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10 MITOS DA PSICANÁLISE

O paciente fala deitado no divã e o analista só escuta, sentado numa poltrona confortável,
Cliché no cinema, a cena nem sempre é exatamente essa nos consultórios, Aqui, toda a
verdade sobre o folclore que envolve essa relação tão delicada, Por Sílvana Tavano

Todas as terapias têm a mesma meta: lidar com a angústia e com o sofrimento, ajudando o
paciente a ser mais feliz e a encontrar um sentido para a vida. Mas cada modalidade busca
esses objetivos à sua maneira -em alguns casos, a pessoa vai dramatizar e reviver situações
pelas quais passou; em outros, vai tentar desatar nós desbloqueando tensões físicas. Na
psicanálise, a fala é o fio condutor de um processo de autoconheci-mento.Tudo começou com
Freud, no início do século passado: ao receber pacientes que já tinham consultado todos os
médicos de Viena, sem sucesso, Freud percebeu que o ato de falar, sendo ouvido por
alguém, era terapêutico. Mais do que isso, esse discurso podia trazer à tona conflitos que
estavam em outro fugan além da mente racional -a esse lugar; ele deu o nome de in-
consciente. "Uma parte da mente à qual não temos acesso, mas que é capaz de produzir
efeitos, como neuroses, angústias e sintomas físicos", explica a psicanalista Mania Deweik, de
São Paulo. A seguir, três especialistas falam sobre os mitos que cercam o assunto, mostrando
que muito do que se diz sobre a psicanálise é um exagero.

1- O psicanalista nunca fala durante a sessão

"Eu falo e escuto, ensino, aprendo e também me divirto com meus pacientes", diz a psi-
canalista Mania Deweik. Segundo ela, talvez esse mito tenha surgido quando a obra de Freud
foi traduzida do alemão para o inglês. "Ele escrevia de maneira literária, inspirava-se nos
poetas, na tragédia grega, e seus discípulos ingleses entenderam que era preciso dar uma
forma mais científica à sua teoria. Esse pode ter sido um dos fatores que contribuíram para a
ideia de neutralidade."
Na prática, existem psicanalistas que mantêm uma atitude mais sisuda. "E uma questão de
estilo pessoal.Tem que seja mais reservado e há os que são expansivos. Mas isso não é uma
regra da terapia", diz o psicanalista gaúcho David E. Zimerman.

2- Para ter resultado, é preciso fazer terapia durante muitos anos

Na época de Freud, os tratamentos terminavam em meses. Mas, ao longo das décadas, a psi-
canálise se desenvolveu como um processo que dura anos. Hoje a prática não corresponde a
nenhuma das duas alternativas. "A psicanálise não pode ser definida como um tratamento
breve, porque exige um tempo de elaboração, e esse tempo varia de pessoa para pessoa",
diz a psicanalista Dulce Barras, de São Paulo. Na sua clínica, o usual é começar com duas
sessões semanais, que podem se reduzir a uma, e o tratamento dura, em média, de três a
cinco anos. Segundo Mania Deweik, o tratamento pode parecer longo para quem busca
resultados imediatos contra a tristeza, o medo, a ansiedade. "Mas crescer não é um processo
instantâneo. E, além disso, cada paciente tem sua história e seu ritmo", diz Mania.

3- A análise é um tratamento caro

A ideia de um tratamento elrti-zado, que só acontece entre quatro paredes e com um paciente
pagando por infinitas sessões, já não corresponde à realidade. "A psicanálise está nas
creches, nos postos de saúde e nas instituições de saúde mental", explica Mania Deweik O
psicanalista David Zimerman afirma que a maioria das sociedades psicanalí-ticas mantém
serviços ambulato-riais, com preços acessíveis à população. "Além disso, é normal analista e
paciente conversarem e negociar a questão do dinheiro", diz Dulce Barros.
4- O paciente fala o tempo todo do passado, da mãe e do pai

É importante trazer do passado as situações que continuam a perturbar ou a se repetir no


presente, mas isso não significa que a análise vá girar em torno disso. "O único passado que
interessa é o que não foi suficientemente elaborado, isto é, entendido e aceito. Por isso,
continua incomodando o paciente", explica Mania.

