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Visão de Veras
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Visão de Veras

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Vencedor do PRG Review's Choice Award do Melhor Romance de Fantasia Paranormal e finalista da Melhor Série de Fantasia Urbana.

Bem-vindo a Harborsmouth, onde os monstros caminham pelas ruas invisíveis pelos seres humanos ... exceto aqueles com visão de veras, como Ivy Granger.

Há coisas melhores não vistas...

A visão de veras de Ivy Granger finalmente está dando propósito a sua vida. Ivy e sua melhor amiga Jinx talvez não estejam ficando ricas, mas sua agência de detetive psíquica paga as contas - na maioria das vezes. Sua única preocupação é o tédio de um dia lento e o ocasional cliente louco - até que um demônio passe pela porta delas.

Demônios nunca são coisa boa...

Um advogado demônio que representa as fae aquáticas? Coisas mais estranhas já aconteceram. E as coisas estão prestes a ficar muito, mas muito estranhas mesmo quanto um pesadelo sangrento começa a caçar na cidade de Harborsmouth.

Há sangue na água...

Kelpies tem reputação de comer humanos. Infelizmente, os kelpies são os clientes. Quando fadas Unseelie más desse jeito perambulam as vias da sua cidade, você precisa fazer escolhas difíceis.

O menor dos dois males...

Visão de Veras é o primeira livro da série de fantasia urbana Ivy Granger, bestseller de E.J. Stevens. O mundo de Ivy Granger, incluindo a série Ivy Granger, Detetive Paranormal e a série Hunter's Guild, é recheada de ação, mistério paranormal, magia, humor pesado, personagens peculiares, vampiros sanguinolentos, demônios que flertam, gárgulas sarcásticas, transmorfos sexy, bruxas temperamentais, fadas psicóticas e heroínas irritadiças.

"Stevens nos convence instantaneamente com personagens bem desenvolvidos e agradáveis".
-Ted Fauster, autor da série World of Faerel

"Este é um começo maravilhoso para uma série que o deixa querendo mais!"
-Miranda Shanklin, autor da série Soul

"Eu amo uma boa fantasia urbana e a série Ivy Granger não é apenas boa, é ótima".
-James A. Moore, premiado com Bram Stoker Award, autor da série Seven Forges

A série Ivy Granger ganhou inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio BTS Red Carpet para Melhor Romance, o PRG Reviewer's Choice Award de Melhor Novela de Fantasia Paranormal, o Melhor Romance de Fantasia Urbana e o finalista da Melhor Série de Fantasia Urbana.

LanguagePortuguês
Release dateJul 12, 2017
ISBN9781547508242
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    Visão de Veras - E.J. Stevens

    Introdução

    Seja bem-vindo a Harborsmouth, onde monstros perambulam as ruas invisíveis aos humanos... exceto os humanos com a visão de veras.

    Independente de estar visitando nosso distrito de negócios modernizado ou nossas ruas de paralelepípedos no Porto Velho, por favor, aproveito sua estadia. Quando retornar ao seu lar, conte aos seus amigos sobre nossa cidade maravilhosa—apenas negligencie a menção de quaisquer detalhes sobrenaturais.

    Não se preocupe—a vasta maioria dos nossos visitantes não têm nenhuma experiência anormal. Habitantes do outro mundo, como fadas, vampiros e ghouls são bem adeptos de se esconder nas sombras. Muitos são habilidosos em apagar memórias. Talvez você acorde gritando na calada da noite, mas sem lembrar o porquê. Agradeça por não lembrar—você é um dos bem-afortunados.

    Se encontrar algo não natural, nós recomendamos os serviços de Ivy Granger, Detetive Paranormal. Cofundadora da agencia de detetive Olho Privado, Ivy é relativamente nova na nossa comunidade de pequenos negócios. Seu escritório pode ser localizado na Rua das Águas, no coração do Porto Velho.

    A senhorita Granger possuiu a notável habilidade de receber visões através do ato de tocar um objeto. Tal habilidade é útil em seu trabalho de detetive, especialmente quando se trata de localizar itens perdidos. Não importa se está procurando um broche perdido ou pessoas desaparecidas, nenhum trabalho é pequeno demais para Ivy Granger—e ela certamente faria bem para seu negócio.

    Também providenciamos, sob pedido antecipado, uma lista dos mais habilidosos agentes funerários. Se estiver à procura de seus serviços, então, por gentileza, dirija-se até a Imobiliária e Cemitério de Harborsmouth. Nunca é cedo demais para contatá-los, uma vez que tivemos um boom no mercado de imóveis. A demanda está em alta—sempre há pessoas morrendo por um lugar para ficar.

