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JORNAL DO OBSERVADOR
DE
VITORINO NEMÉSIO
UMA JANELA ABERTA PARA O MUNDO
Ciências Literárias
1 . Cronicando...
3
SÁ, Jorge de (1985), A Crónica, S. Paulo, Ática, pp. 10 s, citado em Melo
(1988:51).
4
A propósito do pacto autobiográfico ver LEJEUNE, Philippe (1994) e ROCHA,
Clara (1992:35 ss).
4
5
Cf. GOUVEIA (1985: IX).
6
Depreende-se que a organização das crónicas para publicação em volume
obedeceu a um critério de coesão temática, independentemente da data de
publicação no Observador. As crónicas referentes a Raul Brandão, por exemplo,
foram publicadas durante os três anos de colaboração, mas aqui aparecem juntas.
Por outro lado, a existência de duas ou mais datas aparece, muitas vezes, justificada
no corpo das crónicas e , noutros casos, entende-se pelo contexto e pela
“imposição” das efemérides que constituem o seu tema ou pretexto.
7
Na crónica publicada a 1.9.72 Nemésio justifica a falta de Jornal na semana
anterior, confessando. “ Os hábitos enraízam. Mesmo os maus. Habituei-me a abrir
esta janela para a rua” (p. 258, sublinhados nossos). A propósito da coesão interior
do Jornal, ver GOUVEIA (1985:4).
5
8
Por uma questão de comodidade, as referências às citações do Jornal do
Observador, serão apresentadas através da sigla JO, remetendo para a segunda
edição daquela obra pela INCM, Lisboa, 1999. Para facilitar o confronto das
citações em outras edições, depois da sigla e do número de página da edição que
aqui seguimos, fornece-se a indicação da data de publicação da crónica no
Observador. Muitas vezes omitiremos a sigla, na nossa referência, por julgarmos a
identificação da obra inequívoca.
9
Cf. PINHEIRO (1998:727).
6
por ser constituído por escritos de fim de vida e por isso mesmo reflectirem
uma visão global, crítica e valorativa do passado, além de descomprometida
de imposições de género literário.
10
Ver, a este respeito, REIS (1998:470).
11
Escreveu Norberto Lopes (1978:3): “O jornalismo foi a primeira enxada de que
Vitorino Nemésio, como tantos outros estudantes nas mesmas condições que
pretendem concluir os seus cursos sem recursos próprios que lho permitam, lançou
mão para garantir a sobrevivência”.
Sobre o “profissional da imprensa” que Nemésio foi, ver também FERREIRA
(1997), MOTTIN (1998).
7
12
“Vou para a prateleira” (JO, 194, 8.10.71).
13
Quinze dias depois da sua última lição, enquanto passeia em Bourges, evoca-a
nestes termos: “Ora eu tinha dado há quinze dias a última [lição] da minha longa
carreira...” (p.299, 21.1.72).
14
in GOUVEIA:1986:433, sublinhados nossos.
8
Um Jornal no sentido que dei a esta página – tanto crónica ou artigo como
efemérides pessoais – sai fora dos nossos hábitos, cria o que chamarei o
“soslaio”, a desconfiança de través, a começar pelo autor.
(JO, 34, 9.4.71, sublinhados nossos.)
15
Mª Alzira Seixo (1986:162) refere-se a “uma espécie de géneros de pessoa ...
que fundamentalmente se traduzem no diário, na crónica e nas memórias,
tradicionalmente encarados como documentos da personalidade ou da época”.
9
Eu cá sei ao que venho, e por ora não passo de um homem que viaja e tem
um caderno de notas à mão. Sou também um pequeno examinador de
consciência, mas isso é mais delicado e menos para notas. Temo faltar à
confissão que projectei e a que alguém me incitou, não como reparação
moral para com quem estou em falta, mas como descarga de mim... e criação
literária. Tenho o vírus da escrita, mas já raramente a virose. Só em viagem
me ataca. Trago comigo os antibióticos.
(JO, 309, 3.12.71, sublinhados nossos.)
17
A convicção do carácter propedêutico ou residual das crónicas relativamente às
criações literárias canónicas é expressa por Nemésio no comentário a “um livrito
de Câmara de Lima (...). Um pequeno primor de crónica e humorismo”, e que bem
podemos aplicar a muitos dos seus textos de que nos ocupamos: “Estilo corrente
que a coloquialidade anima e uma contensão elegante e discreta qualifica. Nem as
prisões do lugar-comum, inevitáveis no jornalismo, conseguem tirar essas crónicas
breves da rampa de lançamento (digamos assim ...) a um género literário superior.”
(JO, 92, 22.10.71, itálicos nossos.)
10
A viagem tanto pode ser real como evocada ou propiciada pela escrita.
