Bento X

O Papa Estéváo IX (1057-1058), antes de morrer, indu-


ziu o clero e o povo romanos a jurar que nao procederiam á
eleigáo de novo Papa antes da volta do diácono Hildebrando,
que estava na Alemanha e defendía a Igreja contra a prepo
tencia dos nobres. Todavía, após a morte de Estéváo IX
(29/03/1058), a aristocracia romana rompeu o juramento e
escolheu Joáo Mincio, bispo de Velletri, para ser o Papa (anti
papa) Bento X (5/04/1058). A eleigáo foi ilegítima, porque
nao realizada pelo colegio eleitoral devidamente convocado e
presente. Quando Hildebrando voltou da Alemanha, reuniu
em Sena os cardeais, os representantes do clero e do povo
num Sínodo que elegeu Gerardo, bispo de Florenga, o qual
tomou o nome de Nicolau n (1059-1061). Pouco depois um
Concilio em Sutri declarou Bento X perjuro e intruso, confir
mando Nicolau II na cátedra de Pedro. O governo do anti
papa durara dez meses (5/04/1058-24/01/1059).

— 125 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

Bento X deixou Roma em Janeiro de 1059. Morrea du


rante o pontificado de Gregorio VI (1073-85), que, por magna-
nimidade, quis tivesse funerais honrosos. Por isto, durante
muito tempo Bento X foi tido como Papa legítimo e foi
incluido no catálogo dos Papas; em conseqüéncia, o Cardeal
Nicolau Boccasini, eleito Papa em 1303, se chamou Bento XI,
e nao Bento X; na verdade, como foi demonstrado, Bento X
foi antipapa e nao deve figurar na lista dos Pontífices Romanos.

2.2.9. Alexandre II e Alexandre V. O Grande Cisma do


Ocidente

A respeito de Alexandre II nao resta dúvida de que foi


legítimamente eleito após a morte de Nicolau n (1061) e
governou legalmente até a morte em 1073. Viveu num período
em que a Igreja lutava para se libertar da intervencáo do
poder dos reis e dos príncipes. Ora, como Alexandre n fosse
homem austero e adepto da renovagáo da Igreja, a sua elei-
gáo nao agradou aos nobres de Roma e ao Imperador da Ale-
manha; em conseqüéncia, estes promoveram em 1061 a eleicáo
de Cádalo, bispo de Parma, que se tornou o antipapa Hono
rio II (1061-1072); o poder imperial tudo fez para apoiar Ho
norio contra Alexandre; todavía isto nao invalida a posicao de
Alexandre nem legitima a de Honorio n.

Quanto a Alexandre V, faz-se mister colocá-lo no contexto


do Grande Cisma do Ocidente.

Desde os tempos do rei Filipe IV o Belo (1285-1314), da


Franga, este país foi exercendo certa ascendencia sobre o
Papado. Este chegou a transferir a sua sede para Avinháo
na Franga de 1309 a 1377. Quando, após o chamado «exilio
de Avinháo», o Papa Gregorio XI morreu em Roma aos
27/03/1378, os Cardeais procederam 'á eleicáo de Urbano VI
(1378-89), Papa legitimo nativo de Ñapóles; todavía os mo
narcas da Franca e de Ñapóles, descontentes pelo fato de ser
o Pontífice italiano e nao francés, incentivaran! treze Cardeais
a proceder a nova eleicáo em Fondi (reino de Ñapóles), da
qual resultou o antipapa Clemente VII (1378-94), que era
francés, primo do rei da Franca, e foi residir em Avinháo.
Instaurou-se assim um cisma de grande vulto no Ocidente cris-
táo (1378-1417); os monarcas aderiam a um ou outro dos pas
tores em causa, segundo seus interesses particulares, deixando
os fiéis muitas vezes perplexos. A situacáo de cisma foi-se
protraindo, até que em Pisa um grupo de Cardeais de ambas
as obediencias reunidos em 1409 houve por bem declarar depos-

_ 126 —
A SUCESSAO DE PEDRO 31

tos os dois Pontífices (o antipapa e o Papa) e elegeram, para


assumir a cátedra de Pedro, o franciscano de origem grega
Pedro Filargo, que tomou o nome de Alexandre V (1409-1410).
Evidentemente esta eleicáo foi ilegítima, pois nenhum Concilio
tem autoridade sobre o Papa legitimo, que, no caso, era Gre
gorio XII, sucessor de Urbano VI.

Havendo tres obediencias na Igreja — a de Roma, a de


Avinháo e a de Pisa —, os cristáos nao viam como resolver
o impasse, de mais a mais que isto nao poderia ser feito me
diante a deposicáo do Papa legítimo por parte de um Concilio.

O Espirito de Deus manifestou entáo sua presenga provi


dente na Igreja. Com efeito. O rei Sigismundo da Alemanha
quis promover a celebragáo de um Concilio ecuménico em
Constanga para por termo ao cisma; o Concilio, embora nao
legítimamente convocado pelo Imperador, reuniu-se em 1414
na cidade de Constanca; o antipapa Joáo XXIII, sucessor de
Alexandre V, la compareceu, certo de que seria confirmado
Papa pelo Concilio; ora isto nao se deu, pois foi tido como
usurpador e assim constrangido a fugir; foi deposto finalmente
e perdeu toda autoridade. O Papa legítimo Gregorio XH, em
Roma, já tinha noventa anos de idade. Pediu entáo aos padres
conciliares que aceitassem ser por ele convocados e habili
tados a agir conciliarmente; tendo os conciliares aceito tal
delegacáo da parte do Papa legítimo, constituirán! urna autén
tica assembléia da Igreja universal; Gregorio XII, a seguir,
aos 4/07/1415, renunciou ao Papado, deixando a sede vacante
para que os conciliares pudessem proceder á eleicáo de novo
Papa. Quanto a Bento XIQ, o antipapa de Avinháo, já estava
idoso e perderá muito do seu prestigio; os seus seguidores o
abandonavam aos poucos. O Concilio declarou-o ilegitimo. Es
tava assim o caminho aplainado para a eleicáo de novo Papa.
Este foi o Cardeal Odo Colonna, que tomou o nome de Mar-
tinho V aos 11/11/1417. Assim terminou a terrível situacáo
de cisma na Igreja sem derrogacáo ao primado do Romano
Pontífice e sem quebra da sucessáo apostólica. Embora os
cristáos se tenham sentido perplexos durante os decenios do
cisma, o Espirito Santo guiou a Igreja para que a linhagem de
Pedro ficasse incólume através da borrasca.

É de notar que, após Martinho V, a sucessáo dos Papas


prossegue sem dúvidas nem motivo áé hesitacáo para o histo
riador.

— 127 —
32 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

2.2.10. Martinho IV e Inocencio XIII

Aníbal Pereira dos Reis cita ainda Martinho IV (1281-85)


e Inocencio XIII (1721-1724) como Papas discutidos ou nao
admitidos por todos os autores. Na verdade, nenhuma dúvida
existe a respeito da legitimidade do pontificado deume outro
desses Papas, que constam de toda lista de Papas criteriosa-
mente confeccionada.

Sao estas algumas observacoes que os quesitos lancados


pelo pastor Aníbal Pereira dos Reis tornavam necessárias. O
fato de que a numeragáo dos Papas do mesmo nome ora inclua
os antipapas, ora os exclua, nao quer dizer que estáo assim
legitimados aqueles que foram antipapas; por exemplo, o fato
de que Alexandre VI (1492-1503) nao repetiu o número V,
pois Alexandre V foi antipapa, nao significa que Alexandre V
tenha sido legítimo ou haja sido reconhecido como tal. Nao é
o nome nem o número que faz um Papa; a historia, sendo
obra da überdade humana, nem sempre segué as estritas re-
gras da lógica ou do cálculo, mas também nem por isto é
incompreensível ou indecifrável.

3. Par» escrever a historia do Papado

Por último, ainda em vista do opúsculo do pastor Anibal,


importa observar que, se alguém deseja escrever em termos
serios e científicos a historia do Papado (ainda que seja para
criticá-la), deve recorrer aos documentos-fontes e nao a ma-
nuais escolares, que sao geralmente obras de segunda máo,
derivados das fontes. Quem lé a bibliografía citada pelo pas
tor Anibal á p. 66 do opúsculo, verifica que está longe das
fontes da historia; por isto, as ponderagóes do autor polemista
carecem de autoridade científica.

Para escrever auténtica historia do Papado, portante, o


estudioso há de recorrer aos seguintes documéntanos:

1) Chronicon e Historia Ecclesiastica de Eusébio de Ce-


saréia (í 340), Patrología Latina, ed. I'.Iigne, t 19-24.

2) Líber Pontificalis, que, em seu núcleo originario, se


deve provavelmente ao Papa Sao Dámaso I (366-384) e que foi
sendo sucessivamente complementado no decorrer dos séculos;
foi editado em termos críticos e científicos por Louis Duchesne.

— 128 —
A SUCESSAO DE PEDRO 33

3) Ghronioon Pontificum et Imperatorum, de Martinho


de Tropau O.P. (t 1278). A terceira edigáo ¿esta obra vai
até Nicolau II (1277-1280). Cf. ed. L. Weüand, em Monu-
menta G&rmanie Histórica, Scriptores XXII, pp. 327-345;

4) Liber de Vita Ghristi ac omniam Pontificum, de Pla


tina. Editio Princeps, Venetiis 1479.

5) Epitome Pontificmn Romanorum a S. Petro usque ad


Paulum IU. Gestorum electionis singulorum ct conclaviam
compendiaría narratio, de O. Panvinio, Roma 1557.

6) Annales de Barónio, Roma 1588. A cronografía de


Barónio, que vai até 1198, foi reconhecida por quase todos os
historiadores até o século passado.

8) Conatus chronologico-historicus ad univcrsam seriem


Bomanorum Pontificum de Daniel Papebroch.

9) Mémoires, de Tillemont, Paris 1693-1712.

10) Chronologia Romanotrum Pontificum in pañete aus-


trali basilicae S. Pauli Viae Csticnsis depicta saec. V seu aetate
S. Leonis Pp. Magni cum additíone reliquorum Summorum
Pontificum nostra ad haec usque témpora perducta, de G. Ma-
rangoni, Roma 1751.

11) Regosta Pontificum, de Jaffé até 1198, e de Potthast


até 1304.

12) Hierarchia Catholica, de Eubel, de 1198 em diante.

No século XX sao tres os autores que mais autoridade


possuem no tocante á cronografía dos Papas: Duchesne, Enríe
e Mercati. Ora Aníbal P. dos Reis parece ter ficado á dis
tancia destes mananciais de historiografía.

4. Conclusóo

Verifica-se que a historia do Papado esteve sujeita as


vicissitudes da fraqueza humana, que lhe deram urna face por
vezes opaca. Isto, porém, nao decepciona o fiel cristáo por
dois motivos:

— 129 —
34 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

1) É o Senhor Jesús quem sustenta a sua Igreja, e nao


a habilidade ou a santidade dos homens que a governam. Essa
sua assisténcia indefectível, Jesús a prometeu nao aos mais
santos ou aos mais eruditos dos pastores da Igreja, mas a
Pedro e a todos os que legítimamente sucedem a Pedro e aos
demais Apostólos. Com efeito, além de Mt 16.16-191, importa
citar

Mt 28i19s: "Ide, e fazel que todas as nacdes se tornem discípulos...


Eis que estou convosco todos os dias até a consumacño dos séculos".

Por conseguinte, o que dá ao cristáo a garantía de estar


sendo guiado por Cristo mediante os legítimos pastores é a
adesáo aos sucessores de Pedro e dos Apostólos, indepente-
mente das vicissitudes por que passou a Sé Apostólica.