    Capítulo 1

    A luz espectral brilhou na minha pele quando passei pelo espelho do aparador. Eu hesitei, incerta sobre a origem da luz. Levantando uma mão pequena e rechonchuda até minha bochecha, eu encarei o reflexo vampiresco imitando meu movimento. Não era nenhum fantasma, só meu próprio rosto me olhando de volta. Vistoriando o corredor de cima a baixo, eu espiei a fonte do brilho antinatural.

    Era só a luz da lua minguante entrando pela claraboia sobre minha cabeça. Eu percebi a respiração sufocante que estava a prender e tentei relaxar. Eu já havia caminhado tanto nesse corredor que deixei uma trilha gasta no carpete. Eu estava a salvo na minha casa. Não havia porque estar assustada.

    Era um dia de aula normal. Minha mãe e padrasto ainda estavam dormindo em sua cama e eu tinha que me apressar com meu café se quisesse ter uma chance de usar o banheiro. Passei na ponta dos pés pela mesa de pernas tortas com uma pilha de correspondência, louça de porcelana, chaves e trocados. Eu pegaria dinheiro para o lanche no caminho de volta pro meu quarto.

    Eu preparei uma tigela de cereal para mim e enchi a do meu gato com comida fresca. Fluffy fugira já fazia seis dias, quase uma semana inteira. Nós deixamos ela vagar pela vizinhança durante o dia, mas ela sempre reapareceu na porta da cozinha a tempo para o jantar. Quando ela não voltou antes do escurecer, eu tive certeza de que algo estava errado. Fluffy era um gato grande que amava sua comida, ela nunca perderia uma refeição de propósito.

    Eu abri a porta dos fundos e chacoalhei a comida dela, mas Fluffly não veio. Colocando de volta a tigela no chão de azulejo, eu decidi tirar minhas tarefas do caminho enquanto meu cereal absorvia o leite e ficava mole do jeito que eu gosto. Tirei um saco cheio de lixo da lata da cozinha, dei um nó e marchei pela porta da cozinha.

    Tinha chovido a noite toda e o chão estava todo molhado, mas eu não tinha que ir longe. As latas de lixo de metal ficavam alinhadas como armaduras atrás do galpão de ferramentas do meu padrasto. Eu cortei caminho pela grama empapada, arrastando o saco de lixo. Vagalumes fizeram luz no meu caminho, o sol ainda pairava sob o horizonte.

    Parando em uma das latas de lixo, eu abri a tampa. Minha mão tocou o metal gelado e úmido e eu deixei escapar um miado de terror enquanto uma série de imagens explodia atrás dos meus olhos. Era como estar encadeada dentro de um filme perturbador—forçada a assistir, impotente para impedir que os eventos você vê acontecer. Não importa o quanto você queira mudar os eventos, eles continuam a desenrolar-se perante seus olhos.

    Eu não sabia naquela época o que eu sei agora. Talvez isso fosse uma coisa boa. Naquela época eu ainda tinha esperança. Esperança de que eu estivesse sonhando e de que o pesadelo tão logo acabaria. Esperança de que eu estivesse com febre e que minha mãe ia fazer tudo ficar melhor. Esperança de que eu só tinha uma imaginação hiperativa. Eu jurei que nunca assistiria filmes de terror de novo. Não ajudou. Nada ajudou.

    Nada nunca ajuda.

    Na visão, o carro dos meus pais dava ré pela saída da garagem quando alguma coisa estalou sob ele. O Buick velho parou rápido, mas era tarde demais. Meu padrasto desmontou do carro para descobrir que tinha atropelado alguma coisa pequena e preta. Em choque, eu assisti ele tirar uma toalha do carro e embrulhar meu gato morto em uma pequena mortalha que ele carregou pelo gramado do seu galpão, onde ele a colocou dentro da lata de lixo.

    Apertando minhas pálpebras com força, eu gritei.

    Certas verdades melhores são quando desconhecidas. A mentirinha branda de que Fluffy havia se perdido, talvez em alguma grande aventura felina, havia sido uma gentileza. Vê-la morrer era algo que uma criança jamais deveria ter que ver.

    Eu estava tendo o sonho de novo.

    Não qualquer sonho, mas O Pesadelo.

