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A aprendizagem significativa e a teoria da assimilacao ELENA MARTIN E ISABEL SOLE INTRODUGAO Se quiséssemos buscar uma expresso que, em poucas. palavras, caracterizasse a teoria da wrendizagem verbal significativa, provavelmente- © binomio “elegante ¢ rransgressora” seria um candidato a cumprir tal funcao. A elegancia pro- cede simultaneamente da simplicidade ¢ da pre cis3o com que se explicam os fendmenos que constituem seu objeto. Poucos conceitos, em psi cologia e em educagaio, tém tanta capacidade cexplicativa como 0 de “aprendizagem significati- va". O cariter transgressor, ou pelo menos arris. cado, deve-se a que, no momento em que foram publicados, os pastulados da teoria se opunham tanto ao behaviorismo, tradicao dominante em psicologia, quanto as posicdes que no Ambito educativo reivindicavam ~em clara contraposigio Au hegemonia behaviorista - a nio-diretividade e a aprendizagem por descoberta. Talvez. por isso € que tenha sido necessirio esperar 0 auge do cognitivismo para que se reconhecesse seu valor ¢ pudesse enriquecer-se progressivamente David P Ausubel, criador da teoria da aprendizagem verbal significativa,’ ¢ seus co- laboradores em seu desenvolvimento posterior ¢ aprofundamento ~ J. D. Novak, D.B. Gowin, H. Hanesian ¢ outros ~ compartilham, entre muitas outras, duas idéias que conferem senti: do e coeréncia as suas elaboragoes, Uma se re- fere & especificidade da aprendizagem que ocorre nas salas de aula, em situagoes de e no formais, sistemsticas, intencionais ¢ plane- jadas, a outra, na complexidade da educagio e na dificuldade de melhoré-la em sentido cons- trutivo. A primeira idéia, a da especificidade da aprendizagem escolar, leva a rechagar de forma contundente a extrapolacao de princi- pios de aprendizagem elaborados partir da pesquisa experimental para explicar 0 qué ¢ como os alunos aprendem na escola, € a rei- vindicar a elaboragao de teorias especificas sobre essa aprendizagem. A descricio que & feita no primeiro item deste capitulo mostra, por meio dos conceitos fundamentais da teo- ria da aprendizagem verbal significativa, os éxitos obtidos na aprendizagem escolar ao re- conhecer sua idiossincrasia. A segunda idéia, que esté vinculada 4 complexidade do fend. meno educacional, reclama uma teoria da edu- cacio capaz, de orientar a pratica docente ¢ a pesquisa aplicada na direcéio de uma perma- nente melhora que evite mudangas nao-subs- tanciais ou simplesmente nocivas na educagio. Ausubel, Novak e Hanesian (1983) sempre con ideraram que as teorias da aprendizagem ¢ do ensino sio interdependentes ¢ ao mesmo tempo reciprocamente irredutiveis; as segun- das devem basear-se nas primeiras, embora devam ter um cardter mais aplicado. A preo- cupacao em claborar uma teoria do ensino en- raizado em uma teoria da aprendizagem s6li- da ¢ contrastada é uma constante nos traba- Ihos desse grupo de pesquisadores (ver Novak, 1982; 1998). Alguns dos aportes da teoria de maior repercussio na pritica do ensino sao descritos no segundo item deste capitulo. Este se encerra com uma breve anilise de seus aportes ¢ limitagées, & luz dos avancos da psi- cologia cognitiva, e de sua contribuicao para uma explicacaio construtivista da aprendizagem escolar ¢ do ensino. ATEORIA DA APRENDIZAGEM VERBAL SIGNIFICATIVA DE D. P. AUSUBEL Asintese dos principais elementos da teo- ria da aprendizagem verbal significativa, que ¢ feita a seguir, recolhe os que ja estavam pre- sentes nas duas obras bisicas para sua com preensiio, ade Ausubel de 1963, The psychology of meaningful verbal learning, e Psicologia edte- cacional: um ponte de vista cognitive, da qual 0 autor fez uma primeira edicdio em 1968 e uma revisiio, junto com Joseph Nowak e Hellen Hanesian, em 1978. Apresentam-se ainda al- guns aspectos que Novak introduziu em seu livro cle 1998, Conhecimenta e aprendizagem, no qual se propde rever a teoria incorporando novos conhecimentas gerados pela psicologia nos tiltimos anos. Tipos de aprendizagem no contexto escolar A preocupacio que leva Ausubel a clabo- rar sua proposta é a pouea capacidade que se havia mostrado até entéo para propor teorias do ensino que se baseassem nos conheeimentos gerados pelas teorias da aprendizagem. Assim, seu interesse centra-se na andllise das caracte~ icas dos diversos tipos de aprendizagem que se produzem especificamente no contexto es- colar a partir de sua poteneialidade para cons- tmuir conhecimentos com significado para os alunos. Com esse objetivo, Ausubel postula duas dimensdes cle andlise: aprendizagem sig- nificativa versirs aprendizagem por recepcio. Por aprendizagea significativa entende-se aquela na qual a nova informacio se relaciona de maneira significativa, isto <¢, néo-atbi nao ao pé da letra, com os conhecimentos © aluno jé tem, produzindo-se uma transfor macio, tanto no contetido assimilado quanto naquele que o estudante jé sabia, No extremo oposto, a aprendizagem repetitiva refere-se a situacdes nas quais simplesmente se estabele- com associagées arbitrarias, literais e nao-subs- tantivas entre os conhecimentos prévios do alu- no ¢ 0 nove contetide apresentado. Essas defi- nigdes devem ser entendidias como os palos de uma mesma dimensio, € nao como categorias 61 DESENWOLVIMENTO PSIGOLOGICO E EDUCACAO, W2 dicotémicas. As aprendizagens serio mais ou menos significativas ou memoristicas, ter’io alcangado maior ou menor grau de significativi- dade que, além disso, sempre poder aumen- tar A medida que se produz uma inter-relacao substantiva entre o novo ¢ o jd presente na es- trutura cognitiva do aluno, s¢ tera a chave para explicar 0 nivel cle significatividade aleancado no processo de aprendizagem. As aprendizagens, além de poderem ser analisadas em fungio do grau de significado adquirido, podem diferenciar-se de acordo com © outro eixo vinculado a forma como se apre- sentam 05 contetidos. Nesse caso, nos extre= mos, situam-se a aprendizagem por descober- ta © a aprendizagem por recepeio. O traga definidor da aprendizagem por descoberta € que © contetido a ser aprendido nao se apresenta a@ aluino, mas tem de ser descoberto por este antes de poder ser assimilado a estrucura cognitiva. Na