2) É certo que a sucessáo apostólica se vem mantendo


na Igreja Católica. As fases sombrías e complexas da historia
do Papado — que sao inegáveis — nao chegaram a causar a
quebra da linhagem papal.

O fato de que as listas de Papas confeccionadas pelos his


toriadores enumerem dois ou tres nomes a mais ou a menos,
se explica pelos motivos atrás indicados (dois nomes seme-
lhantes foram atribuidos ao mesmo Pontífice, contou-se cá ou
lá algum antipapa, que nao devia ser considerado...); nao
implica perda da linha sucessória, mas elucida-se e entende-se
pela reconstituicáo dos fatos históricos caso por caso.

3) Quem com objetividade estuda a historia do Papado


e a da Igreja, encontra especial motivo para ter fé ainda mais
ardente, pois verifica de maneira quase palpável a presenga e
a aQ&o do Espirito Santo na Igreja. Se Esta é hoje o grande
baluarte da paz e da concordia entre os povos apesar das tor
mentas por que passou, a Igreja é de origem divina e nao
humana, pois nenhuma obra meramente humana teria atra-
vessado os séculos guardando a sua plena vitalidad©, como a
Igreja.

A Deus déem-se gracas por causa mesmo dessa historia


da Igreja!

Á guisa de bibliografía indicamos as obras enumeradas á


p. 129s deste fascículo.

— 130
Um documento da Santa Sé:

sobre o batismo das enancas

Em sintese: Com a data de 20/10/80 a S. CongregacSo para a


Doutrina da Fé publicou urna InstrugSo referente ao Batismo de criangas.
Teve em mira dissipar hesitagdes sobre a oportunidade de ministrar o sacra
mento aos pequenlnos, visto que estes multas vezes nio sao posteriormente
instruidos na fé ou nao assumem os compromissos decorrentes do Batismo.

A Santa Sé reafirma a necessidade de se batlzarem crlancas, pols

— o Batismo é um renascer ortológico, e nao apenas a matrícula do


pequeni.no em alguma sociedade. Pelo sacramento a crianga é habilitada a
ver a Deus face-a-face e recebe a graga que a habilita a corresponder á
vocagao de filho de Deus;

— a pretensa neutralidade dos país no tocante á Rellgiao é Imposslvel.


Com efeito, os país, que, a titulo de respeitar a liberdade dos filhos, nao
os levam ao Batismo, já Ihes estao comunicando urna tese referente á
Religiio, a saber: esta é um acídente, que nao Integra a formagao do
ser humano. — Os pais católicos háo de se empenhar pelo Batismo de
seus filhos com o mesmo interesse (se nSo maior) que dedicam á ali-
mentagSo, a higiene, á educacSo... dos mesmos. Aínda que mais tarde
os filhos rejeitem o que receberam dos genitores, estes nao podem deixar
de Ihes oferecer o que tenham de melhor quando aínda pequeños.

Para ministrar o Batismo as crlangas, a S. Igreja exige a garantía, ou


seja, a promessa sincera de que o pequenlno será educado na fé católica
ou pelos próprios genitores ou pelos padrlnhos ou por familiares ou por
alguma escola ou pessoa da comunidade católica. O fato de que os país
nao estejam legítimamente casados nao é suficiente para recusar o Batismo
dos respectivos filhos; desde que tais genitores oferegam a garantía de
educagSo religiosa da crianca, xiáo é lícito ao sacerdote recusar o Batismo.
No caso de nao haver tal garantía, o pastor de almas deve acompanhar
o casal e tudo fazer para que possa oportunamente batizar a crianga.

Comentario: Com a data de 20/10/1980 a S. Congrega-


gáo para a Doutrina da Fé publicou um documento sobre o
Batismo dos Pequeninos. Tal Instruyo vem atender ao pro
blema, hoje em día assaz debatido, da necessidade ou nao de
se ministrar o sacramento do Batismo ás criancinhas.

"Multos país, com efeito, vivem angustiados ao ver que os seus


filhos abandonam a fé e a prática sacramental, apesar da educagfio crista

— 131 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

que eles se esforcaram por Inés dar; e há pastores de almas que se


inlerrogam se nao deveriam ser mais exigentes antes de admitir as criangas
ao Batlsmo. Uns julgam preferlvel adiar o Batismo das crianzas até que
se complete um catecumenato mais ou menos prolongado; outros, por seu
lado, pedem que seja revista a doutrina sobre a necessidade do Batismo
— ao menos em relacáo ás crianzas — e desejam que a celebradlo do
sacramento seja adiada até aquela idade em que já seja possfvel um
compromisso pessoal, ou mesmo até o Inicio da idade adulta" (n? 2).

Visto que o questionamento da habitual praxe do Ba


tismo pode suscitar alteragóes na auténtica doutrina teológica
do Batismo, a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé houve
por bem mandar estudar o assunto em seus aspectos teóricos
e pastorais, a fim de poder orientar a propósito clérigos e
leigos; de tal estudo resultou a referida Instrugáo, que vai
abaixo sintetizada e acompanhada de breve comentario.

I. O DOCUMENTO

PARTE 1

A DOUTRINA TRADICIONAL SOBRE O BATISMO


DAS CRIANCAS (n? 4-15)

Em sua primeira parte o documento estabelece os funda


mentos doutrinários da praxe eclesial de batizar criangas.

Prática ¡memorial (n* 4-5)

4. Antes do mais, devem-se citar os testemunhos de Orí


genes de Alexandria (t 250) e S. Agostinho (t 430), segundo
os quais a prática de batizar criangas é «tradicáo recebida dos
Apostólos»1. Esse costume dos Apostólos vem atestado ao
menos em tres passagens do livro dos Atos dos Apostólos
(At 16,15.33; 18,8), em que se lé que foi batizada toda urna
casa de familia2. No próprio Evangelho, alias, encontra-se a
palavra incisiva do Senhor: «Quem nao renascer da agua e
do Espirito, nao poderá entrar no Reino dos céus» (Jo 3,5).

* Cf. Orígenes, In Romanos V 9 PG 14, 1047; S. Agostinho, De Genes!


ad ntteram X 23, 39 PL 34, 425; De peccatorum meiltls et remissloira et de
Baplismo parvulorum 26,39 PL 44, 131.
2 A respeito de tais textos já propusemos exegese minuciosa em PR
129/1970, pp. 382-337.

— 132 —
BATISMO DAS CRIANCAS 37

Estes dizeres sempre foram entendidos em sentido estrito e


aplicados tanto a criancas como a adultos. Quando no sáculo II
aparecem os primeiros testemunhos diretos de Batismo de
crianzas, jamáis algum deles o apresenta como inovacáo. S. Iré-
neu de Liáo (t 202) considera obvia a presenca entre os batí-
zados «das criancas e dos pequeninos» ao lado dos adolescen
tes, dos jovens e dos adultos (Adv. Haer. H 24,4 PG 7,184).
O mais antigo Ritual conhecido, ou seja, a Tradicáo Apostó
lica de Hipólito, no inicio do sáculo III, contém a prescrigáo
seguinte:

"Batlzar-se-ao em primelro lugar as crianzas; todas aquelas que podem


falar por si mesmas, que falem; quanto as que nao o podem fazer, os pais
ou alguém de sua familia devem falar por elas"».

Sob S. Cipriano de Cartago (t258), um Sínodo do norte


da África dispós que se podiam batizar as mangas «já a par
tir do segundo ou terceiro dia após o nascimento» (epístola
LXIV de Cipriano PL 3, 1013-1019).

5. Verdade é que no sáculo IV houve hesitado a res-


peito do Batismo das crianzas. A razáo era a seguinte: visto
que se oferecia a cada cristáo apenas urna vez o sacramento
da Penitencia, muitos adultos adiavam o próprio Batismo,
para poder contar durante esta vida ao menos com duas opor
tunidades de reconciliacáo sacramental. Ora muitos pais, mo
vidos por razoes paralelas, adiavam também o Batismo de seus
filhos pequeños. — Todavía na mesma época fizeram-se ouvir
as vozes de diversos bispos e doutores contra tal inovacáo e em
favor do Batismo das criangas; assim S. Ambrosio (t 397) 2,
Sao Joáo Crisóstomo (f407) 8, Sao Jerónimo (t 420) *.

Doctrina do Magisterio ín» 6-10)

6. Fazendo eco á S. Escritura e á antiga Tradigáo, os


Papas e os Concilios intervieram muitas vezes para recordar
aos cristáos o dever de mandarem batizar os próprios filhos.

No fim do sáculo IV, por exemplo, o pelagianismo, ne


gando o pecado original, levou os Papas Silicio, Inocencio I e
o Concilio de Cartago (418) a rejeitar a posigáo «daqueles

» La Tradlllon Apostollque, ed. B. Botte, Münster 1963, pp. 443.


» De Abraham II 11, 81-84 PL 14, 495-497.
«Calecheste III 5-6.
« Epístola 107, 6 PL 32, 873.

— 133 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1931

que negara que se devam batizar as criangas recém-saidas do


seio materno»; o referido Contílio afirmou:

"Também os mals pequeninos, que nSo tenhatn aínda podido cometer


pessoalmente algum pecado, sSo verdaderamente balizados para a remlssSo
dos pecados, a fim de que, mediante a regeneracSo, seja purificado aquilo
que eles tém de nascenca" (canon 2, DENZINGER-SCHÓNMETZER, Enqul-
rfdio n? 223).

7. Esta doutrina foi reafirmada por toda a Idade Media.


Passando para o sáculo XV, citamos o Concilio de Floren^a
(1442): admoesta os que pretendem adiar a recepjáo do Ba-
tismo, e exige seja este administrado aos recém-nascidos «o
mais depressa que se possa fazer cómodamente (qaam primum
oommode)1».

O Concilio de Trento (1545-1563), apoiando-se ñas cita


das palavras de Jesús (Jo 3,5), declarou que ninguém pode
ser justificado «sem o lavacro da regeneragáo ou o desejo de
o receber» (DS n» 1524). Entre os erros rejeitados pelo Con
cilio, encontra-se o dos anabatistas, segundo os quais «era rae-
lhor omitir o Batismo das enancas do que batizá-las só na
fé da Igreja, urna vez que elas aínda nao créem com um ato
de fé pessoal» (DS 1626).

8. Ainda recentemente, diante de dúvidas levantadas


nos últimos tempos, o Papa Paulo VI redigiu o Credo do Povo
de Deus, no qual professa:

"O Batismo deve ser administrado também ás criancinhas que nfio


tenham podido aínda tornar-se culpávels de qualquer pecado pessoal, a
fim de que elas, tendo nascido privadas da graca sobrenatural, renascam
pela agua e pelo Espirito Santo para a vida divina em Cristo Jesús"
(Credo n? 18).

9. 10. Compreende-se que os textos do Magisterio nao


esgotem a riqueza da doutrina sobre o Batismo, pois tinham
em vista principalmente confutar erros. Na verdade, o Ba
tismo é a manifestacáo do amor preveniente do Pai, partici-
pagáo no misterio pascal do Filho e comunicagáo de vida nova
no Esp'rito; faz os homens entrar na posse da heranca de
Deus; agrega-os ao Corpo de Cristo, que é a Igreja. Pelo Ba
tismo, o Pai chama todos os filhos ao Sumo Bem; este cha-
mamento nao pode deixar o homem em atitude de indiferenca,
mas exige resposta pronta e solicita.

