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Crítica | O que é arte? http://criticanarede.com/fil_tresteoriasdaarte.

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criticanarede.com · ISSN 1749‑8457


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1 de Setembro de 2000 · Estética e filosofia da arte

O que é arte?
Três teorias sobre um problema central da estética
Aires Almeida

Introdução
Este ensaio apresenta aos estudantes de filosofia os problemas teorias e
argumentos da estética, o que será feito da seguinte maneira:

1. Em primeiro lugar, procurarei mostrar que a estética é uma disciplina


heterogénea, a qual tem sido encarada como teoria do belo, como teoria
do gosto e como filosofia da arte. Direi muito rapidamente em que A Casa da Cascata, de Frank Lloyd
consiste cada uma dessas coisas e orientarei o seu interesse para a estética Wright (1869-1959)

enquanto filosofia da arte, apresentando razões para isso.


2. Seguidamente, apresentarei as principais noções de base necessárias à discussão crítica dos problemas,
teorias e argumentos da filosofia da arte.
3. Finalmente, apresentarei criticamente, mas de forma abreviada, algumas teorias e argumentos acerca do
problema da definição de arte. A escolha das teorias tem por base o seu carácter intuitivo e a convicção de
que traduzem de maneira organizada o que os alunos pensam de maneira desorganizada. Essas teorias são
as designadas teorias essencialistas: teoria da imitação, teoria da expressão e teoria formalista.

1. O que é a estética?
O ramo da filosofia a que se dá o nome de «estética» inclui um conjunto de conceitos e de problemas tão variado
que, aos olhos daquele que se inicia no seu estudo, pode parecer uma matéria demasiado dispersa e inacessível.
Essa primeira impressão é compreensível, mas ultrapassável. Uma maneira de desfazer tal impressão é começar
por esclarecer que a estética é a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas, teorias e argumentos acerca da
arte. A estética é, portanto, o mesmo que filosofia da arte.
Mas há um problema com esta forma de apresentar a estética: o termo «estética» não tem sido sempre
utilizado nesse sentido. E isso não ocorre apenas em relação ao uso comum da palavra «estética»; ocorre também
no interior da própria tradição filosófica.
Na tentativa de desfazer essa dificuldade, a estética é muitas vezes apresentada como a disciplina filosófica
que se ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos referimos a objectos estéticos. Só que
isso pouco adianta se não soubermos antes o que se entende por «objectos estéticos». Podemos, contudo,
acrescentar que os objectos estéticos são os objectos que provocam em nós uma experiência estética. Mas, uma
vez mais, ficamos insatisfeitos, pois teremos agora de saber o que é uma experiência estética. Resta-nos insistir e
perguntar: «O que é uma experiência estética?» Uma resposta possível, mas sem ser circular ― sem voltar ao
princípio e afirmar que uma experiência estética é o que resulta da contemplação de objectos estéticos ―, é
apresentar alguns exemplos daquilo que consideramos ser juízos estéticos, isto é, juízos acerca de objectos
estéticos e que, portanto, exprimem experiências estéticas.
Eis alguns exemplos de frases que habitualmente proferimos e que qualquer pessoa estaria disposta a
reconhecer que exprimem juízos estéticos:

F1: «Aquela casa é bonita»

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F2: «O vale do Douro é belo»


F3: «O nascer do dia naquela amena manhã de Maio no Gerês com o cheiro a terra molhada e os
pássaros a chilrear foi sublime»
F4: «A decoração desta montra está com muito bom gosto»
F5: «O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante»
F6: «O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima»
F7: «O livro Ulisses de James Joyce é uma obra complexa»

