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Necrose Moral
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Necrose Moral

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About this ebook

Escândalos de corrupção e a crise econômica aumentam a pressão por mudanças. Um misterioso acidente aéreo atinge a cúpula da força tarefa que investigava o crime organizado e suas ligações com o governo. Ao buscar informações sobre as circunstâncias deste acidente, o Major Ramos pode encontrar verdades que ameaçam políticos poderosos. Em pouco tempo, o oficial de operações especiais se torna o centro da mais espetacular caçada humana já realizada no país. Transformado em um alvo por pessoas poderosas, ele vai ter de usar todas as suas habilidades e conhecimentos para sobreviver. Principalmente depois de ser acusado do assassinato da Presidente da República, de políticos e de outras testemunhas, Ramos vai fazer de tudo para descobrir qual é o segredo escondido por uma perigosa rede de corrupção e intrigas.
Prepare-se para fortes emoções. Neste segundo livro da trilogia, iniciada com o “Fator Amazônia”, o autor aprofunda a experiência de ação e aventura, brindando os leitores com horas de entretenimento. Você está convidado a descobrir a verdade junto com o Major Ramos.

LanguagePortuguês
Release dateMar 18, 2014
ISBN9781311386250
Necrose Moral
Author

Rayel G. C. Barroso

O escritor brasileiro Ráyel G. C. Barroso busca inspiração no cotidiano,na essência dos relacionamentos humanos e nas formas diferenciadas de assumir a vida. Simpatizante do aprendizado pelo grande caminho, o Tao ( 道 ), Ráyel dialoga intimamente com o processo pelo qual cada coisa se transforma no que é. Totalmente livre de rótulos ou regras editoriais, suas obras cruzam a fronteira do meramente comercial para, mais adiante, serem incorporadas ao próprio caminho do autor.

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    Necrose Moral - Rayel G. C. Barroso

    NECROSE MORAL

    by Ráyel G. C. Barroso

    Published by

    Ráyel G. C. Barroso

    at Smashwords

    Copyright 2014 by Ráyel G. C. Barroso

    Smashwords Edition, License Notes

    This ebook is licensed for your personal enjoyment only. This ebook may not be re-sold or given away to other people. If you would like to share this book with another person, please purchase an additional copy for each recipient. If you’re reading this book and did not purchase it, or it was not purchased for your use only, then please return to Smashwords.com and purchase your own copy. Thank you for respecting the hard work of this author.

    Todos os direitos desta edição reservados à

    Ráyel Guilherme Curado Barroso

    rayelgcb@yahoo.com.br

    Meus agradecimentos ao amigo Guto Sisson, jornalista, premiado diretor de TV, gestor da Prisma Cine TV, por sua paciente leitura e releitura dos rascunhos desta obra. Suas dicas e conselhos, baseados em mais de vinte e três anos de experiência na linguagem e dinâmica de vídeo, foram muito importantes para tornar este livro uma obra de entretenimento alinhada ao perfil dos nossos leitores.

    Também agradeço à minha amada esposa, por sua compreensão durante todo o longo e solitário processo de criação. Você ilumina os meus dias com a delicada e preciosa arte de sorrir.

    NOTA

    Esta é uma obra de ficção

    qualquer semelhança de nome

    ou fato com a realidade será

    mera coincidência.

    PRÓLOGO

    O trânsito caótico ao final do expediente da sexta-feira torturava motoristas ansiosos. Ao lado dos carros, nas calçadas, muitas pessoas empunhando faixas, cartazes ou bandeiras caminhavam apressadas. Este era o sétimo dia consecutivo de manifestações populares contra a corrupção e o mau uso do dinheiro público. O movimento iniciado de maneira tímida para protestar contra o aumento das tarifas de ônibus foi recebendo, a cada hora, o apoio de diferentes setores da sociedade e, consequentemente, maior cobertura da imprensa. Nos últimos dias as manifestações alcançaram cidades em todo o país, mobilizando centenas de milhares de pessoas unidas pelas mais diversas causas.

    Enquanto dirigia, Ramos olhou para o relógio no painel do carro, concluindo que naquele ritmo chegaria atrasado ao aeroporto para buscar sua esposa e filhas. Motos apressadas, com buzinas nervosas, ziguezagueavam por entre os demais veículos. O semáforo passou para a cor vermelha, fazendo cessar qualquer esperança de movimento. A tarde estava abafada e o pouco do céu que podia ser visto por entre os prédios era de um cinza escuro, nada amistoso. A caminho do ponto de reunião, os manifestantes faziam zunir apitos e vuvuzelas, tornando ainda mais caótico o ambiente.