aprendizagem por recepedo, em. contrapartida, 0 contetide que se vai aprender ¢ apresentado ao aluno em sua forma final, acabado, sem que se exija uma descoberta pré- via & compreensio. Mais uma vez, esses tipos de aprendizagom fazem parte de um continuo, desde conhecimentos que se expoem a proces- 505 guiados de descobertas até aprendizagens por descoberta auténoma, Nas primeiras obras, de Ausubel (1963; 1968; Ausubel, Novak Hanesian, 1978), analisam-se tais processos como tipos de aprendizagem, mas na realida- de referem-se, a0 mesmo tempo, & maneira de ensinar. Essa posigiio foi-se consolidando progressivamente e chegou a falar-se de ¢ tratégias de ensino mais que de processos de aprendizagem, como de fato Novak faz recen temente (1998). A relagdo entre tipos de aprendizagem e de ensino pode ser observa Ausubel chama a atencdo para um erro que se produz. em muitos casos quando se eonside- Taqueas aprendizagens signifieativas s6 pocem ocorrer em situagdes de descoberta e que uma tarefa organizada mediante a exposicao ao alu no de uma informagio nova conduzirsi neces- sariamente a uma aprendizagem mecénica ou repetitiva. Como se mostra na Figura 3.1, as duas dimensées sio ortogonais e podem modificar- seentre si. Por isso, ha tarefas escolares nas quais ‘COLL MARCHESI, PALACIOS & COLS. Agrenckzagem signsicatve Trabalho com mapas, conceituais ou iagramas em UVE Conteréncias. A ‘maior parte das aprosentacdes os livros-texto, Aprencizagem Tebundes momorisica Eneino por recepcao Exempios, Pesquisa cientifica. Novas misicas Estudos mutimigia ———e bem-cancebidos: ‘Amaior parte da pesquisa ou dda produgaio intelectual de praxe Amaior parte do trabalho no laboratério escolar Apicacio do Solugies de formas para adivinhagies por resolver problemas tentativa e ero +) Ensino por Ensino por descoberta descobena, obrigatéria auténoma FIGURA 3.1 © continuo aprendizagem memoristica-signifeativa e continuo recepgao-descoberta no ensino. oaluno recebe uma informagio que s6 pode ser relacionada de maneira memoristica com seus conhecimentos prévios, como pode ser 0 caso de determinadas maneiras de aprender as tabuadas de multiplicar, mas também podem favorecer-se aprendizagens claramente signifi cativas por meio de uma exposic3o do profes- Sor, na qual se destaquem as relagdes entre de- terminados conceitos ou principios. Ao mesmo tempo, podem ocorrer situacbes de descoberta Por tentativa e erro que nao gerem relagGes subs- tanciais com elementos da estrutura cognitiva do aluno. Assim, nao é a dimens3o recepcio- descoberta que por si s6 pode garantir a priori uum nivel adequado de significatividade na aprendizagem escolar, Essa posicao, como se vera no item seguinte, tem importantes reper cuss6es, j& que nos contextos escolares uma grande parte das tarefas responde a uma estru- {ura receptivo-expositiva. Se nao é este, porém, o eixo de andlise que explica o grau de compre. ensio ¢ de assimilagao dos contetidos escola- res, quais S30, entao, os requisites de uma apren dizagem significativa? © que ja se sabe e o desejo de aprender: condigées para construir significados Na teoria da assimilacao identificam-se trés condicées imprescindiveis para que o alu- ‘no passa realizar aprendizagens significativas. A primeira refere-se necessidade de que o material novo a ser aprendido seja potencial- mente significative do ponto de vista légico; que tenha estrutura e organizacao internas, que ndo seja arbitririo. Em segundo lugar, o aluno deve contar com conhecimentos prévios perti- nentes que poss. relacionar de forma substan- cial com 0 novo que tem de aprender. Ou seja, a informagio nova deve ser relevante para ou- tros conhecimentos ja existentes, ou, o que dé no mesmo, o contetido da aprendizagem deve ser também potencialmente significative do ponto de vista psicolégico. Por tiltimo, ¢ ne- cessirio que o aluno queira aprender de modo significative. Nas palavras de Novak (1988), “que tenha decidido de forma consciente ¢ de- liberada estabelecer uma relacao nao-trivial entre os novos conhecimentos € 05 que jé pos- sui”. Mais uma vez, é importante entender tais, requisites como um continua, jd que em seus extremos so pouco freqiientes. De fato, as aprenclizagens significativas em seu valor ma- ximo supdem, como assinala Novak, proce: sos cle criacao muito pouco usuais. A medida que se organiza o material para destacar seus elementos de conexio com os conhecimentos prévios, & medida que estes so ativados no proceso porque o aluno se esforea para esta- belecer relagées entre ambos, a aprendizagem ser mais significativa, I: um problema de grau, camo € l6gico, j4 que © nivel de significativi dade também o é. A chave da aprendizagem significativa encontra-se, portanto, na medida em que se produz uma interagao entre os novos contet- dos simbolicamente expressados e alguns as- pectos relevantes da estrutura de conhecimen- to que 0 aluno ja possui com um conceito ou uma proposicao que jé seja significative para cle, que esteja definida de forma clara e est- vel em sua estrutura cognitiva que é adequa- do para interagir com a nova informacio. Dessa interacio surge a significatividade psi- coligica do que até esse momento era apenas uma significatividade potencial; por essa ra Zio, os autores dio muita énfase ao fator mais importante para explicar a aprendizagem: aquilo que o aluno ja sabe. A nao-arbitrar dade ea substdneia das relacées, caracteristi- cas basicas da aprendizagem significativ: depenciem de fato da disponibilidade d as pertinentes na estrutura cognitiva de cada aluno em particular. As relagées das novas idéia , novos conceitos ou proposi¢ées com a estrutura cognitiva do sujeito serdo nao-arbi- trdrias & medida que outras idéias, outros eon: ceitos ou proposicdes especificamente relevan- tes estejam adequadamente claros dispo- niveis nesta e funcionem como ponto de an- coragem para os primeiros. Essa inter-rela gdo seri, por sua vez, capaz de permitir a substancia da nova informacdo, ¢ ndo as pa- Javras que se usaram até esse momento para expressé-la, que seja incorporada como novo, conhecimento. Essa explicacdo, de como ocorre um pro- cesso de aprendizagem significativa, destaca 0 papel do aluno, Sendo