Comecemos por uma viagem na história, com um carácter pedagógico
de formação de uma consciência nacional:
Mas estes excursos micro-históricos afastam-nos demasiado de onde
diaristicamente parti e de aonde queria chegar, que é à Restauração como
ingrediente da consciência nacional activa, na medida em que a há.
(JO, 162, 8.12.72, sublinhados nossos.)
10.11.1971 – Voltei. Mas não sei onde tenho os cadernos das viagens
posteriores para verificar se os ovos da “omelete” futura eram da galinha de
então. (P. 290)
3 . Memórias alheias
Em treze das suas crónicas, Nemésio, que tanto nos adverte para
as suas incursões no domínio autobiográfico, apesar de referir a inibição
«[d]o pudor de abuso do “eu” odioso» (p. 36), faz a recepção / crítica de
vários textos incluídos na literatura do eu.
19
Também este memorialista recebeu tratamento elogioso na crónica referida na
nota anterior.
14
confessa ter vontade de um dia escrever um livro sobre ele 20. Dessa
carta cito um fragmento significativo da intenção de passar do
ficcionista ao “cronista/ensaísta”:
Como a escrever sou mais literato que humano, é possível que um dia troque
a pena de novelista por uma que seja ao menos útil a escrever sobre os
outros, sobre os que foram verdadeiramente originais com um graveto entre
os dedos. Talvez um dia escreva um livro sobre o meu Amigo.
(in Arquipélago, vol. X, 1998, p. 207)
20
Em carta de 8.8.29 insiste na mesma ideia: “Releio os seus livros e tenho-os
quase todos anotados para um longo estudo em que penso, - um estudo sobre a sua
pessoa tal como a vejo e se revela.” In Arqipélago, X, 1998, p. 228.
15
Escrever só estas coisas que poucos leiam, miudezas do passado pessoal que
forma o lastro do navieco já prestes a amarrar na doca de dentro, e a abater
ao longo curso. (P. 225)
Aproxima-se, por isso, mais das obras de fundo alfacinha dos já citados
Marquês de Fronteira e Tomás de Melo Breyner.
Ao deitar-me, ontem, dei no estupendo Journal de Annaïs Nin (...) com uma
página de porno, cena de uma casa suspeita. Assim o amor ao dissecar e de
tudo dar conta leva estas pobres flores cosmopolitas da cultura ao limiar do
enxurdeiro. Ou é a nossa hipocrisia existencial que faz de prude? Não me
sinto melhor do que o Henry cuprulálico que Annaïs maravilhosamente pinta
no seu diário; mas acho preferível guardar nos fundões subconscientes a
inclinação para o sórdido. Quando muito, psicanalisarmo-nos com todas as
precauções de quem desrolha um esgoto. O Diário de Annaïs foi comparado
às Confissões de Santo Agostinho, de que terá a coragem da auto-acusação,
mas não o remordimento. (P. 314)
4 . Coração Viajeiro
21
Ver p. 2 deste trabalho.
22
«Do “Observador”, porque por tal e por mais se não tem o autor delas»
(Advertência, p. 21).
23
O autor assume-se como “peregrino cultural” ( JO, 313, 29.3.72).
24
Nemésio cita de memória a frase que Pessoa inclui no prefácio a um “livrinho
naturista” de Eleázaro Kamenesky, chamando-lhe “judeu errante provisoriamente
parado” (p. 179)
18
Mas esse volume não esgotou a sua vontade de falar dos quatro
cantos de Portugal, por isso aqui retoma alguns destinos das suas
viagens cá dentro. Assim, para continuar a “exercer”, depois de
aposentado da sua “longa carreira de cicerone ex cathedra” (p. 299,
21.1.72), torna-se o nosso cicerone, entre outros destinos, de viagens
pela linha do Douro até ao Minho (p. 170, 23.4.71), até ao Alentejo,
com paragem na Portalegre de Régio (pp. 200-202, 2.7.71) e em “Avis
Maravilhosa vila morta” (pp. 204-205, 15.10.71), passando pela sua
saudosa Coimbra (14.4.72; 10.9.71) e por S. Pedro de Muel, destino
privilegiado das suas férias (27.8.71, 13.8.71, 3.9.71, 14.7.72, 28.5.71),
por Fátima (10.3.72, 17.3.72), com a sua Ilha sempre no coração (pp.
209-230, 3.3.72, 16.3.73, 10.12.71, 24.12.61, 14.5.71, 4.2.72, 11.2.72).