Segundo Zimerman, o assunto de cada sessão fica a critério do paciente -é comum que a
pessoa fale sobre situações cotidianas, ligadas ao trabalho ou à família. Mas, através desses
temas que fluem espontaneamente, muitas vezes é possível fazer uma conexão com
situações similares que já aconteceram. "Essas associações trazem compreensão. E o que
tecnicamente chamamos de 'insight'. Nesse momento, o paciente se dá conta de que está
agindo de determinada maneira porque tende a reagir da mesma forma. São jeitos de se
comportar ligados a traumas ou relacionamentos antigos", explica o psicanalista.
Nas palavras de Dulce Barros, os fatos imediatos são uma consequência do passado. "Na
análise, a pessoa percebe que existe esse processo de repetição e que isso só termina
quando há uma compreensão do que aconteceu."

5- Tudo o que a pessoa faz tem a ver com sexo

Segundo David Zimerman, essa falsa crença tem origem no próprio Freud, que relacionava
todas as angústias e sintomas a algum problema sexual. "Hoje essa visão se justifica só em
certos casos. Na maioria das vezes, há outros aspectos a considerar e que são mais
importantes do que as questões ligadas ao sexo", explica o psicanalista. A questão é que,
para Freud, o conceito de sexualidade ia muito além do ato sexual genital, incluindo várias
outras manifestações prazerosas. "Nesse contexto, o sexo não deve ser entendido como
relacionamento homem-mulher, mas como todas as experimentações ligadas ao prazer",
explica Dulce Barras.

6- Muitos pacientes se apaixonam pelo psicanalista

"Pode acontecer Mas essa 'paixão1 tem muitos coloridos, não só o do desejo sexual. Pode ser
uma transferência da imagem da mãe, da amante, da competidora... Importante é que isso
seja analisado como qualquer outra fantasia", explica Mania. Para Dulce, muitas vezes esse
jogo de sedução esconde apenas uma outra forma de resistência. "O paciente imagina que,
se encantar o médico, vai ser menos censurado." Nessa situação, o papel do psicanalista é
decisivo. "Ele vai, sim, lidar com os sentimentos do paciente, mas não pode ficar envolvido
com ele", explica Zimerman

7- O paciente não pode saber nada sobre o seu psicanalista

Freud atendia em sua própria casa, sob o mesmo teto em que moravam os oito filhos, a
mulher e a cunhada. Portanto, a ideia de total neutralidade do profissional não tem nada a ver
com ele, mas com a interpretação que seus seguidores fizeram de sua teoria. "Acredito que é
preciso estabelecer limites, mas existem formas de olhar para isso. Cabe ao analista definir
até que ponto a curiosidade do paciente é normal e a partir de que momento isso se transfor-
ma em mais um problema a ser trabalhado", explica Zimerman.Em uma relação tão íntima,
muitas vezes o paciente passa a ver seu analista como um amigo, com quem gostaria de, por
exemplo, poder sair para tomar um café. "Mas é importante preservar a cumplicidade que se
conquistou dentro do consultório. Por isso, a relação não deve mudar de formato", explica
Mania, Segundo ela, não há hierarquia, mas o relacionamento não é de igual para igual. "Um
fala e o outro escuta, as posições que as pessoas ocupam são diferentes. Essa não é uma
relação entre amigos", conclui Mania.

8- É obrigatório deitar no divã

O que define a análise não é o divã, mas a escuta do analista. Todos concordam, porém, que
o divã pode facilitar "Freud atendia até 15 pessoas por dia. Não é fácil ficar submetido ao
olhar do outro durante tanto tempo, tentando, ao mesmo tempo, captar o que aquela pessoa
está dizendo", diz Mania. Apesar disso, os pacientes ficam à vontade para ocupar o espaço
que desejam em seu consultório. Para o psicanalista David Zimerman, a pessoa fica livre para
decidir "Mas considero uma conquista do paciente quando ele decide fazer análise deitado.
Isso apenas demonstra que ele sente confiança e não tem necessidade de tentar controlar
seu analista", Isso também não é obrigatório para a psicanalista Dulce Barros, mas ela admite
que a terapia flui mais tranquilamente com o paciente deitado. "Quem usa o divã geralmente
está relaxado e menos defensivo."