importantes as condi (6es relativas ao material que é objeto de co. nhecimento, a possibilidade de atribuir-the sig- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, v2, 63 nificado depende da presenga e da ativacgio de conhecimentos ja presentes na estructura cog- nitiva do aluno. Assim, nao se podem enten- der separadamente a légica do material e os conhecimentos prévios; a aprendizagem signi- ficativa se produzira na proporgiio em que es- ses dois aspectos se ajustem entre si. O signi cado Idgico do material é apenas potencialmen- te significativa. De fato, para transformar-se em significado psicoldgico tem de se produzir um eneaixe particular, diferente em cada alu- no, com seus conhecimentos prévios, transfor- mando-se, ambos ~ o conhecimento prévio eo novo material, em proceso de aprendizagem, O significado psicolégico é, como conseqiién- cia, uma experiéncia idiassincratica do aluno, ‘0 que nao impede que tenha elementos comuns com os significados de outras pessoas para permitir a comunicagao, O papel nuclear do aluno, porém, nao se limita a tais requisitos cognoscitivos. A atribui- Gao de significados requer também uma dis- posi¢io, uma atitude propensa a aprender de maneira significativa. O aluno deve querer compreender, isto é, estabelecer relagées subs. tanciais entre os novos contetidos de aprendi zagem e 0 que ja sabe. Essa idéia teve cada vez, mais forca dentro da teoria, como assinala Novak em seu ultimo livro (Novak, 1988), em bora ndo tenha uma clara traducio em seus postulades Os processos de assimilacao dos novos conhecimentos Como se destacou, a aprendizagem sig- nificativa supde vincular a nova informacio com canceitos ou proposigées ja existentes na estrutura cognitiva do aluno. Ausubel chama tais eoneeitos de inelusores. Como meneiona Novak (1998, p. 84), Um conceito inclusor nao & uma espécie de “mata-moscas” mental ao qual a infor- magéio adere, mas desempenha uma fun. io interativa na aprendizagem significa tiva, facilitando a passagem da informa- cdo relevante pelas barreiras perceptivas € servindo de base de unio da nova in- formagio pereebida © do conhecimento previamente adquitido. 64 COLL MARCHES! PALACIOS & COLS. Nesse processo interativo transforma-se tanto 0 novo conhecimento quanto 0 conceito. inclusor, produzindo-se um novo significado, fruto da interacao entre ambos. 0 inclusor muda pela incorporacao do novo material, ¢ esse, por sta vez, se modifica pelo efeito do inclusor que Ihe serve de ancoragem, no que constitui uma verdadeira assimilacao entre os significados novos ¢ os prévios, ocorrendo a aprendizagem * ificativa e o fendmeno da inclusiio oblitera: | pelo proceso de ocorrido, que de- pois de um certo tempo seja impossivel recor- dar a informagao tal como foi aprendida, pois as novas idéias assimilaram-se aos significadas mais estaveis das inelusores e, pouco a pouco, tendem a tomnar-se indissociiveis destes. Ex- plica, também, a funcionatidade das aprendiza- gens realizadas com um elevado grau de significatividade: a modificagio que provocam nos inclusores, enriquecendo-os e diferencian- do-os, aumenta a potencialidade da estrutura cognitiva para ineorporar novas informaciies si- milares, isto é, para continuar aprendendo em diversas situagoes € em outras circunstaneias, HA, portanto, dois tipos de esquecimen. to, segundo Ausubel. Um que se produz. pelo fato de ter realizado uma aprendizagem de tipo repetitivo ¢ memorisico (por exemplo, repetir definicdes lidas que no se chega a compreen- der). Nesse caso, a lembranca da informagio — se no se repassa, nem repete — em pouco tem- po se desvanece, pois nao foram estabelecidas relagées substanciais com os conhecimentos prévios do aluno. E outro, o esquecimento pro- vocado pela incluso obliterativa, que & de na- tureza muito distinta, pois segue uma apren- dizagem significativa em algum grau. Embora impega da recuperagio da informagao no es- tado em que a aprendet, com a mesma forma € as mesmas palavras, seu vestigio persiste na estrutura cognitiva do aluno, inerementando stia capacidade de aprendizagem. Entende-se, assim, que muitas vezes se consiga explicar com as “préprias palavras" um conceito bem-apren- dido, ao passo que ¢ dificil reproduzir exata- Mente os termos em que se expressava a fonte que serviu de base para a aprendizagem. ‘A teoria de Ausubel postula que a estru- tura cognitiva do sujeito responde a uma orga- nizacao hierrquica na qual es conceitos se conectam entre si mediante relacées de subor dinagao, dos mais gerais aos mais especificos. A incorporacio do novo contetido a0 inclusor faz com que este se desenvolva e se amplie. Os conceitos ¢ as proposigdes da estrutura cogni- tiva do aluno se explicitam e se tomam mais especificos em um processo que Ausubel cha- ma de diferenciagao progressiva. Tal processo se observa sobretudo nas aprendizagens que na teoria se consideram subordinados, isto 6, aqueles que scriam easos ou extensoes de um conceito ou de uma proposigaio mais geral ex fente na estrutura cognitiva, Mas, além da di- ferenciagio progressiva, produzem-se outros processos de transformagao do conhecimento que geram novos significades quando se ob- servam relacdes entre conceitos que até aque- le momento nao tinham sido compreendidos. A nova informagao pode levar a reconhecer similitudes ¢ a reorganizar os elementos da estrutura hierarquica de maneira que estes recubram outro significado. Tal reestruturagao da hierarquia é chamada de reconcitiagao integradora. As aprendizagens supra-ordenadas, aquelas nas quais se aprende um conceito ou uma proposigiie inclusiva que abarca varias idéias ja presentes, e as aprendizagens combi- natdrias, nas quais se aprendem novos concei- tos do mesmo nivel na hierarquia, sai exem- plos de processos de reconciliagio integradora. Para um aluno que jé tem 0 conceito de “ma- mifero”, aprender 0 de “ave” ou de “réptil” se- riam aprendizagens combinatérias, Compreen- der que as trés categorias estao incluidas em uma mais ampla, “vertebrados”, seria em con- trapartida um exemplo de aprendizagem supra- ordenada (Del Carmen, 1996a), enquanto que adistinedo entre mamiferos “carnivoros” e “her bivoros” constituiria um caso de