    Os gritos na minha cabeça eram inúteis. Os eventos dos sonhos eram guiados pela memória, e não se pode mudar o passado, não importa o quanto você tente.

    O dom da Psicometria foi um presente sorumbático. Infelizmente, não era o tipo de presente que você podia trocar na loja. Sortuda eu.

    *****

    Ivy, acorda, Jinx disse. Cê vai se atrasar pro trampo.

    Cinco minutos, eu sussurrei.

    Nem a pau, ela disse.

    Eu fendi meus olhos abertos e vi minha colega de quarto com as mãos na cintura. Merda. Ela parecia séria.

    Cansada, eu choraminguei, cobrindo minha cabeça com um travesseiro.

    O Pesadelo sempre me fazia sentir exausta. Eu não acredito que corpos adultos são equipados para lidar com terrores infantis.

    Não, nada, cê não vai fazer isso, ela disse, agilmente tirando o travesseiro das minhas mãos moles de sono.

    Qual é, Jinx, eu disse. Mais cinco minutos.

    Jinx era a pessoa mais azarada que eu já conheci. Ela nunca ganhava nada, e se ela comprasse um bilhete da loteria, geralmente cobravam extra dela. Jess, ou Jinx, como geral chamava ela, era conhecida por cair em toda parte por nenhuma razão aparente. Quando a gente se mudou pro nosso apartamento, no topo de um sobrado, ela tentou martelar uma ferradura da sorte na alcova da cozinha. Ela caiu na cabeça dela, deixando um hematoma sinistro e abrindo um corte que levou seis pontos pra fechar. Desde então, criamos umas regras básicas. Nada de martelos e outros objetos perigosos de carpintaria nas mãos da Jinx, nunca.

    Usar o apelido dela só a deixava mais determinada. Ela arrancou os cobertores de mim, deixando uma rajada de ar frio matinal fazer seu truque em mim. Eu estava fora da cama, e num instante estava correndo pra tomar uma ducha quente. Não importava que Jinx tivesse tomado banho primeiro. Depois de um ano vivendo juntas, eu sabia que Jinx sempre ia ter a má sorte de tomar um banho frio, independente de eu me banhar antes ou depois dela. Ela realmente era a mina mais azarada no planeta.

    Felizmente para mim, o café que ela fazia era imbatível.

    Depois da minha ducha quente, eu sentei vagarosa feito mel num banco de frente pra Jinx. Ela me passou uma xícara fervendo pelo balcão que separava a cozinha da sala de estar... Mmmmm, bom e forte.

    De nada, Jinx disse.

    Valeu, eu disse. Então, pra quê a pressa?

    Você tem um cliente em uma hora, Jinx disse. Eu te disse ontem, mas você estava num caso, eu sabia que ia esquecer.

    Muita coisa aconteceu desde o dia em que eu tive minha primeira visão. Eu não era mais a mesma criança inocente que acreditava em tudo que os pais contavam para ela ou que usava tênis azuis com coraçõezinhos rosas colados.

    Sim, eu me lembro os tênis que eu tava usando aquele dia—logo antes de vomitar tudo em cima deles. Algumas memórias grudam em você. Depois de recuperar o fôlego e chorar a morte do meu gato, eu tirei aqueles calçados fofos de criança e os joguei fora, junto com minha inocência e a pessoa que havia sido. Lembro que joguei os tênis na mesma lata de lixo que me dera aquele presente cruel conferido a mim pelo Destino. A criança que levara o lixo para fora naquela manhã era cheia de sonhos e sorrisos. A garota agourenta que se arrastou de volta pra casa se movia com cuidado nos passos, se abraçando nos próprios braços, um quase nada em movimento, temendo o simples sentido do tato—e os horrores que agora poderiam vir com ele.

    Eu fui de criança despreocupada pra introvertida solitária. Eu não gostava de ser tocada e a mera ideia de manusear qualquer coisa nova me enchia de angústia. Você já viu uma criança desmaiar de horror ao ver uma bola de queimada vindo na direção dela? Okay, talvez já. Mas eu me acovardava com um lápis emprestado, papéis repassados, e ficava selvagem se tinha que sentar numa mesa nova. Então eu virei a aberração da escola. Ensino Fundamental foi uma droga. Colegial não foi lá muito melhor.

    Ser solitária me deu tempo para pesquisar e experimentar esse meu dom. Foi durante um desses experimentos que encontrei a Jinx. Como eu disse, ela é realmente azarada. Ninguém deveria ter que trombar em mim naquele dia. Eu sei que tranquei a porta. Ninguém tinha que ter visto segurando uma bússola de latão e escrevendo no chão. Nem uma alma viva.

