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A Pseudociência nas Universidades Brasileiras

Por Widson Porto Reis

INTRODUÇÃO
A pseudociência chegou à última fronteira do pensamento crítico. Depois que os mapas
astrológicos se espalharam pelas revistas femininas e o feng-shui e a radiestesia fincaram pé
nas revistas de decoração; depois que a homeopatia tornou-se prática médica reconhecida e
a memória da água virou citação comum nas revistas de ciência; depois que as correntes de
e-mail convenceram os legisladores de um estado brasileiro que o uso de celulares deveria
ser proibido nos postos de gasolina e enquanto o criacionismo se avizinha das aulas de
ciência das escolas públicas de outro estado... agora a pseudociência e o pensamento
mágico travestido de ciência chegaram à universidade.

O PROBLEMA
O fato não é realmente novo mas nunca antes se viu tantas atividades vindas de dentro da
universidade destinadas a difundir e legitimar a pseudociência. A cada dia surgem na
imprensa notícias de novos cursos de extensão, pós graduação e até mesmo graduação,
pesquisas científicas, palestras e seminários promovendo as pseudociências.

A universidade privada já é terra arrasada há tempos. Com um estrito compromisso com o


lucro, a universidade particular oferece ao cliente o que ele quiser. Assim pode-se encontrar
cursos de pós-graduação e de extensão em praticamente qualquer pseudociência que se
imagine: “Astrologia Clínica” na respeitada Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São
Paulo e "Astrologia Aplicada na Gestão de Pessoas" na UBC; “Terapias Naturais e Holísticas”
na Universidade Castelo Branco; “Feng-Shui” na Universidade Veiga de Almeida; “I-Ching”
na Faculdade Cândido Mendes; “Florais de Bach” na Faculdade Helio Afonso (FACHA) e na
Estácio de Sá (UNESA); Reflexologia na UNISUL... só para citar uma minúscula fração dos
cursos oferecidos.

Mas é quando a pseudociência passa a ser difundida com o dinheiro público que a situação
se agrava. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por exemplo, ministra
regularmente cursos de extensão em Reiki – técnica oriental de cura com as mãos –
Aromaterapia e Mandalas. Os cursos são oferecidos pelo CCSA, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas. Já a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), certamente uma das mais
conceituadas universidades do país, é a instituição pública brasileira com a maior oferta de
cursos de extensão para a formação de profissionais esotéricos: “Terapia Floral”, “Fisiologia
Chinesa e Práticas Energéticas”, “Astrologia, Corpo e Saúde“, “Cromoterapia” e
especialmente o “Ecologia da Mente”, guarda chuva místico sob o qual se abrigam
Radiestesia, I-Ching, Feng-Shui e Tarô. Para ser honesto, nenhum dos cursos citados causaria
estranheza no triste cenário atual não fosse o fato de estarem catalogados na área de
“Ciências da Saúde” e serem oferecidos pela Divisão de Ensino, Pesquisa e Extensão do
Hospital Escola São Francisco de Assis. De fato, um dos projetos em andamento neste
hospital universitário é a implantação destas técnicas no tratamento dos pacientes, buscando
a “redução de custos hospitalares e melhoria da qualidade de vida e saúde (...)
aprofundando e construindo o conhecimento das terapias naturais numa perspectiva
multidisciplinar”.
Depois de ganhar os cursos de extensão, a pseudociência chegou a graduação. Já se
espalham pelo país os cursos superiores em naturologia. A princípio a proposta parece
inatacável. Afinal, seria muito bem vindo um profissional que pudesse prescrever
tratamentos naturais reconhecidamente eficazes, separando-os de inócuos, e às vezes
perigosos, curandeirismos. Mas como todo cético escaldado sabe, o rótulo de terapias
naturais geralmente é uma fachada para as velhas esotéricas técnicas “milenares”.
Realmente, uma análise mais cuidadosa do programa desses cursos revela o que se espera:
radiestesia, florais de Bach, cromoterapia e reflexoterapia são algumas das disciplinas que
um bom naturólogo terá em seu currículo.