Estas frases parecem trazer de volta a impressão inicial de que os problemas da estética são heterogéneos.
Assim, frases como F1 e F2 exprimem juízos acerca do que se considera ser bonito ou belo, mas nenhuma
das outras o faz. Talvez F1 esteja também a referir alguma obra de arte (se essa casa for, por exemplo, a casa da
cascata, de Frank Lloyd Wright) o que não acontece com F2.
Por sua vez, frases como F4, F5, F6 e F7 exprimem a opinião de alguém acerca de algo realizado por outras
pessoas, mas enquanto as três últimas referem obras de arte, tal não sucede com F4.
Quanto a F3 e F4 sabemos que não está em causa o conceito de belo nem se refere qualquer obra de arte,
mas apenas o que sentimos em relação a algo que simplesmente nos agrada. Isso é também o que acontece em
relação a F5, só que desta vez a propósito de uma obra de arte.
O que podemos concluir daqui?
Se os nossos exemplos se limitassem a F1 e F2, então a estética seria entendida apenas como teoria do belo,
pois o problema parece consistir em saber o que significa «ser belo».
Caso pensemos apenas em F3, F4 e F5, o que temos como problema já não é rigorosamente o do significado
de «ser belo» mas o de saber por que razão e sob que condições acabamos por formar esse tipo de juízos, ou seja,
juízos de gosto (nesta perspectiva também F1 e F2 podem simplesmente ser tomados como juízos de gosto).
Finalmente, se pensarmos em F1 (pelo menos em certos casos, como o da referida casa da cascata ), F5, F6
e F7, o problema com que nos deparamos não é o do belo, nem sequer o do juízo de gosto, mas sim o problema de
saber o que é e como se avalia uma obra de arte.
Estamos, assim, em condições de concluir que a estética pode ser ― o que de resto é mostrado pela sua
história ― uma de três coisas: teoria do belo, teoria do gosto ou filosofia da arte.
Deveria também ficar claro que a teoria do belo não exclui completamente do seu domínio muitas das
obras de arte e a filosofia da arte não se desinteressa completamente de algumas obras belas, tal como a teoria do
gosto se pode aplicar quer a objectos belos, quer a objectos de arte.

Mas não devemos confundir teoria do belo, teoria do gosto e


filosofia da arte. Até porque há obras de arte que não são belas,
como o célebre Urinol, de Marcel Duchamp; há obras de arte de que
não gostamos, como acontece comigo em relação à música dos
Madredeus, aos quadros de Júlio Pomar, aos livros de José
Saramago e aos filmes de Manoel de Oliveira; há coisas belas que
não são arte, como um pôr-do-sol natural e a planície alentejana; e
há coisas de que gostamos que não são arte nem são belas, como a
nossa caminha e melão com presunto.
Isto significa que os objectos que fazem parte da extensão dos
Urinol, de Marcel Duchamp (1887-1968)
conceitos de belo, de gosto e de arte não são os mesmos, pelo que não
estamos a discutir os mesmos problemas quando discutimos cada um desses conceitos.
Em que ficamos, então?
Se bem que a estética tenha sido entendida inicialmente como teoria do belo e só depois como teoria do
gosto, é como filosofia da arte que ela é actualmente entendida. Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar
algumas razões para isso:

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1. Em primeiro lugar, tanto a teoria do belo como a teoria do gosto dirigiram o seu interesse de forma
particular para as obras de arte. Para além do problema de saber o que é o belo, um dos problemas
colocados pela teoria do belo foi o da distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo sentido
também os defensores da teoria do gosto procuraram compreender porque é que a arte está na origem de
grande parte dos nossos juízos de gosto.
2. Em segundo lugar, a teoria do belo e a teoria do gosto não conseguem dar conta de muitos dos problemas
que se colocam com o conceito de arte. É o caso das obras de arte que dificilmente podemos considerar
belas e daquelas de que não gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.
3. Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar problemas acerca dos conceitos de belo e
de gosto que estes não conseguem levantar acerca da arte. Isso torna-se evidente quando, por exemplo, os
gostos e a própria noção de belo se podem modificar à medida que contactamos com diferentes obras de
arte (a ideia de que a arte educa os gostos e influencia a nossa própria noção de belo).

2. Estética e filosofia da arte


É, pois, como filosofia da arte que a partir de aqui irei falar de estética. A filosofia da arte é, por sua vez, formada
por um conjunto de problemas acerca da arte, para a resolução dos quais concorrem diferentes teorias. Algumas
dessas teorias e os argumentos que as sustentam serão aqui discutidos, nomeadamente aquelas teorias que têm
um conteúdo aparentemente mais intuitivo, isto é, aquelas que colhem a adesão espontânea de grande parte das
pessoas que se defrontam pela primeira vez de forma directa com o problema. São também as teorias mais antigas
e que, embora com um menor poder explicativo, gozam de uma popularidade assinalável.