    No carro em frente, duas crianças se divertiam acenando para os motoristas dos outros veículos. Ramos observava a descontração infantil quando uma motocicleta parou ao lado do automóvel onde as crianças estavam. Os dois homens sobre a moto olharam detidamente para o interior do carro, mas não pareciam interessados nas brincadeiras e acenos.

    Batendo com o cano de um revólver no vidro do carro, os dois motoqueiros anunciaram o assalto.

    - Perdeu, perdeu! Abre essa porra, se não vou te queimar dona...

    Mas a motorista, aparentando surpresa com a ousadia dos assaltantes, relutava em abrir o vidro. Irritado o garupa disparou duas vezes na direção da cabeça da mulher. As crianças, assustadas com o barulho começaram a chorar, pulando para o banco da frente.

    Alguns pedestres perceberam a movimentação estranha e correram procurando abrigo. Outros seguiram instintivamente o movimento dos primeiros. Mas, a grande maioria das pessoas prosseguiu com o apitaço ou por não haver escutado os disparos ou por acreditar se tratar do estouro de rojões também feitos por manifestantes.

    Para surpresa dos bandidos, no lugar do impacto o vidro apresentava apenas marcas esbranquiçadas formadas por uma infinidade de pequenas rachaduras. A mulher ao volante estava paralisada pelo medo. Os motoristas dos outros carros, que assistiram àquela cena de selvageria, agiram com uma mistura de pavor silencioso e indiferença. Muitos desviavam o olhar, outros fechavam os vidros de seus carros buscando refúgio na fragilidade do anonimato.

    Percebendo que se tratava de um carro blindado os marginais decidiram fugir. A moto acelerou, mas o início de movimento foi bruscamente interrompido por um impacto lateral que arremessou os marginais contra o veículo alvo da tentativa frustrada de assalto. Na queda a arma empunhada pelo garupa foi parar a alguns metros de distância. Antes que os dois homens pudessem ver o que os atingiu, Ramos saltou sobre eles e com movimentos rápidos e precisos deixou-os desacordados.

    O sinal abriu, motoristas, surpresos com o desfecho daquele capítulo da violência urbana, voltaram a atenção ao pequeno deslocamento em curso, dando prosseguimento às suas vidas tão inseguras quanto anônimas.

    Ramos amarrava as mãos dos homens desacordados com os cadarços dos calçados deles, quando dois policiais se aproximaram.

    Uma chuva fina começou a cair. O som dos apitos parecia aumentar a cada minuto. Rojões estouravam por toda parte.

    - Major!? Está tudo bem com o senhor? - perguntou um dos policiais reconhecendo Ramos.

    - Tudo. Tudo bem Hamilton? Quanto tempo! - Respondeu Ramos apertando o último nó da amarração que parecia empacotar os dois criminosos, unindo pés e mãos junto às costas.

    - Tudo sim senhor. - respondeu o policial abrindo um largo sorriso ao perceber que o oficial havia lembrado de seu nome.

    - Esses dois tentaram assaltar aquela senhora, mas por sorte ela estava em um carro blindado. A arma utilizada está caída ali, próximo ao canteiro central. - apontou Ramos, precisando quase gritar para ser ouvido.

    - Poxa, que sorte o senhor estar por perto em uma hora dessas! - disse o policial olhando para a mulher, ainda paralisada, com as crianças no interior do veículo atingido.

    Alguns dos carros que passavam pelo local reduziam, ainda mais, a velocidade na tentativa de entender o que estava acontecendo enquanto desviavam da pista parcialmente interrompida.

    Ramos olhou para o relógio, estava mais atrasado, precisava seguir para o aeroporto.

    - Hamilton vou precisar de um grande favor. Vocês podem assumir à partir daqui? Preciso chegar ao aeroporto para buscar minha esposa e filhas, mas já estou ficando sem tempo. - falou Ramos se aproximando um pouco mais do policial conhecido.

    - Pode deixar major, a gente se vira por aqui. - respondeu o militar, apertando a mão do oficial.

    Quando o carro dirigido por Ramos se afastou, o policial, que até o momento estivera desviando o transito, perguntou ao companheiro:

    - Quem era o armário? - fazendo menção ao porte físico de Ramos.