Além das terapias naturais e artes divinatórias, também a religião vem ganhando espaço na
universidade, o que não seria problema nenhum desde que a ocupação não se desse no
território das ciências. Uma destas iniciativas está na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, UFRGS, que criou em 2001 o NIETE - Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Transdisciplinares Sobre Espiritualidade, atualmente coordenado pela a professora Malvina
do Amaral Dorneles. Uma das atividades recentes do NIETE foi estabelecer uma parceria
com a Sociedade Brasileira de Apometria para a formação de um grupo de estudos em
apometria (GEPEA) a fim de “contribuir para a promoção da saúde da população de nossa
comunidade (...) inserindo-se nas discussões contemporâneas da Organização Mundial da
Saúde”. Bem, para quem não conhece, a apometria é uma técnica espírita, controversa
mesmo entre os adeptos desta religião, que consiste em aplicar “pulsos magnéticos
concentrados e progressivos no corpo astral do paciente”. Cursos de apometria incluem
técnicas de desobssessão (exorcismo) e defesa contra vampirismo e espíritos parasitas. Outro
filhote do NIETE é o Grupo Psi-Alfa-Ômega, coordenado pelo professor da UFGRS, Cícero
Marcos Teixeira. Um das principais linhas de pesquisa do grupo é a Transcomunicação
Instrumental (TI), a arte de receber mensagens do além através de ondas de rádio ou
televisão. Quem pratica, jura que pode captar mensagens dos mortos nos ruídos de velhos
rádios valvulados ou ver espíritos em difusas imagens de televisão; um update do velho mito
das mensagens subliminares em discos de rock. "Queremos contribuir em termos
acadêmicos para a compreensão do ser humano, uma vez que ele não vive somente no
plano físico", diz Cícero, que também é autor do livro “Internautas do Além”.

Já na UNIFESP, o biólogo Ricardo Monezzi defendeu sua dissertação de mestrado:


“Avaliação de efeitos da prática do Reiki sobre o sistema imunológico de camundongos
machos”. No estudo, um terço do grupo de ratos recebia tratamento por impostação de
mãos, outro terço tinha uma luva colocada sobre as gaiolas (para simular a impostação) e o
restante não recebia nenhum tipo de tratamento. Ao final do experimento, Monezzi detectou
um aumento do número de linfócitos e monócitos dos ratos submetidos ao tratamento. O
trabalho já seria controverso o bastante sem a afirmação non sense com que foi divulgado
por Monezzi na imprensa: “O corpo humano é um emissor de energias que ainda não foram
qualificadas, mas exames como o eletrocardiograma e eletroencefalograma mostram que
existem”. O estudo de Monezzi, mesmo sem ter sido replicado por nenhum outro
pesquisador, é utilizado pelo GenteComSaude, Grupo de Meditação e Técnicas
Complementares em Saúde, da UNIFESP, na promoção do curso de extensão do Centro de
Aperfeiçoamento em Saúde: “Gerenciamento das doenças através do REIKI/impostação das
mãos”, do qual, aliás, Monezzi é professor.
O caso UnB
Neste quadro, a Universidade de Brasília certamente representa o caso mais grave. Esta
prestigiada instituição, sediada na capital do País, criou em 1989 o Núcleo de Estudos de
Fenômenos Paranormais (NEFP), ligado ao CEAM - Centro de Estudos Avançados
Multidisciplinares. O que parecia uma interessante iniciativa acabou se revelando um
verdadeiro cavalo de tróia, com o qual astrólogos, radiestesistas, ufólogos, médiuns,
entortadores de colheres e outros tantos vêm invadindo a academia, utilizando-a para
difundir suas crenças pessoais.

O coordenador do NEFP é o engenheiro civil e astrólogo, Paulo Celso dos Reis Gomes.
Paulo Celso é autor do trabalho “Verificação dos efeitos das posições dos astros na eclíptica
com respeito à formação do homem e seu cotidiano”. Na pesquisa, os astrólogos (os
próprios autores) confeccionaram o mapa astral de 100 voluntários conhecendo apenas as
datas e locais de nascimento de cada um. Depois de receber seu perfil astrológico, os
voluntários preencheram um questionário onde pontuaram, numa escala de 1 a 5, o grau de
acerto ou relevância de cada uma das características levantadas. Somente 40 dos 100
questionários foram analisados; destes, os pesquisadores verificaram o impressionante índice
de 95% de acertos.