    A internet me ensinou que meu dom se chamava psicometria, a habilidade sobrenatural de ver eventos, geralmente traumáticos, na história de um objeto. Jinx me ensinou como usar meu dom para ajudar os outros. Com a ajuda dela, comecei a trabalhar pequenos casos. Jinx era boa com as pessoas e eu tinha o talento cru. Juntas, depois de muita tentativa e erro, nós abrimos o Olho Privado, nossa própria agencia de detetive paranormal.

    Olho Privado pode soar meio patético, mas nosso logo arrebentava. Nosso amigo Olly fez o trabalho artístico, uma gravura de um detetive usando um chapéu da velha era com um terceiro olho estampado no meio da testa. De certo era muito bom pros nossos negócios que tivéssemos vários clientes repetidos. Digo, tem uma galera que acha que eu sou uma crackuda ou uma fraude, mas quem vem até a gente em busca de ajuda, e não foge no meio do processo, geralmente descobre que o que cobramos é dinheiro bem gasto. Como o cara que ajudamos ontem.

    Eu tentei não estremecer. Não queria derramar meu café. Aquele caso foi sinistro. Vai por mim. Se eu acho que um caso dá medo, é porque ele está além de estranho.

    Eu não estava surpresa por ter esquecido que Jinx me contou de um cliente novo. Certos objetos eram particularmente difíceis de manusear e me deixavam no meio de uma névoa mental. Depois de contar ao cliente de ontem o que ele tinha que saber, e receber meu pagamento, eu escalei as escadas para o nosso apartamento e rastejei para a cama. Eu nem acordei para jantar com a Jinx.

    Meu estômago roncou quando percebi que eu não tinha comido nada desde o café da manhã de ontem. Jinx riu e me passou uma torrada com geleia de morango espalhada em cima. Ela era a melhor.

    Não só eu estava comendo um café da manhã delicioso e empurrando tudo pra baixo com café forte, como eu nem tive que tocar no jarro da geleia ou no saco de pão. Melhor bônus. Você nunca sabe quem passou a mão nas embalagens e sob quais circunstancias. Se um homem gordo tivesse tocado o jarro de geleia durante um ataque cardíaco eu ia acabar engasgando na minha torrada e correria atrás de água. Não é legal nem é bom pro apetite. Jinx estava sempre fazendo um esforço pra me fazer comer mais e tirar as embalagens era um dos seus truques mais novos.

    Então, quem é o cliente de hoje? Eu perguntei. Alguém que eu conheço?

    Eu acho que não, ela disse, batucando os dedos cheios de anéis na xícara de café. Ele não é um cliente velho. Eu conferi.

    Alguma ideia do que ele quer? Eu perguntei.

    Só os serviços únicos de Ivy Granger, detetive paranormal, ela disse, abanando as sobrancelhas. Mas ele era gato."

    Bem, agora eu sei porque você esqueceu de perguntar, eu disse.

    Meu cérebro realmente derreteu por um segundo, ela disse, com uma piscadela. Ele é um gato total. Alto, sorriso bonito, e quando ele virou...

    Okay, entendi, ele é super gato, Eu disse, rolando os meus olhos. O senhor Sexy por acaso tinha nome?

    Essa é a parte estranha, Jinx disse, fechando a cara. Você sabe como eu sou organizada, né?

    Ela estava mais para uma retenção anal de obsessão. Para Jinx, sua agenda era sua bíblia. Sem brincadeira.

    Sim, eu disse.

    Bem, de algum jeito eu esqueci de por o nome dele no livro, ela disse, corando. Eu só anotei que você tinha um compromisso. Pra piorar, eu sei que ele me disse o nome dele, porque eu digitei o nome no sistema para ver se era um cliente antigo. O sistema respondeu em branco.

    Tipo o seu cérebro, eu disse.

    Exatamente como meu cérebro, ela disse. Estranho, não?

    Sinistro, eu respondi.

    O que era realmente bizarro era o jeito como Jinx mordia o lábio ao invés de refutar meus últimos comentários. Tipo o seu cérebro tinha sido uma isca pro sarcasmo dela morder. Ela devia estar realmente preocupada com o lapso de memória.

    Talvez você precise de um pouco de gingko, Eu disse.

