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Encontrei por bem contar aqui os pormenores de uma história que, por muito que pareça pertencer
ao passado, tão facilmente nos lembra a todos das travessuras partidas de que a História é capaz de
pregar. E por muito incompreensível que possa parecer, as travessuras e partidas que a História às
vezes prega, surpreendem em especial aqueles com a memória mais curta.
O local foi Lisboa, e o ano, 1940, mais concretamente o trigésimo nono dia após o final da primeira
e heróica guerra combatida pelo perseverante povo Finlandês contra a tentativa estrangeira de
apagar a vossa pequena nação do mapa dos países livres e independentes da Europa. A Guerra do
Inverno na qual a Finlândia contrariamente ao que todos julgavam poder ser possível derrotou o
bolchevismo o imperialismo Russo, teve na altura um impacto muito maior do que o que julga hoje
a maior parte dos finlandeses.
Portugal era na altura um país encruzilhado, submergido em pobreza e constrangido por uma
ditadura cruel e fascista. Os Portugueses eram nesses tempos quase todos invariavelmente pobres,
analfabetos, oprimidos e infelizes, mas também trabalhadores, honestos, orgulhosos, unidos e
cheios de compaixão, mobilizados em solidariedade para oferecerem o que de mais pequenino
conseguiram repescar para ajudarem o necessitado e desesperado povo Finlandês.
Em cidades e vilas e aldeias de Portugal, agricultores, operários e estudantes, pais e mães, que aos
milhões talvez possuíssem não mais do que apenas 3 mudas de roupa, ofereceram os para si mais
modestos e preciosos bens que, mal grado a penúria, conseguiram prescrever como dispensáveis:
cobertores, casacos, sapatos e casacões, e para os mais felizardos sacos de trigo e quilos de arroz
cultivados à mão nas lezírias e terras baixas dos rios portugueses. As ofertas foram recolhidas por
escolas e igrejas do norte e do sul, e embarcadas para Helsínquia com a autorização prévia da
Alemanha Nazi e Aliados.
Num extraordinário gesto de gratidão, o Sr. George Winekelmann, que era o então representante
diplomático da Finlândia em Lisboa e Madrid, publicou um apontamento na primeira página do
prestigioso jornal “Diário de Noticias” para agradecer ao povo Português a ajuda e assistência
prestadas à Finlândia no mais difícil de todos os inconsoláveis tempos.
O bem-haja a Portugal foi publicado no vigésimo primeiro dia de Abril de 1940, há quase
exactamente 70 anos neste dia presente que corre, e descreve que “Na impossibilidade de responder
directamente a cada um dos inumeráveis testemunhos de simpatia e de solidariedade que tive a
felicidade de receber nestes últimos meses, e que constituíram imensa consolação e reconforto
moral e material para o meu país, que foi objecto de tão dolorosas provações, dirijo-me à Nação
Portuguesa, para lhe apresentar os meus profundos e comovidos agradecimentos.
Nunca o povo finlandês esquecerá a nobreza de tal atitude. Estou certo de que os laços entre
Portugal e Finlândia se tornaram mais estreitos e que sobreviverão ao cataclismo do qual foi o meu
país inocente vítima, contribuindo assim para atenuar as consequências de tão injustificada
agressão”.
Em virtude de um outro esforço de ajuda à Finlândia organizado por estudantes Portugueses, o Sr.
George Winekelmann mais uma vez voltou à primeira página do mesmo jornal para, numa nota
escrita no dia 16 de Julho de 1940, expressar o seu imenso agradecimento: “O Sr. George
Wineckelmann, ministro da Finlândia, esteve ontem no Ministério da Educação Nacional (…) a
agradecer o interesse que lhe mereceram as crianças do seu país por ocasião do conflito com a
Rússia (…) e o seu reconhecimento pela importante dádiva com que os estudantes portugueses
socorreram os pequeninos da Finlândia”.
Por irónico que seja, o nacionalismo e as formas pelas quais alguns Europeus escolhem para o
expressar nos dias presentes, estão em completo contraste com o valor do conceito de Nação
expresso há 70 anos por um país bem mais velho, e por um povo bem menos rico e bem mais
analfabeto, quando confrontado com a luta pela sobrevivência de uma nação-irmã, que é bem mais
rica, bem mais instruída e….bem mais jovem.
Todos devemos ao passado a honra de não esquecer os feitos e triunfos daqueles que já não vivem.
O conceito de verdadeiro nacionalismo não pode jamais ficar dissociado do dever de honrarmos o
passado. Ao cabo de 870 anos de História, por vezes com feitos tremendos e ainda maiores
descobertas, um dos sucessos de Portugal como nação tem sido a capacidade de o seu povo unido e
homogéneo, olhar serenamente de mãos dadas para lá do horizonte da sua terra, sem nunca ter medo
dos desafios desconhecidos dos sete mares em frente, sem nunca fechar a ninguém as portas
hospitaleiras e da amizade, e sem nunca fugir dos contratempos que possam defrontar-se-lhe na
senda do seu destino.
Por mais irónico que seja, algo não parece bater certo quando a condição a que chegou a economia
de um Estado de uma pequena nação, por maneira curiosa se torna talvez decisiva nas escolhas
eleitorais tomadas por um povo de uma outra e ainda mais pequena nação, no outro canto tão
longínquo da Europa. Por mais que merecida ou desejável que possa ser, a recusa de auxiliar e
ajudar uma nação dorida e testada pelos ventos de um cataclismo financeiro não é provavelmente o
passo mais sábio de países unidos por espírito e orgulhosos de honrarem os verdadeiros intrínsecos
valores de solidariedade e mútua amizade, em especial quando atormentados por adversidade e
ventanias de crise.
Por mais corrupta que a sua elite se comporte, por mais desgovernado que o seu país ande, e por
mais caloteiro que o seu Estado seja, os homens e mulheres comuns de Portugal, filhos e filhas e
netos e netas daqueles que viviam há 70 anos atrás, sentem-se e são os reféns e vítimas inocentes de
uma Guerra financeira que viram ser-lhes declarada contra os seus bolsos e carteiras, e que ameaça
as suas honestas e modestas poupanças.
Mas não obstante confrontados nos agora tempos de hoje, em aparente insolvência e nas mais
sozinhas de todas as suas horas, com o desespero e adversidade, eu estou confiante e seguro de que
os Portugueses de hoje, mães e pais, agricultores, trabalhadores, padres e estudantes, e até mesmo
crianças, de lés a lés naquele país se elevariam da consciência, a fim de mostrar os seus mais
sinceros e genuínos sentimentos de nacionalismo e humildade para ajudarem e confortarem
Finlândia e o povo finlandês, se alguma outra vez cataclismo ou desastre batesse à porta da
Finlândia e iluminasse a ideia obscura da extinção da heróica nação Finlandesa, tal como aconteceu
há sete décadas passadas.
Todos nós podemos aprender com as pequenas e genuínas lições dos tempos que lá vão.
Hélder Fernandes
Correspondente da TSF