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Luzia divulga o segredo
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Luzia divulga o segredo

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About this ebook

Bem-vindo à primeira história das aventuras de Luzia, a miúda de Lisboa que começa tímida e acaba uma guerreira!

Perseguida por uma estranha melodia que ecoa em todo o seu ser, Luzia vive extraordinárias aventuras desde o momento em que decide entender o significado desse misterioso chamamento. Confrontando Ulrich, o robusto e apoiada por Abdul, o esguio, Luzia ainda tem sempre um trunfo mágico quando tudo se complica: os conselhos enigmáticos da outra Luzia, aquela-que-tudo-vê e que nunca a desilude.

Percorrendo mundos fantásticos, Luzia entende que o espaço e o tempo são ilusórios e, aprendendo a jogar o jogo da existência, cumpre o seu propósito de vida ao divulgar o segredo-daquilo-que-realmente-interessa por toda a humanidade.
LanguagePortuguês
Release dateNov 3, 2017
ISBN9788468516837
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    Luzia divulga o segredo - Nénas

    LUZIA DIVULGA O SEGREDO

    Nénas

    © Nénas

    © Luzia divulga o segredo

    ISBN digital: 978-84-685-1683-7

    Impresso em Portugal / Printed in Portugal

    Editado por Bubok Publishing S.L.

    Todos os direitos reservados. Não se permite a reprodução total ou parcial desta obra, nem da sua incorporação num sistema informático, nem da sua transmissão em qualquer forma ou através de qualquer meio (electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros) sem autorização prévia e por escrito dos titulares do copyright. A infracção destes direitos pode constituir um delito contra a propriedade intelectual.

    A regra nº1 é da Abundância.

    O Universo é abundante em tesouros infinitos

    disponíveis para todos.

    Mas só os que estão preparados é que os veem.

    1

    Tinham-me falado daquela mulher. Vivia algures, em alfama ou no castelo, numa pequena casa muito antiga com os seus tetos baixos, a roupa estendida para a rua, as janelas empenadas e uma vista deslumbrante sobre a colina e o rio tejo. Disseram-me que era, como se diz nos filmes, the real thing. Não tinha sido nada fácil encontrar a casa no labirinto de ruas que é a zona antiga de Lisboa. Tinha-se mesmo tornado num verdadeiro desafio debaixo do sol implacável do Verão. Mas, depois de muito me enganar, lá dei com a morada. E quando fui introduzida dentro de casa por uma criança despenteada e quase despida que me abriu a porta, tive a certeza que tinha chegado ao lugar certo. Não que o espaço fosse diferente de todos os outros daquele bairro – uma casa tipicamente lisboeta, modesta, decorada com mobiliário simples, loiças de porcelana, plantas em vasos, molduras e pechisbeque démodé. Uma luz dourada entrava pelos vidros revelando uma espiral de pó que rodopiava pelo ar. Tive a certeza de ter chegado porque algo naquele espaço tinha existência, qualquer magnetismo provocava arrepios - havia alguma coisa que nos fazia cheirar algo.

    Apareceu uma mulher bem morena e que irradiava simpatia. Na realidade, não era muito diferente de mim, só um pouco mais velha e, decididamente, mais confiante. De meia-idade, elegante num longo vestido escuro e com o cabelo negro revolto pelas costas no qual sobressaía uma mancha branca mesmo perto da testa, era uma figura que, apesar de afável, incutia respeito. Penso que vinha da cozinha, pois limpava as mãos num pano. Sorriu amavelmente quando me viu. Sabia ao que eu vinha, tive a certeza. Por que outra razão uma desconhecida lhe iria bater à porta? Cumprimentou-me e comentou que estava muito calor para iniciar a conversa.

    - Sem dúvida – respondi acanhada como sempre.

    - Aceita um chá gelado acabado de fazer? Entre, entre, estamos mais à vontade na cozinha.

