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Os Incompatíveis
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Os Incompatíveis

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About this ebook

Embora Deus tenha feito o homem e a mulher como complemento um do outro e para viver em harmonia, a vida tem demonstrado que, ou por erro de concepção, ou por defeito de fabrico, a maior parte das vezes a relação entre um e outro se apresenta problemática, parecendo esse facto resultar de uma divergência de feitios a que um mecânico chamaria deformação de encaixes ou um técnico informático incompatibilidade de versões.
Este livro apresenta um conjunto de histórias de homens e mulheres com os seus conflitos que, sendo embora antigos, são, graças à emancipação e à amoralização progressiva da sociedade, os conflitos que caracterizam grande parte das relações actuais.

LanguagePortuguês
Release dateMay 15, 2011
ISBN9789898392091
Os Incompatíveis
Author

José Leon Machado

José Leon Machado nasceu em Braga no dia 25 de Novembro de 1965. Estudou na Escola Secundária Sá de Miranda e licenciou-se em Humanidades pela Faculdade de Filosofia de Braga. Frequentou o mestrado na Universidade do Minho, tendo-o concluído com uma dissertação sobre literatura comparada. Actualmente, é Professor Auxiliar do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se doutorou em Linguística Portuguesa. Tem colaborado em vários jornais e revistas com crónicas, contos e artigos de crítica literária. A par do seu trabalho de investigação e ensino, tem-se dedicado à escrita literária, especialmente à ficção. Influenciado pelos autores clássicos greco-latinos e pelos autores anglo-saxónicos, a sua escrita é simples e concisa, afastando-se em larga medida da escrita de grande parte dos autores portugueses actuais, que considera, segundo uma entrevista recente, «na sua maioria ou barrocamente ilegíveis com um público constituído por meia dúzia de iluminados, ou bacocamente amorfos com um público mal formado por um analfabetismo de séculos.»

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    Os Incompatíveis - José Leon Machado

    Maria dos Prazeres

    Ao fim de um ano de casamento, concluiu que não deveria ter casado com a Clotilde. Iludira-se, foi o que foi. Primeiro por os pais dela serem proprietários de uma quinta no Minho e de um prédio numa rua do Porto; depois por ser gestora bancária; e finalmente por ser bonitinha. Sim, a Clotilde era uma rapariga apresentável que não envergonharia nenhum homem. Os colegas de profissão tinham-lhe até inveja por causa disso. O Simões não podia dizer que ela lhe fazia a vida impossível. Era uma mulher pacata, nunca discutia com ele, aceitava-lhe as birras, tratava da casa com certo gosto e era uma companheira agradável nas andanças sociais. Como advogado e militante de um partido com pretensões a um cargo político, ter uma esposa assim era mais que conveniente.

    O que o dececionava era o facto de ela se esquivar aos deveres matrimoniais. E depois de terem os filhos isso piorou. Parece que perdera pouco a pouco o interesse pelo sexo. E o Simões, que era um homem que entendia ser bom para o equilíbrio emocional e metabólico uma vida sexual ativa, começou a andar desconsolado. Chegou a desabafar com o colega do escritório. Este recomendou-lhe que a ameaçasse: ou ela lhe dava o que era devido, ou o Simões passava a frequentar as casas de alterne.

    Mas o Simões entendia que a sugestão posta em prática seria um tratamento de choque. Se dissesse isso à esposa, ainda lhe dava um ataque cardíaco por ser de constituição física bastante delicada. Além do mais, já ele frequentava as casas de alterne uma vez por outra e vinha de lá desconsolado e com a carteira vazia. Começava a pensar que sempre sairia mais barato fazer o despejo higiénico na casa-de-banho, apontando à sanita ou ao bidé. E não estaria sujeito às doenças venéreas.

    O colega recomendou-lhe então que arranjasse uma amante que fosse discreta. Deu-lhe os exemplos do antigo presidente da Câmara e do diretor do Banco de Portugal, o que se reformara recentemente. Mantiveram as amantes durante vários anos. Constava-se até que o diretor do Banco ainda a frequentava e, quando ficasse viúvo, casaria com ela. Era uma senhora conhecida da praça pública, séria e com uma ótima posição social.