» Concilio de Rorenca, sessSo XI; DENZINGER-SCHÜNMETZER (= DS)


Enqulrfdk) rr? 1349. . .f

— 134 —
BATISMO DAS CRIANCAS 39

A missSo da Igreja (itf 11-15)

11. 12. Para a Igreja, foram decisivas as palavras de


Jesús que lhe incutiam a respectiva missáo:

"Fol-me dado todo poder no céu e na térra. Ide, pois, e ensinai todos
os povos, balizándoos em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo"
(Mt 28,19).

Por conseguirte, a transmissáo da fé e a administragáo do


Batismo, estreitamente associadas entre si, fazem parte inte
grante da missáo da Igreja, que é universal. Baseada ñas
palavras de Cristo, a Igreja sempre apregoou a necessidade do
Batismo como único meio entregue pelo Sendor aos homens
para assegurar as criancinhas a bem-aventuranga celeste. Por
isto também a Igreja procura evitar negligencias no cumpli
mento da missáo recebida do Senhor.

14. O fato de que as criangas aínda nao podem profes-


sar a fé pessoalmente, nao impede a prática da Igreja, pois na
realidade ela os batiza na própria fé, ou seja, professando a
fé em nome dos pequeninos. S. Tomás de Aquino explicava
isto ao observar: a crianga que é batizada, nao eré por ela
mesma, mediante um ato pessoal, mas mediante outros, «pela
fé da Igreja que lhe é comunicada» (S. Teol. m 69, 6, ad 3;
cf. 68,9 ad 3). Esta doutrina acha-se expressa também no
novo Ritual do Batismo, quando o celebrante pede aos pais e
padrinhos que professem «a fé da Igreja, na qual as criangas
sao batizadas» (n* 2.56).

S. Agostinho dilata o horizonte do cristáo, quando escreve:

"As criancas sao apresentadas para recebar a graga espiritual, nSo


tanto por aqueles que as levam nos bracos (embora também por eles, se
sSo bons fiéis), mas sobretudo pela socledade universal dos santos e dos
fiéis... É a M&e Igreja toda, que está presente nos seus santos, a agir,
pois é ela Inteira que os gera a todos e a cada um" (epístola 98, 5 PL
33, 362).

15. No cumprimento de sua missáo, a Igreja reconhece


limites á sua prática: Ela nao administra o sacramento do
Batismo sem o consentimento dos pais e a seria garantía de
que a crianga batizada será educada na fé católica. Assim
procedendo, a Igreja se preocupa tanto com os direitos natu-
rais dos pais quanto com as exigencias do desenvolvimento da
fé na crianga. — Alias, a Instrugáo voltará a tratar do assunto
posteriormente; cf. pp. 142s deste fascículo.

— 135 —
40 <tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

13. Verifica-se, porém, que em perigo de morte a Igreja


nao hesita em batizar qualquer crianza; cf. Código de Direito
Canónico, canon 750 § 2 K Caso nao lhe seja possível admini-
trar o sacramento, a Igreja confia a crianga falecida sem Ba-
tismo ao amor de Deus, que é Pai e fonte de misericordia,
como se depreende do Rito das Exequias aplicado a tais peque-
niños.

O documento da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé


nao aborda a sorte postuma das criangas que morram sem o
Batismo. A partir de S. Anselmo (f 1109), os teólogos pro-
puseram o limbo como estado de felicidade natural reservado
a tais pequeninos; a doutrina do limbo tornou-se sentenga
comum, nao, porém, artigo de fé. Hoje em dia bons autores
nao professam o limbo das criangas, mas, antes, afirmam que
Deus lhes concede a bem-aventuranga celeste, levando em
conta a oragáo universal da Igreja ou a oferta dos filhos feita
pelos país... E com razáo: a doutrina do limbo supóe a ordem
natural, e nao considera suficientemente o fato de que o ho-
mem, desde o inicio da historia da salvagáo, foi elevado á
ordem sobrenatural; esta é o único referencial ia luz do qual o
ser humano é julgado e caminha para a sua sorte definitiva;
a ordem meramente natural nao existe na realidade histórica.
Por isto, a tese do limbo, que admite urna felicidade mera
mente natural, destoa de sólida premissa da teologia católica
e, por isto, é cada vez menos professada em nossos dias. A
propósito já foi publicado minucioso artigo em PR 140/1971,
pp. 347-356.

PARTE II

RESPOSTA AS DIF1CULDADES QUE ATUALMENTE

SE LEVANTAM (n9 16-26)

16. Em nossos dias levantam-se objegdes contra a prá-


tica do Batismo de criangas, que podem ser assim concebidas
e analisadas:

»Existe longa tradlgfio, a qual se referan S. Tomás de Aqulno


(S. Teol. 11/11 10, 12o) e o Papa Benlo XIV (InstrucSo "Postremo mense"
de 28/02/1747 rtfs. 4s, DS 2552-2553), de nfio batizar crianza de familia
paga ou judia, excetuado o caso de perigo de morte, contra a vontade dos
familiares, Isto é, se a familia nSo o pede nem oferece garantías de Ins-
trucfio religiosa da crianza.

— 136 —
BATISMO DAS CRIAXQAS 41

Batismo e alo de fé (n? 17-18)

17. Nos escritos do Novo Testamento, o Batismo se segué


á pregagáo do Evangelho, supóe a conversáo e é acompanhado
da profissáo de fé. Em conseqüéncia, alguns autores propóem
que a sucessáo «pregacáo-fé-sacramento» seja estabelecida
como norma; as criangas estariam sujeitas a catecumenato
obrigatório, excetuando-se apenas os casos de perigo de morte.

18. A esta objegáo podem-se apresentar tres considera-


góes:

1) O Novo Testamento refere-se geralmente á conversáo


e ao Batismo de adultos, pois refere a primeira propagado do
Evangelho, que só podia ocorrer entre adultos. Todavia, como
já foi observado, nao excluí o Batismo de criangas, mas, ao
contrario, supóe-no em mais de um caso; cf. At 16, 15.33; 18,8.
2) Mesmo administrado a crianzas, o Batismo é o sacra
mento da fé; estas sao batizadas na fé da Igreja.
3) Segundo a doutrina do Concilio de Trento sobre os
sacramentos, o Batismo nao é somente um sinal da fé, mas é
também a causa da mesma; cf. sessáo VTI, can. 6 (DS n» 1606).
Isto quer dizer: o Batismo nao é somente o testemunho da fé
do catecúmeno ou da Igreja, mas é também o renascimento
ontológico do individuo (cf. Jo 3,5); o Batismo deposita na
alma deste um principio (ou urna sementé, conforme Uo 3,9)
de vida nova ou de filiagáo divina, que tende a desabrochar
paulatinamente durante todo o decorrer desta vida. Em con
seqüéncia, independentemente do uso da razáo da crianca, o
Batismo atua no íntimo desta, comunicando-lhe urna realídade
nova, sobrenatural.

Batismo e apropria$áo pessoal da groja (n? 19-20)

19. Objeta-se outrossim que toda graga, dado que é des


tinada a urna pessoa, deve ser acolhida conscientemente. Ora
as criancinhas sao incapazes de fazer isto.

20. Em resposta, observa-se que a manga é pessoa desde


que concebida no seic materno, mesmo que nao o manifesté
por atos conscientes. Por isto é apta a tornar-se desde cedo
filha de Deus. Ao chegar á idade da razáo, o pequenino pode
tomar consciéncia da sua dignidade e dispor das gragas infun-
dldas na sua alma pelo sacramento.

— 137 —
42 «PERGÜNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

Batismo e liberdade da crianza (n' 21-22)

21. Alega-se que o Batismo das criancinhas constituí um


atentado á liberdade das mesmas. Seria contra a dignidade da
pessoa impor-lhe obrigacóes religiosas que terá de observar no
futuro e que, mais tarde, talvez nao queira aceitar. Dai a con
veniencia de só se ministrar o Batismo a quem possa assumir
livremente os respectivos compromissos.

22. Note-se que no plano natural os pais fazem, em lugar


de seus filhos, opgóas indispensáveis ao futuro destes: tenham-se
em vista o regime de alimentagáo, a higiene, a educagáo e os
costumes que lhes transmitem, a escola a que os enviam...
Omitir-se a tal propósito a titulo de salvaguardar a liberdade
da crianga seria prejudicar seriamente a prole. Ora a regene-
ragáo batismal vem a ser o bem por excelencia que os pais
católicos devem propiciar aos filhos juntamente com a alimen-
tagáo e a educagáo; para quem tem fé, a filiagáo divina é o
mais importante de todos os valores.

Nao se diga que o Batismo compromete a liberdade da


crian?a. Na verdade, todo ser humano, como tal, possui para
com Deus deveres que ninguém tem o direito de cancelar.
Ademáis sabe-se que, conforme o Novo Testamento, a entrada
na vida crista nao é coagáo ou servidáo, mas acesso a verda-
deira liberdade; cf. Jo 8,36; Rm 6,17-22; Gl 4,31; 5,1-13;
lPd2,16...

Mesmo que a crianga, chegando á adolescencia, rejeite os


deveres decorrentes do seu Batismo, o mal é entáo menor do
que a omissáo do sacramento. Com efeito, o fato de alguém
rejeitar a boa educagáo que recebeu, é daño menos grave do
que a omissáo de educagáo por parte dos pais. Observe-se
outrossim que, nao obstante as aparéncias, os gérmens da fé
depositados na alma da crianga poderáo um dia revivescer; os
pais contribuiráo para isto mediante a sua oragáo e o seu
auténtico testemunho de fé.

Batismo e situasáo sociológica (n? 23-24)

23. Alega-se que na sociedade pluralista de nossos días,


caracterizada pelos conflitos de idéias, é contra-indicado o Ba
tismo de criangas. Em tal situagáo, conviria esperar que a
personalidade do candidato estivesse amadurecida.

— 138 —
BATISMO DAS CRIANCAS 43

24. Em resposta, observa-se que o pluralismo é precisa


mente a coexistencia livre de diversas concepgóes de vida. O
pluralismo nao descaracteriza nenhuma, mas admite que todas
possam exprimir-se e expandir-se sem coibigáo. Em conseqüén-
cia, a concepto católica tem ai os mesmos direitos que as
concepgóes nao católicas. O fiel católico, por viver em socie-
dade pluralista, nao tem a obrigacáo de renegar a sua fé ou
de viver como se nao fosse discípulo de Cristo; nao perca a
sua identidade, caracterizada pela unidade da fé e dos sacra
mentos. A pastoral do Batismo nao pode depender única
mente de critério.-i tomados, por empréstimo, das ciencias
humanas.

Por isto os pais católicos podem e devem seguir os dita-


mes de sua consciéncia bem formada e proporcionar aos filhos
o Batismo. Se estes, um dia, o rejeitarem por influencia de
outras correntes de pensamento, fa-lo-áo com liberdade. De
resto, convém observar que, muitas vezes, se invoca o plura
lismo para impor aos fiéis católicos comportamentos que, na
realidade, sufocam a sua liberdade de cidadáos — o que é
auténtico paradoxo.

Faz-se mister também ponderar que é impossível aos pais


deixar de transmitir urna filosofia de vida aos filhos. Ou trans-
mitem a fé católica com a implicacáo do Batismo ou, se pre-
tendem permanecer neutros em materia religiosa, transmitem
a concepcáo de que a religiáo é algo de acidental e se pode
viver auténticamente também sem religiáo. Por conseguinte,
de um lado, nao é possível a neutralidade religiosa; de outro
lado, nao há inconveniente em que cada familia adote e pro-
fesse coerentemente determinada crenga ou filosofia de vida.