2.1. O problema da definição de «obra de arte»


O primeiro problema que qualquer teoria da arte tem de enfrentar é o problema da própria definição de «arte» ou
de «obra de arte». Como podemos então definir «arte»? Para o saber temos de perceber antes o que é definir algo.

Tipos de definições
Há quem defenda que definir um conceito é dizer em que consiste e caso não saibamos defini-lo dessa maneira
também não estamos em condições de o utilizar adequadamente. Defender isto é o mesmo que dizer que há
apenas uma forma de definir conceitos, o que não é o caso. Ao contrário do que é vulgar pensar-se, não existe
apenas um tipo de definições. Sabemos utilizar perfeitamente o conceito «azul» sem que, no entanto, o possamos
definir dessa maneira. Não o saber definir dessa maneira não é o mesmo que o não poder definir. Para
compreendermos isso é preciso distinguir dois tipos de definições: definições explícitas e definições implícitas.
Diz-se que uma definição é explícita quando apresentamos as condições necessárias e suficientes do
conceito a definir. Mas o que são condições necessárias e suficientes? Oferecemos uma condição necessária de X
se apresentarmos uma propriedade que qualquer objecto tem de ter para ser X. Por exemplo, se dissermos que
uma mãe é alguém que já teve filhos, estamos apenas a referir uma condição necessária para alguém ser mãe (de
facto ninguém pode ser mãe se não tiver tido pelo menos um filho); só que isso não é suficiente, pois há pessoas
que já tiveram filhos, como é o caso dos homens com filhos, e que não são mães. A condição necessária aplica-se a
todas as mães, mas não tem de se aplicar só às mães. Temos, pois, de definir «mãe» de tal maneira que a definição
inclua as mães e só as mães, o que se faz indicando a condição suficiente. Uma condição suficiente de X é uma
característica tal que se um qualquer objecto a possui, então esse objecto é X. Isso indica-nos que se trata de uma
característica de X e apenas de X. A condição suficiente de X não nos garante, pois, a inclusão de tudo o que
queremos incluir na definição de X. Para dar um exemplo, é condição suficiente viver no Algarve para viver em
Portugal, embora essa não seja uma condição necessária. Afinal de contas, as pessoas que vivem no Minho
também vivem em Portugal. Voltando ao meu primeiro exemplo, se quisermos dar uma definição explícita de
«mãe» teremos de dizer qualquer coisa como isto: «alguém é uma mãe se, e somente se, é do sexo feminino e já

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teve filhos». Ser do sexo feminino e ter tido filhos são em conjunto propriedades suficientes para alguém ser mãe;
mas cada uma delas em separado é apenas condição necessária.
Já numa definição implícita não temos de oferecer as condições necessárias e suficientes de um conceito.
Exigir, por exemplo, as condições necessárias e suficientes do conceito de azul, é fazer uma exigência que não
pode ser satisfeita. Penso que o mesmo acontece também com o conceito de filosofia. Daí o embaraço do professor
de filosofia quando o aluno lhe pede que defina a disciplina que lecciona. Significa isso que não podemos definir
tais conceitos? Se estivermos a pensar numa definição explícita, é claro que não. Mas é perfeitamente possível dar
uma definição implícita, que é o que fazemos com as crianças quando lhes queremos ensinar as cores (e com os
alunos quando nos perguntam o que é a filosofia) e o que provavelmente teríamos de fazer se nos aparecesse por
aí algum extraterrestre interessado em compreender o que dizemos. Assim, para dar uma definição de X, usamos
esse conceito em situações diferentes de tal modo que, ao fazê-lo, estamos a exemplificar as propriedades dos
objectos que com X queremos identificar. Diríamos, então, ao extraterrestre que o céu (poderíamos até apontar) é
azul, que o mar é azul, que as camisolas do Belenenses são azuis, e por aí em diante.

Definições e caracterizações
Mas acontece, ainda assim, que muitas das nossas definições implícitas nos deixam insatisfeitos. Precisamos de
saber algo mais acerca dos conceitos definidos. Algo que seja relevante para a compreensão do conceito e que nos
informe acerca das propriedades mais importantes dos objectos que fazem parte da sua extensão. Para isso é que
servem as caracterizações, isto é, a apresentação das principais características daquilo que os conceitos referem.
No caso da filosofia, o professor pode apontar exemplos de problemas, teorias e argumentos filosóficos. Estará
assim a dar uma definição implícita de filosofia. Mas pode e deve ir mais longe, fazendo acompanhar a sua
definição de uma caracterização. Nesse sentido, poderá referir o que distingue os problemas filosóficos dos
problemas científicos e religiosos; as teorias filosóficas das teorias científicas, religiosas e artísticas, etc. É claro
que tal caracterização nunca irá ser exaustiva nem pacífica, mas, concordemos ou não com ela, sempre clarifica
aquilo que se tem em mente quando se usa tal conceito.