    E eu entrei. Não sabia bem o que fazia ali, porque razão tinha seguido o conselho de amigos e me tinha dirigido àquela casa, procurando aquela mulher tão famosa dentro de determinados círculos. Tudo porque, na escuridão do meu íntimo, lá estava ele, o sussurro, sempre que começava a fazer os movimentos ondulantes e vibratórios da dança oriental. Tinha começado a frequentar aulas de dança por mera distração e companheirismo, mas, à medida que ia aperfeiçoando a técnica e os movimentos começavam a surgir praticamente por si, vindos do nada, parecia que traziam com eles algo mais. A cabeça girava, os braços ondulavam, as ancas descreviam círculos e todo o corpo vibrava – e, na escuridão do meu íntimo, ouvia uma melodia. Estava lá sempre, umas vezes mais alto, outras mais baixo, mas parecia-me que, ultimamente, ouvia-a cada vez melhor. Aquela voz distante não me largava, ecoando, longínqua, insistente, como se alguma coisa tivesse de ser ouvida, como se algo não estivesse totalmente silenciado. Era como se a dança ligasse um interruptor e, algures, algum estranho mecanismo começasse a funcionar.

    Na verdade, estava um pouco assustada. Era tudo tão fora do vulgar que não disse nada a ninguém, sempre na esperança de que um dia a voz-que-canta desaparecesse, tal como tinha surgido. O ligeiro mal-estar que provocava tinha-me feito procurar alguém que me desse alguma orientação e que fosse sensível a esse tipo de fenómenos, claro. E falaram-me na mulher-da-mancha-branca e de como ela nos lia e percebia só de olhar para nós. Talvez ela, ao avaliar-me, me explicasse o que era aquela melodia que não parava. O que tinha eu a perder?

    O que me tinham dito é que ela era ótima a dar respostas, por mais estranha que fosse a pergunta. Era tão simples quanto isso e eu sempre queria ver como é que era. Mas, no fundo, talvez soubesse que não se escolhe ir – é-se chamado. E, sim, era uma espécie de chamamento que eu ouvia, uma vontade de ir ver como é que era, afinal. Não sabia porquê, não sabia para quê, mas a verdade é que já lá estava dentro e agora tinha de continuar, não podia sair dali a correr feita uma louca.

    Sentámo-nos na mesa da cozinha, uma pequena mesa articulada com uma toalha de plástico onde a mulher-que-eu-fui-ver colocou um jarro com chá gelado. Despejou o conteúdo num copo e estendeu-mo.

    - Beba. Hidrata.

    Eu bebi, obediente. Devia estar com um ar miserável, cansada e toda transpirada. Sentia o cabelo colado à cara e ao pescoço. Bebi sofregamente, sentindo como o meu organismo se reequilibrava a cada golo que dava. Ela sentou-se à minha frente a observar-me, satisfeita.

    - Dê-me lá as suas mãos.

    Continuei a obedecer como um robot. Parecia que não tinha vontade própria – tinha sido chamada àquele lugar, tinha ido e, agora, fazia tudo o que me mandava. Não tinha alternativa, aquele sorriso era absolutamente hipnótico.

    A mulher, sempre simpática e altiva, lançando o cabelo negro para trás, levantou os olhos na minha direção e, mantendo as mãos bem seguras, entre as dela, disse, numa voz subitamente grave sem nunca desviar os olhos dos meus:

    - Temos aqui coisas muito interessantes. - E sorriu.

    Franzi a testa, mais por admiração do que preocupação e sorri também, um pouco incomodada. Perante o silêncio confrangedor que se criou, consegui, com muito esforço, quebrar a solenidade do momento balbuciando, a medo, mas com grande expetativa:

    - Sou alguma coisa de excecional?

    - És – respondeu de imediato, mas para logo contrapor. - Toda a gente é excecional, logo ser excecional não é nada de especial, é normal.

    Não consegui reter uma pequena gargalhada aliviando a tensão que sentia pela exposição a que me estava a sujeitar, recordando de forma estranha que já tinha ouvido alguém, num passado remoto, dizer exatamente aquela frase.