Pastoral sacramental (n? 25-26 ti

25. A prática de batizar criangas, dizem, resulta do que


se chama «sacramentalizacáo», ou seja, do afá de ministrar
os sacramentos, como se estes tivessem agáo mágica, sem que
haja a suficiente aten?áo á pregagáo do Evangelho, á cate-
quese e á maturagáo da fé dos cristáos. Mantendo-a, a Igreja
cedería á tentagáo de aumentar numéricamente o seu reba-
nho sem levar em conta a formagáo das ovelhas.

26. A propósito, convém reconhecer que é imperiosa a


necessidade de pregar o Evangelho e favorecer conduta de vida

— 139 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

conseqüente da par-te dos cristáos. Isto, porém, nao excluí o


Batismo de crianzas, que sao batizadas «na fé da Igreja» e
que é absolutamente necessário para assegurar aos pequeninos
o bem infinito da vida eterna.

Quanto á alegada preocupacáo de crescer numéricamente,


nao é um mal, mas um dever e um bem, se entendida devida-
mente, ou seja, se acompanhada de catequese para todos
quantos tenham sido batizados. Com efeito, a Igreja tem por
missáo estender a todos os homens o vinculo sacramental que
a une ao Senhor glorificado. Por isto Ela nao deseja senáo
conferir a todos, criangas e adultos, o sacramento fundamental
que é o Batismo.

Assim entendida, a prática do Batismo das criangas é


auténticamente evangélica.

PARTE III

DIRETRIZES PASTURÁIS

Principios (ni 27-28)

27-28. A prática do Batismo das criangas, que acaba de


ser novamente incutida, exige renovada pastoral. Desta váo
abaixo enunciados dois principios importantes, dos quais o
segundo está subordinado ao primeiro:

1) O Batismo, necessário para a salvagáo, nao deve ser


diferido ou adiado.

2) Para se poder ministrar o Batismo, requer-se a garan


tía de que a crianca receberá verdadeira educacáo na fé e na
vida crista. Essa garantía será fornecida pelos país, pelos
padrinhos, pelos parentes próximos ou pela comunidade crista
(mediante seus educandários católicos, seus Catecismos paro-
quiais ou outras formas). Caso falte tal garantía, adiar-se-á
o Batismo até que a naja.

O diálogo com as familias católicas (n' 29)

29. Os sacerdotes deveráo manter contato com as fami


lias católicas fiéis, a fim de estabelecer com os pais as circuns-

— 140 —
BATISMO DAS CRIANCAS 45

táncias do Batismo de seus filhos. Terá primazia, entre estas,


a preparagáo dos pais, para que tomem plena consciéncia do
valor do Batismo dos pequeninos e assumam as implicares
do mesmo, entre as quais sobressai a educagáo religiosa. Os
padrinhos e as madrinhas deveráo ser outrossim solicitados a
que contribuam para a formagáo católica dos respectivos afi-
lhados (o que se torna imprescindível caso venham a faltar
os pais).

O Batismo deve realizar-se sem demora, se a crianga se


encontra em perigo de morte ou, em outros casos, no decorrer
das primeiras semanas que se seguem ao nascimento (a Con
ferencia Episcopal Alema, em documento de 12/07/79, estipu-
lava o prazo máximo de quatro semanas para batizar criangas).

O diálogo com as familias pouco crentes ou nao cristas (n* 30s)

Acontece que genitores pouco crentes ou praticantes oca


sionáis e mesmo genitores nao cristáos pe;am o Batismo para
suas criangas, impelidos por motivos dignos de consideragáo.

Neste caso, os pastores deveráo mostrar-se compreensivos:


procuraráo mostrar aos interessados o significado do sacra
mento que pedem, e a responsabilidade que estáo para assumir.
Será importante o'oter as garantías de que a crianga batizada
receberá a educagáo católica respectiva1.

As garantías suficientes existem quando

— os pais prometan de maneira fidedigna educar seu


filho na fé católica;

— ou os pais escolhem padrinhos que tomaráo seriamente


a seus cuidados a formagáo católica da crianga;

— a comunidade dos fiéis assume a educagáo da crianga


batizada mediante seus órgáos próprios (Catecismo paroquial
ou outros, educandários católicos...).

> Explicando o que sejaní essas garantías, diz a tnstrucao:


"Quanto as garantías, deve-se Julgar suficiente toda aquela promessa
que oferega urna esperanga fundada quanto á educa;5o crlstl das cilan-
cas" (n? 31).

— 141 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

Se as garantías forem suficientes, o sacerdote nao poderá


recusar-se a administrar sem demora o Batismo, como no caso
das familias católicas. Se, ao contrario, nao forem suficientes,
será prudente adiar o Batismo; todavía os pastores de almas
deveráo manter contato com os pais, esforcando-se por obter
as condicoes necessárias para a celebracio do Batismo. Caso
nao seja possível chegar a esta última solugáo, poder-se-á pro-
por, como último recurso, a inscrigáo da crianga num cate
cumenato que terá lugar na época da respectiva escolaridade *.
Em hipótese alguma, é lícito ao sacerdote abandonar ou me-
nosprezar asituagáo de pais que nao tenham condigóes ime-
diatas de obter o Batismo para seus filhos.

O pape! das familias e da comunidade paroquial (n' 32-33)

32-33. A Pastoral do Batismo deve mobilizar nao so-


mente os sacerdotes, mas também as familias católicas e toda
a comunidade crista. Com efeito, «dado que o Povo de Deus,
que é a Igreja, transmite e mantém a fé recebida dos Apos
tólos, incumbe-lhe, como sua tarefa fundamental, interessar-se
pela preparagáo para o Batismo e pela educagáo crista» (Ordo
Baptismi Parvulorum n* 7).

Em conseqüéncia, os esposos cristáos, os educadores, os


Movimentos de Espiritualidade e apostolado familiar, as Con-
gregacóes Religiosas e os Institutos Seculares interessar-se-áo
por que as crianzas, desde que nascidas, tenham as condicoes
necessárias para poder receber o Batismo; os cursos de pre
paragáo para o casamento e a assisténcia pastoral aos casáis
desempenharáo, neste particular, papel muito importante.

CONCLUSÁO (n! 34)

34. Por último, a Instrugáo pede aos Srs. Bispos ponham


todo o empenho em recordar a doutrina da Igreja sobre a
necessidade do Batismo das enancas, em promover urna Pas-

1 Observa a InstrugSo :
"A inscrlgño eventual em vista de futuro catecumenato nSo deve ser
acompanhada dum rito criado para esta ocasl&o, que potería ser fácilmente
considerado como o equivalente do próprlo Sacramento. Deve ftcar claro
também que esta InscrlcSo nSo é urna entrada no catecumenato e que as
criancas asslm Inscritas nao podem ser consideradas como catecúmenos,
com todas as prerrogativas ligadas a essa condlgao" (n? 31).

— 142 —
BATISMO DAS CRIANCAS £7

toral adequada e tm reconduzir á prática tradicional aqueles


(sacerdotes ou leigos) que se tenham afastado déla.

O documento cm pauta foi finalmente aprovado pelo S. Pa


dre Joáo Paulo II, que ordenou fosse o mesmo publicado, aos
20 de outubro de 1980.

II. COMENTARIO

A Instrugáo em foco resulta de longa pesquisa, que se


estendeu por alguns anos e se beneficiou da colaboracáo de
diversos especialistas e das Conferencias Episcopais dos países
mais interessados no problema. Nao se trata apenas de assunto
pastoral (qual a idade oportuna para o Batismo?), mas, como
foi dito atrás, está em xeque a própria concepcáo teológica
do Batismo, visto que a praxe nao pode deixar de ter reper-
cussáo no campo doutrinal.

Em síntese, a Instru;áo da S. Congregacáo para a Dou-


trina da Fé afirma o seguinte:

1) o Batismo nao é apenas matrícula em alguma socie-


dade ou paróquia, mas constituí auténtica regencracáo ontoló-
gica; Jesús fala de renasoer (cf. Jo 3,5); o neófito recebe em
seu íntimo ura principio de vida nova ou de filiagáo divina,
que enobrece a crianca e a habilita a ver a Deus face-a-face;
além do qué, a grasa sacramental age na crianca, mesmo que
esta nao reconheca todos os seus efeitos.

2) A pretensa neutralidade dos país no tocante á Reli-


giáo é impossível. Com efeito, os país, que, a titulo de res-
peitar a liberdade ios filhos, nao os levam ao Batismo, já lhes
estáo comunicando urna tese referente á Religiáo, a saber:
esta é um acídente ou é algo que nao integra a formacáo do
ser humano ou ainda é algo sem o qual se podem perfeita-
mente entender a vida, as atividades, o sofrimento e a morte
de alguém. Por isf o os país católicos háo de se empenhar pelo
Batismo de seus filhos com o mesmo interesse (se nao maior)
que dedicam a alimentagáo, á higiene e á educagáo desses
pequeninos; ainda que mais tarde os filhos rejeitem o que
receberam dos genitores, estes nao podem deixar de lhes ofe-
recer o que tenham de melhor guando ainda pequeños.

— 143 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

3) É claro, porém, que existem numerosos casos de país


que pedem o Batismo dos filhos táo sonriente para seguir urna
tradigáo, quase folclórica, da respectiva familia. Precisamente
para evitar isto, a Igreja exige cautelas antes de batizar urna
crianca; com efeito, pede a garantía, ou seja, a promessa sin
cera de que o pequenino será educado na fé católica ou pelos
próprios genitores ou pelos padrinhos ou por familiares ou por
algum órgáo (escola, catecismo paroquial, determinada pes-
soa...) da comunidade católica. O fato de que os pais nao
estejam legitimamente casados nao é suficiente para recusar
o Batismo dos filhos (estes nao devem ser punidos por causa
dos pais), mas, se os genitores nao casados oferecem a garan
tía de educacáo religiosa da crianca, nao é lícito ao sacerdote
recusar o Batismo do pequenino. No caso de nao haver tal
garantía, o sacerdote nao deve abandonar o casal, desinteres-
sando-se dele e da crianca, mas deve fazer tudo a fim de que
haja, quanto antes, as condicóes desejadas para que a crianga
possa ser batizada. É próprio do zelo pastoral do ministro
procurar incessantemente atingir todas as familias confiadas
ao seus cuidados sacerdotais.

O documento da Santa Sé veio a lume em momento opor


tuno, dissipando hesitacóes e possibilitando a acáo unitaria de
sacerdotes e leigos na Pastoral do Batismo. Permita Deus
que produza os almejados frutos!

Indicamos para ulteriores leituras

PR 140/1971, pp. 347-356 (o limbo) :

101/1966, pp. 205-216 (esclareclmentos sobre as IntencSes da


Igreja) ;

129/1970, pp. 382-397 (exame dos textos bíblicos atinentes ao


Batismo).

WEGER, KARL-HE1NZ, Der Sinn der Klndertaule, ¡n SUmmen der Zelt,


november 1980, pp. 721 s.