É evidente que a única coisa que o estudo de Paulo Celso mediu foi a capacidade que as
pessoas têm de se identificar com perfis vagos, especialmente os positivos e lisonjeiros, sobre
si mesmas – o velho conhecido Efeito Forer. Esta falha grosseira de metodologia, contudo,
não ficou no caminho do NEFP, que assim mesmo divulgou o trabalho nos maiores meios de
comunicação do país. O astrólogo Francisco Seabra, também membro do NEFP, chegou a
declarar à revista ISTOÉ, segunda maior revista de notícias do país: “A universidade faz uma
revolução ao reconhecer que a astrologia é uma ciência”. A bisonha afirmação só revela o
desconhecimento de Seabra sobre o que é ciência.

Um dos objetivos confessos do NEFP é trabalhar para a “sistematização da Astrologia e sua


inclusão no rol das ciências oficiais”. Neste esforço já se encontra em sua quarta edição o
Curso de Astrologia para Pesquisadores, promovido pela UnB e coordenado por Hiroshi
Masuda, outro membro do NEFP. O curso tem uma missão bem definida: “formar astrólogos
pesquisadores que venham a comprovar, de forma racional, os fundamentos da astrologia”.
Firme em sua missão, recentemente o NEFP conseguiu aprovar a realização do “1o Encontro
Nacional de Astrologia”, ocorrido em agosto deste ano. O tema central do encontro foi a
capciosa pergunta “Até que ponto a astrologia deve ser entendida como ciência?”. Francisco
Seabra declarou a imprensa meses antes: “Vamos debater pesquisas que têm contribuído
para aproximar o conceito astrológico do conceito científico”. Como se vê, à rigor não teria
sido um debate muito amplo...

O vice coordenador do NEFP é físico PhD Álvaro Luis Tronconi. Pródigo em alegações que
desafiam o bom senso, Tronconi já entregou à imprensa pérolas como: “Queremos saber por
que a força do pensamento desorganiza a configuração dos átomos dos metais e se ela pode
ser identificada e calculada como se faz com a energia elétrica, que não conhecemos por
inteiro, mas todos acreditam que existe e a usam”, e “Se podemos melhorar nossa oratória,
também podemos dominar a bioenergia e usá-la para nos teletransportar ou curar doenças”.
O objeto de estudo de Tronconi é o famoso paranormal brasileiro Luiz Carlos Amorim que,
assim como o paranormal ícone dos anos 70, Uri Geller, exercita seus poderes em talheres e
ganha a vida como oráculo de políticos, atores e qualquer um que possa pagar seus gordos
cachês. Na verdade Tronconi e os demais pesquisadores do NEFP parecem considerar as
habilidades paranormais de Amorim suficientemente demonstradas, já que o convidaram em
2003 a apresentar seus poderes durante uma palestra na UnB. Segundo a assessoria de
imprensa da UnB, a demonstração foi um fiasco. A platéia, constituída em sua maioria pelos
estudantes da universidade, compareceu decidida a desmascarar o paranormal e
conseguiram fazê-lo perder a compostura (e aparentemente os poderes) em mais de uma
ocasião - um interessante caso em que os alunos demonstraram mais senso crítico que seus
professores. Como seria de se esperar, também este pequeno obstáculo de credibilidade não
ficou no caminho do NEFP, que manteve agendado o curso “Despertando o Eu Paranormal”
que Amorim ministraria na universidade. (O valor de aproximadamente 100 dólares que o
interessado deveria desembolsar pelo curso pode ser visto como um grande investimento, já
que aumentar a sorte em bingos e loterias é uma das artes que Amorim ensina em seus
cursos.)

