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TABA DE CORUMBE ANO IV N.*02 O que é a Taba de Corumbé? © Grupo Literério Taba de Corumbé, ou simplesmente, a Taba, como carinhosamente alguns o chamam é essencialmente 0 que o nome expressa, um grupo literario, mais um, entre tantos que surgem e desaparecem todos os dias desde 0 principio dos tempos. E evidenciado que artistas, escritores e poetas, so bichos solitarios, mas muito gregarios em determinadas condigdes, & ambiguo mas verdadeiro. Quase todo grande escritor que se preze participou de um grupo ou ajuntamento qualquer, sempre com um estatuto ou manifesto inicial. No Brasil, RomAnticos, Parnasianos, Simbolistas, Modernistas, Concretistas, Surrealistas, Marginais, e outros tantos, embora os Marginais depois de uma certa idade rejeitem este rétulo, os Modemistas se subdividiram em pré e pés, os Concretistas de So Paulo e do Rio de Janeiro brigaram e surgiu o Neo- concretismo, que é a mesma coisa mas no fundo nao é entenderam? Nao se preocupem, quase ninguém além deles préprios, que sempre desfiam- seem explicagGes, nao entendem também. O surgimento da Taba, deuse em uma oficina de literatura, a Oficina Aberta da Palavra, que reuniu pessoas que de uma certa forma ja produziam literatura na cidade, jornalistas, escritores, artistas plasticos, remanéscentes do Colégio Brasileiro de Poetas de Maud, importante grupo de escritores, dos Trovadores de Maud, ¢ outros que se agregaram com o tempo e pela vontade de se expressar. A Oficina nao tinha uma forma definida no principio, apenas uma idéia, ade cantara cidade de Maué-SP, embora o tema inspire uma certa perigosa pieguice, nao foi o que aconteceu. Produziram-se textos muito interessantes, alguns publicados pelos seus autores, outros nio, de qualquer modo estava langado 0 desafio que na época chamamos de “inventirio poético da cidade”, sobre seus tipos, lugares, historia, memérias, e tantas outras coisas. Como tudo 0 que nasce tem o seu tempo de terminar, assim a Oficina também teve seu fim. Saori A partir do fim da Oficina Aberta da Palavra © grupo remanescente das primeiras pessoas a participarem resolveu criar um grupo para continuar os trabalhos, mas principalmente para continuar se vendo, conversando, trocando figurinhas e cultivando uma bela amizade que surgi destes encontros. © nome do grupo veio de uma publicagio em forma de fanzine: Taba de Corumbé realizada ainda na Oficina, mas j4 com o embrido do grupo. Taba pela reunido de pessoas, a aldeia, por extensio a cidade: a partir do qual, os guerreiros da Taba, como os mais jovens se auto referenciam. Corumbé é o nome de um cérrego que atravessa de ponta a ponta um dos bairros mais populosos da cidade: o jardim Zaira, primeiro como uma justa homenagem aos scus moradores, e depois por uma questiio de sincronicidade, porque descobrimos posteriormente que corumbé, é a corruptela de Karumbé, que significa tartaruga em lingua franca, ou nhegatu, que era a lingua que se falava em Sao Paulo antes da intervengao do Marques de Pombal e a imposigao do portugués como nossa lingua oficial. O nome foi votado em eleigo acirrada e nio foi totalmente bem aceito a principio, depois pegou po assim dizer, com o tempo fomos incorporando motivos os mais variados, um dos quais € a maneira como os nossos vizinhos das outras cidades do ABC nos chamavam, com 0 objetivo pejorative, de indios. Pois indios passamos a ser, indios respeitam a natureza, comem sé comida natural, estio preservados em sua cultura, so os verdadeiramente brasileiros. Somos os indios em nosso habitat natural que & a literatura, e em sua expresso mais nobre, a poesia. A Taba de Corumbé, & a Casa da Tartaruga, ou casa da sabedoria, segundo as lendas guaranis que colocam a tartaruga como o animal. sdbio, depositario do conhecimento. Acima de tudo uma casa aberta, onde todos podem tomar acento e recitar seus versos. Uma casa de irmaos naquilo de mais importante