Utilização classificativa e valorativa de «arte»


Retomando o problema da definição de «arte», quero desde já esclarecer que o termo «arte» ou a expressão «obra
de arte» são frequentemente usados em dois sentidos diferentes: o sentido classificativo e o sentido valorativo. No
primeiro destes dois sentidos não se tem em conta se uma determinada obra de arte é boa ou não, mas apenas se
cai ou não debaixo da extensão do conceito de arte. Pretende-se apenas estabelecer se um certo objecto deve ser
classificado como obra de arte. Ao classificarmos um veículo como automóvel nada dizemos acerca do seu valor
como automóvel. Mas, às vezes, proferimos frases como «isto sim, é um automóvel», em que o significado de
«automóvel» não é o mesmo que o apontado anteriormente. Estamos, neste caso, perante um exemplo da
utilização valorativa de «automóvel», uma vez que com esta expressão queremos manifestar de forma positiva a
nossa apreciação do veículo em causa, tal como o fazemos em relação a uma obra de arte ao afirmar «este quadro
sim, é uma obra de arte». Aqui não estamos a classificá-la como obra de arte, mas a avaliá-lo como obra de arte
boa. Estes dois usos são frequentemente confundidos e é imprescindível tê-los em mente quando se discutem as
diferentes teorias da arte.

2.2. Definições explícitas de «arte»: as teorias essencialistas


Irão ser aqui brevemente discutidas três teorias da arte essencialistas. Trata-se de teorias que defendem uma ideia
de arte intuitivamente partilhada por muitas pessoas, apesar das dificuldades que, como iremos ver, revelam
quando são criticamente avaliadas.
Mas antes de avançar precisamos de esclarecer em que consiste uma teoria essencialista da arte. As teorias
essencialistas defendem que existe uma essência de arte, ou seja, que existem propriedades essenciais comuns a

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todas as obras de arte e que só nas obras de arte se encontram. Ora as propriedades essenciais são diferentes das
propriedades acidentais. Uma propriedade é essencial se os objectos que a exemplificam não podem deixar de a
exemplificar sem que deixem de ser o que eram. Uma propriedade é acidental se, apesar de ser realmente
exemplificada pelos objectos, poderia não o ser. Isso significa que as propriedades essenciais da arte são aquelas
propriedades que não podem deixar de se encontrar nas obras de arte. São, portanto, exemplificadas por todas as
obras de arte, reais ou meramente possíveis. Mas uma definição essencialista exige também que tais propriedades
sirvam para distinguir a arte de outras coisas que não são arte. Daí que se procurem apenas identificar as
propriedades essenciais que sejam individuadoras da arte. Por exemplo, uma propriedade essencial das obras de
arte é a de terem um autor (pelo menos). Mas ter um autor não é uma propriedade individuadora da arte porque
outras coisas que não são arte têm também essa propriedade essencial, como é o caso dos artigos de opinião dos
jornais. Não seria por aí que iríamos identificar as obras de arte. Ora, se há propriedades comuns a todas as obras
de arte e individuadoras das obras de arte, é então possível dizer quais são as suas condições necessárias e
suficientes; quer dizer, é possível fornecer uma definição explícita de arte. Contudo, é preciso reconhecer que nem
todas as definições explícitas são essencialistas.

Teoria da arte como imitação


Esta é uma das mais antigas teorias da arte. Foi, aliás, durante muito tempo aceite pelos próprios artistas como
inquestionável. A definição que constitui a sua tese central é a seguinte:

Uma obra é arte se, e só se, é produzida pelo homem e imita algo.