    No escritório costumavam contratá-lo para a resolução de problemas de heranças e partilhas. Tinha até um acordo com o diretor do Notário e o diretor do Registo Predial para, nos casos mais complexos, os mesmos lhe enviarem a clientela. O Simões retribuía depois com favores que podiam ser jogos de influência, jantaradas, ou até mesmo gratificações em dinheiro.

    Quando se dirigia ao Notário para tratar de algum assunto, costumava ser atendido, quando o diretor não estava, pela menina Maria dos Prazeres, segunda ajudante do Cartório.

    – Bom dia, sr. doutor – exclamou ela toda sorridente quando uma tarde viu o advogado a entrar e a aproximar-se do balcão. – Vem hoje fazer-nos uma visita? Infelizmente o sr. doutor Cardoso não está. Mas se eu puder ajudar, estou inteiramente ao seu dispor.

    – Olá, Maria dos Prazeres. A menina está cada vez mais bonita.

    – Ora, ora, sr. doutor. Põe-me corada com os seus elogios. Se eu não soubesse que está só a ser cavalheiro, até acreditaria nisso.

    – Ó Maria dos Prazeres, mas eu nunca minto. Digo-lhe sinceramente que, quando a vejo, o dia me corre bem melhor. Basta-me esse seu sorriso tão bonito para eu esquecer as maçadas da vida.

    A Maria dos Prazeres deveria andar pelos trinta e três anos, era solteira e pertencia a um grupo de teatro amador onde ocupava as horas livres a ensaiar peças representadas duas vezes por ano num lar da terceira idade. Como era de estatura miúda, o encenador, que era chefe da corporação de bombeiros, costumava dar-lhe papéis de princesa, de fada, de Capuchinho Vermelho e quejandas, e excitava-se todo quando a via de vestidinho branco a passear no palco.

    O advogado nunca reparara na rapariga, ou pelo menos esse reparo nunca fora a ponto de ele, ao sair do Cartório, vir a lembrar-se dela. Mas naquele dia, depois de ter resolvido o assunto que o levara ali e ter saído, descobriu-se a rever-lhe o sorriso. Andou dias seguidos assim e acabou por ir de novo ao Cartório só para a ver. Dessa vez falou com ela mais demoradamente, para desespero de quem esperava para ser atendido.

    Do ponto de vista físico, o Simões não a considerava grande coisa. A esposa era bem mais apresentável. A Maria dos Prazeres era demasiado baixa e tinha o rabo, que facilmente se adivinhava nas calças justas, desproporcional ao resto, com uma boa dose de celulite. Além disso, as mamas mal se adivinhavam por debaixo da blusa. O cabelo, aloirado e medianamente comprido, apresentava-se quase sempre despenteado e com um aspeto desleixado. Uma pequena cicatriz no queixo enfeiava-lhe um pouco a cara especialmente quando se ria. Usava uns óculos redondinhos que lhe davam um ar de intelectual. Não soubesse o Simões que ela era de poucas letras – o pai, seu conhecido, queixara-se de que a filha tinha sido uma burra na escola e só conseguiu arranjar um lugar no Notário à custa de pedidos – e tê-la-ia imaginado uma doutora da universidade.

    O Simões um dia perguntou-lhe onde costumava ir tomar café. Ela informou-o com um sorrisinho ambíguo e passaram a encontrar-se aí depois do almoço. Ganharam alguma confiança, ela mostrava-se muito à vontade com ele, contava-lhe coisas do teatro e do namorado. Chegou-lhe a confidenciar que não lhe agradava por aí além. Era carteiro, ganhava pouco e tinha uma visão curta das coisas. Ela gostaria de encontrar um homem especial em todos os sentidos, que a levasse a viajar pelo mundo e fosse carinhoso. O Simões ganhou coragem e acabou também por lhe contar que não andava muito satisfeito com a esposa e que o sonho dele era encontrar uma mulher que fosse irreverente e um pouco louca. Como ela não sabia bem o que era isso do irreverente, o Simões explicou-lhe. Depois da explicação, ela disse num largo sorriso:

    – Então eu sou assim.

