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Resumo comentado do texto:

“O rinoceronte na sala de aula”


de Murray Schafer

por Carlos Roberto Prestes Lopes

Publicado no Brasil como capítulo do livro “O ouvido pensante”

SCHAFER, R. Murray. O ouvido Pensante. Tradução de Marisa T. de O. Fonterrada, Magda R. G. da


Silva, Maria L. Pascoal. São Paulo: UNESP, 1991. (p. 277 a 342)
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R. Murray Schafer - O Rinoceronte na Sala de Aula
O início do capítulo apresenta 10 “máximas dos educadores” muito interessantes, que
demonstram as inclinações educacionais de Schafer, preceitos contemporâneos que devem ser
utilizados em música, mas podem facilmente ser transportados para as outras áreas da educação.
Aqui as transcrevo integralmente:

1. O primeiro passo prático, em qualquer reforma educacional, é dar o primeiro


passo prático.
2. Na educação, fracassos são mais importantes que sucessos. Nada é mais triste
que uma história de sucessos.
3. Ensinar no limite do risco.
4. Não há mais professores. Apenas uma comunidade de aprendizes.
5. Não planeje uma filosofia de educação para os outros. Planeje uma para você
mesmo. Alguns outros podem desejar compartilhá-la com você.
6. Para uma criança de cinco anos, arte é vida e vida é arte. Para uma de seis,
arte é arte e vida é vida. O primeiro ano escolar é um divisor de águas na
história da criança: um trauma.
7. A proposta antiga: o professor tem a informação; o aluno tem a cabeça vazia.
Objetivo do professor: empurrar a informação para dentro da cabeça vazia do
aluno. Observações: no início, o professor é um bobo; no final, o aluno
também.
8. Ao contrário, uma aula deve ser uma hora de mil descobertas. Para que isso
aconteça, professor e aluno devem em primeiro lugar descobrir-se um ao
outro.
9. Por que são os professores os únicos que não se matriculam nos seus próprios
cursos?
10. Ensinar sempre provisoriamente: Deus sabe com certeza.
(p. 277 e 278)

Introdução

Na introdução o autor apresenta alguns outros pensadores que trazem novas formas de estudar
música, priorizando como ele a criatividade e a exploração, questionando fortemente a maneira
como a música é estudada pelos músicos eruditos. Concordo plenamente com várias
observações: o estudo técnico/mecânico exaustivo não necessariamente resulta em uma música
melhor interpretada; ao ensinar música, a criatividade tem de estar presente... não faz sentido ler
partitura se o sujeito não compreende o que faz. Ele também (o autor) dá vários exemplos de
como a forma de vida atual se reflete na aula de música, “a aula de música é sempre uma
sociedade em microcosmo”.

Schafer considera a música Pop como fenômeno social e não musical, “qualidade musical,
sociologia e negócios não se beneficiam quando se misturam”. Concordo em parte com ele...
também não considero benéfica essa interação entre música e dinheiro já que os interessados
não estão preocupados em produzir algo autêntico ou de alta expressividade artística, porém a
música criada para ser vendida é produzida com base no que o consumidor escuta (ou não escuta
realmente), é consumida pelo público, e é produto da criação humana (qualquer que seja seu
fim), portanto é fenômeno musical e social, já que a meu ver é impossível dissociar esses dois
fenômenos, toda música é produto de sua sociedade.

Schafer traz diversas concepção contemporâneas (na verdade nem tanto, porém as instituições
de ensino insistem em não vê-la), como o erro considerado melhor que o acerto, pois leva à
reflexão. Esta perspectiva também respalda o trabalho do professor pesquisador, que não deve
temer o erro, para reforçar esta ideia, o autor relata algumas experiências próprias, onde o erro
fez parte do processo.

por Carlos Roberto Prestes Lopes - 2010 [2/5]


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Educação musical: considerações

 O fazer criativo na música

Ao contrário de outras áreas do conhecimento humano, as artes, e dentro delas a música é claro,
não deve ser entendida como matéria de “acumulação de conhecimento” como o tradicional
ensino de história (processo adotado em muitas partes do estudo de música), mas deve ter o
expressivo e a exploração como objetivo “estamos entrando em uma nova era da educação, que
é programada para a descoberta e não para a instrução”.

O autor relata uma forma de trabalho que já experimentei, usando primeiramente a exploração
livre dos instrumentos à disposição, depois uma “colheita” do que os alunos apreenderam desta
experiência (em forma de organização dos diferentes sons possíveis em cada instrumento), e por
último cada um faz uma composição (no meu caso várias improvisações). Este “método” foi
utilizado por mim com crianças desde 4 até 14 anos e é muito envolvente e produtivo.

 O ambiente sonoro

Aqui o autor explica melhor as ideias de paisagem sonora e ecologia sonora.

“Se ficarmos todos surdos, simplesmente não haverá mais música. Uma das definições de ruído
é que ele é o som que aprendemos a ignorar”. Nesta frase o autor concentra muitas das suas
convicções, e através dela é capaz de justificar muitas das escolhas propostas em todo o livro.

 Um ponto de encontro para todas as artes

Expondo a “inaturalidade” da separação das artes, o autor fala sobre o trauma para a criança que
tem sua percepção fragmentada, e como esta visão particionada de mundo dificulta a inserção da
criança, que recebe todos estes dados juntos, na prática escolar (onde normalmente é iniciada
nesta fragmentação).

Esta separação das artes é tão contraditória que não resiste na grande maioria das manifestações
culturais/populares, onde em geral a música está fortemente atrelada à dança/movimentação,
sabores e cheiros típicos desta festa. Este momento tem um significado totalmente diferente para
a comunidade e seus costumes.