aprendizagem subordinada. Os dois mecanismos — diferencia- ao progressiva e reconciliagao integradora ~ devem ser entendidos como complementares & inseparaveis. A reorgamnizagao da hierarquia pela integragio de novos conhecimentos supde, por sua vez, uma melhoria € uma progressiva dife- renciagéo da estrutura cognitiva, Em tiltima andlise, 0 que se observa sio processos de interagaio entre os novos conheci- mentos © aqueles jd adquiridos pelo aluno, que dotam de novo significado tanto o conteido aprendido como 0 que o aluno ja sabia. Quan- to mais substanciais sio as rélacées entre novo ¢ o dado, quanto maior for a transforma- lo que suponha a aprendizagem, mais dificil sera que seja esquecida. Uma revisdo da teoria trinta anos depois Em 1998, 30 anos depois da publicagio do primeito livro de Ausubel, Novak escreve uma obra, Conhecimento ¢ aprerdisagem, cuja intencao é oferecer idéias e ferramentas que . possam ajudar com maior eficacia a apren- der, a criar © a empregar o conhecimento™ (1998, p. 17). Neste texto, enfatizando certos aspectos ¢ introduzindo noves elementos, vol tase a apresentar a tcoria de Ausubel, revisa- daa luz de recentes ¢ relevantes contextas te6- ricos em psicologia da aprendizagem e do en- sino. Sem disposigao de entrar em profundi- dade no contetide do livro, vale a pena desta- car dois de scus aportes antes de encerrar esta sintética exposi¢io da teoria da assimilagao. A primeira se refere & visio mais ampla que se oferece da natureza das aprendizagens. Novak (1998, p. 28-29) insiste particularmen: tena idéia de que construir significados impli- c@ pensar, sentir a agir, trés elementos que é preciso integrar para conseguir aprendizagens Significativas, para gerar novos conhecimentos. Segundo 0 autor: Uma educagao acertada deve centrar-se em algo mais que o pensamento do aluno; ‘og senitimentos e as agoes também sao im- portantes e & preciso levar em conta estas trés formas de aprendizagem a saber: a aquisigio de conhecimentos (aprendiza gem cognitiva), a modificagiio das emogoes e dos sentimentos (aprendizagem afetiva) © a melhoria da atuagso ou das acdes fisicas ou motoras (aprendizagem psico- motora), que incrementa a capacidade da pessoa para entender suas experiéncias. L..] Os seres humanos pensam, sentem e atuam, ¢ as trés coisas se combinam para constituir © significado da experiéneia. Tal ampliagiio clos contetidos da aprendi- zagem é sem davida interessante, jé que uma das limitagées da versio original da teoria re- side precisamente em centrar-se de forma qua- se exclusiva na aprendizagem conceitual. A idéia, porém, nao esté concretizada. Fala-se DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, v2 65 muito dessa tripla dimensao, mas nao se vaia fundo na especificidade que os processos de aprendizagem previstos na teoria podem ad- quirir para cada um dos casos. E razoavel pen- sar que muitos aspectos serdo comuns, mas também que a natureza peculiar do cognitivo, do afetivo e do psicomotor se traduza, 0 mes- mo tempo, em aspectos diferentes em sua ge- nese (ver 0 Capitulo 12 deste volume). Essa tricotomia, além do mais, tem a desvantagem de aprofundar uma dissociacao dos processos psicolégicos que se sabe inadequada, © segundo aporte que desejamos desta- car diz respeito 4 importancia do contexto da aprendizagem. Na versao original da teoria ja se destacava 0 significado distinto que um mes- mo conceito poderia assumir dependendo do lugar que ocupasse em uma determinada es- trutura cognitiva hierdrquica, Assim, o signifi- cado do conceito “geografia” variara dependen- do de seu uso em um contexto de aniilise his- térica ow ambien Na linha tedrica da cognigio situada, Novak insiste agora em en- tender o significado indissociavelmente ligado a0 contexto no qual foi construido: um concei- to adquire sentido dependendo das diferentes proposicoes que o incluem, ¢ estas sto gera- das em contextas especificos. Assim, a riqueza do significado do conceito dependera da va- riedade de contextos nos quais se tenha apren- dido e da capacidade de conectar os diferentes nificados dentro desse mesmo conceito. Em- bora essa énfase no contexto seja muito inte- ressante, a proposta fica incompleta se niio se adotar uma posi¢io acerca dos processos de generalizacio, algo que no se encontra no li vro de Novak que estamos comentando, DA APRENDIZAGEM AO ENSINO: IMPLICACOES DO ENSINO DA TEORIA DA APRENDIZAGEM VERBAL SIGNIFICATIVA [1A Theory of Education nio influi de forma significativa na educacio, nos Esta dos Unidos nem em outros paises. [..] Porm me parece evidente que os educa- dores nao estavam preparados nem neces- sitavam desesperadamente de wma teoria da educagio. As priticas educacionais an tigas, derivadas em boa medida da psico- 66 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. logia behaviorista [..], eram considleradas suficientemente boas para prosseguir a tarefa da educagae (Novak, 1998, p. 256) Embora a apreciacio feita retrospectiva- mente por Novak sobre 0 impacto no ensino seja mais desalentadora, muitos dos conceitos e principios da teoria da aprendizagem verbal significativa e da “teoria da educacio” elabo- rados com base em seus pressupostos gozam de uma popularidade apreciavel ¢ pode-se di- zer que fazem parte do saber educacional com- partilhado. A seguiz, vamos nos aprofundar em alguns desses aspectos, dando atengao tanto a principios gerais como a conceitos ou instru- mentos especificos de indubitdvel repercussio pritiea Superando concepeées erréneas em educagdo: a aprendizagem significativa por recepgao e a construgaio de significados A distingdio das duas dimensoes da cdu- cago a que nos referimos no item anterior ~ dimenso recepeiio/descoberta e dimensao sig- nificativa/receptiva — constitui algo mais que o necessario esclarecimento coneeitual sobre a aprendizagem escolar, Ao reivindicar a apren- dizagem significativa por recepgiio como um processo cognitivo de natureza ativa, esses au- tores seguem a tradi¢do inaugurada por Claparéde, com sua defesa da “atividade fun- cional” de tipo cognitivo em face da “atividade de execucia”, e seguida por Piaget e outros representantes do paradigma construtivista, com a “atividade auto-estruturante” ou ativi- dade mental construtiva. Para Ausubel, a exposigo verbal correta e bem-organizada é a forma mais eficiente de ensinar e promover a aprendizagem de conte dos amplos ¢ complexos; dai que o planejamento € a pritica do ensino devam preocupar-se com a apresentacio correta da informagao para que 0s alunos possam construir significados preci- 30s e estiveis, que possaim ser reticlos como cor- pos organizados de conhecimento. Na obra na qual apresentaram sua teoria (1983, p. 117), ‘Ausubel, Novak e Hanesian destacavam_condi- «Ges estimuladoras da compreensao significativa: 1, [Se] Asidéias centraise unificadoras de uma disciplina so aprendidas antes que se introduzam os concei- tos ¢ informacées periféricos. 