144 —
Delicada questáo:

a dispensa do celibato sacerdotal

Em símese: Ao assumir o governo da Igreja, o S. Padre Jo§o Paulo II


suspendeu o exame dos numerosos pedidos de dispensa do celibato sacer
dotal que se achavam na S. CongregacSo para a Doutrina da Fé á espera
de resposta. Entremenles, com a colaboracSo de Bispos de diversas partes
do mundo, mandou elaborar normas precisas para reglamentar o procedl-
mento jurldipo em tais casos. Essas normas foram redigidas e em outubro
de 1980 enviadas aos Bispos e Superiores Gerais dos Institutos clericals
de Oireito pontificio, juntamente com urna carta, que tece consideracdes
sobre o valor do celibato e a necessidade de evitar que a dispensa do
mesmo seja tlda como algo de meramente burocrático e banal.
A Santa Sé admite a posslbilidade de estudar os pedidos de dispensa
do celibato nos casos de
— sacerdotes que hajam abandonado, há multo, o ministerio e dese-
Jam sanar urna situacáo irreversível (estando casados e com filhos);
— sacerdotes que tenham sido ordenados sob certa pressBo moral
(por parte dos genitores, por exemplo) ou sem pleno uso de sua respon-
sabilldade;

— sacerdotes de cuja aplidSo para o celibato os Superiores nSo


puderam formar juizo lúcido antes da respectiva ordenacao.
O documento visa a Inspirar prudencia e circunspeccSo aos clérigos
que hesilem a respeito da sua persistencia no exerciclo do ministerio
sacerdotal.
* * *

Comentario: Em outubro de 1980, os jomáis divulgaram


a noticia de que o S. Padre Joáo Paulo n havia promulgado
novas normas relativas á dispensa do celibato sacerdotal. To-
davia o noticiario foi um tanto lacónico, pois nao havia sido
dado ao público o texto oficial de tais normas. So mais tarde
foi possível aos órgáos da imprensa tomar conhecimento direto
da documentagáo respectiva. — Visto que o assunto interessa
aos nossos leitores em geral, publicaremos abaixo o novo texto
da Igreja atinente ao tema e o acompanharemos com alguns
comentarios.

1. O problema

•Logo após o Concilio do Vaticano II, ou seja, sob o pon


tificado de Paulo VI, grande foi o número de sacerdotes que
pediram dispensa do celibato, o que implica dispensa de todas

— 145 _
50 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

as funcóes sacerdotais'. Em consegüéncia, o Papa Joáo


Paulo II, ao assumir o governo da Igreja, houve por bem sus
pender o exame dos pedidos de dispensa do celibato2, enquanto
mandava á S. Congregagáo para a Doutrina da Fé estudasse
o problema e elaborasse normas a ser observadas nos casos
em que, por razóes ponderáveis, um sacerdote pedisse redugáo
ao estado laical (como se diz comumente).
Ora tais normas foram redigidas juntamente com urna
carta que as acompanharia, explicando o espirito de tal do
cumento jurídico, e as intengóes da Igreja diante do problema.
Estes documentos, devidamente aprovados pelo S. Padre e
assinados aos 19/10/80 pelo Cardeal Francisco Seper, Prefeito
da Congregagáo para a Doutrina da Fé, foram enviados a
todos os Ordinarios (Bispos e prelados) e aos Superiores Gerais
dos Institutos clericais de Direito pontificio.
0 texto em foco revela o interesse da S. Igreja pela boa
disciplina que deve caracterizar os seus clérigos : de um lado, •
é necessário dissipar eventuais tendencias levianas e laxistas;
de outro lado, faz-se mister nao fechar os olhos a casos real
mente dificéis. O elevado número de dispensas solicitadas em
anos anteriores acarretou o perigo de que se julgasse a dis
pensa do celibato como um direito reconhecido a todos os
clérigos que o quisessem; seria concedida após sumario pro-
cesso administrativo. Tal suposigáo prejudicaria gravemente o
povo de Deus que tem o direito de receber dos sacerdotes exem-
píos de fidelidade as obrigagóes por eles contraídas; a prática
das virtudes, mesmo com renuncia e sacrificio (sem os quais
nao há realmente virtudes), há de ser incentivada, e nao desen
corajada dentro da Igreja.
Por isto também a S. Congregagáo para a Doutrina da
Fé julgou oportuno definir os casos que possam serj levados
em consideragáo para eventuais dispensas:
— os de sacerdotes que há muito abandonaram o minis
terio sagrado e se acham em situagáo irreversível, que eles
desejam sanar;

— os casos de sacerdotes que nao deveriam ter sido orde


nados ou porque foram moralmente coagidos a tanto ou por-

1 Diz a imprensa que Paulo VI durante os seus qulnze anos de ponti


ficado recebeu 32.357 pedidos de dispensa do celibato, mas atendeu apenas
a 1.003. Cf. Fotha de S3o Paulo, 30/10/1980.
2 Aínda conforme a imprensa, em outubro 1980 havla cinco mil petl-
c5es de dispensa do celibato arqulvadas jno Vaticano desde a eleicio de
Joáo Paulo II em outubro de 1978. Cf. ibldem.

— 146 —
DISPENSA DO CELIBATO SACERDOTAL 51

que nao eram capazes de assumir a responsabilidade decor-


rente da ordenagáo;
— os casos de sacerdotes cujos Superiores, na época de
vida, nao puderam julgar se o candidato tinha condigóes de
manter-se estável no celibato.
Estas determinares seráo explicitadas pelo teor mesmo
da carta da S. Congregacáoj para a Doutrina da Fé, que se
segué em traducáo portuguesa nao oficial.

2. A Carta da S. Congrega£áo
«1. Na Carta dirigida a todos os sacerdotes da Igreja por
ocasiao da quinta-feira santa de 1979, o Sumo Pontífice Joáo
Paulo II, referindo-se — como ele mesmo declarou — á doutrina
exposta pelo Concilio do Vaticano II, «, depois, por Paulo VI na
encíclica Saoerdotalis caeübatus, e, por último, também pelo Sínodo
dos Bispos em 1971, pos de novo em clara evidencia quanto se deva
estimar o celibato sacerdotal na Igreja latina.
Trata-se de problema de grave importancia — afirma o Santo
Padre —, que se prende estritamente a linguagem do próprio Evan-
gelho. A Igreja latina, seguindo o exemplo do Cristo Senhor, e
segundo a doutrina apostólica e a sua tradicáo própria, quis, e
aínda agora quer, que todos os que recebam o sacramento da
Ordem, abracem esta renuncia nao somente como sinal escatológico,
mas também como sinal de liberdade para o servico.
Com efeito, observa o Sumo Pontífice: 'Todo cristáo que receba
o sacramento da Ordem, obriga-se ao celibato com plena cons-
ciéncia e liberdade, após urna preparacáo de varios anos, urna
profunda reflexao e assídua oracáo. Só toma a decicao de viver no
celibato depois de ter chegado á firme conviccao de que Cristo Ihe
concede tal dom para o bem da Igreja e para o sen/ico do pro*
ximo. . . É obvio que tal derisáo obriga nao somente em virtude da
leí estabeledda pela Igreja, mas também em virtude da responsabi
lidade pessoal. Trata-fe de manter a palavra dada a Cristo e á
Igreja'. Além disto, acrescenta S. Santidade, os fiéis unidos em ma
trimonio tém o direito de esperar dos sacerdotes 'o bom exemplo e
o testemunho da fidelidade á vocacáo até a morte'.
2. Todavia as difículdades que, especialmente no decorrer
destes últimos anos, os sacerdotes encontraran!, levaram nao poucos
a pedir a dispensa dos deveres decorrentes da sua ordenacáo sacer
dotal e, em particular, a dispensa do celibato.
Por causa da amplidao do fato — que provocoo grave ferida á
Igreja, golpeada desta maneira na fonte da sua própria vida, e

— 147 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

que aflige permanentemente os Pastores e toda a comunidade crista —,


o Sumo Pontífice Joao Paulo II, desde o inicio do seu supremo minis
terio apostólico, persuadiu-se da necessidade de realizar um exame
da situacao assim criada e um estudo das causas respectivas e dos
remedios oportunos a ser adotados.

3. E preciso evitar que fato de táo grave importancia, como


é a dispensa do celibato, venha a ser considerado como direito que
a Igreja deva reconhecer indiscriminadamente a todos os seus sacer
dotes. Ao contrario, deve-se considerar verdadeiro direito aquele
que o sacerdote, com a sua oferta, conferiu a Cristo e a todo o povo
de Deus; e:tes, em con sequen da, esperam do padre a observancia
da fidelídade prometida, apesar das dificuldades que ele possa en
contrar. Do mesmo modo, é preciso evitar que a dispensa do celi
bato, no decorrcr dos 'lempos, posea ser considerada como efeilo
quase automático de algum sumario processo administrativo (cf. Carta
do Sumo Pontífice Joao Paulo II a todos os sacerdotes da Igreja por
ocasiáo da quinta-feira santa, n' 9).

Valores de grande peso sao aquí postos em questao : em pri-


meíro lugar, o bem do próprío sacerdote que pede a dispensa, jul-
■ gando-a como única solucao para o seu problema existencia I, cujo
pero ele considera que ¡á nao pode sustentar; depois, o bem geral
da lgre¡a, que nao pode suportar com ánimo tranquilo a continua
dissolucao das fileiras sacerdotais, que sao absolutamente necessá-
rias ao cumprimento da sua mi-sao; por úttimo, o bem particular das
Igrejas locáis, a saber: o dos Bispos com o seu presbiterio, animados
pelo desejo de conservar, tanto quanto porsível, as foreas apostó
licas necessárias; outrosim o bem de todas as categorías de fiéis,
para os quais o tervico do sacerdocio ministerial deve ser considerado
direito e necessidade. Por conseguirte, faz-se mister levar em conta
os múltiplos aspectos da questao e compo-los entre si num clima de
caridade e ¡ustica, sem negligenciar e, muito menos, rejeitar algum.
4. Consciente, pois, dos múltiplos e complexos aspectos deste
problema, que comporta tristes situacoes pessoais, e também sabedor
da neces-idade de considerar cada pormenor segundo o espirito de
Cristo, o Santo Padre — ao qual muitos Bispos ofereceram dados e
propostas — decidiu tomar um conveniente espago de tempo, a fim
de chegar, com o auxilio dos seus colaboradores, a urna decicao
prudente e sólidamente fundamentada a respeito da maneira de
proceder no tocante á aceítacáo e ao exame de pedidos de dispensa
do celibato e á solucao dos casos respectivos. Deve-se ter como
fruto de tao madura consideracao tudo o que aqui vai exposto. A
diligente solicitude de valorizar todos os aspectos que em tal setor
se apretentam, sugeriu e ¡nspirou as normas segundo as quais dora-

— 148 —
DISPENSA DO CELIBATO SACERDOTAL 53

vante deverá ser instituido o exame dos pedidos que forem enviados
o Sé Apostólica.
£ absolutamente necessário, como bem se compreende, que tais
normas nao sejam, de modo algum, desvinculadas do espirito pas
toral que as anima.