A relação de Luiz Carlos Amorim com o NEFP vem de longa data. O ex-coordenador do
Núcleo, o psicólogo Joston Miguel Silva, estudou durante oito anos 13 pessoas que diziam
possuir alguma habilidade paranormal, entre eles Amorim e Thomas Green Morton, outro
paranormal brasileiro badalado entre os famosos. Dos 13, o pesquisador da UnB confirmou
as habilidades de cinco. Outros cinco tiveram seus poderes parcialmente comprovados e
sobre os três restantes não houve nenhuma conclusão. A técnica de Joston para validar os
paranormais? a kirliangrafia, em que se usa uma Máquina Kirlian para fotografar a aura do
sujeito.

O interesse do vice-coordenador do NEFP, pelo estudo da paranormalidade nasceu de uma


marcante experiência pessoal. Tronconi atribui a cura de uma hérnia-de-disco ao poder
mental da enfermeira que o tratou utilizando passes de mão. Arrebatado pela experiência,
Tronconi hoje é coordenador e professor do curso de extensão “Ensaios Parapsíquicos”,
promovido pela UnB. O programa do curso é um pout pouri esotérico envolvendo viagem
astral, regressão a vidas passadas, kirliangrafia, chacras, interpretação de sonhos,
retrocognição e outros assuntos que nos fazem imaginar como são as aulas de física que
Tronconi leciona na universidade.

Onde está o limite?


Criticar qualquer tipo de pesquisa na universidade é caminhar em uma linha muito tênue.
Uma escorregadela e se atravessa para o lado do preconceito e do patrulhamento da
liberdade acadêmica. Por isso é importante responder muito claramente: por quê a presença
da pseudociência na universidade é tão nociva?

Como ponto de partida é preciso deixar claro que nenhum tema jamais deve ser considerado
tabu na universidade. Muito pelo contrário. As pesquisas acadêmicas sobre as
pseudociências são o necessário ferramental para o cético que promove a razão e o
pensamento crítico. Afinal não se deve esperar que as alegações da astrologia e outras artes
divinatórias, de diversas terapias alternativas e de inúmeros fenômenos paranormais sejam
descartadas somente por desafiar o senso comum. Pesquisar é preciso.

O que torna o quadro atual preocupante é que o que se está fazendo em grande parte dentro
da universidade não é somente pseudociência, é ciência ruim; ciência ruim em nome da
legitimização da pseudociência. Os astrólogos, ufólogos, terapeutas alternativos e religiosos
que vêm utilizando o nome da universidade em suas pesquisas não estão em busca da
verdade, mas apenas da validação, custe o que custar, de suas crenças pessoais. Estes
pesquisadores invertem o caminho que devem trilhar as novas idéias e levam suas
controversas pesquisas aos meios de comunicação leigos antes de fazê-las chegar aos
periódicos científicos, onde poderiam ser avaliados por seus pares. Na verdade, bem poucos
destes trabalhos chegam a ver a luz de um revista peer-review. Trabalhos com resultados
extraordinários, que se verdadeiros fossem obrigariam a ciência a rever seus conceitos mais
básicos e introduzir novas entidades, forças e “energias”, são divulgados entusiasticamente
sem a devida análise crítica dos resultados e sem que as potenciais fontes de erros sejam
apontadas. Citações bibliográficas são seletivas e simplesmente ignoram toda a massa de
dados, geralmente abundante nestes casos, que se opõem à visão dos autores. Acima de
tudo não há replicação dos trabalhos; um único resultado favorável é considerado suficiente
para confirmar as hipóteses do ansioso autor – muito pouco para quem está dirigindo na
contra-mão do conhecimento estabelecido. O que estes pesquisadores estão fazendo é o que
Richard Feynman chamava de “ciência de culto a carga”: algo que usa a linguagem
científica, que segue os preceitos básicos do método científico e que até mesmo parece
ciência – pelo menos tanto quanto um boneco parece um homem – mas no qual falta um
elemento fundamental: integridade científica.