A característica própria desta teoria não reside no facto de defender que uma obra de arte tem de ser produzida
pelo homem, o que é comum a outras teorias, mas na ideia de que para ser arte essa obra tem de imitar algo. Daí
que seja conhecida como teoria da arte como imitação.
Vários foram os filósofos que se referiram à arte como imitação. Alguns desprezavam-na por isso mesmo,
como acontecia com o conhecido filósofo grego Platão que, ao considerar que as obras de arte imitavam os
objectos naturais, via essas obras como imagens imperfeitas dos seus originais. Ainda por cima quando, no seu
ponto de vista, os próprios objectos naturais eram por sua vez cópias de outros seres mais perfeitos. Já o seu
contemporâneo Aristóteles, mantendo embora a ideia de arte como imitação, tinha uma opinião mais favorável à
arte, uma vez que os objectos que a arte imita não são, segundo ele, cópias de nada.
O que agora nos interessa, mais do que saber quem defendeu esta teoria, é avaliar o seu poder explicativo.
Vejamos então os principais pontos que perecem favoráveis a ela:

Adequa-se ao facto incontestável de muitas pinturas,


esculturas e outras obras de arte, como peças de teatro ou
filmes imitarem algo da natureza: paisagens, pessoas,
objectos, acontecimentos, etc.
Oferece um critério de classificação das obras de arte bastante
rigoroso, o que nos permite, aparentemente, distinguir com
alguma facilidade um objecto que é uma obra de arte de outro
que o não é.
Oferece um critério de valoração das obras de arte que nos
Composição, de Jackson Pollock (1912-1956)
possibilita distinguir facilmente as boas das más obras de arte.
Neste sentido, uma obra de arte seria tão boa quanto mais se conseguisse aproximar do objecto imitado.

Um aspecto geral desta teoria mostra-nos que é uma teoria centrada nos objectos imitados. Ela exprime-se
frequentemente através de frases como «este filme é excelente, pois é um retrato fiel da sociedade americana nos
anos 60», ou como «este quadro é tão bom que mal conseguimos distinguir aquilo que o artista pintou do modelo

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utilizado».
Mas será uma boa teoria? Para isso temos de testar cada um dos aspectos atrás apresentados que são
favoráveis à teoria, começando pelo primeiro.

Como o que é afirmado no primeiro ponto é do domínio empírico,


não precisamos de procurar muito para percebermos que, apesar de
muitas obras de arte imitarem algo, são inúmeras aquelas que o não
fazem. O que constitui a sua refutação inequívoca. Obras de arte que
não imitam nada encontramo-las tanto na pintura como na
escultura abstractas ou noutras artes visuais não figurativas. De
forma ainda mais notória encontramo-las na literatura e na música.
Em relação à música é até bastante improvável que haja alguma
obra musical que imite seja o que for, apesar de haver quem se
tenha batido pela música programática (música que conta uma história, A Escola de Atenas, de Rafael (1483-1520)

ilustra um acontecimento ou evoca um cenário natural). Até porque evocar ou ilustrar com sons não é o mesmo
que imitar, a não ser indirectamente. Conscientes disso, os defensores mais recentes da teoria da arte como
imitação, acabaram por substituir o conceito de imitação pelo conceito mais sofisticado de representação. Assim já
poderíamos dizer que as quatro primeiras notas da 5.ª Sinfonia de Beethoven não imitam directamente a morte a
bater à porta, mas representam a morte a bater à porta. O mesmo se passaria com a literatura, da qual talvez não
se possa dizer que imita mas que representa sempre algo que acontece no mundo. Mas, ainda assim, podemos
perguntar: o que representam a pintura Composição (1946) de Jackson Pollock ou as Suites para Violoncelo Solo
de Bach? Dificilmente diríamos que representam algo. Ficamos, deste modo, com uma teoria que não observa os
requisitos anteriormente expostos acerca do que deve ser uma definição explícita, pois defende que uma condição
necessária para algo ser arte é imitar, e isso não acontece com todas as obras de arte. Trata-se de uma definição
que não inclui tudo o que deveria incluir, deixando assim muito por explicar.