5. Ao examinar os pedidos que sejam apresentados á Sé


Apostó'Ica, a S. Congregacao para a Doutrina da Fé levará em conta
primeramente os casos dos sacerdotes que, tendo ¡á há muito aban
donado o estado sacerdotal, desejam sanar urna situacao da qual
nao se podem afastar. Além disto, con:¡derará os casos daqueles
que nao deveriam ter recebido a ordenacáo sacerdotal ou porque
Ihes faltava a devida liberdade e responsabiüdade, ou porque os
Superiores respectivos nao puderam ¡ulgar, na época oportuna e de
modo prudente e suficientemente idóneo, se o candidato era real
mente apto a viver e:tavelmente no celibato consagrado ao Senhor.
Será preciso, além do mais, evitar qualquer tipo de procedi
miento menos prudente, que prejudicaria o significado do sacerdocio,
a índole sagrada da ordenacáo e a gravidade dos deveres previa
mente assumidos, e que também causaría gravísimo detrimento aos
fiéis, suscitando triste surpresa e escándalo em muitos destes. Por ¡sto,
o motivo da dispensa deverá ser apresentado na base de provas
convincentes por seu número e sua solidez. A mesma solicitude, ten-
dendo a garantir a seriedade do procedimento e o bem dos fiéis,
levará a nao aceitar os pedidos que sejam apresentados com ánimo
soberbo ou orrogante.
ó. Ao exercer a importante tarefa que assim Ihe é confiada
pelo Pontífice Romano, a Sagrada Congregacao para a Doutrina da
Fé bem sabe que pode contar p'enamente com a confianca e a cola-
boracao dos Ordinarios interesados. A mesma Sagrada Congregacao
declara-se pronta a oferecer a todos estes os subsidios que desejem.
Também alimenta a certeza de que observarSo as normas propostas,
pois conhece a solicitude pastoral que tem para criar as condicoes
necessárías ao servico da lgre¡a, ao bem dos sacerdotes « ao incre
mento da vida espiritual tanto dos presbíteros como das comunidades
cristas.
Este Dicastério sabe outrossim que os Srs. Ordinarios de modo
nenhum esqueceráo os deveres da paternidade espiritual em relacao
aos seus sacerdotes, especialmente para com aque'es que se achem
em graves dificuldades de ánimo; procurarao oferecer-lhes a sua
colaboracao firme e absolutamente indispensável para que possam,
com mais facilidade e alegría, cumprir os deveres astumídos, no día
da sua ordenacáo, frente a Cristo e á sua Santa Igreja; tudo tenta-
ráo para reconduzir os irmaos vacilantes á serenidade de ánimo, á

— 149 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS^ 255/1981

confianza, á penitencia e á recuperacao das disporicóes originarias,


com a cooperacao, segundo, os diversos casos, de irmaos, amigos,
párenles, médicos « psicólogos (cf. Carta encíclica Sacerdotalis cae-
libatus n' 87 e 91).

7. Encontram-se em anexo á presente Carta as normas de


procedimento que háo de. ser observadas na preparacao dos do
cumentos relativos «o pedido de dispensa do celibato.
Ao mesmo tempo que vos comunicamos estas informacoes por
dever de oficio, expressamo-vos os sentimentos profundos do nosso
obsequio e nos professamos dedicados no Senhor.
Dado em Roma, aos 19 de outubro de 1980

Francisco Cardeal Seper


Prefeito

Fr. Jerónimo Hamer O.P.


Arcebispo titular de Loríum
Secretario

As referidas normas postas em anexo a esta Carta tém


índole estritamente jurídica, indicando o procedimento técnico
que deveráo adotar os clérigos a quem dizem respeito. Por isto
abstemo-nos de publicá-Ias aqui.

3. Consideragóes fináis
Interessa realgar dois tópicos que a leitura da Carta ácima
sugere:

1) É intengáo da S. Igreja manter o celibato sacerdotal


e preservá-lo do desprestigio que lhe acarretariam dispensas
amiudadas e fácilmente concedidas. O celibato sacerdotal é,
na verdade, um valor: sinal do Reino de Deus neste mundo e
penhor do livre desempenho da missáo sacerdotal.
Ainda poucos dias antes da conclusáo do documento atrás
proposto, o S. Padre se dirigía aos alunos do Seminario Ro
mano Maior referindo-se á riqueza de vida interior que devem
alimentar:
"Somonte tal riqueza Interior vos comunicará a torca para responder
fielmente a vocacáo táo exigente como é a sacerdotal. Esta nada vos pro
mete daqullo que o mundo tem por atraente; ao contrario, pede-vos gene-
rosldade, abnegacSo, sacrificio e, ás vezes mesmo, heroísmo. Nesta pers
pectiva o próprlo celibato, que aos olhos do mundo profano pode parecer
negativo, torna-se feliz expressSo de amor único, incomparével e Inextln-
gulvel a Cristo e ás almas, ás quals ele assegura total disponlbilidade no
ministerio sacerdotal.
Se fonjes animados por tal espirito, sabereis desconfiar de certas
formas de comportamento vazlo e estéril, tendente mais a desagregar e

— 150 —
DISPENSA DO CELIBATO SACERDOTAL 55

destruir do que a edificar e levar á perfeícSo; encontrareis a capacidade


de vos submeter tanto á necessária disciplina e á obediencia devlda aos
vossos Superiores quanto á mortificacio por vos livremente escolhida;
sabereis ser, numa so palavra, resolutos e prudentes Jia vossa conduta
moral, dando aos vossos propósitos esplrltuals tal energía e fidelidade que
nao vos permitirá recuar diante das dificuldades que inevitavelmente se
apresenlaráo no vosso caminho".

Como se vé, o S. Padre deseja suscitar a forga de vontade


e o autodominio nos jovens, certo de que sem tais predicados
nao realizaráo seu ideal. O espirito de renuncia e mortifioagáo
vem a ser penhor de felicidade e alegría tanto para o semina
rista como para o sacerdote, pois leva & consecugáo dos obje
tivos propostos.
2) De outro lado, a S. Igreja nao quer, nem pode, igno
rar situagóes delicadas e dolorosas das quais sofrem sacerdo
tes que tenham abracado o ministerio sem as devidas condi-
cóes: empenharam-se num regime de vida para o qual nao
tém a necessária aptidáo. Pertence á índole materna da Igreja
considerar tais casos bem definidos, procurando apurar se
tais pessoas tém ou nao a possibilidade de continuar ligadas
aos deveres do seu ministerio. — Vé-se que a S. Congregagáo
para a Doutrina da Fé, muito sabiamente, quis delimitar os
casos que possam pleitear revisáo por parte da autoridade
eclesiástica, a fim de evitar laxismo e abusos. Esperava-se tal
atitude por parte da Santa Sé, que assim quis despertar as
consciéncias para o valor da luta de cada crístáo (e, especial
mente, dos sacerdotes) em prol da fidelidade aos compromissos
assumidos.
A atitude de compreensáo bem definida da S. Igreja em
relacáo a sacerdotes incapazes de viver o celibato nao significa
que semelhante atitude possa ou deva ser adotada pela auto
ridade eclesiástica frente a casáis infelizes que pleiteiam o di
vorcio. — Na verdade, o sacramento da Ordem nao é, por si,
incompativel com o do matrimonio (no Oriente há presbíteros
casados sob- a obediencia da Sé Apostólica ou de Roma); o
celibato veio a se tornar lei sancionada pela Igreja para o
clero latino em conseqüéncia da prática do celibato espontá
neamente iniciada pelos presbíteros no Ocidente. Por isto a
Igreja pode dispensar da lei estabelecida pelo Direito eclesiás
tico. Ao contrario, o sacramento do matrimonio é, por si
mesmo ou por direito divino, indissolúvel (cf. Me 10, 5-11) ;
daí nao haver possibilidade, em época alguma, de dissolugáo
do sacramento do matrimonio validamente contraído e consu
mado pela cópula conjugal. O assunto, alias, já foi abordado
em PR 243/1980, pp. 125-131.

■" - ■ .LO.1. ■■ ■•
Um livro novo e ¡novador:
i

"como viver a sexualidade"

por Freí Ovidio Zaníni

Em sínlese: O livro de Freí Ovidio destina-se principalmente a ra-


pazes, aos quais o autor tenciona ministrar normas para a formacáo sexual.
A obra, apesar de apresentar páginas de valor, é perpassada por um oti-
mismo simpiório e "pietista", que a torna Irreallsta e, por isto, Inepta para
a flnalldade proposta. Com efeito; o autor nao leva suficientemente em
conta o pecado original e a presenca de instintos desregrados dentro do
ser humano; tais apetites podem ser fácilmente desencadeados por imagens
captadas mediante os olhos e os demais sentidos, levando a pessoa a ati-
tudes e procedimentos que nSo deseja nem espera.
É a insuficiente conslderacáo desta premissa, inegável e perene no
sei" humano, que leva a fazer serias restricSes á adocáo do livro como
roteiro de formacao para jovens.

Comentario: O autor do livro «Como viver a sexualidade» 1


é Frei Ovidio Zanini, capuchinho. Estudou Teología na Univer-
sidade Gregoriana e Ciencias Bíblicas no Pontificio Instituto
Bíblico de Roma, além de Arqueología no Oriente Medio; atual-
mente leciona Sagrada Escritura no Instituto de Teologia e
Filosofía dos PP. Capuchinhos em Ponta Grossa (PR). Dese-
joso de atender ao serio problema da formagáo sexual de jovens
e adultos, dedica este seu estudo especialmente a rapazes e
homens. Pela temática que aborda e a maneira, como a con
sidera, o livro merece atengáo. A seguir, indicaremos sumaria
mente as suas grandes proposigóes, as quais se seguiráo co
mentarios.

1. Que diz o livro ?


O autor distingue oportunamente entre sexualidade, geni-
talidade e genitalismo (cf. p. 11).
Sexualidade é a masculinidade ou feminilidade que carac
teriza todo ser humano, em cada urna de suas células sem

* Secretariado Arquldiocesano de Pastoral Vocacional, Pousq Alegre


1980, 1SS x 210 mm, 67 pp.

— 152 —
«COMO VIVER A SEXUALIDADES 57

excegáo. Todas as notas típicas da pessoa sao sexuadas ou


próprias do respectivo sexo: cábelo, voz, máos, modo de
andar...
Genitalidade é o uso dos órgáos sexuais característicos da
masculinidade e da feminilidade: requer condi;ñes éticas e jurí
dicas adequadas (o casamento) para se exercer dignamente.
O genitalismo é a genitalidade praticada de maneira pas-
sional e desrcgrada, como acontece na prostitui;áo, no concu
binato e em outras aberragóes...
Feita esta distingáo, o autor incita os jovens a viver irres-
tritamente a sua sexualidade. O rapaz deve procurar ter a voz,
as vestes, os interesses profissionais e o estilo geral do sexo
masculino, ao passo que as mogas procuraráo apresentar-se á
sociedade como pessoas nítidamente marcadas pelo sexo femi-
nino. O livro inteiro se esmera por explanar como pode alguém
viver a sua sexualidade sem cair no genitalismo; numerosos sao
os exemplos citados, dos quais alguns sugerem ao leitor obser-
vagóes e interrogagóes...

2. Comentarios

Poremos em relevo tres pontos:

2.1. Corpo e alma ou corpo-alma ?

Logo á p. 11 o autor aborda um tema antropológico, que


Ihe é fundamental: que vem a ser o homem? — Este, segundo
Frei Ovidio, nao é um composto de duas realidades: espirito
e materia; tal distingáo seña inspirada por mentalidade dua
lista, «que produziu o amargo fruto do maniqueísmo : Deus
criou o espirito, e o demonio criou a materia; o espirito é
bom, a materia é má».
A propósito desejamos observar :
1) Se o homem nao é composto de espirito e materia,
segue-se que é táo somente materia, corpo... 15 materia ani
mada por um principio vital material, análogo ao das plantas
e ao dos animáis irracionais; o homem entáo nao transcende
específicamente os demais viventes. Adotando tal tese, o cris-
táo caí simplesmente no materialismo.
2) Pode-se demonstrar a existencia, no homem, de um
principio vital ¡material ou espiritual, que é chamado a alma
humana. Com efeito, o homem tem expressóes de si que trans-
cendem a materia, como a concepgáo de nojóes abstraías,

— 153 —
58 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1931

universais, o raciocinio, a linguagem, a capacidade de progre-


dir em sua civilizagáo, etc. Por conseguinte, dentro do homem
há um principio que também transcende a materia ou é espi
ritual e que se designa como «alma espiritual». Ulteriores ar
gumentos e ponderagóes a respeito encontram-se em PR
226/1978, pp. 423-434.