9- O psicanalista interpreta os sonhos

O sonho é um dos caminhos de acesso ao inconsciente e auxilia o trabalho de análise. "Mas é


o paciente que traz associações relacionadas ao sonho", explica Dulce. O analista ajuda e
estimula a pessoa a fazer as suas próprias interpretações. "Não se trata de um oráculo,
alguém que está dizendo algo que o outro não sabe... Na prática, o analista só junta aquilo
que o paciente está próximo de descobrir por si mesmo", explica Mania.

10- E muito fácil enganar o analista

Mesmo que o paciente minta, o analista tem como conduzir bem o tratamento. Na prática, isso
não chega a ser importante, já que o analista não está preocupado com a veracidade dos
fatos, mas com a forma como a pessoa conta suas verdades e também suas mentiras.
"Mesmo que seja falsa, a história sempre vai ter a estrutura e o jeito de ser daquela pessoa. E
isso é revelador", diz Mania. Para Zimerman, é importante que o analista assinale, em algum
momento, que o paciente está mentindo para si mesmo em primeiro lugar

COMO SABER SE ESTÁ FUNCIONANDO?

Ao longo do tempo, o paciente tem condições de saber se a terapia está surtindo efeito.
"Quando a pessoa consegue mudar a realidade e percebe isso, ou se as coisas começam a
dar certo no dia-a-dia, é possível associar essas situações a um tratamento bem-suce-dido",
explica a psicanalista Dulce Barros. O inverso também vale: quando a vida não muda, talvez
algo esteja errado. E esse algo pode ter a ver com o paciente ou com o terapeuta. Segundo
os especialistas, é normal sentir um certo incómodo em alguns momentos e resistir às
colocações do analista. Mas, se esses sentimentos persistem, é bom refle-tir sobre o que está
acontecendo. "Quando não há em-patia entre o paciente e o analista, por exemplo, o tra-
tamento não evolui", explica a psicanalista Dulce.

Na prática, dá para se auto-avaliar a partir de situações cotidianas: o paciente que não falava
em público de jeito nenhum pode comemorar como um grande passo o fato de enfrentar cinco
minutos de exposição durante uma reunião de trabalho."Da mesma forma, quem antes
evitava conversar com qualquer autoridade, com medo de críticas, vai se sentir fortalecido
quando puder encarar esses contatos com naturalidade, sem insegurança", explica Mania
Deweik. Segundo ela, um dos bons efeitos da análise é fazer com que a pessoa se questione
em cada situação, buscando saber por que reage de um jeito e não de outro.

PARA ENTENDER QUEM FAZ O QUÊ

•PSICÓLOGO
Formado por uma faculdade de psicologia, esse profissional pode usar seus conhecimentos
na organização de empresas, na aplicação de testes (como os de vocação profissional) e na
educação (atuando unto a escolas). Em consultório, pode conduzir tratamentos baseados em
outras correntes -terapia cognitiva, comportamental, breve, de grupo (como psicodrama),
entre outras. Se o psicólogo complementar sua formação básica com um curso específico,
poderá exercer também a psicanálise clínica, sem, porém, prescrever nenhum tipo de
medicação.

•PSIQUIATRA Formado em medicina, com especialização em psiquiatria, esse profissional


lida com casos clínicos, de depressões graves a crises de pânico, cuidando de drogados,
psicóticos ou pacientes que, muitas vezes, estão hospitalizados. O psiquiatra pode receitar
remédios. Para ser também psicanalista, ele terá de fazer um curso complementar, e aí, sim,
vai conduzir o tratamento de transtornos psíquicos em consultório.

•PSICANALISTA Esse profissional tem que ser formado em psicologia du psiquiatria e ainda
deverá fazer uma formação específica em psicanálise. Além disso, deve se submeter à
chamada análise didática (um processo pessoal de terapia, sob a supervisão de um
profissional mais experiente) e defender uma tese junto a uma comissão especializada. O
psicanalista está habilitado a usar o divã com seus pacientes e pode lidar com as questões
ligadas ao inconsciente -as que determinam os traços de caráter e pro-yocam angústias,
conflitos, sintomas e transtornos.

•PSICOTERAPEUTA O termo vale para o psicólogo, para o psiquiatra e para o psicanalista


-todos são técnicos especializados e podem tratar pacientes com as mais diversas formas de
psicoterapia. (Extraído do livro "Psicanálise em Perguntas e Respostas - Verdades, Mitos e
Tabus", de David E. Zimerman, Editora Artmed, 320 págs., R$ 64)

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