Schafer é absolutamente contra a separação total e prolongada das artes, mesmo admitindo que
para aprofundar-se em certa área é necessário um estudo super específico e guiado por
profissionais (vai falar mais adiante sobre isso).

Outras relações apresentadas no texto são a diferença da interpretação do silêncio pelas


sociedades Ocidentais e Orientais, que influenciam claramente na paisagem sonora de cada
população.

Educação musical: mais considerações


 Por que ensinar música?

Apontando alguns motivos comumente aceitos para a presença da música na escola, passa pela
discussão da moralidade da música (se ela influencia diretamente a ética de um indivíduo)

por Carlos Roberto Prestes Lopes - 2010 [3/5]


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chegando à conclusão de que a música é amoral, e ganha vestes de acordo com o uso que lhe é
dado, indica a característica socializadora da música.

Ao final da seção revela uma utilidade maior para a música, atribuindo a ela um poder de mediar
a ligação com as várias coisas da vida e do universo. Esta observação é interessante, pois cada
vez mais percebo o quanto tudo está ligado, e como as relações entre estas coisas é que muitas
vezes fazem a diferença.

 O que deve ser ensinado?

O repertório a ser trabalhado na aula de música deve abranger desde as manifestações culturais
populares locais (sugere uma expansão/pesquisa desses referenciais, que normalmente ficam
presos ao senso comum de folclore) expandindo este referencial até as músicas “mundial
étnica”, tradicional e contemporânea.

Propõe uma forma de utilizar as músicas no processo “ouvir => analisar => fazer”, conceito
facilmente transportado para o ideal dos PCNs “fazer, apreciar e contextualizar”, diferenciando-
se pela não obrigatoriedade desta ordem nos nossos referenciais.

Prega como um direito de todos o “direito ao silêncio”, desrespeitado frequentemente ao viver


em sociedade.

 Como a música deveria ser ensinada?

Através da experiência que gera descoberta (como já falado anteriormente, sem transmissão de
conhecimento), onde o processo é valorizado respeitando as singularidades de cada aluno.

Schafer ressalta que este como deve possibilitar que todos possam participar deste processo, e
não somente alguns dotados de um gênio musical apuradíssimo.

 Quem deveria ensinar música?

Na visão do autor somente professores especialistas em música poderiam atender à demanda


com a qualidade necessária e apoia-se na ideia que o professor “generalista” não tem a vivência
ou entendimento necessários para dar consistência à aula. Propõe como solução para a escassez
de profissionais na área um professor especialista trabalhando em várias escolas e a
possibilidade de músicos ministrarem aulas, já que lhes falta “somente” a didática para isso.
Discordo de Schafer neste ponto, pois trabalho com formação de professores e sei que mesmo
não tendo especialização/conhecimentos musicais teóricos, os interessados podem desenvolver
trabalhos muito interessantes com crianças de várias idades (creio que em todas as idades isso é
possível, falo aqui partindo de minha experiência com Creche, Educação Infantil e Ensino
Fundamental 1 com professores generalistas.

Notas sobre notação

Após uma breve enquete com alguns alunos, o professor percebe como de modo geral a notação
e o som são confundidos quando associamos música a “notas”, alturas definidas em bolinhas
escritas em um papel. Segue-se uma breve explanação sobre a origem das partituras e seus
elementos gráfico e simbólico. É interessante perceber como a interação entre esses elementos e

por Carlos Roberto Prestes Lopes - 2010 [4/5]


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certa predominância de um deles em cada período da música, influencia seus processos
composicionais e a apreciação desta.

A caixa de música

Após conhecer iniciativas e projetos concluídos sobre a produção de materiais didáticos


multimeios, o autor se engaja na produção de um novo kit, que possibilita mais atividades e
maior criatividade/abertura com os desejos dos alunos, já que tem como objetivo motivar,
provocar a curiosidade dos alunos (não correndo o risco do que ocorreu com kits que
desembocavam num engessamento do processo criativo/exploratório). Já tendo participado do
processo de produção de materiais didáticos e jogos musicais, percebo como esta visão de
Schafer é acertada, pois resulta num material que pode gerar muitos projetos dentro da turma, e
não somente um jogo musical ordenado... o kit tem como objetivo inserir a desordem dentro de
uma proposta.

Contendo materiais estranhos à prática musical corrente, a provocação visa possibilitar a criação
por parte dos alunos e incentiva a adição de novos elementos pelo grupo.

Trenodia

Através desta peça o compositor Schafer busca alcançar os interesses do público adolescente
para questões musicais. A forma encontrada foi abordar um tema forte (textos sobre a bomba
atômica jogada em Nagasaki, narrados e cantados), e utilizar elementos da música
contemporânea como sons eletrônicos e vozes.

Partindo para novas direções

Neste trecho a meu ver o autor tenta apresentar propostas mais práticas (atividades propriamente
ditas) para seus ideais de educação musical e de integração das artes.

“Ao tornar-se desconhecido, o conhecido escapa à monotonia”. Nesta frase, refere-se a


experimentos de treinamento dos sentidos, onde propõe a utilização de elementos conhecidos
pelo ouvinte, que através da privação da visão acaba por os modificar a percepção que se tem do
objeto sonoro (ou instrumento), desta forma aguçando a audição e tornando a atividade mais
atrativa.

Curriculum Vitae

Expondo novamente suas opiniões sobre as instituições de ensino musical engessadas e sem
qualquer compromisso com o ensino de música de uma nova maneira, Schafer faz
correspondência com a dificuldade da criatividade entrar na academia, já que esta não pode ser
medida e nem tem métodos para ser desenvolvida tecnicamente.

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por Carlos Roberto Prestes Lopes - 2010 [5/5]

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