2. Se se observam as concepcoes limi- tantes da aptido de desenvolvimen. to geral, 3. Se se enfatizam definigées exatas, € se destacam as similitudes © as dife- rengas entre conceitos relacionados. 4, Se se pede aos alunos que reformu- Jem com suas préprias palavras as novas proposicbes © problema com os métodos expositivos nao € que, em si mesmos, incentivem a apren- dizagem repetitiva, como se sustenta a partir de determinadas posturas progressistas em educagio, mas sim que sua inadequada con- cretizagio leve 0 aluno a “enganar-se”, a acre- ditar que captou os conceitos quando na ver dade esta apenas manejando um conjunto de rétulos verbais. Para afastar tal perigo, é ne- cessdrio estimular os alunos a adotarem uma postura eritiea diante da aprendizagem. Isso. significa encorajé-los a analisar os postulados em que se baseiam os conhecimentes, a distin guir entre fatos e hipéteses, a buscar os dados: em que se apéiam as inferéncias. O uso, por parte do professor, da indagagaoe da maiéutica socrditica pode contribuir para assegurar uma compreensio mais ajustada dos conceitos. Nesse sentido, as reformulagdes recentes da teoria acentuam a importancia da intera- Go educacional. Isso leva a considerar 0 fato educacional como agao dirigida a troca de sig- nificados € sentimentos entre professor ¢ alu- no (Novak, 1998, p. 34 e ss); a aprendizagem significativa se produz quando 0 aluno ¢ 0 pro- fessor negociam e compartilham com éxito uma unidade de significado. A exposigaa do conhe- cimento, portanto, nao deve ser semelhante um relato de fatos e de conceitos que por si mesmo produz uma aprendizagem repetitiva, carente de significades, mas come um compo- nente necesssirio — ainda que insuficiente ~ para a constructio de significados por parte do alu- no. A este resta ainda uma tarefa enorme: per- sistir em compreender e em reter, integrando as navas idéias com seus conhecimentos anterio- res, analisando similitudes ¢ diferencas, formu do conscientemente a resolucio dos wae que aparecem ao longo da aprendizagem. Em sintese, 0 fato de que os professores selecionem, estruturem ¢ seqiienciem adequa- damente os contetidos das matérias de estudo niio constitui um impedimento para a ativida- de mental dos alunos; ao contrério, da pers- pectiva da teoria, facilita-a e orienta-a, Desse modo, contribui-se nie apenas para a constru- io de signifieados, mas também para a com- preensio das agdes que permitem aprender de forma auténoma, para © conhecimento sobre ‘como aprender de modo significativo. Para que ocorra mediante a aprendizagem por re- cepsao, € necessiirio cumprir determinadas condigdes: apresentar em primeiro lugar as idéias mais gerais de um ambito de conheci- mento, utilizar definigées claras ¢ precisas, for- mular de maneira explicita as relagdes existen- tes entre os conceitos apresentados e pedir aos alunos que reformulem, com suas prdprias pa- lavras, a nova informagao. A medida que tais condigdes se cumpram, e 2 medida que exis- tam na estrutura cognitiva dos alunos concei- tos inclusores pertinentes, assegura-se uma adequada integracao dos novos conhecimen- tos, ou 0 que é 0 mesmo, consegue-se atribuir- thes significado e aprendé-los significativamen- te, A ativacdio desses conceitos inclusores, ca- pazes de assimilar a nova informacao, apare- ce, entdio, como um fator determinante da aprendizagem. Aorganizacao hierarquica do conhecimento e suas = a Ausubel e seus colaboradores - do mes- mo modo que outras correntes da psicologia cognitiva atual — postulam que a estrutura cog- nitiva humana est configurada por redes de conceitos organizados hierarquicamente gundo um nivel de abstragao ¢ generalidade. Essa representagio do conhecimento na me- méria humana, ou estrutura psicoldgica, deve serdiferenciada de sua organizacio formal, tal como aparece nos livros-texto, nos manuais ou nas monografias elaborados pelos especialis- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO'E EDUCACAO, V2 67 tas na drea em questdio, que representa mais, sta estrutura légica. As coincidéncias que exis- tem entre elas, em decorréncia de se referirem um mesmo contetido, nao nos devem fazer esquecer suas diferencas quanto aos principi- os ¢ as leis que regem sua organizacao ¢ 20s significados que veiculam, Como se sabe, a teo- ria da aprendizagem verbal significativa con: sidera que o seqiienciamento dos contetidos de aprendizagem encontra seu referente ideal na estrutura psicolégica do conhecimento e nos prineipios que regem sua organizacio. Tais idéias originaram a alguns dos conceitos ¢ ins- trumentos mais conhecides da teoria: os organizadores prévios, os mapas conceituais e heuristico “UVE”. ‘Seguindo esses principios, o seqiien- ciamento dos contetidos do ensino deve con- cretizar-se em uma hierarquia conceitual que segue uma ordem descendente: comega-se pe- los conceitos mais gerais, importantes ¢ incla- sivos, apotados em exemplos concretos que per- mitam ilustré-los, e termina-se com a apresen- tagao dos mais detalhados, passando pelos que tém um nivel de generalidade intermediario. A apresentacao ciclica de todos os conceitos promove tanto a diferenciacao progressiva dos mais gerais quanto a reconciliacao para 0 conjunto da estrutura; adicionalmente, permite destacar as diversas relagdes — de su- bordinacao, de supra-ordenagao, de semelhan- 6a, ete, ~ que os coneeitos apresentados man- tém entre si. As hierarquias conceituais sie no 36 um claro expoente do carter hierdrquico