    A mulher não se desconcentrou nem um pouco, continuando a olhar atentamente para os meus olhos enquanto segurava firmemente as minhas mãos.

    – Bom. – Fez uma pequena pausa para dar o dramatismo necessário que antecede qualquer revelação. – Uuum. Como praticamente toda a gente, não fazes a menor ideia de quem és, do que queres, nem como te deves orientar na vida. Procuras, mas não sabes o que procuras, vives e nem sabes porquê, não fazes ideia do que realmente interessa apesar de sentires qualquer coisa dentro de ti, bem no fundo do teu íntimo que parece indicar o caminho. Ouves, mas não ouves, tens medo de ti própria e de onde o caminho te pode levar. Preferes negar o que tens para não saíres da chamada normalidade, tens medo de sobressair. – Fixou-me com um olhar subitamente zangado. – Porque tens medo daquilo que realmente és? Porque não ouves aquilo que deves realmente ouvir?

    Comecei a ficar apreensiva. Sim, escondia, escondia de todos que ouvia o sussurrar longínquo – estaria a mulher a referir-se exatamente a isso? Não podia ser, pois se era algo que nunca tinha contado a ninguém com receio de que pudessem pensar mal de mim. Como é que ela, só de olhar para dentro dos meus olhos, e sem eu dizer uma única palavra sobre o que me tinha levado a ir ali, tinha acertado imediatamente no cerne da questão?

    - Pois fica a saber que é realmente muito importante ouvires.

    Lancei um suspiro, rendida. Tive noção que, agora, já não havia forma de voltar para trás. Talvez ainda houvesse tempo, retirava as mãos, saia dali para fora e voltava à minha vida. Mas algo me pregava à cadeira, era como um sonho estranho, como se não tivesse vontade própria. Na verdade, era tarde de mais.

    - Primeiro tens de saber quem és e aquilo que queres aqui e agora, disse a mulher.

    O que é que isto quer dizer, ora? Porque é que esta gente fala sempre por enigmas? Então eu não sabia muito bem quem era? Nunca tinha tido dúvidas de identidade e sabia bem o que queria, tal afirmação não tinha sentido nenhum.

    A mulher, sorrindo sempre, concluiu mudando para um tom amável, fixando os meus olhos de forma ainda mais firme.

    - Só encontrarás se te virares para dentro.

    Encontrar o quê? Não conseguia entender – pois se nem andava à procura de nada! Só me podia queixar de um ligeiro mal-estar, algo indefinido, nada que não fosse possível suportar, nada de especial, provocado de certeza pela melodia que ecoava na minha cabeça mal começava a desenhar círculos, oitos, sóis e luas com o meu corpo. Parecia que a mulher-da-mancha-branca tinha ouvido o que eu acabava de pensar, pois contrapôs num tom bem firme:

    - Estás à procura e nem sabes que o estás! Nem fazes ideia do que procuras nem em que direcção ir. É natural que não te sintas muito bem. – A mulher encolheu os ombros e suspirou. – Teimas em não ouvir a tua voz interior, a única que devemos realmente ouvir. Estranho, já quase ninguém a ouve, nestes nossos dias barulhentos e movimentados. Mas algo em ti fez com que começasses a ouvir e não a consegues calar. E negas, negas tudo. E procuras, não sabes o quê nem onde. Pára de procurar e ouve, deixa a voz vir até ti! – Levantou-se de repente, ficando subitamente muito alta. -Como podes encontrar seja o que for se nem tu própria sabes quem és! – Parecia que me estava a ralhar, e senti-me uma criancinha aparvalhada. - Tens de te encarar a ti própria primeiro, enquanto continuares assim só encontrarás reflexos de ilusões. Deixa de procurar e verás aquilo que realmente existe! – concluiu, num tom firme, batendo com o punho na mesa.

    Engoli em seco, um pouco incomodada, sem saber o que dizer e com os pensamentos num turbilhão, como o pó que pairava no ar. Mas tive o discernimento de ficar calada e tentar memorizar o que tinha acabado de ouvir. Podia ser que, um dia, fizesse todo o sentido.