que a vida nos reserva: a amizade. Edson Bueno de Camargo Pere O curso das horas Ederson Rocha meu lirismo dissipou o curso das horas € meus sonhos navegantes foram de encontro ao mar. os horizontes sutis que esto em meus pensamentos se tornaram esti 10 dos poemas que nunca fiz, descolorindo a tinta da pintura quebrando vasos de porcelana perdendo-se no curso das hora horas inteiras! em que os poemas me perturbam suplicando por serem escritos me consumindo, € por fim vio de encontro ao mar pois a nitidez de meus pensamentos com exatidio 6 algo que jamais verei no papel meu olhar interior éum poema eterno que nio tem fim as vezes triste,alegre,feliz... .e em vida e esséncia jos que se perdem no curso das horas, escondendo minha realidade a estampa viva de ser o que eu sou... a Lidiane Santana Feliz fui fecundado bem aqui no centro Sai - e dei uma volta ao mundo, sé pra descobrir que era melhor- ter ficado aqui dentro. Ainda sobre plumas Cecilia Camargo barbulas amentosindeléveis flutuam inda que atados quis a como anémonas balangam sua leveza penetram maciamente oar quese rende ao toque caricias fugidias prazeres miltiplos do partilhar Pens eek | , : lia Menino de rua Pelas ruas vagueia coberto de tristeza vergonha social Olhos espelham Odio e angistia A vocé que passa E niio 0 vé Que vé e foge Senti e nada faz Age em busca Do direito de viver Tirado-Ihe todos os dias Luta crucial Pelo pio Pelo vinho Pela igualdade Social. Corrita Melio Sona ene Passagem secreta Deise Assumpgiio 86 entre o tudo que ja perdi € 0 jamais conquistado de repente o bater a porta que no ha nem mios que batam 05 ouvidos insistem efazem aneblina o-vulto elenta me surjo: porta quem bate echave (do livro Cofre, Alpharrabio Edigses, Santo André SP, 2003) Puree nn Porcelanas Edson Bueno de Camargo o pires sustenta a xicara se movido mover 0 universo se universo se perder no branco uma formiga peregrina na parede em um passeio marcial carregando 0 infinito em suas patas A Passante Jorge de Barros Ela passou € as outras mulheres ficaram um pouco menos femininas. Ela passou entiio se poder jogar os olhos fora. Ela passou e ai que eu fui entender a “Iliada” Ela passou enenhum outro assunto foi mais possi Ela pasando... Axioma Rhunna Eu sé chego a loucura com muita razaio. A loucura nio me explica. A razio no pode comigo Monae Espelho Francisco L. Bessa Poeta, povo e poesia Inato! No combinar do findar De qualquer eélera O exaltar... ser vor’ A poesia. Eximio, no raiar de cada dia O espelho, rabiscos, letras Mescla vidas Da poesia, poeta e povo Obvio, integro, puro no mesmo ‘Transformar... Guernica revisitada Iracema M. Régis Anémicos Tons pastéis Marrons Brotam os perfis (esquilidos) escuras fendas abertas (bocas) -um grito que nao se calou Guernica Chaga exposta Sem cura Nem retoque 'Senhor Deus dos desgragado: Dizei-me vés, Senhor Deus!... Se é loucura...se é verdade Tanto horror perante os céus!... Guernica Alegoria Simbologia /expressionismo Barroco-surreal ?... Nem Deus S6 0 Diabo Na tela sem sol (Contemplando mursis de Emerick Mercierem capela de Maué) Poema classifcade ma fase municipal Maud SP no Mapa Culural Paulsa/2005 Perey: fi Imagem de um rio Aristides Theodoro Desce um rio Como uma hemorragia Negro, amarelo, Preto, acinzentado Fétido, pestilento, Venenoso a contaminar Toda a paisagem Por onde passa. O fio d'agua Nos ultimos estertores Pede socorro. E hora de unio, E hora de mios dadas De tirarmos 0 Tamanduatei Do leito de coma, Daante-sala da morte Havia 0 passaro. Sarah Helena E dos mistérios escuros de dentro de mim, ele emergia. E eu pude ouvir, girando meus olhos cegos dentro da escuridio, que algo me chamava. Devia deixar o templo cinzento que havia construido como ninho, devia retornar. Eu era 0 Passaro Nona Encosto Rafael de Paula, "--Estou no além do meu tempo!" Por que esse espirito de porco seacha um genio? Quero livrar-me desse encosto Por que ele nao nasce de novo? A