Em relação ao segundo aspecto, esta teoria deixa também muito a desejar. O que referi acerca
do ponto anterior acaba também por desconsiderar o critério de classificação apresentado.
Convém, portanto, realçar que o critério de classificação de arte proposto por esta teoria não
pode ser bom, pois ficamos insatisfeitos ao verificar que há obras que são reconhecidamente
arte e não são classificadas como tal. A conservar este critério, seriam as obras de arte que
deveriam conformar-se à definição de arte e não o contrário. Mas acontece que nem esta nem
nenhuma outra definição de arte disponível é suficientemente forte para nos fazer abandonar
as nossas intuições de que certas obras são arte, ainda que tais definições as não classifiquem
como tal.
Finalmente, o terceiro ponto também é muito discutível. Apesar de ficarmos muitas
vezes positivamente impressionados com a perfeição representativa de algumas obras de arte,
o seu critério valorativo falha porque muitas outras obras de arte não poderiam ser
Pormenor de O
consideradas boas nem más, já que não imitam nada. Mas falha ainda por haver obras que imitam
Jardim das Delícias,
algo sem que nos encontremos alguma vez em condições de saber se a imitação é boa ou má. de Jerónimo Bosh
Basta pensar em obras que imitam algo que já não existe ou não é do conhecimento de quem as (1450?-1516)

aprecia. Como podemos saber se A Escola de Atenas, de Rafael, reproduz com perfeição as figuras de Platão e
Aristóteles ou o ambiente da Academia? Pior, como sabemos que o Jardim das Delícias, de Bosch, imita bem
aquelas figuras estranhas e inverosímeis, admitindo que algo está a ser imitado? Como podemos saber se O
Nascimento de Vénus, de Botticelli, é uma boa imitação, se é que, mais uma vez, algo é imitado? E não será
abusivo afirmar que qualquer pintura figurativa tecnicamente apurada é melhor do que o tosco Auto-Retrato com
Chapéu de Palha, de Van Gogh, ou do que todas as obras impressionistas? Segundo este critério Picasso seria, com
certeza, um artista menor e teríamos de reconhecer que a fotografia é a mais perfeita de todas as artes. Só que não

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é isso que acontece. Vemos, assim, que também em relação ao critério valorativo esta teoria está longe de dar
resposta satisfatória a todas as objecções que se lhe colocam.

Teoria da arte como expressão


Insatisfeitos com a teoria da arte como imitação (ou representação),
muitos filósofos e artistas românticos do século XIX propuseram
uma definição de arte que procurava libertar-se das limitações da
teoria anterior, ao mesmo tempo que deslocava para o artista, ou
criador, a chave da compreensão da arte. Trata-se da teoria da arte
como expressão. Teoria que, ainda hoje, uma enorme quantidade de
O Nascimento de Vénus, de Sandro Botticelli
pessoas aceita sem questionar. Segundo a teoria da expressão (1445-1510)

Uma obra é arte se, e só se, exprime sentimentos e emoções


do artista.

Vejamos o que parece concorrer a favor dela:

1. São muitos e eloquentes os testemunhos de artistas que reconhecem


a importância de certas emoções sem as quais as suas obras não
teriam certamente existido. Mais do que isso, se é verdade, como
parece ser, que a arte provoca em nós determinadas emoções ou
sentimentos, então é porque tais sentimentos e emoções existiram no
seu criador e deram origem a tais obras.
2. Também nos oferece, como a teoria anterior, um critério que permite,
com algum rigor, classificar objectos como obras de arte. Com a
Auto-Retrato com Chapéu de Palha, de Van
vantagem acrescida de classificar como arte todas as obras que não Gogh (1853-1890)
imitam nada, o que acontece frequentemente na literatura e sempre na
música e na arte abstracta.
3. Mais uma vez oferece um critério valorativo: uma obra é tanto melhor quanto melhor conseguir exprimir
os sentimentos do artista que a criou.

Uma teoria como esta manifesta-se frequentemente em juízos como «Este é


um livro exemplar em que o autor nos transmite o seu desespero perante
uma vida sem sentido» ou como «O autor do filme filma magistralmente os
seus próprios traumas e obsessões».
Mas também ela se irá revelar uma teoria insatisfatória. As razões são
semelhantes às que apresentei contra a teoria da arte como imitação, pelo
que tentarei aqui ser mais breve.
O primeiro ponto apresenta várias falhas. Desde logo, é também
empiricamente refutado porque há obras que não exprimem qualquer
emoção ou sentimento. Podemos até admitir que o emaranhado espesso de
linhas coloridas do quadro de Pollock exprime algo ao deixar registados na
tela os seus gestos (é geralmente incluído na corrente artística conhecida
como expressionismo abstracto). Mas podemos dizer o mesmo da maior
sem título, de Yves Klein
parte dos quadros de Yves Klein, Mondrian ou de Vasarely? O grande compositor
do nosso século, Richard Strauss, autor de vários poemas sinfónicos, como o célebre Assim Falava Zaratustra,
esclarecia que as suas obras eram fruto de um trabalho paciente e minucioso no sentido de as aperfeiçoar,
eliminando desse modo os defeitos inerentes a qualquer produto emocional. E que dizer da chamada música