3) A existencia de corpo e alma distintos um do outro,


no homem, nao implica dualismo, mas dualidade. Dualismo
significa «dois em antagonismo», como no caso do maniqueísmo,
ao passo que dualidade quer dizer simplesmente «dois elemen
tos que podem ser ^complementares um para o outro», como
homem e mulher, esposo e esposa; estes constituem urna dua
lidade, nao, porém, um dualismo. Assim, no ser humano, corpo
e alma constituem nao um dualismo, mas urna dualidade, pois
a alma é a forma ou o principio vital do corpo.

4) A distingáo real entre corpo e alma nao quer dizer


que o homem se possa comportar ora como ser corporal, ora
como ser espiritual. Na verdade, todas as manifestagóes do ser
humano sao psicossomáticas; o homem pensa e medita utili
zando o cerebro (órgáo corporal), como digere mal os alimen
tos se está preocupado em seu espirito. Isto se deve ao men
cionado fato de que a alma é a forma substancial do corpo.

Alias, é de notar que á p. 11 Freí Ovidio admite a distin


gáo entre materia e espirito no ser humano :
"O Criador achou bom assoclar o homem ao misterio Inefável da
multiplicagao humana. Deus entra com a vida, com o espirito, com a per-
sonalidade; o homem gera os elementos materials" (p. 15).

Como se vé, a terminología e os conceitos no texto ácima


sao clássicos e corretos. O autor nao cedeu á concepto segundo
a qual pal e máe geram a crianoa sem que Deus crie a res
pectiva alma humana. É claro que pai e máe geram um ser
humano concreto e acabado; mas a formagáo desse ser depende
tanto das sementes vitáis dos genitores como da obra criadora
de Deus; os genitores produzem os espermatozoides e os óvulos,
que, combinados entre si, dáo o ovo; a este Deus infunde a
respectiva alma própria, criada caso por! caso.

2.2. Olhar...

No seu intuito de promover a vivencia da sexualidade, o


autor recomenda, mais de urna vez, aos leitores masculinos que
lancem os olhos para o corpo feminino :

— 154 —
«COMO VIVER A SEXUALIDADE» 59

"Admire as formas exteriores do eu feminino presentes no seu corpo.


As curvas suaves, os redondos escultóreos, a carnacSo inefável, o todo
harmónico... SSo particulares do eu feminino 1" (p. 63).

Vejam-se a experiencia de Barbarella as pp. 30s e o


«exemplo maravilhoso» das pp. 23-27. O autor chega a insinuar
a conveniencia de que os meninos lavem o corpo de suas
irmázinhas:

"Por que nSo dar aos meninos esta chance de lavar o corpo de
suas ¡rmazinhas? Até os 4 ou 5 anos n§o existe senso de pudor, porque
nao existe senso de personalidade, que Inicia com o uso da razáo" (p. 20).

"Conheco familias muito nobres onde o Irmáozinho lava sua irmázinha


numa verdadeira alegría líquida" (p. 58).

O autor justifica tais sugestóes e insinuacóes afirmando


que a mulher é «o máximo sacramento» (p. 15). Ao ver urna
moga de biquíni na praia, um jovem poderia exclamar : «Vi
urna aparigáo divina». «A nudez como presente mutuo lembra
a inocencia original... Os conjugas nobres e maduros perce-
bem a alegría e pureza da própria nudez corporal, sacramento
ou sinal da nudez pessoal» (pp. 38s).

Como se percebe, o autor tenciona fazer do nu humano


um «sacramento» ou um meio de elevagáo da mente a Deus
e a valores espirituais. Ora tal tese parece um pouco idealista
ou irreal ou simplória, pois no ser humano existe a concupis
cencia desregrada, da qual fala Sao Joáo em Uo 2,16; a con
cupiscencia cega e instintiva pode-se tornar mais forte do que
a melhor das intencóes...; quem a excita, ou permite seja
excitada, arrisca-se a ver-se suplantado e levado a situagóes
imprevistas e humilhantes. Frei Ovidio nao nega teóricamente
tal realidade; reconhece que «pelo pecado o homem pode ser
genitalista» (p. 42); mas parece nao tirar as lógicas conse-
qüéncias de tal premissa, inspirado por otimismo um pouco
utópico ou inconsistente.

Muito sabiamente a tradicáo crista sempre recomendou


aos seus seguidores a guarda dos sentidos e, de modo especial,
a dos olhos. A experiencia de sáculos tem significado até hoje.
Sabe-se que, se alguém nao cultiva o hábito da mortificagáo
dos sentidos, nao terá forcas para resistir &s solicitacóes per
versas quando estas ocorrerem. Quem negligencia a modestia
da vista, nao pode deixar de se expor a serio perigo de des
mando interior ou mesmo exterior. Eis por que a proposicáo
do autor do livro referente aos olhares parece inexeqüível, por
mais Cándida que seja a sua inspiracáo.

_ 155 —
60 <tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 255/1981

2.3. FuturijSes da polaridade sexual

a) As pp. 58-61 o autor apresenta prognósticos da ma-


neira como se vivera a sexualidade ñas próximas décadas. As
prospectivas, que Frei Ovidio parece ter como moralmente
retas e aceitáveis, podem deixar o leitor pensativo. Tenha-se
em vista o seguinte : ---.- —^

"2. A nudez, quando necessárla ou útil, será tranquila e pura, como


a dos Indios" (p. 59).

"7. Ñas familias, a higiene corporal ou banho poderá ser coletivo,


quando questóes de horario, agua e simples diálogo o exiglrem ou recomen-
darem" (p. 59).

Pergunta-se: nao haveria inconveniente algum na expo-


siQáo de nudismo «justificada» pela higiene? Nao seria para
recear a provocagáo de perversidade e aberracóes, se nao entre
os membros da mesma familia, ao menos fora do ámbito fa
miliar? Mesmo no relacionamento entre cónjuges deve haver
castidade,... castidade que consiste em respeito mutuo e em
observarem as leis da natureza no uso das suas fuñones geni-
tais. Nem tudo é lícito, mesmo entre! marido e mulher; por
isto procuraráo nao se excitar sem finalidade adequada e le
gítima.

b) Mais adiante prevé o autor :

"11. O genital Ista será considerado e tratado como um doente, asslm


como o homossexual, o complexado, o recalcado... A prostitulgáo será
considerada prállca obsoleta e até mesmo cómica. Será o non-sense do
homem que busca a mulher, e tetmina encontrando órgaos genitais. Busca
o feminlno, e tenta saclar-se com a lémea.

12. As doengas venéreas dimlnuirao até extinguir-se totalmente"


(p. 60).

Mais urna vez o autor parece otimista demais. Verifica-se


a tendencia, hoje em dia, para considerar o homossexualismo
nao como urna doenga, mas como a realidade do terceiro sexo
a ser aceito oficialmente. A prostituicáo é favorecida psla
obsessáo do genitalismo; desde a puberdade há ambientes,
escolas e mestres que incitam o menino a procurar contatos
genitais com a menina a troca de dinheiro. O erotismo difun
dido pelo cinema, o teatro, a televisáo, as revistas... tende a
excitar cada vez mais as paixdes e os instintos; em conse-
qüéncia, nao se vé como as doencas venéreas «diminuiráo até
extinguir-se totalmente».

c) No tocante aos Religiosos e ao clero, observa o autor:

— 156 —
«COMO VIVER A SEXUALIDADE» 61

"5. Haverá Congregacóes Religiosas católicas mistas que residírSo


na mesma casa e trabalharao Juntos. Talvez já existam...
6. Ninguém se escandalizará ao ver o padre ir ao cinema ou fazer
um passeio com sua secretaria ou catequista ou menina de alguma familia
que Ihe é Intima. De míos dadas, é claro!" (p. 59).
A Vida Religiosa regular é existencia consagrada a Deus
em pobreza, castidade e obediencia. Para viver a castidade
consagrada, sempre se julgou necessário que os Religiosos e
as Religiosas habitassem em casas próprias, constituindo comu
nidades exclusivamente masculinas ou femininas; tal estilo de
vida permitiu o desabrochamento de personalidades ricas em
valores humanos e cristáos que chamamos santos. Nao se vé
por que habitarem na mesma casa, como irmáos e irmás,
homens e mulheres que pretendem guardar absoluta castidade;
nao haveria nisso muito mais desvantagens, riscos e aberra-
góes do que emolumento? Alias, a própria tradigáo crista
conheceu sucessivos casos em que se experimentou a conviven
cia, sob o mesmo teto, de homens e mulheres consagrados a
Deus, sem que daí resultassem os almejados frutos; ao con
trario, tal costume redundou em perplexidade e mau exemplo
para o povo de Deus.
Tenham-se em mira, por exemplo, as chamadas virgens
subintroductac (syneisalitoá, em grego), ou seja, introduzidas
sorrateiramente. Tal instituicáo se derivou do fato de que nos
primeiros séculos as virgens que se consagravam ao Senhor
ainda nao viviam em comunidades; por isto precisavam de
recorrer a um cristáo piedoso, continente como elas ou consa
grado por voto de castidade (nao raro, um clérigo), para que
este administrasse os bens e zelasse pelos interesses de tais
virgens; coabitavam assim homens e¡ mulheres que professa-
vam total castidade. Este costume era pretensamente legiti
mado pelas palavras de Sao Paulo: «Nao temos o direito de
levar conosco, ñas viagens, urna mulher crista, como os outros
Apostólos e os irmáos do Senhor e Cefas?» (ICor 9,5).
O povo cristáo, porém, nao aceitou tal costume, de mais
a mais que deu freqüentemente origem a escándalos; o «casa
mento espiritual» degenerava em concubinato carnal! Por isto
já no sáculo m a¡ Igreja comecou a condenar esta prática
paradoxal. Em 268 o Concilio de Antioquia censurou Paulo de
Samosata por ceder a tal costume. Sao Cipriano (t 258), bispo
de Cartago, deixou-nos urna carta que reprovava a referida
prática. O Concilio de Ancira (314), em seu canon 10, proibiu
as virgens consagradas que coabitassem com homens na qua-
lidade de irmás. No inicio do século IV o Concilio de Elvira

— 157 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;. 255/1931

(Espanha) se voltou de novo contra tal costume. As virgens


subintroductae foram chamadas agapetas, diletas ou amigas,
por ironía, de tal modo que Sao Jerónimo (t 421) perguntava:
«Como pode entrar ñas igrejas a peste das agapetas ?» O
mesmo doutor censurou monges sirios e egipcios que viviam
ñas cidades com virgens cristas (cf. epist. 22, ad Eustochium,
PL 22, 402). Sao Joáo Crisóstomo (t 407) escreveu o tratado
sobre «A nao coabitacáo de virgens consagradas com homens»
(PG 48). Em conseqüéncia dos maus frutos, o costume em
foco foi abandonado definitivamente.
No fim da Idade Antiga registrou-se algo de próximo, em-
bora nao idéntico á tal praxe: na península ibérica, durante
o período visigótico, houve mosteiros «familiares», cuja origem
é a seguinte: membros da mesma familia desejosos de per-
fei;áo espiritual constituiam pequeña comunidade religiosa, á
qual se agregavam outras pessoas de ambos os sexos. A fim
de remediar aos abusos que tal costume podía ocasionar, Sao
Frutuoso de Braga (t 665, aproximadamente) escreveu um
regulamento para tais comunidades. Os mosteiros mistos assim
oriundos tiveram sua voga efémera, pois nao persistiram atra-
vés dos sáculos.

A Idade Media conheceu «mosteiros duplos», nao mistos *.