face oculta do morro Macério Ohana Vangélis ‘Oquemata o morro é no saber a sua historia, E nao guardar suas memérias, Ariqueza da cidade vem do morro, Sao pretos, pedros, pedreiros, Sao costureiras e enfermeiras, Sio operarios ebatuqueiros, Sio putas emadames mandandoo pé Na bunda dos canalhas. E Sao Jorge e Jesus Cristo tomando porres, Estendendo as mos a malandros e otrios Aos sobreviventes de salarios. Omorroéum porco gordo Fatiado edevorado por estomagos delicados No banquete das negociatas. Omorroé velha babilonia resistindo, E estipida idéia ariana, Eo caos antropofigico, Caldeirio de mouros, nordestinos ¢ afro- curopeus Ou 0 que o diabo ou deus, o sacaneando, mandou. the O morro é América catélica estoicista Negando-se todos os dias. Que engenheiros. Que carpinteiros, Senio os intuitivos do morro, Construiriam tais palicios, palafitas, barracos @. Aonde tal solidariedade e festas dionisiacas?... Enero nny Relégio de ouro Doi gos Arnaldo Bedeschi Viem seu pulso brilhando um bonito relégio de ouro cle marcavaas horas felizes queaseu lado vivia horas doces de carinho num enlevo de muito amor tirando dendsatristeza desfrutando horas de amor noseurelégiode ouro marcava com carinho as horas passadas num enlevo de amor ep: marcando horas felizes unindo nossos coragdes com alegria vivemos as horas com amor passamos 0 tempo com carinho vivemos felizes nas doces horas de vida, I'm a Loser Chris Clown "8" Vinguei a morte e sobre Venci meu medo e cedo ainda, Alheio sorte, sai por ai. E fui crescendo, sendo malh: ‘Tendo ao lado, o sonho em ser: Tudo aquilo que fito, atado, Além do dado 20 meu querer. Fui condenado, levado a forea, Ferrado a fogo, me superei... Senti fraqueza, domei a forca, Chorei a gloria do que tentei. S6 me pergunto, corja calhorda, Porque qual derrota aqui cheguei? CMa eee Guarda meu samba “Pérola Neggra” Fatima A parecida Santos de Souza Tam tam tam, tum tum tum Ouve sé a indecéncia Dessa cadéncia! Dissimulada, faceira Se insinua, corteja O indefeso ritmo! Lady Cuica, hum hum hum Se entrega ao toque que acaricia TA do jeito que ela queria! Fingindo choro Provoca contentamento Ui ui ui, que tormento! E ninguém segura o bateum Pega fogo no terreiro Ao chocalho do pandeiro! Dic-lhe cavaco e viola, Tamboreia mole mola! Bole, requebra o bumbum Ombro, perna, cintura E festa, é ginga pura! pé nio consegue parar Ao som do samba Maud Tardes Frias de Outono Jogosifi Me arrasto, como cobra no asfalto. Nessa tardes de outono tio frias. E ao cair dessa, calo-me, sufoco-me. Saudade, niio é s6 palavra de emogio. E mais que fala, mais que expressiio. E dor de amor em meu coragao. Queria eu, ter esse poder. Que impede a ligrima a légrima para o vento. Afastando essa dor, que me destr6i Me anular, , perder-me no Saara. Mas a tal razao falou mais alto. J4 nem sei se sou bicho, ou homem. Tudo se acabando de vocé s6 restando. Para meu desespero, teu cheiro, teu nome. ere ry Nae ee Santo morro em danca Ventre da Terra, Luziachora, Estilhagaram o olhar a olhar, Implantam o belo na mata, Desmatam a nascente flora. Depésito do lixo urbano, Numa curva de sete voltas Gingado de dor e coragem Desiigua em ondas noutras margens. Lagrimas sagradas escorrem No rio de muitas voltas, sacia O ritmo a Mina ainda gravida Sangra a linha das veias a vida. O cordao que desenha 0 corpo Do barro, o sopro: a Menina Namora ¢ deslumbra a bailar. ‘Tao Boneca de Porcelana! Marcia Plana Aquece, assim amadurece Compromisso roda a alianca Pedido na Pedra do amor Salta agua, terra e pao em festa. Ciranda vestida de verde, Bate 0 compasso ao vento chao, Cadéncia o sustento da danga, Vale ¢ Pico, a valsa em volta. Nés em nés um oito repeti, Mapeia o baile em Atlas Atlantico, Balanga o espaco em aquarela, Celebra 0 ensaio no curso as 4guas. Ecoa, corre o som da torrente, Gruta, reluta o passo refaz, Mistura as cores na tela Pilar, Que aqui do alto eu vejo Maud. Bren A Oficina Aberta da Palavra