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aleatória (música feita com o recurso a sons produzidos ao acaso)? Além disso, mesmo que uma obra de arte
provoque certas emoções em nós, daí não se segue que essas emoções tenham existido no seu autor. Se a ingestão
de dez copos de vinho seguidos provocam em mim o sentimento de euforia, daí não se segue que o vinicultor que
produziu o vinho estivesse eufórico. Trata-se, portanto, de uma inferência falaciosa. Tal como na definição de arte
como imitação, o mesmo se passa aqui, pois acaba por não se verificar a condição necessária segundo a qual todas
as obras de arte exprimem emoções. É, assim, uma má definição.

A deficiência em relação ao critério de classificação é praticamente a


mesma apontada à teoria da imitação. A única diferença é que, neste
caso, uma maior quantidade de objectos podem ser classificados
como arte. Mas nem todas as obras de arte são, de facto, classificadas
como tal.
Sobre o critério de valoração, também as objecções são
idênticas às da teoria da imitação. Se observarmos este critério, então
as obras de arte que não podem ser consideradas boas nem más são
inúmeras. Como podemos nós saber se uma determinada obra
exprime correctamente as emoções do artista que a criou, quando o
artista já morreu há séculos? Na tentativa de apurar até que ponto
uma obra de arte é boa, muitos estudiosos defensores desta teoria
Quasarte, de Victor Vasarely
lançaram-se na pesquisa biográfica do artista que a criou, pois só assim
estariam em condições de compreender os sentimentos que lhe deram origem. Alguns deles, como o famoso pai
da psicanálise, Sigmund Freud, até se aventuraram a sondar as profundezas da psicologia do artista, sem o que
uma correcta avaliação da obra não seria possível. Freud foi ao ponto de o fazer com um artista morto há séculos,
como é descrito no seu livro Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci. Supondo que, como já tem
acontecido, a obra em causa tinha sido erradamente atribuída a outro autor, essa obra deixaria de poder ser
considerada obra-prima? E as obras de autores anónimos ou desconhecidos não são boas nem más? E como
avaliar uma obra de arte colectiva ou a interpretação de uma obra musical? O que conta aqui são as emoções do
artista criador ou as do artista intérprete (ou dos artistas intérpretes, como sucede com a interpretação da
Segunda Sinfonia de Mahler, a qual chega a exigir perto de 250 intérpretes em palco)? Enfim, todas estas
perguntas são demasiado embaraçosas para a teoria da expressão.

Teoria da arte como forma significante


Verificando que a diversidade de obras de arte é bem maior do que as
teorias da imitação e da expressão fariam supor, uma teoria mais
elaborada, e também mais recente, conhecida como teoria da forma
significante (abreviadamente referida como «teoria formalista»),
decidiu abandonar a ideia de que existe uma característica que possa
ser directamente encontrada em todas as obras de arte. Esta teoria,
defendida, entre outros, pelo filósofo Clive Bell, considera que não se
deve começar por procurar aquilo que define uma obra de arte na
própria obra, mas sim no sujeito que a aprecia. Isso não significa que
não haja uma característica comum a todas as obras de arte, mas que
Composição com Vermelho, Amarelo e Azul, de
podemos identificá-la apenas por intermédio de um tipo de emoção
Piet Mondrian (1872-1944)
peculiar, a que chama emoção estética, que elas, e só elas, provocam em
nós. Por esta razão a incluo nas teorias essencialistas. De acordo com a teoria formalista de Clive Bell

Uma obra é arte se, e só se, provoca nas pessoas emoções estéticas.