Mas a universidade também contribui para a legitimização do pensamento mágico quando


serve de fórum para debate com a pseudociência. Tome-se como exemplo a recente palestra
sobre “criacionismo científico” (uma contradição a partir do título) ocorrida na Universidade
Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) sob (tímidos) protestos da comunidade científica.
Sabe-se que para o criacionismo não interessa o resultado do debate, mas apenas ser
debatido; o simples fato de ocupar o palanque em uma grande universidade e ser ouvido
pela elite intelectual do país já empresta ao movimento criacionista a imagem de
cientificismo que ele tanto busca para se colocar como alternativa ao ensino da evolução.
Novamente não se trata de impor nenhum tipo de censura ou de “inquisição sem fogueiras”
- como rapidamente protestam os que se consideram censurados ou perseguidos. Mas
permitir que tudo seja dito em nome da ciência e esperar que as evidências falem por si
mesmas, decididamente não funciona em um país onde grassa a ignorância científica e onde
a mídia, vilã e vítima, noticia apenas a parte sensacional da notícia. Além disso, mesmo o
mais ferrenho defensor da liberdade irrestrita de expressão concordará com o cético mais
radical que há uma linha em algum lugar entre, por exemplo, a quiromancia e a
apuncultura. Onde está a linha descobre-se checando-se as evidências e não emprestando o
púlpito à primeira cigana interessada. E evidentemente ninguém está mais apto a investigar
evidências do que a universidade.

Por fim é preciso lembrar que a crença em certas pseudociências traz um ônus para a
sociedade. Este ônus pode não ser óbvio enquanto a astrologia fica restrita aos inocentes
horóscopos das páginas dos jornais e o feng-shui às revistas de decoração. Mas e quando
mapas astrológicos estiverem sendo usados em entrevistas de emprego ou nas salas dos
tribunais? Alguém gostaria de perder um emprego ou uma causa judicial por causa da hora
em que foi retirado da barriga de sua mãe? E quando pêndulos estiverem auxiliando os
diagnósticos médicos e a imposição de mãos for prática comum nos hospitais públicos, no
lugar dos tratamentos convencionais? E quando tudo isso estiver acontecendo porque a
universidade deu a astrólogos e radiestesistas a mesma credibilidade profissional de
engenheiros e médicos? Quanto tempo ainda temos até que cirurgias espirituais,
devidamente abalizadas pelas pesquisas “científicas” da academia, sejam cobertas pelos
planos de saúde? É bom lembrar que no Brasil, a homeopatia já chegou lá.
A CAUSA
O Brasil tem um quadro desanimador no que diz respeito ao combate à pseudociência. O
movimento cético no país é um fenômeno relativamente recente, 100% amador e que não
surgiu dentro da universidade e sim na internet em torno de grupos de discussão e uns
poucos sites. Sendo um grupo formado em sua maioria por jovens ainda sem credenciais
científicas, o Movimento Cético Brasileiro, se podemos chamá-lo assim, sofre por falta de
credibilidade, o que até agora tem lhe permitido atingir apenas de raspão a mídia. Já a
comunidade científica nacional está muito mais ocupada em concorrer pelos minguados
recursos oficiais e lutar contra as dificuldades diárias de infra-estrutura, sucateamento de
laboratórios, cargas horárias excessivas e toda a sorte de problemas, do que em combater
voluntariamente a penetração da pseudociência em seu quintal.

Mas não faltam apenas as pessoas para combater o pensamento mágico, faltam os meios de
divulgação. Dizer que as revistas de ciência no Brasil são tolerantes com as pseudociências é
dizer pouco. Dizer muito seria chamar de “revistas de ciência”, revistas que já produziram
suplementos especiais sobre astrologia e feng-shui. Sobre este tema Allan Novaes em seu
artigo “Ciência em crise, jornalismo em queda?” mostra que de 2000 a 2004, 75% das capas
da revista Superinteressante, maior revista de seu gênero no Brasil, foram sobre ciências
sociais ou humanas e 42% foram de temas religiosos, místicos ou pseudocientíficos. Aqui, a
crise do jornalismo científico se confunde a tal ponto com a questão da infiltração da
pseudociência nas universidades que fica difícil distinguir causa e efeito.