e o Inventario Poético da cidade de Maud. Inicio lembrando Martin Heidegger em A origem da obra de arte. Neste texto, para falar sobre a obra de arte, escolhe ele como exemplo um par de sapatos de camponés, que € um apetrecho, vale por sua serventia, e est4 intimamente ligado 4 totalidade da vida de quem ousa. Acontece que sua propria serventia, seu uso constante, leva a um desgaste, nao apenas do apetrecho, mas de seu significado e do significado de seu proprio uso. Ou, como diz textualmente Heidegger: O apetrecho usa-se e gasta-se: mas, ao mesmo tempo, o proprio uso cai em usura, desgasta-se, torna-se banal.” O mesmo acontece coma visao que temos das coisas que nos cercam, das pessoas, dos acontecimentos, do lugar onde vivemos. Perdem seu significado maior, sua sacralidade. No entanto, Van Gogh transforma 0 par de sapatos do camponés em uma obra de arte, que assim, na pintura, aparece e parece totalmente desvinculado de seu meio e de seu dono, de seu contexto, de seu ser-apetrecho, de sua serventia (uma natureza morta). No entanto, Van Gogh pinta-o de tal forma que, contemplandb tal obra de arte, ela nos fala, como nos diz poeticamente Heidegger. Esta, a fungio e o proprio ser-obra da obra de arte: devolver-nos o verdadeiro olhar. E, nesta perspectiva, insere-se a Oficina Aberta da Palavra, um acontecimento literario atual em Maud. Nao é nossa intenoo tragar um panorama hist6rico nem extensivo e abrangente da literatura em Maud. Vamos enfocar apenas este projeto da Secretaria de Educagao, Cultura e Esportes do municipio. Creio que, como eu, muitos dos participantes chegaram meio receosos ou temerosos. Isso porque 0 objetivo era, nada mais, nada menos, que realizar um inventario poético da cidade. Receosos e temerosos quanto a que se visasse & produgdo de textos ufanistas, pura e simplesmente. E porque cantar a terra natal (ou adotada/adotiva) € sempre perigoso, como adverte 0 poeta que, todavia, cantou Itabira. Fotos: Cecilia Carmargo Son ten Estava ele bem consciente do perigo de se cair no sentimentalismo piegas ou no ufanismo vazio, e tragou-nos recomendagdes estéticas importantes, ao mesmo tempo em que, na pritica de seus poemas, deixou exemplos de como falar das coisas ¢ de si, elidindo sujeito e objeto, isto é, transfigurando a linguagem. Mas... felizmente, todos fomos nos surpreendendo. O grupo era e é heterogéneo. Pessoas de formacio, faixa etaria e tendéncias estéticas diferentes se encontraram. E foram desenvolvidas atividades diversas, desde exercicios de sensibilizagio e desenvolvimento da percepgao, até criagio poética, com os textos produzidos sendo discutidos e criticados. Foram vistos documentos, fotos e textos histéricos sobre a cidade. Visitaram-se seus pontos importantes, fizeram-se passeios pelas ruas centrais, conversando com as pessoas. Realizaram-se ainda estudos de textos de autores consagrados. O grupo passou também a atuar em eventos de outras cidades da regido e é uma presenca constante no sarau mensal Sol/tando o Verso, outro projeto cultural, no qual 0 objetivo é abrir espago para que as pessoas possam se manifestar, independentemente da qualidade artistica do que mostram. O grupo também atua junto aos professores da rede municipal de ensino, realizando oficinas, participando de saraus, sempre aberto a colaborar. J4 possui um conjunto significativo de poemas e iniciou-se, para a divulgagao dos trabalhos, a publicagao do fanzine Taba de Corumbé, que por enquanto esté em seu primeiro némero. Pretende-se algo de maior vulto, como publicar uma antologia, divulgar no site da Prefeitura, e outras formas que possam ser viaveis. Deise Assumpgio Professora e poeta. (Fragmentos de comunicagio apresentada no 8. Congresso de Historia do Grande ABC, em Paranapiacaba (Santo André),na ‘mesa redonda ‘A literatura no ABC: entre © registro e a arte”, em 23 de julho de 2004) ecorumbe@gmiail.com

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