    - Quando te encontrares, verás tudo o resto – repetiu em forma conclusiva, indicando-me a porta da saída.

    Entendendo o sinal, ainda tentei um último esclarecimento.

    - Tudo o quê?

    E a mulher, já irritada, a abrir-me a porta:

    - Tudo-o-que-é.

    Encolhi os ombros, vencida, saindo para o calor tórrido da rua. Nem perguntei se devia pagar alguma coisa, tal foi a forma como fui literalmente posta porta fora! Olhei para trás e a mulher estava parada na umbreira da porta e, estendendo-me alguma coisa, disse num tom mais tolerante:

    - Quando precisares de ajuda, aqui estarei.

    Agarrei no que ela me entregava. Era um cartão com o seu nome e contacto telefónico. Nem queria acreditar nos meus olhos. Ela tinha o mesmo nome que eu, Luzia. Que estranha coincidência. Guardei o cartão no bolso das calças, sentindo-me um pouco perdida, ouvindo a porta fechar-se atrás de mim. Ali fiquei, a suar, meio aliviada por ter saído daquela casa, meio irritada comigo própria por não ter percebido nada e sentindo um misto de admiração e de receio pela figura imponente da outra-Luzia. Quem me dera ter tanta segurança como ela! Tinha de reconhecer que a mulher tinha sido bem certeira e isso fazia-me sentir humilde e ainda mais confusa. Mas na prática não tinha adiantado nada o que me disse. Parecia-me que tinha ido ali em vão.

    A melodia. Será que aqueles sons profundos e suaves que envolvem todo o meu ser num calor ameno e reconfortante, me estão a querer dizer alguma coisa, a indicar algum caminho? Sei lá. Mas não devia ser normal e isso preocupava-me. Nunca tinha ouvido falar de pessoas perseguidas por melodias, mal esboçam os movimentos mágicos de uma dança ancestral. Seria do stress da vida – sempre a correr numa angústia sem qualquer direção? Mais uma daquelas manias tão em voga que se curam com uns dias de repouso num qualquer resort paradisíaco? Tinha ficado na mesma e agora, depois da visita à minha homónima é que não sabia mesmo o que fazer. O melhor talvez fosse não me preocupar mais e deixar andar. Se fosse alguma coisa importante, a vida havia de me dar algum sinal.

    2

    Soube de um concerto no palácio Foz e meti-me a caminho. Saindo da escuridão do metro, pisquei os olhos para me habituar à forte claridade da luz de Lisboa e tentei localizar o palácio onde era o concerto.

    Percorri os restauradores a correr, entrando apressadamente no esplendoroso palácio setecentista, cheio de brilhos, espelhos, cristais, escadarias. Na sala onde ia decorrer o concerto, as cadeiras estavam dispostas em U e um piano lindíssimo, brilhava, polido, no centro da sala, aguardando a chegada do pianista. Procurei com o olhar os melhores lugares – claro que estavam reservados, como indicavam ostensivamente os papeis deixados em cima das cadeiras – e acabei por ter de escolher uma cadeira mais discreta, com o pianista de costas e muitas cabeças a tapar-me a vista.

    As janelas estavam abertas e entrava a luz encantada dos fins de tarde de Lisboa. Fechei os olhos para sentir a atmosfera. Respirei fundo e, perto de mim, senti o murmurar das vozes das pessoas, a ligeira agitação que antecede um espectáculo. Vindo de fora, o piar cortante das andorinhas misturava-se com o ruído ronco do trânsito dos restauradores. Cheirava a cera e a flores, uma combinação perfeita de odores.

    Abri os olhos – o concerto ia começar. Sobrava um murmúrio de vozes que se apagou completamente em poucos segundos. O ambiente, apesar de abafado por terem acabado de fechar as janelas, tornou-se apropriado para acolher a música. Estava mais escuro, pairava um respeito silencioso, sentia-se a expetativa própria do momento.

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