Aliás Coimbra e a sua Ilha são objecto de sistemáticas correspondên-
cias, através dos famosos “deslizes da memória”, como se estes espaços
da “topofilia”, para usar um termo feliz de Bachelard 26, fossem o centro
do seu mundo, onde tudo ganha sentido. Ao evocar os campos do
Mondego numa viagem de Zurique a Berna confidencia: “Passo a vida
a reduzir ao perto de que fujo o longe que me cansa” (JO, 314, 29.3.72).
25
NEMÉSIO, Vitorino (1998), Obras Completas, vol. XIX, Viagens ao Pé da
Porta, Jornal de Vitorino Nemésio 6, Lisboa, INCM, p. 31, sublinhados nossos.
26
Gaston Bachelard engloba na categoria das imagens do espaço feliz espaços de
posse, espaços protegidos contra as forças adversas e espaços amados. (Cf. La
poétique de l’espace, Paris, PUF, 1978, p. 17).
19
27
De notar ainda que alguns destes textos foram elaborados a partir de
registos de viagens anteriores, alguns com vinte anos, de acordo com as indicações
fornecidas no início das crónicas, como acontece com parte das crónicas
brasileiras e como acontecerá com as últimas crónicas, que abrem com datas de
1960, 1964 e 1969, com excepção da crónica de 9.6.72, que corresponde a uma
“viagem frustrada a França” que propiciou uma “viagem em prosa” às festas do
Divino Imperador nos Açores.
20
Estive nas Vinhas, na Terceira, entre gente sã, fidalga, sem mover um pé do
Rio”(p. 272).
Mas posso bem fechar o arco destas saudades com Completas (...) Mas dir-
se-ia que o leo rugiem de S. Pedro ruge menos aqui. Ilusão, certamente, de
um pecador reformado. (Ibidem)
5 . Retratos à la minuta
28
Esta consciência do "limite de idade” é uma constante na sua poesia desta fase.
Vejam-se, a título de exemplo, os versos: “Minha morte civil, folha de
vencimentos,/ Cairá também como ao choupo amarelo,/ Aposentados nós nos
escudos do exílio:/ (...) Abro no choupo o que fecho no osso:/ Meu nome
passageiro/ Convocado do chão.”
( “Epígrafe”, Limite de Idade, in NEMÉSIO, Vitorino, Obras Completas, Vol. II –
Poesia, Lisboa, INCM, 1989). Esta fase de Nemésio, mesmo na poesia, revela
preocupações científicas, também patentes em muitas crónicas.
22
6 . Fastos e Nefastos
“A glória literária é uma ilusão” (p. 91, 22.10.71), mas “os ritos
literários” adaptam-se às novas técnicas30, insuflando o “flatus vocis da
autoria” (p. 128, 2,6.72), envolvendo o escritor no star system e ao
mesmo tempo deixando-o, paradoxalmente, fora do sistema da venda
30
Na crónica “Rito literário e silêncio” refere Nemésio: “Os ritos literários estão-se
transformando, como tudo que atravessa a era técnica. Revelações, estreias, críticas,
os usos da camaradagem com o élan da dedicatória, o dia do autógrafo (prática
recente), as praxes dos prémios – tudo muda. Já se lançam poemas (...) as novas
galerias ( em livrarias muitas delas) casam a biblioteca ao museu; (...) A aliança da
literatura à televisão é outra inovação oportuna. [A experiência lho diz!] (...) O
poema recitado e comentado, com iconografia e paisagem de ambientes – sobretudo
biográfico(...)” (p. 203, 15.10.71, sublinhados nossos).
25
agora, de mais a mais que entrou a moda do vernissage, como nos pintores,
para o livro de estreia, e o dia vedetístico dos autógrafos, e outras práticas
soalheiras da intimidade antiga do tímido, trabalhador de scriptorium,
levado da onda da publicidade áudio-visual e da badana biográfica.
Feira do Livro sim, mas não Festa do Livro, salvo uma iniciativa ou outra de
detalhe (...) para ajudar discretamente a aviar uns exemplares ao seu
revendedor mediante a presença em carne e osso. (Ibidem).
33
Cf. as crónicas “O fumo das fábricas”... (JO, 118-120, 12.5.72) e “À luz do
Petróleo” (121-123, 30.6.72). A poluição é motivo do Congresso de Estocolmo em
que Nemésio participa e de que dá conta na última crónica referida.
27
34
Cf. p19, nota 28.
28
BIBILOGRAFIA
A – ACTIVA
B – PASSIVA
ÍNDICE
1.CRONICANDO...........................................................................................1
3.MEMÓRIAS ALHEIAS.............................................................................11
4.CORAÇÃO VIAJEIRO..............................................................................16
4.1.VIAGENS AO PÉ DA PORTA....................................................16
5.RETRATOS À LA MINUTA......................................................................20
6.FASTOS E NEFASTOS...........................................................................22
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................27