que Ausubel atribui 3 estrutura cognitiva, mas também da importincia que atribui a aprendi- zagem subordinada. Um principio importante da teoria da aprendizagem verbal significativa é que to- dos os alunos podem aprender significativa- ‘mente um contedda se tém em sua estrutura cognoscitiva conceitos relevantes ¢ inclusores (Novak, 1982); esses conceftos devem ser ativados para obter a adequada integragao da nova informagio na estrutura de conhecimen- to ja existente. Os organizadores prévios sito precisamente contetidos introdutérios de maior nivel de generalidade, de abstragao e de inclusividade do que o nove material de aprendizagem, formulados em termos familia- res para o aluno; sua funcdo é a de “superar a 6B Cou. MARCHES: PALACIOS & COLS. distancia” - ou lancar pontes- entre 0 conhe- cimento que se possui eo que se necessita para abordar com éxito o contetido que se tra- ta de assimilar. Com sua apresentacio, pre- tende-se ativar ou criar o inclusor pertinente. Quando se possui pouco conhecimento pa: vel de ser relacionado com a nova informa- do, um organizador expositivo pode oferecer os conceitos inclusores necessarios para imtegré-la, Se ha familiaridade com @ conteti- do que se deve aprender, um organizador com- parativo pode facilitar a discriminacio entre o.aprendido e 0 novo (Garcia Madruga, 1990). Como se assinalou (Novak, 1998), a efi- cicia dos organizadores prévios depende de duas condigées: de que seja possivel identifi- car 9s conhecimentas existentes relevantes especificos e de que os novos contetidos sejam segiienciados de tal modo que a capacidade do aluno para relaciond-los com que j4 pos- sui se incremente ao maximo. Assim, um organizador prévio da aprendizagem é consi- derado ou nao como tal em fungi do que os alunos jet sabem (€ também, mas nao 56, em fungi do contetido que ensine). Em outras palavras, um determinado material nao pode ser considerado em si mesmo como um organizador prévio adequado ou inadequado; seu papel de ligacao ou “ponte cognitiva” vin- cula-o de forma ineludivel ao conteido de aprendizagem em relacao aos inclusores dis- poniveis em um aluno ou grupo de alunos (Mani e Onrubia, 1997). A dependéncia que tém os organizadores prévios do material es- pecifico ¢ do conhecimento cos alunos = dos diversos alunos ~ confere eerta dificuldade a tarefa de seleciond-los; contudo, é essencial observar tal dependéncia, pois de outra forma no se pode cumprir a fungao de promover a garantia da nova informagao nos inclusores preexistentes. A idéia dos organizadores prévios e sua contribuigio para a consolidagiio de novos con- ceitos é uma das mais conhecidas e pesquisadas da teoria de Ausubel, e também das mais critieadas, pela pouca preciso em sua defini- Go, que se deve, pelo menos em parte, 3 sua propria natureza ¢ ao seu carter necessaria- mente contextualizado. E provavel que seja também uma das que tenha sido mal-interpre- tada com mais freqiiéncia, ao se abordar a ela- boragdo ou a selecdo dos organizadores pré- de um ponto de vista extero, estritamen- te ldgico, sem dar a necessiria atengio aos co- nhecimentos dos alunos em seu planejamen- to. Os mapas conceituais ¢ a UVE de Gowin sao, precisamente, instrumentos que podem ajudar o professor a ajustar seu planejamento a0 que © aluno ja conhece. Como assinala Novak (1988, p. 99), tanto os mapas concei- tuais quanto os diagramas em UVE L...] constituem poderasos organizadores Prévios e ajudam a projetar o ensino que se baseia nas estruturas do comhecimento do aluno. Se pedirmos aos alunos que construam o methor mapa conceitual ou liagrama UVE para um tema ou uma ati- vidade conereta, manifestarao tanto as dias vilidas que tém sobre estes como ‘as no-validas. |...] [Isso] faz com que 0 aluno perceba que possui certos conheci- mentos relevantes para o novo tema, o.que incrementa sua motivacso para aprender de modo significativo. © mapa conceitual & um instrumento que ‘permite representar um conjunto de conceitos jacionados de forma significativa. A unidade baisica do mapa conceitual é.a proposicao, cons. tituida por dois ou mais conceitos unidos por um termo que manifesta a relagao existente entre eles. Sua estrutura é hierérquica, de modo que se evidenciam as relagdes de subor- dinagio © supra-ordenagio entre conceitos ~ ‘os que se incluem na parte superior so os mais, gerais e, A medida que se desce, aparecem os conceitos mais especificos —, mas pode-se re- presentar também relagies. nao-hierarquicas. Na Figura 3.2, um exemplo de mapa conceitual. Os mapas conceituais (Coll ¢ Roche: 1990; Del Carmen, 1996a) estabelecem um ni mero reduzido «le conceitos e de idéias impor- tantes relacionados de forma substancial que permitem orientar 0 processo de ensino ¢ aprendizagem. Por isso, além de constituir um instrumento muito url para perguntar sobre as idéias dos alunos acerca de um corpo de conhecimento — para estabelecer a represen- taco psicolégica desse conhecimento -, cles podem ser utilizados como instrumento de faliagio alternativo ais provas objetivas em DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO EEDUCACIO,V2 69 Mapas sonceituais Representam obese com para Objetos Criatvidade — | para mostrar as entre Diferentos.sogmentos do mapa FIGURA 3.2 Mapa conceitual que mostra as idéias e 0s principios fundamentais para obter-se um bom mapa conceitual. Forte Nowak 1008. 9. 