Imagine que você esteja padecendo de uma doença incurável,
sobrevivendo somente a custas de aparelhos, inconsciente. Sua vida se mantém graças aos meios artificiais. Você escolheria prolongar sua vida nessa situação, talvez por anos, ou preferiria interromper os tratamentos, o que resultaria na sua morte natural? Temos o direito de apropriarmos da nossa própria morte? Se defendemos o direito à vida, o que dizemos do direito a uma morte digna? Aqui nos Estados Unidos, muitos americanos têm optado por deixar escrito seus desejos, dando orientações ao seu médico e à família sobre futuros tratamentos, caso tenham uma doença que os impeçam de expressar sua vontade. Esse documento se chama testamento vital; também chamado de declaração antecipada de vontade (em inglês living will). O testamento vital surgiu pela primeira vez em Chicago nos anos 60. Um advogado que lutava pelos direitos humanos, Louis Kutner, criou o primeiro testamento vital inspirado por um amigo íntimo que sofria de uma doença longa e penosa. Kutner lutou pelo direito das pessoas de expressarem seus desejos finais sobre tratamentos de suporte à vida quando estão próximos da morte. Hoje todos os 50 estados dos Estados Unidos reconhecem o testamento vital ou alguma forma de documento em que o paciente expressa seus desejos. Mas ainda existe um debate sobre o tema. Há casos, por exemplo, em que os médicos fazem tudo que podem para prolongar a vida do paciente, mesmo quando esse paciente deixou um testamento vital. É claro, se não existe um testamento vital, o prolongamento da vida do paciente é decidido pela família ou pelo médico. Existem muitos argumentos contra o testamento vital. Um deles é que o paciente decide no presente sobre algo no futuro, que lhe é desconhecido, isto é, decide agora sobre sua futura situação sem ter as informações médicos necessárias. Outro argumento é que em geral a linguagem usada no testamento vital é muito geral e ampla e, portanto, pode estar sujeita a várias interpretações. Aqueles que apóiam o testamento vital dizem que o testamento pode falar por nós quando não podemos nos expressar, por exemplo, se estamos em coma. Os defensores do testamento vital dizem que ele reflete um direito humano, o direito de aceitar ou rejeitar certos tratamentos. Pode também ser um instrumento importante não só para os médicos, mas também para as famílias, já que ambos precisam tomar decisões difíceis. Um outro argumento a favor do testamento vital é que ele tem o poder de imunizar médicos de qualquer processo criminal ou civil. Evidentemente, a família e o médico assumem que os desejos do paciente em estado grave e inconsciente são os mesmo de quando ele ou ela assinou o testamento. Neste ponto entra um outro argumento contra o testamento vital. Como podemos decidir sobre uma situação que nunca vivemos? Outros países também permitem o testamento vital. A Alemanha, a Inglaterra e a Holanda são exemplos de países que aceitam o testamento vital ou alguma outra forma variada do testamento. No Brasil, entretanto, não há uma lei que regule o testamento vital. Qual a decisão certa a tomar? Difícil dizer. O que me parece certo é que o direito do paciente de decidir se quer ou se rejeita certos tratamentos não deve ser desconsiderado.
Denise M. Osborne é araxaense, doutoranda pela Universidade do Arizona
(USA) em aquisição de segunda língua, e professora de português pela mesma universidade. dmdcame@yahoo.com
Artigo originalmente publicado pelo Jornal Clarim (Minas Gerais, Brasil):
Osborne, D. (2011, Feb 25). Testamento Vital. Clarim, Ano 16, n. 757, p. A2.