    - Esse cara é uma lenda viva, rapaz. Muito casca grossa. Depois te conto. Agora, vai lá no carro e dá uma atenção para a senhora e as crianças, vai.

    CAPÍTULO 1

    No restaurante, as taças de puro cristal sobre a mesa refletiam parte dos nuances do ambiente. A imagem formada na fina película de cristal austríaco mostrava a textura dos tijolos maciços sob iluminação indireta, o verde dissipado em matizes delicadas irradiado pelas folhagens trazidas da indonésia, além dos nuances de algumas das belas obras de arte estrategicamente dispostas no interior do restaurante. Na mesa ao lado, três homens dão prosseguimento a um jantar com ares de comemoração.

    - Proponho um brinde. Um brinde a nossa vitória! - disse o senador erguendo a taça contendo Cuvée belle Époque de Perrier-Jouët, o champanhe mais caro disponível no estabelecimento. A bebida, de cerca de mil euros a garrafa, era pedida com frequência pelo senador.

    Os outros dois acompanharam o gesto. Em seguida, um deles disparou:

    - Se tudo correr como o planejado, estaremos abrindo caminho para no mínimo mais quatro anos. E o melhor; com um aviso bem claro para os nossos inimigos. - o assessor especial da presidência da república saboreou um pouco mais da bebida, depois continuou a falar. - assim que tivermos a confirmação, o chefe quer ser avisado. Ele estava nos cascos hoje de manhã. Acho que a chefe de gabinete, totalmente especial, não viajou com ele desta vez.

    Os três riram.

    - Um boquete durante o voo faz toda a diferença para o humor dele! – completou, entre risos, Maurício Novaes.

    - Antes fosse isso Maurício! Mas ele está mesmo é se cagando de medo com a possibilidade do Supremo Tribunal Federal fazer com ele o que fez com o Daniel e demais companheiros. Ainda mais agora com toda essa pressão popular! Se começarem um julgamento neste momento, o povo vai querer é sangue, pizza nem pensar. – Comentou o senador Luis Eduardo.

    O terceiro homem apenas acompanhava a conversa, sorrindo quando conveniente.

    - Agora falando sério, o chefe está mesmo preocupado é com a pressão daquele grupo de magnatas. Os caras parecem uma nuvem de gafanhotos, são insaciáveis. Estão pensando lá na frente. Ajudaram nas nossas campanhas até aqui, mas as exigências são grandes e começam a chamar atenção. Querem aprovar concessões e mais concessões em setores estratégicos. – disse o assessor especial da presidência, Maurício Novaes, assumindo um semblante mais sério.

    - É, eu sei. Só os grandes, as pessoas com muita influência, poder e dinheiro são convidados a participar dessas reuniões. O chefe aceitou por ser vaidoso. Na época todo mundo dizia que ele era o cara. Mas pelo que ele conta, quando bebe um pouco mais, as reuniões são discretas e complexas. – confirmou o senador Luis Eduardo.

    - Duas coisas que, convenhamos, não agradam o chefe! – disse Maurício, com um sorriso sarcástico.

    - Pois é! Já ouvi dizer que toda essa gente poderosa reunida não decide nada. Eles são praticamente peões porque os grandes de verdade, apenas uns cinco, é que traçam as estratégias e estes nem aparecem nas reuniões. – completou o senador.

    - Eles querem controlar a água potável no futuro. Sabem o que estão fazendo?

    Os outros dois homens mantiveram o olhar fixo para o lugar onde Maurício estava sentado. Depois de constatar o interesse de ambos, o assessor prosseguiu.

    - Comprando imensas áreas no Paraguai, exatamente sobre o aquífero guarani. E aqui no país estão tirando da jogada as indústrias nacionais ou familiares. Através de grandes grupos comerciais, ligados à esse pessoal, nossas fontes d’água estão passando ao controle externo. Aqui no Brasil o mercado d’água sempre foi muito pulverizado, mas os caras estão comprando direto, concentrando mesmo.

    - Até o Parque de São Lourenço já está nas mãos de um grande grupo estrangeiro. Este é um negócio mais do que bilionário. A tal da água cristalina engarrafada vai ser, cada vez mais, uma ferramenta de poder. Sabe lá Deus o que esses malucos planejam colocar na água ou mesmo cobrar por ela daqui a alguns anos! – disse o senador.

    - Enquanto não atrapalharem nossos negócios, está tudo bem! – falou Maurício levantando a taça em um gesto de convite aos outros dois homens.