Há outros motivos por que pseudociências e misticismos encontraram um terreno fértil nas
universidades. O Brasil é um país que respira religiosidade, e onde existe uma mistura,
talvez única no mundo, de religiões, cultos e seitas. Projetos de pesquisa e extensão como os
que a UnB, UFRJ e UFRGS vêm realizando são populares porque mostram uma aproximação
entre ciência e espiritualidade que muitos acreditam ser saudável. A idéia de que a ciência
deveria dar as mãos à religião em uma espécie de “retorno às origens”, e que deste
casamento forçado entre o materialismo e o espiritualismo nasceria o melhor dos dois
mundos é muito promovida pelas ciências humanas e bastante apreciada pelo público leigo.
Condenar esta promiscuidade científico-místico-religisosa, modernamente camuflada por
palavras como “interdisciplinaridade” e “multidisciplinaridade”, tem soado cada vez mais
politicamente incorreto, e os cientistas não raro o evitam. Some-se a este quadro a natureza
do povo brasileiro, hábil em conciliar o inconciliável – por exemplo, no sincretismo
religioso que mescla os cultos africanos com o cristianismo – e sua aversão a qualquer tipo
de confrontamento que possa ser levemente confundido com intolerância religiosa.

O que nos leva a maior de todas as causas para disseminação da pseudociência nas
universidades: o Relativismo. O Relativismo é a idéia de que todos os saberes são apenas
questão de opinião, fruto do seu contexto histórico e social. O relativista acredita que todos
os pontos de vista são igualmente válidos e vê a ciência apenas como mais uma maneira de
representar o mundo, em pé de igualdade com a não-ciência. A verdade científica, nesta
onda relativista, é vista apenas como um produto social, uma questão democrática, de
consenso da maioria. Desta maneira as teorias mais exóticas tornam-se irrepreensíveis e
passam a ser escudadas por bordões como: “Você tem a sua opinião, eu tenho a minha” ou
“tudo é relativo”. Novamente torna-se uma imperdoável intolerância criticar qualquer saber,
por mais primitivo e desligado da realidade que seja. Francamente impulsionado pelas
ciências humanas e sociais, esse relativismo paralisante não reconhece como final nenhum
conhecimento científico (o que rigorosamente falando não é mesmo), mas tampouco
descarta nenhuma alegação extraordinária; tudo pode ser, como pode não ser. Se a ciência
ainda não comprovou a eficácia daquela “técnica milenar”, o problema é da ciência; dê-lhe
mais alguns milênios e ela chegará lá.

CONCLUSÃO (temporária)
Não se propõe com este trabalho nenhum tipo de censura à produção universitária, mesmo
em se tratando de fenômenos supostamente paranormais, místicos ou esotéricos; pelo
contrário este trabalho propõe o acirramento da discussão sobre estes fenômenos, mas
definindo o escopo e o valor da Ciência, que parece ter se esmaecido em algum lugar do
passado.

Acima de tudo este trabalho propõe o estabelecimento de políticas vindas de dentro dos
comitês universitários, que restringam o impacto de pesquisas levianas, sejam elas naquilo
que hoje se considera pseudociência ou não. Este trabalho propõe que núcleos de pesquisa
de borda, como o NEFP e o NIETE, sejam julgados periodicamente por sua produção
científica, publicada em revistas indexadas e que isso determine seu subsidiamento pela
universidade pública; isto sempre foi sinônimo de pesquisa de qualidade em qualquer área e
a pesquisa em fenômenos paranormais não deve ser exceção. E finalmente este trabalho
sugere que cursos de extensão e pós graduação em terapias médicas alternativas promovidas
pelas ciências da saúde, sejam julgados e aprovados por comitês multidisciplinares (similares
aos comitês de ética normalmente requeridos para aprovar estudos que trabalham com
populações) que possam atestar a cientifidade e segurança das técnicas ensinadas. No
mínimo isso servirá para mover estas terapias alternativas para fora do escopo da ciência.

Widson Porto Reis é Engenheiro Metalúrgico, mestre em Ciências dos Materiais e ex-
professor do Instituto Militar de Engenharia.

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