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Note-se que não se diz que as obras de arte exprimem emoções, senão estar-se-ia a defender o mesmo que a teoria
da expressão, mas que provocam emoções nas pessoas, o que é bem diferente. Se a teoria da imitação estava
centrada nos objectos representados e a teoria da expressão no artista criador, a teoria formalista parte do sujeito
sensível que aprecia obras de arte. Digo que parte do sujeito e não que está centrada nele, caso contrário não seria
coerente considerar que esta teoria é formalista.
Tendo em conta a definição dada, reparamos que a característica de provocar emoções estéticas constitui,
simultaneamente, a condição necessária e suficiente para que um objecto seja uma obra de arte. Mas se essa
emoção peculiar chamada «emoção estética» é provocada pelas obras de arte, e só por elas, então tem de haver
alguma propriedade também ela peculiar a todas as obras de arte, que seja capaz de provocar tal emoção nas
pessoas. Mas essa característica existe mesmo? Clive Bell responde que sim e diz que é a forma significante.
Frases como «Este quadro é uma verdadeira obra prima devido à excepcional harmonia das cores e ao
equilíbrio da composição», ou como «Aquele livro é excelente porque está muito bem escrito e apresenta uma
história bem construída apoiada em personagens convincentes e bem caracterizadas», exprimem habitualmente
uma perspectiva formalista da arte.
Para já, esta teoria parece ter uma grande vantagem: pode incluir todo o tipo de obras de arte,
inclusivamente obras que exemplifiquem formas de arte ainda por inventar. Desde que provoque emoções
estéticas qualquer objecto é uma obra de arte, ficando assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias
anteriores.
Mas as suas dificuldades também são enormes.

1. Em primeiro lugar, podemos mostrar que algumas pessoas não sentem qualquer tipo de emoção perante
certas obras que são consideradas arte. Quer dizer que essas obras podem ser arte para uns e não o ser para
outros? Nesse caso o critério para diferenciar as obras de arte das outras de que serviria? Teríamos, então,
obras de arte que não são obras de arte, o que não faz sentido. Também não é grande ideia responder que
quem não sente emoções estéticas em relação a determinadas obras não é uma pessoa sensível, como
sugere Bell, o que parece uma inaceitável fuga às dificuldades.
2. Uma outra dificuldade é conseguir explicar de maneira convincente em que consiste a tal propriedade
comum a todas as obras de arte, a tal «forma significante», responsável pelas emoções estéticas que
experimentamos. Clive Bell refere, pensando apenas no caso da pintura, que a forma significante reside
numa certa combinação de linhas e cores. Mas que combinação é essa e que cores são essas exactamente? E
em que consiste a forma significante na música, na literatura, no teatro, etc.? A ideia que fica é que a forma
significante não serve para identificar nada. Não se trata verdadeiramente de uma propriedade, pois a forma
significante na pintura consiste numa certa combinação de cores e linhas, mas na música, na literatura, no
cinema, etc., já não podem ser as cores e linhas a exemplificar a forma significante. Não temos, assim, uma
propriedade mas várias propriedades. É certo que diferentes propriedades podem provocar o mesmo tipo
peculiar de emoções nas pessoas, mas chamar a diferentes propriedades "forma significante" é de tal forma
vago que não se imagina o que poderia constituir uma contra-exemplo a esta definição. Também a resposta
de que a forma significante é a propriedade que provoca em nós emoções estéticas, depois de dizer que as
emoções estéticas são provocadas pela forma significante é não só inútil mas decepcionante, já que se trata
de uma falácia: a falácia da circularidade.

E agora?
Pelo que se viu, nenhuma das teorias aqui discutidas parece satisfatória. Tendo reparado nas insuficiências das
teorias essencialistas, alguns filósofos da arte, como Morris Weitz, abandonaram simplesmente a ideia de que a
arte pode ser definida; outros, como George Dickie, apresentaram definições não essencialistas da arte, apelando,
nesse sentido, para aspectos extrínsecos à própria obra de arte; outros ainda, como Nelson Goodman, concluíram
que a pergunta «O que é arte?» deveria ser substituída pela pergunta mais adequada «Quando há arte?». Serão

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Crítica | O que é arte? http://criticanarede.com/fil_tresteoriasdaarte.html

estas teorias melhores do que as anteriores? Aí está uma boa razão para não darmos por terminada esta tarefa.

Aires Almeida

Trabalho realizado no âmbito da Acção de Formação "O Pensamento Crítico e a Tradição Socrática na Sala de Aula", leccionada por Desidério
Murcho.
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