    - Um outro brinde, desta vez aos negócios! Aos negócios! Disseram os três, antes do choque das delicadas taças de cristal.

    O ambiente reservado, oferecido pelo restaurante à clientes dispostos a pagar ainda mais caro pela privacidade e discrição, era perfeito para as necessidades daqueles homens.

    - Espero que não estejamos exagerando na dose. - disse o mais velho dos três. Um homem de cabelos grisalhos e atitude policial, até o momento calado.

    - Não estamos exagerando. Trata-se apenas do quanto cada um de nós está comprometido com o poder e suas vantagens. Sujar as mãos faz parte do negócio. - emendou o senador entrelaçando os dedos e apoiando os cotovelos sobre a mesa observando os outros dois homens degustando a bebida conhecida como branco de brancos produzida exclusivamente com uva Chardonnay.

    Com a chegada dos pedidos, houve uma pausa na conversa. O aroma delicado da comida despertou a fome do grupo. Enquanto comia, o homem de cabelos grisalhos pensava em sua trajetória até aquele momento. A faculdade de direito, os primeiros concursos públicos, os anos de operações, investigações e incontáveis favores até a promessa, feita recentemente, de que ele seria o próximo diretor da Polícia Federal. Não havia dúvidas, os anos de trabalho árduo e sujo estavam começando a trazer as recompensas desejadas.

    Quando o telefone celular tocou, o grupo se deliciava com a sobremesa. O delegado atendeu mas apenas ouviu o interlocutor. Uma voz rouca passou a mensagem de maneira objetiva.

    - Metade dos documentos já foram enviados.

    Ainda em silêncio o delegado desligou o telefone, tornando a colocá-lo sobre a mesa.

    - Desembucha Amaury! - provocou o senador.

    - Perfeito! Tudo correu como o planejado.

    Os três trocaram sorrisos e continuaram a se deliciar com a sobremesa.

    Na saída do restaurante o grupo foi visto por um casal que jantava na área comum. Vendo os três passarem com sorrisos estampados nos rostos, a mulher disse:

    - Aquele filho da puta do Amaury está armando para ser o próximo diretor. Se ele assumir, a Polícia Federal já era, vai virar um balcão de negócios! Olha só com quem ele está mancomunado. Aquele leitão sujo, o Senador Luis Eduardo e o garoto de recados do ex-presidente, o Maurício Novaes. Mas será possível que isto aqui só piora!!

    - Calma Karin! Você lembra o que o médico disse sobre o stress?! Poxa vida, estamos aqui para comemorar a gravidez, batalhamos tanto por isto, não vamos deixar esses merdas, o trabalho ou toda esta podridão da política nos atrapalhar outra vez! Ok? - Marcelo acariciava o rosto da esposa enquanto falava.

    - Você está certo amor. Temos de ultrapassar o terceiro mês...nada de esforços, aborrecimentos ou fortes emoções. - provocou Karin com um sorriso de menina levada.

    O casal voltou ao silêncio e a saborear a comida. Marcelo olhou detidamente para o rosto de sua esposa enquanto ela preparava a próxima garfada. Aqueles olhos verdes, sobrancelhas douradas, nariz delicadamente arrebitado e lábios carnudos sempre rosados, formavam um conjunto irresistivelmente sedutor. Mas ele sabia, muito bem, aquela aparência delicada escondia uma mulher forte, uma profissional competente e determinada. Ela seria a mãe ideal para seus filhos, pois também sabia ser doce, dedicada e carinhosa com familiares e amigos. Esta era a quarta tentativa, nas vezes anteriores ocorreram abortos espontâneos que a magoaram profundamente.

    - O que foi meu amor? - a voz suave de Karin trouxe Marcelo de volta ao mundo exterior.

    - Você está aí me olhando, parece tão distante! Nem tocou na comida direito. Está preocupado com alguma coisa?

    - Nada não, estava te namorando.

    - Hum, que delícia! Então vamos acabar esse jantar e ir para casa brincar mais um pouco. Afinal, o médico também disse que com cuidado a sua menina carequinha está liberada. - enquanto falava Karin agia por debaixo da mesa. Com os pés ela fazia carícias na parte interna da coxa de seu marido.

    CAPÍTULO 2

    O saguão do aeroporto estava tomado por jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas. Algumas pessoas choravam, outras buscavam informações nas filas dos guichês das companhias aéreas. Todos os painéis com informações sobre a chegada de novos vôos diziam a mesma coisa: atrasado.