    A erva chinesa era usada para melhorar a memória, apesar de eu ter certeza que a memória dela estava boa como sempre. Ela só tinha problemas se concentrando quando dividia o recinto com caras gatos.

    Droga, você sabe que eu sempre esqueço de tomar isso, Jinx disse, batendo na própria testa com a palma da mão.

    Era uma piada interna nossa, nós rimos enquanto eu enxaguava meus pratos na pia e engolia os últimos goles do meu café. Uma pena não ter tempo para outra xícara. Eu estava sentindo que esse ia ser um dia daqueles.

    *****

    Eu vesti minhas luvas de couro, peguei as chaves do cômodo ao lado da porta e saí do apartamento, dando tchau pra Jinx na saída. Calor explodiu na minha cara quando eu pisei na escadaria que levava pra rua. A escadaria sempre cheirara a velho, uma estratosfera na história do edifício. O calor de agosto trazia consigo o aroma de curry, sopa de legumes, gente sem tomar banho, tabaco, amaciante, bolor e madeira velha—uma imagem olfatória pungente, como uma saia escocesa em que cada ex-morador tivera contribuído um pouco para construir no longo dos anos.

    Eu amava nosso apartamento e o nosso escritório. Por sorte, nada realmente ruim jamais aconteceu aqui. Já foi procurar por um apartamento e se perguntou, se as paredes pudessem falar, o que as paredes desse lugar diriam sobre o passado? Bem, no meu caso, elas podem. Tudo que eu tenho que fazer é tirar minhas luvas e encostar minha mão contra as paredes de gesso ou madeira. Se algo ruim tivesse acontecido aqui, eu saberia. Uma escadaria fedorenta é uma coisa a qual uma garota pode se acostumar. Visões de pesadelos? Nem tanto.

    Eu pulei dois degraus de cada vez, botas estalando contra a madeira oca. Outra razão para gostar deste lugar—ele dificultava para alguém espiar a mim e a Jinx. Não que eu estivesse particularmente preocupada, mas saia mais barato prevenir que remediar. Eu conhecia os monstros que rondavam essas ruas. Nem todos eram humanos—mais um bom trato que meu dom tinha me concedido.

    Como se o horror de ver morte e ferimentos não fosse o bastante, minha visão especial também cortava através do véu de glamour que muitas criaturas fae usavam... o que revelava as visões monstruosas acobertadas pelo véu. Por quê? De novo, eu respondo, o Destino é uma vadia de merda.

    Então, sim, eu estou bem ciente dos monstros que andam as ruas da nossa cidade e tomei certas medidas para me manter a salvo. A boa e velha fechadura de ferro na minha porta era só uma dessas medida, uma bem importante, diga-se de passagem.

    Depois que eu girei a chave pra direita, trancando a porta num clique sólido, eu guardei a chave no meu bolso de trás. No bolso da frente do meu jeans, eu fisguei um pacote pequeno de sal misturado com umas ervas que salpiquei no vão da porta.

    Sim, Jinx ia sair em uns cinco minutos e dar uma passada no banco pra evitar que o cheque do aluguel ficasse sem fundos. E sim, ela iria retrancar a porta e regar o vão com a mesma combinação de ervas e sal. Exageradas? Talvez, mas essa era nossa casa e o Inferno ia congelar antes de a gente deixar uma criatura bisonha vir entrando nela assim de mão beijada. Eu vi a aparência real dessas criaturas. E vai por mim, eles não seriam visitas das melhores.

    Não, algumas dessas coisas que se esgueiram nas sombras tem preferência por carne humana, mas não ia ser no meu endereço que eles comeriam. Sem chance que eu ia querer chegar em casa e encontrar uma cria do diabo palitando os dentes com meus móveis depois de jantar a minha colega de quarto. Não, não ia acontecer.

    Terminado o meu ritual, virei para a janela do nosso escritório. Eu não tinha que ir longe. A porta do nosso sobrado estava há trinta centímetros do nosso escritório. A localização era outro bônus de viver aqui. Eu amava esse lugar.

    Quando a Jinx encontrou um apartamento da hora com um escritório incrível escada abaixo, eu pulei na oportunidade. Era um milhão de vezes melhor que morar com meus pais. Viver com Jinx significava me livrar do fardo de sofrimento que eu sempre carreguei quando estava em casa.