Tratava-se de duas comunidades —■ urna masculina e outra
feminina — que habitavam casas diferentes, vizinhas, mas físi
camente separadas urna da outra, observando a mesma Regra.
O Superior respectivo era geralmente um Abade, mas podia
ser também urna Abadessa. A finalidade de tal vizinhanga era
principalmente a de dar assisténcia religiosa as monjas e certo
apoio a subsistencia económica das mesmas; em troca as mon
jas colaboravam com os monges na confecQáo de trabalhos
femininos (alfaias litúrgicas, iluminuras, pinturas...). O cos
tume de aproximar entre si os mosteiros masculinos e femini
nos dentro da mais fiel observancia á Regra e, especialmente,
á castidade monástica data do sáculo IV : Sao Pacómio (t 346)
no Egito, e Sao Basilio (t 379) na Asia Menor, aceitaram e
regulamentaram tal praxe, em si irrepreensível. No sáculo XII
tal instituigáo teve certa vigencia no Ocidente europeu; todavia
nao ultrapassou os sáculos XV e XVI. Desapareceu, em grande
parte, por ter caído em crescente desestima dos próprios Aba
des, dos Bispos e do povo de Deus.

» Os mosteiros mistos foram aqueles poucos cenobios em que monges


e monjas coabltavam sob o mesmo teto. Tal caso, além de multo raro, sem-
pre foi condenado pela Igreja.

— 158 —
eCOMO VIVER A SEXUALIDADES 63

Após tais experiencias, nao se recomendaría, hoje ou nos


próximos tempos, tentativa de criar instituigáo semelhante a
alguma das atrás recenseadas. Nao somente os mosteiros mis
tos, mas também os duplos, nao puderam perdurar. Em nossa
época, nao se pode crer que a evolucáo de tais instituigdes
seria mais bem sucedida do que a das anteriores; ao contrario,
tudo leva a crer que decepcóes e desastres moráis se multi-
plicariam.
d) Com referencia aos sacerdotes e ao modo de conviver
com as pessoas que assessoram a pastoral paroquial, nao será
supérfluo lembrar as constantes normas de recato e dignidade
de porte que sempre foram incutidas na formagáo dos clérigos.
A familiaridade que leve a carinhos e divertimentos prolon
gados, nao tem justificativa; fácilmente pode desvirtuar-se. O
fato de que nao poucos sacerdotes hoje estáo afastados do
ministerio sacerdotal tem suas raízes remotas, nao raro, na
falta de prudencia com que tais clérigos se comportaran! em
seus momentos de lazer ou em seu estilo geral de vida.

3. Concluso»
Poder-se-iam apontar outros tópicos do livro de Frei Ovi
dio Zanini nos quais transparece urna visáo utópica ou sim
plona ou demasiado candida, da sexualidade. Esta, longe de
ser má, é obra do Criador, mas necessita de ser integrada no
conjunto da personalidade de cada individuo. Ora sabe-se que
todos trazem em si urna carga de instintos cegos, aptos a su
plantar a razáo e os mais nobres ideáis; esta realidade nao é
contingente, nem característica de épocas passadas, mas cons
tituí o ser humano como tal em qualquer fase) da cultura. A
educagáo pode e deve levar o individuo a libertar-se de tabus
e preconceitos relativos ao sexo, mas deve também ensinar
disciplina, autodominio e reserva no tocante aos apetites natu-
rais, sem o que jamáis alguém será personalidade formada e
harmoniosa. Quem diz gim a todos os seus ímpetos naturais,
nao terá nem a coragem nem mesmo a possibilidade de dizer
Nao quando se vir diante do sinal vermelho do pecado; este
sobrepujará seu parceiro «candido» ou, melhor, indevidamente
candido e «inocente».
Eis por que o livro de Frei Zanini nao nos parece poder
ser assumido como cartilha ou manual para a formagáo de
jovens. A inspiragáo fundamental demasiado otimista o torna
irrealista.
Estéváo Bettenoourt O.S.B.

— 159 —
livros em estante
Comunidades eclesiais de base e Prátlcas de libertacáo, por Clodovis
B0ff, _ Ed. Vozes, Petrópolis, sem data, 160 x 230 mm, 30 pp.

Este livrlnho contém, á guisa de separata, o texto de um artigo


publicado pelo autor em REB, vol. 40, fase. 160, dezembro 1980, pp. 595-625.
Constituí um espelho significativo do que se|am as Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs) no Estado do Acre (como também talvez em outras regióes
do Brasil). Fiel Clodovis p5e em relevo cinco dados ou cinco traeos mar
cantes das' CEBs; após o que levanta cinco problemas suscitados pela exis
tencia e a atuacáo das mesmas, deixando o estudo em conclusio aberta;
o leitor forme o seu jufzo sobre o assunto I Através das páginas, assaz
fiéis e realistas, do autor percebe-se a preocupacáo sócio-politica que move
os mentores e os membros das CEBs. A S. Escritura é interpretada em
funcSo de situag6es políticas; tal foi o caso de 1Sm 8 (que serviu para re
presentar em forma de drama como era um governo mau) e de Dt 17, que
parece tragar o retrato do líder popular; cf. p. 598 do artigo. As ativldades
das CEBs sao as de "pega-fazendeiro", "mutlrao contra a jagungada",
"reapropriagáo da política partidaria" (pp. 600-608). Sobre as CEBs paira
a ameaga de constituirem urna Igreja "popular" em oposigSo á Igreja ofi
cial, hierárquica,... Igreja popular tendente a certo seculatlsmo, interessada
por politica mals do que pela dlmensao transcendente da fé (p. 622s) ;
o socialismo é, por vezes, confundido com a soterioiogla ou com a mensa-
gem de salvagdo apregoada pelo Evangelho (p. 523s).

A leitura do opúsculo é interessante e útil, pois informa o leitor com


fldelidade a respelto do que possa ser a vida ñas CEBs (narram-se fatos
minuciosos muito expressivos). NSo é sem fundamento que se atribuí a
varias destas urna agio politizante que chega a atrofiar ou desfigurar a
catequese propriamente religiosa ou os ensinamentos da fé; os valores
transcendental sao, nao raro, considerados através de um prisma imanen-
tista; os vocábulos ficam, mas tomam significado sócio-político-económico,
que pode trair nao somante o Cristo, mas também o próprio homem, feito
por Deus para valores eternos.

Atualldade de MIquéias. Um grande "profeta menor", por A. Malllot


e A. Leliévre. Traducao de Benóíil Lemos. ColegSo "Comentarios Bíblicos"
n<? 3. — Ed. Paulinas. Sao Paulo 1980, 130 x 200 mm, 179 pp.

O profeta Miquéias, um dos doze ditos "Menores" (autores de vatici


nios pouco estensos), é pouco conhecido. Alias, os livros dos Profetas sSo
dos mals difíceis de toda a S. Escritura, porque supóem o contiecimento
de certas minucias da historia de Israel antigo, além do que usam de estilo
conciso e, nao raro, figurado.
Os dois autores em pauta apresentam-nos valioso comentario de
MIquéias, precedido de introducSo geral ao texto sagrado, na qual descre-
vem os acontedmentos históricos e exp5em os dados geográficos necessá-
rlos ao entendlmento do texto bíblico. Especialmente importantes sSo os
capítulos 4 e 5 do profeta, por apresentarem passagens messianlcas: urna
relativa a Belém, cidade do Messias (Mq 5,1-4) e outra referente á nova
ordem a ser instaurada pelo Messias (Mq 4,1-7).

Malllot e Leliévre dio cunho científico ao seu trabalho. Todavía nfio


produzlram comentarlo árido; ao contrario, confeccionaran) obra de fácil
compreensBo e rica em válidas observares.
E.B.

— 160 —
EDigÓES LUMEN CHRISTI

Departamento Cultural do Mosteiro de Sao Bento


Rúa Dom Gerardo, 40 • 59 andar - sala 501
Caixa Postal 2666 - Tel. (021) 291-7122
20000 Rio de Janeiro RJ

LITURGIA

Missal Popular Ferial (Ed. Coimbra, Portugal, 1979) - Ferias,


Comuns, Santoral, 1744 p 1.000,00

Liturgia da Missa (24? edicáb), contendo Ordinario da Missa e 10


Oracoes Eucarísticas: 5 comuns, 3 para Chancas, 2 para Recon-
ciliacao: Tipos bem legíveis, duas cores. Capa piastificada 30,00
Em carteira plástica . . . 50,00

Gradúale Romanum Sacrosanctae Romanae Ecclesiae de Tempore


& de Sanctis, Solesmes, 1979, com todas as melodías gregorianas,
918 p. (poucos exemplares) 1.350 00

Antiphonale Monasticum pro diurnis Horis, Próprio Beneditino,


Solesmes, 1934,1290 p. (poucos exemplares) 1.500,00

Pequeño Calendario Litúrgico para 1981 — Para marcaras Missas


de cada dia, a Liturgia das Horas, em todas as Dioceses do Brasil,
ñas Igrejas Beneditinas e da Companhia de Jesús. Folhas desta-
cavéis \ 100,00

A Missa segundo o Concilio (Na íntegra a Instrucao Geral sobre


o Missal Romano; Documento sobre as Oracoes Eucarísticas; a
Criatividade) 132 p 100,00

Ritos de ComunhSo para Ministros da Comunhao (MECE), nova


edigao 1980, Normas, Ritos, Leituras, 68 p. . . .' 100,00

Grande Encontró, D. Hildebrando P. Martins. Semana da Missa,


contendo doutrina, leitura bíblica. Metas, Audio-visual, Reflexao
em grupos. Esclarece a Comúnidade sobre a partid pacao na
Liturgia da Missa em 8 instrucoes 109 p 150,00

A Liturgia do Povo de Deus, Cario Fiore, SDB (A Constituicao


Litúrgica explicada ao povo, traducao e adaptacao por D. Hilde
brando) 107 p 120,00
NOVIDADES:

A REGRA DE SAO BENTO - Nova edigao comemorativa dos 1.500 anos


de nasci mentó do Patriarca Sao Bento, em latim-portugués. Tradugao e
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Trad. e notas por D. Esteváb Bettencourt O.S.B. Breves
sentencas proferidas pelos antigos monges do deserto, praticando oracao
e ascese. Sao sentencas que propoem urna doutrina, urna norma de vida
espiritual, ou narram um episodio instrutivo e edificante da vida desses
ascetas que viveram no Egito dos séculos IV/V. É ai que comeca a florescer
o modo de vida crista que é o Monaquisino. 262 págs .'. . 250,00

JOÁO PAULO II E O ESPIRITO BENEDITINO - Carta Apostólica, Homi


lías, Alocugoes, Discursos pelo Santo Padre por ocasiao do 159 centenario
de nascimento do Patriarca Sao Bento. 110 p. 200,00

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Nova edigao revista, ampliada e atualizada, na qual o A. comenta e desen-
volve a doutrina contida no CREDO de Paulo VI. Obra apreciada por
teólogos como Yves CONGAR, O. Rodrigues, L B. Gillon, V. M. Leroy,
A. Rivera eoutros.
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de nivel universitario ou de 2°.grau.

A UNCÁO DOS ENFERMOS - (Ritual de urgencia), contendo o rito com


pleto com rubricas simplificadas e leituras adaptadas as circunstancias mais
comuns. Especial para "chamados de urgencia".

A MISSA EM LATIM PARA OS FIÉIS - Reprodugao dos textos e tipos da


Poliglotta Vaticana, para uso na Missa Dominical de 10 horas na Catedral
do Rio de Janeiro.

O CORPO HUMANO E A VIDA - Declaracoes da Sagrada Congregacao


para a Doutrina da Fé sobre a Escatologia e a Eutanasia. Em apéndice, a
Reencarnacao.

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