    Em meio a toda aquela movimentação anormal, Ramos se aproximou de um dos seguranças do aeroporto, que tentava organizar a fila para o guichê de informações, e perguntou o que havia acontecido.

    Sem olhar para ele o homem respondeu:

    - Acidente, parece que um avião explodiu durante o pouso.

    - Sabe qual o voo?

    Atendendo a uma mulher que acabara de desmaiar, o segurança nem mesmo escutou a segunda pergunta.

    Concluindo que a imprensa teria informações mais úteis e precisas no momento, Ramos seguiu para perto da equipe de uma das maiores emissoras de TV do país. A repórter se preparava para transmitir ao vivo.

    Com um gesto feito por um dos integrantes da equipe, os equipamentos de iluminação para filmagem externa foram ligados. No centro do aparato uma mulher de corpo esguio, vestindo terninho azul petróleo, cabelos ruivos cortados na altura dos ombros e grandes olhos azuis assumiu uma expressão facial pesarosa, dando início a sua fala.

    - Boa noite. Estamos falando diretamente do Aeroporto de Congonhas. Onde um avião de passageiros explodiu minutos atrás. Oficiais do comando da Aeronáutica e autoridades da Agencia Nacional de Aviação Civil, ouvidas por nossa reportagem, confirmaram que acaba de acontecer mais um grave acidente aéreo. Por volta das dezenove horas de hoje, durante o procedimento de pouso, o voo 2614 explodiu com 201 pessoas a bordo. Funcionários do aeroporto disseram que o acidente teria ocorrido depois da aeronave derrapar na pista e invadir uma área utilizada para manutenção de outras aeronaves. Mas algumas pessoas afirmam ter visto uma espécie de explosão na parte de baixo da aeronave logo após a aterrisagem. Ainda existem muitas informações conflitantes sobre o que realmente aconteceu com o voo 2614, a única certeza parece ser a de que não houve sobreviventes entre os 201 passageiros e tripulantes. O número de vítimas pode ser ainda maior, pois, segundo funcionários do aeroporto, as instalações atingidas pelo avião comportam uma grande quantidade de profissionais que prestam serviços à diversas companhias aéreas.

    A repórter fez uma pausa, parecendo estar recebendo uma pergunta pelo ponto eletrônico. Retomando o discurso, instantes depois.

    - Boris, as autoridades ainda não confirmam oficialmente muita coisa sobre o acidente. A maior parte das informações que temos foram obtidas por fontes aqui do aeroporto e por meio da colaboração de pessoas que testemunharam a tragédia. Diferentemente das situações anteriores, a atuação da imprensa está sendo rigidamente controlada. Existem muitos agentes, ao que parece, da ANAC ou da Polícia Federal. A imprensa está sendo mantida nesta área no saguão e o sobrevoo em todo o perímetro do aeroporto está restrito às equipes envolvidas no trabalho de resgate e emergência. A Agencia Nacional de Aviação Civil marcou uma coletiva com a imprensa para as vinte horas e trinta minutos, mas não houve maiores esclarecimentos.

    As luzes, a multidão e a voz da repórter, estavam distantes, pareciam vir do final de um longo túnel. Ramos ainda assimilava a infeliz coincidência, Patrícia e suas filhas estavam no voo 2614. O telefone celular tocou, eram os sogros, em busca de informações.

    CAPÍTULO 3

    O som estridente do despertador se misturava ao das sirenes no sonho ainda recorrente. Ramos se virou e envolveu com o braço o vazio ao seu lado na cama de casal. Quase todas as manhãs, Patrícia costumava se enroscar em seu corpo clamando por mais alguns minutinhos de sono na companhia do marido. Acordar com ela era a certeza de um dia mais feliz, um dia completo.

    Passados cinco dias, desde o acidente, aquelas eram as primeiras horas de repouso para Ramos. Tudo o que fizera, até então, foi acompanhar as notícias, buscar mais informações sobre o acidente e agradecer a telefonemas de condolências. O corpo e a mente, acostumados aos rigores das missões militares de alto risco, estavam submetidos a uma forma diferente de stress. No caminho para o banheiro um volumoso porta retratos de acrílico com a imagem de Patrícia abraçada às filhas fez ainda maior o vazio no coração do major. Aquele porta retratos veio do escritório onde Patrícia trabalhava, ela o trouxera para casa, há pouco mais de uma semana. Foi quando a força tarefa contra o crime organizado, que Patrícia integrava, foi inesperadamente dissolvida antes da conclusão dos trabalhos.