    Por que a culpa parental? Boa pergunta. Depois de quatro anos de terapia intensa, eu tinha um Jesus de macarrão perfeito (eu gostava de usar as nossas sessões de terapia artística para fazer ícones religiosos com massa. Isso aterrorizava minha terapeuta), mas só uma ideia vaga do porque eu me sentia tão mal em relação aos meus velhos. Eu cheguei a conclusão de que deve ter sido duro ter uma filha que começava a gritar e babar quando segurava um presente de aniversário, Natal... ou mesmo a correspondência.

    Estar entre meus pais e seus olhares cautelosos e ansiosos me fazia sentir culpa. Jinx me fazia sentir importante—requisitada, querida. Com o passar dos anos, ela me ensinou como ser humana de novo. Jinx me salvou. Não só ela me ajudou a dar um sentido para a minha vida, me incentivando a usar meu dom para resolver mistérios, e ajudar pessoas, ela também me ajudou a me salvar de mim mesma. Jinx fez a única coisa que meus pais e as crianças na escola jamais puderam fazer, a coisa que nem mesmo eu havia sido capaz de fazer desde que eu tinha nove anos de idade. Jinx me aceitou por quem eu era—com poder sobrenatural e tudo. Eu a amava totalmente por aquilo.

    Jinx também era uma assistente incrível no escritório. Só não chame ela de minha secretária. Isso deixa ela pê da vida. Jinx geralmente lidava com os problemas na área de recepção, recebendo os clientes, preparando-os para o meu jeito brusco e fobia de toque. Ela deveria estar lá agora, mas estávamos com o aluguel atrasado. Ela tinha que fazer o depósito bancário naquela manhã ou a gente ia se encrencar com o proprietário. Eu teria que me encontrar com o cliente gostosão misterioso sozinha. Se eu não soubesse da verdade, diria que a Jinx armou a coisa toda. Ela gostava de bancar o cupido. A essa altura ela já devia ter aprendido.

    Com um suspiro, encarei meu reflexo na janela do escritório. Eu vinha ganhando uns fios de cabelo brancos desgarrados desde a adolescência. Não era uma surpresa considerando as coisas que eu já vi. Na verdade, era incrível que meu cabelo todo não estivesse branco. Mas as mechas brancas estavam começando a se assomar, e pareciam estranhos numa jovem de vinte e quatro anos, então na semana passada a Jinx pintou meu cabelo castanho amadeirado num tom de preto piche.

    O rosto a me encarar de volta ainda parecia o de uma estranha. Eu acho que nunca vou me acostumar com o cabelo preto. Ele deixava minha pele pálida meus olhos estranhos com forma de amêndoa e cor de âmbar ainda mais pronunciados. Eu tirei um par de óculos escuros e um boné de baseball da minha bolsa e os joguei na minha cabeça. Eu me senti menos conspícua, o que me deixou respirar aliviada. Vestida com jeans e camisa cavada, só esperava que o cliente não me confundisse com um garoto. Eu não tinha as curvas da Jinx, nem o jeito de roqueira dela. Eu invejava o quão bem ela ficava usando vestidos e penteados dos anos cinquenta, e as tatuagens... até óculos retro de aro grosso ficavam super fofos nela.

    Fofura não era comigo, especialmente de manhã cedo.

    Tá, chega de flautear, eu murmurei pro meu reflexo.

    Eu destranquei a porta do escritório e acendi as luzes. Meus olhos vasculharam o cômodo enquanto a luz falhava até acender por completo. A cabeça de frenologia sobre meu gabinete, usando um chapéu fedora das antigas, sempre me dava um susto. Que droga, Jinx, aquela coisa me dá arrepios. Eu entrei e cobri os olhos daquela coisa com o chapéu. Eu me encolhi em uma bolinha de medo com o som de uma caneta que eu derrubei sem querer agora pouco.

    Eu não tinha muita certeza do motivo pra eu estar tão assustadiça hoje, mas bom sinal é que isso não era. Eu esperava que fossem só as réstias dos efeitos colaterais d’O Pesadelo. Nós precisávamos que o caso de hoje corresse bem.

    Eu andei pelo cômodo todo, espiando os cantos e as sombras, até estar convencida de que eu estava sozinha de verdade. Nós realmente tínhamos que limpar algumas coisas aqui. O Olho Privado estava infestado com coleções estranhas de itens ocultos memorabilia detetive de livros velhos e filmes noir.

    Minha parceira no combate ao crime, ou pelo menos no encontro do Grande gato perdido, tinha uma queda por tudo que era retro. O telefone preto na minha escrivaninha parecia autentico, mas eu sabia que era uma réplica. Eu tive que atendê-lo uma

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