58, qualquer momento do processo de ensino ¢ to da realidade e para prover a reflexiio sobre aprendizagem ¢ também como ferramenta para os conceitos que o integram ¢ as relagoes que aelaboracao de sequiéncias de aprendizagem, 0 aluno é capaz.de estabelecer entre cles. Nes- Constittem um instrumento muito valioso para sa perspeetiva, que ressalta sua capacidade ensinar os alunos a representarem seu conhe- como ferramenta metacognitiva, sfio um po- cimento sobre um determinado tema ou Ambi- deroso aliado no ensino e na aprendizagem de 70 COLL MARCHES! PALACIOS & COLS. estratégias de aprendizagem auténoma (Novak e Gowin, 1988). Sua versatilidade e a relativa facilidade na aprendizagem ¢ no uso dos mapas concei- tuais popularizaram esse instrumento que, no entanto, nao deixa de ter limitagées. Algumas delas inerentes sua propria natureza (Coll e Rochera, 1990); a elaboragao de um mapa con- ceitual esta sempre sujeita a um certo grau de arbitrariedade (pois quem o elabora decide os, conceitos ¢ as relagdes a enfatizar), sem que existam diretrizes precisas que a orientem de maneira inequivoca. Além disso, constitui um instrumento adequado para representar a es- tmutura conceitual de um corpe de conhecimen- to, mas nao se pode afirmar 0 mesmo dos con- tetidos procedimentais e daqueles relativos as atitudes, aos valores ¢ as normas. Do ponto de vista do ensino, isso constitu uma grave limi- tagio, pais embora Ausubel e seus colabora- dores tenham proporcionado miltiplas ¢ su- gestivas propostas para abordar o ensino dos contetidos conceituais, o tratamento de outras, categoria de contetidos curriculares nao foi ob- jeto de seus trabalhos.* Outra limitagao dos mapas conceituais se deve tanto & sua natureza quanto a0 uso que se faz deles; quando se torna rotineira sua ela- boragao e quando esta nao promove a auténti- ca reflexdo e a discusso dos conceitos e das relagdes representados, os mapas adquirem a condigaio de exercicios para resolver, perden- do uma parte consideravel de seu poder como estratégia de aprendizagem (Monereo e Caste- 116, 1997). A elaboragao de um mapa concei- tual deve constituir uma situagao complexa que nao possa ser resolvida de forma repetitiva € que obrigue a pensar. Entao, se transforma em um instrumento ideal paraa negociagio de sig- nificados: para que os alunos possam negociar mutuamente seus significados; para que pos- sam fazer isso com o professor e, talvez 0 mais importante, para que cada um possa negocia lo consigo mesmo por meio da negociagao que estabelece com outros. Como assinalaram di- versos autores (Monero e Castellé, 1997; Novak, 1998; Pozo, 1996), 0 uso estratégico (em oposicao ao puramente téenico) dos ma- pas conceituais por parte dos alunos, ¢ sua Potencialidade como instrumento de aprendi- Zagem auténoma, depende em boa medida de como 0 professor os utiliza na sala de aula. O diagrama ou heuristico em UVE (0 “V de Gowin", como é conhecido habitualmente) € outro dos instrumentos elaborados de acor- do com essa teoria, embora por sua complexi- dade seja muito menos utilizado para indagar sobre os conhecimentos dos alunos, para aava- liagio e, em geral, para 0 ensino, Em princt- pio, foi criado para ajudar os estudantes a com- preenderem a geracao de determinados conhe- cimentos mediante um processo de pesquisa, ‘© que, sem diivida, explica a complexidade re- ferida e, ao mesmo tempo, informa sobre sua utilidade para interpretar determinados fatos ¢ acontecimentos, planejar processos de cons- trugao do conhecimento ¢ como instrumento de andlise, de selecdo e de organizacao dos con- tetidos fundamentais de uma disciplina_ Recordemos que a proposta de seqitencia- gio de acordo com a estrutura hierdrquica do conheeimento postulada pela teoria da apren- dizagem verbal significativa obriga a detectar 03 elementos fundamentais nas disciplinas, 4reas curriculares ou de conhecimento que se pretende ensinar — isto é, os conceitos mais gerais e integradores ~ ¢ a organizé-los hierar- quicamente, de modo que se evidenciem as relages substanciais que mantém entre si. Na- turalmente, tal organizagao hierirquica pode adquirir a forma de um mapa conccitual, mas antes € necessdrio decidir quais so os concei- tos fundamentais ¢ as relagdes que mantém com outros conceitos mais particulares, Para isso, podem ser utilizadas as perguntas que Gowin (citado por Novak, 1992; 1998) ideali- zou para identificar os elementos fundamen- tais de uma disciplina, uma drea ou um corpo de conheciment Quais so as perguntas-chave ou deter- minantes a que pretende responder a discipli- na em questao? ‘Quais sio os conceitos-chave que utiliza? ‘Que métodos de pesquisa sio emprega- dos para gerar novos conhecimentos? ‘Que enunciados, afirmagoes ¢ respostas sfo elaborados para as perguntas-chave? Que enunciados e jufzas de valor faz com que intervenham? Em tomo dessas perguntas articula-se 0 diagrama em UVE, cujo esquema basico, toma- do de Novak (1998), é o da Figura 3.3. DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAO, v2 71 ‘CONGEMTUALTEORICO ‘CONHECIMENTO EM UVE METODOLOGICO (pensar) (faze CONCEPCAO DO MUNDO: IENUNCIADOS SOBRE OS 4s crencas e os sistemas de co- PERGUNTAS DE ENFOQUE: ‘VALORES: shecimentos gerais que mobvamn Perguntas que servem para Atirmagses baseadas nos @ guam a pesquisa ‘contrar a pesquisa nos fatos ou ‘enunciades sobre 0 conheci- ros cbjetos estudados. ‘mento que deciaram 0 valor FILOSOFIA/EPISTEMOLOGIA: ‘da pesquisa. AS crongas sobre a naturaza do canhecimento © 6 saber que guiam ENUNCIADOS SOBRE O «pesquisa, ‘CONHECIMENTO: Alirmagoes que respondem a TEORIA: ppergunta ou 4s perguntas de Os principios gerais que guiam a ‘onfoque e S80 interprotagtes: pesquisa © que explicam por que razoaveis dos registros 6 re- 0 fats ou 0s objetos se mostram Qistros transformados (da como se observa. ‘90s) obtidos. PRINCIPIOS: ‘TRANSFORMACOES: Enunciados de relagdes entre Tabelas. graticos. mapas conemtos que expicam como se conceituais, estatistcas ou ‘espera que os fatos ou os obje- outras formas de organizar os {05 se mostrem ou se comportem. registros efetuados. CONSTRUCTOS: REGISTROS: lets que mostrar rolagdes es- [As observacées realizadas 6 peclieas entre coneeites, sem crigem direta nos fatas ou nos objeto. rogistradas dos fatos/objotos ‘estudados. ‘GONCEITOS: Rogularidades percebidas nos {aos ou nos objetos. FATOS E/OU OBJETOS: Descriglo do fat. ou: dos fa- 10s, edo objeto, ou objetos..e5- tudados para responder as perguntas de enfoque. FGURA 3.3. conhecimento em UVE. As vantagens de utilizar tal diagrama fo- ram sintetizadas por Novak (1998, p. 110 ¢ s8,). Segundo 0 autor, permite ilustrar que na construcéo ou na analise de um corpo de co- ahecimento intervém aproximadamente uma dizia de clementos epistemolégicos, tanto ted- tico-conceituais como metodolégicos, todos imeragindo entre si. Ilustra, também, uma vi- sho construtivista do conhecimento, que mos- wa a importancia das perguntas que nos for- mulamos sobre a realidade, que orientam to- talmente a geragiio