    Ao abrir o chuveiro e iniciar o banho, a campainha tocou. Ramos voltou a se vestir e foi atender. Antes, como de costume, checou as câmeras de segurança e elas revelaram o rosto do visitante. Abrindo a porta o amigo Cinelli entrou como um foguete.

    - O que foi que houve? - perguntou Ramos, estranhando a atitude e o semblante do velho companheiro de operações especiais.

    - Meus pais estavam naquele voo! Naquela merda de avião!

    - Caramba Cinelli! Sinto muito mesmo. Eu não sabia...

    - Tudo bem irmão. Sei que você também perdeu muita coisa importante. Mas estou aqui por que acho que podemos dar o troco. Foder com eles, entendeu!?

    Ramos se sentou e fez um gesto para que o amigo também sentasse. Mas Cinelli andava de um lado para outro, por vezes olhando para fora através das janelas. Ele parecia uma bomba prestes a explodir.

    - Eu só não consigo entender qual o motivo, o que eles lucraram com isso!? Mas eles mexeram com o cara errado, eu vou partir para cima. Vou foder todos eles!!!

    Diante do estado do amigo, Ramos preferiu apenas escutar. Era obvio que Cinelli precisava desabafar. Por alguns minutos ele presenciou aquela sequência de frases desconexas e o despejar de muito, muito rancor. Quando, finalmente, a visita resolveu sentar-se, parecendo menos tensa, Ramos perguntou:

    - O que está acontecendo?

    - Ramos, não foi acidente porra nenhuma! O avião foi sabotado.

    - Mas, por... - Ramos não conseguiu concluir a pergunta, pois Cinelli se levantou novamente, em uma explosão de fúria.

    - Eles mataram nossas famílias, mas eu vou foder com eles. Vim até aqui por que acho que você também precisava saber da verdade. Não tenho todas as respostas ainda, mas certamente existem pistas e eu vou fareja-las, você sabe que sou bom nisso. Vou comer cada migalha de pão jogada daqui até o inferno, garanto que cada envolvido vai se cagar nas calças antes de acertar as contas comigo. - antes que Ramos pudesse falar alguma coisa Cinelli acelerou em direção à porta e saiu.

    Durante vários minutos Ramos permaneceu ali, sentado. Toda aquela confusão mental do amigo parecia uma tempestade de areia a percorrer cada pedaço de seu corpo. Era preciso usar a sabedoria dos tuaregues e aguardar o pacificar das areias antes de prosseguir com a caravana. O que, afinal, levara Cinelli a agir daquela maneira? Ele era um profissional equilibrado, com formação na área de inteligência militar, um especialista extremamente focado em resultados que, com o passar dos anos, demonstrou grande habilidade também para os trabalhos de campo e acabou fazendo carreira em operações especiais. Uma pessoa muito cética, do tipo que não sucumbiria diante de supostas teorias da conspiração. Suas afirmações deviam estar seriamente fundamentadas ou a perda dos pais o abalara de tal maneira que a linha da realidade fora momentaneamente rompida. Em combate, este tipo de reação acontecia com bastante frequência, mas dificilmente em alguém com o nível de preparo do Cinelli.

    Após o banho, Ramos seguiu para um encontro com os pais da Patrícia. No apartamento dos sogros havia muita comoção. Seus pais também estavam lá, eles interromperam um cruzeiro comemorando os cinquenta anos de casamento e retornaram assim que souberam do acidente. Alguns detalhes sobre um culto ecumênico lembrando o sétimo dia de falecimento das vítimas do acidente foram repassados aos presentes.

    - E aí meu filho, como é que você está? Eu e sua mãe podemos te ajudar de alguma maneira? – Perguntou o homem de cabelo branco, cortado ao estilo militar, bem rente ao couro cabeludo, pele curtida pelo sol e corpo esguio.

    Ramos olhou em direção ao local onde estavam os sogros, fitando-os por alguns instantes.

    - Estou reconstruindo, assim como eles. – respondeu Ramos apontando com a cabeça a direção onde estavam os sogros.

    - Posso imaginar, meu filho. Força! Sua mãe e eu estamos sempre aqui. O tempo vai fazer essa dor diminuir.

    - Eu sei meu pai. Obrigado.

    - Como você fez lá no quartel? Vai ficar uns dias fora?

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