das respostas; embora es- tas se refiram aos objetos e aos fatos observa- dos, o conhecimento nao emana dos registros, mas sim da interpretacéio destes mediante os elementos de tipo conceitual e tedrico “da par te esquerda” do diagrama. Tais propriedades fazem da UVE um ins- trumento itil para o tracado de projetos de pesquisa (Novak, 1998), para a andlise da es- 72 COLL MARCHES! PALACIOS & COLS. trutura de contetides de uma matéria e seu seqiienciamento inter-relacionado: (Del Car- men, 1996a) ¢, em geral, para “desempaco- tar’ oconhecimento de uma disciplina (Gowin, citado por Novak, 1992}. A maior complex dade com relagio aos mapas conceituais ex- plica que seu uso, particularmente no dimbito dos ensinos fundamental e médio, seja muito mais restrito." A TEORIA DA APRENDIZAGEM VERBAL SIGNIFICATIVA: CONTRIBUICOES E DESAFIOS PENDENTES Uma contribuicio significativa da teoria da aprendizagem verbal significativa reside em sua forma de entender a aprendizagem huma- na, especificamente a que se realiza em situa- goes estruturadas de ensino e aprendizagem em torno do conhecimento de fatos, de con- ecitos, de principios e de explicagées. De uma posigao inequivocamente cognitivo-construti vista, Ausubel e seus colaboradores definem uma categoria de aprendizagem cujos tracos correspondem ponto por ponto aos que secon sideram prototipicos do “bom aprender” (Pozo, 1996): provoca mudangas duradouras; é utili- zivel em situagoes distintas daquela em que se aprenden e constréi-se em cantexto de pritica reflexiva. O aluno torna-se 0 verdadeiro pro- tagonista da aprendizagem & medida que, gra- cas a sua atividade mental construtiva, recu- pera e mobiliza seus conhecimentos prévios para atribuir significado & nova informacio. Essa explicagao da aprendizagem huma- 1a em situacoes de ensino constitui ndo sé um referente para algumas conceituagbes posterio- res da psicologia cognitiva, como também para teorias e explicagoes sobre o ensino ¢ a apren- dizagem. Sua contribuicao para a proposta de uma concepgio construtivista da aprendizagem escolar e do ensino de carater integrador é de- cisiva (Coll, 1997). Naia é estranho, pois, que tanto a partir deste como de outros enfoques construtivistas em educagio se destaquem aportes, extensdes e limitacdes da teoria da aprendizagem verbal significativa, algumas das (quais ja parecem superadas em elaboragdes posteriores, enquanto outras ainda constituem, desafios abertos. A perspectiva cognitiva: aprendizagem significativa e mudanga conceitual — A representacao do conhecimento na memoria A vigéncia do conceito de aprendizagem significativa manifesta-se ma possibilidade de utilizé-lo para interpretar um dos temas aos quais a psicologia cognitiva do ensino dedicou mais esforcos nas tiltimas décadas: 0 das.con- cepcées alternativas ¢ a mudanca conceitual. A maioria dos autores que trabalharam nesse ‘campo formulou a mudanga como uma substi- tuigdo na estrutura cognitiva da aprendizagem de uma concepeiio alternativa, gerad: no con- texto de aprendizagem cotidiana, pela concep- io cientifica, Entretanto, determinados dados cde pesquisa ~ como os que mostram que mes- mo sujeitos especialistas em um dominio po- ‘dem nao utilizar seu conhecimento cientifico em determinadas situagoes ¢ por outro lado resolvé- las mediante concepcées alternativas — levaram a rever tais posigies. Nos tltimos anos surgi- ram explicages que entendem a mudanca conceitual como uma construcao de teorias -cientificas a partir daquilo que © aluno ja sabe, teorias que conviverao com o conhecimento co- tidiano em sua estrutura cognitiva ¢ cuja utili- zagéio dependeria clo contexto (Rodrigo, 1994; Poz0, 1996; Rodrigues Moneo, 1999; ver tam- bém o Capitulo 4 deste volume). Fssas posigdes, que se mostram muito mais ajustadas ao que se observa nas situacoes de aprendizagem escolar, podem perfeitamen- te ser interpretadas em termos da teoria da as- similagao da aprendizagem (Moreira, 2000). As concepgoes alternativas foram aprendidas de um modo significative, 0 que nao quer di- zer cientifico ou correto, mas por correto en- tende-se 0 aceito na comunidade cientifica. Embora seu significado denotativo niio coinei- da com o cientifico, pode ser compartilhado com outras pessoas e revelar-se ttil em situa- oes cotidianas. Segundo a teoria da assimila- nogdes significativamente aprendidas fazem parte da histéria cognitiva do sujeito ¢ nunca chegam a desaparecer de todo, devide aos processos de inclusiia abliterativa explica- dos anteriormente. S40 conhecimentos “naio- suprimiveis”, nao podem desaparecer total- mente porque sempre restario significados residuais — seu vestigio. Os exemplos da vida cotidiana pelos quais urn aluno verifica a com- provacio dlessas concepg6es constituem apren- dizagens subordinadas que continuam contri- buindo para sua diferenciagéio ¢ sua estabili- dade; por isso, sio to resistentes 4 mudanca. Como assinala Moreira (2000), {..] B.uma ilusio pensar que tum conflito cognitivo e/ou uma concepeao plausivel e frutifera levard & substituigio de uma con- cepeio alternativa significativa. Quando as estratégias de mudanca conceitual tém to, em termos de aprendizagem signi. ficativa, 0 qué fazem é agregar novos sig nificados as concepgies ji existertes, sem suptimir ou substituir os significades que jd tinham. Ou seja, a concepesio torna-se mais claborada,, ou mais riea, em termos de significados agregades a ela Dessa perspectiva, a aprendizagem deve- tia produzir um processo de maior enriqueci- mento e discriminagao, que permitisse ao alu- no fazer a diferenciagéo, de maneira progres- sivamente mais consciente, entre os significa- dos “accitos” & os “naio-aceitos” em cada situa- ao particular. Os especialistas tém os dois ti- pos de significadas ~ cotidiano ¢ cientifico ~ sabem utilizar 0 adequado em cada contexto. As estratégias de ensino deveriam levar em conta @ que o aluno ja sabe e ajudar para que se produzam sucessivas diferenciagées progres- sivas ¢ reconciliagdes integradoras que condi zem & reorganizagao da estrutura cognitiva do aluno, situando suas concepedes implicitas no ‘ugar adequado da nova hierarquia conceitual

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