    Como o Simões andava em período de abstinência em casa, um dia acabou por, ao sair do café, a abraçar e a beijar na boca. Pensou que ela lhe daria uma bofetada, mas ficou espantado ao verificar que a Maria dos Prazeres lhe correspondia ao beijo e ao abraço. Andaram uma semana a trocar carícias e o advogado, com o receio de que algum conhecido os visse no meio da rua, passou a levá-la para o escritório depois da hora de expediente.

    O que mais atraiu o Simões não foi a beleza da rapariga, que a não tinha ou se a tinha era num ou noutro ponto. Foi antes a forma de ser e de agir. Quem olhasse para ela, acharia que não prestava para nada. Mas ao conhecê-la como ele a conheceu, teria de concordar que estava ali uma mulher muito especial. Logo da primeira vez que o Simões a levou para o escritório, a Maria dos Prazeres poisou os óculos na secretária com muito jeitinho, ajoelhou-se diante dele, puxou uma madeixa do cabelo mais rebelde para trás, desapertou-lhe a braguilha e chupou-lhe o pénis até o esperma lhe borbotar na boca.

    Por ser arriscado fazerem todo o serviço ali no escritório, saíam de carro e, em locais fora da cidade, o Simões satisfazia a fome de anos. Uma das características que mais o excitava eram as tremuras dela. Mal começavam a beijar-se, ela tremia e só parava quando sentia o Simões dentro de si. O advogado comparava-a a um alcoólico com o síndroma de abstinência que antecede o momento de beber o primeiro copo de uísque. Outra característica era o facto de ela ser insaciável. O Simões chegava muitas vezes a casa com o pénis a doer de tanta ação.

    Uma altura, estacionados junto à praia e satisfeitos os corpos na primeira rodada, o advogado perguntou-lhe se costumava dormir com o namorado.

    – Não – respondeu – Ele já não me excita.

    Perguntou-lhe em seguida se gostava de estar ali consigo.

    – Sabes bem que sim. Eu amo-te.

    «Ela ama-me!», pensou o Simões. E sentiu-se um homem novo.

    O Simões tinha sido eleito mais uma vez delegado do partido ao congresso nacional a realizar em Lisboa. Costumava levar a esposa, mas, como ela não se mostrou interessada em acompanhá-lo por não gostar de viajar no inverno, decidiu convidar a Maria dos Prazeres, que ficou muito contente, pois nunca tinha participado em nenhum.

    Foi uma semana de lua de mel num dos hotéis junto ao recinto onde se realizava o congresso. O advogado compareceu às sessões duas vezes, uma para se mostrar e outra para votar as propostas. O resto do tempo, ou passou-o na cama com a Maria dos Prazeres, ou em passeios românticos pelo Parque das Nações, onde jantavam nalgum restaurante exótico.

    – Eu adoro coisas exóticas. Comida exótica, música exótica, locais exóticos, pessoas exóticas – explicou-lhe ela durante um desses jantares. – Excito-me toda.

    – E quando pensas em mim e eu não estou perto, costumas excitar-te? – perguntou o Simões tentando comer pedacinhos de porco com dois pauzinhos.

    – Eu não deveria contar-te isto, para não ficares demasiado convencido. Mas enfim, lá vai: Às vezes, quando saio de casa para o Cartório, começo a lembrar-me daquelas coisas que fazemos e então sinto a correr-me um fiozinho de baba entre as coxas. Quando chego ao emprego, tenho de ir à casa-de-banho. As minhas cuecas estão empapadas. Tiro-as e seco-as no secador das mãos. Um dia fui apanhada pela dona Odete, minha colega, com as cuecas na mão. Disse-lhe que as tinha sujado com o sangue do período e, como não tinha ali outras, lavei-as e estava a tentar secá-las.

    Na segunda noite, a Maria dos Prazeres quis surpreendê-lo. Depois do terceiro orgasmo, o Simões teve sono e adormeceu como uma criança fatigada das brincadeiras. Ela levantou-se e foi para a casa-de-banho. Daí a quinze minutos, chamou-o:

    – Simões! – Vem cá.

    Ele acordou sobressaltado, levantou-se e foi espreitar à casa-de-banho a pensar que lhe tinha acontecido alguma coisa. Foi encontrá-la dentro da banheira com espuma até ao pescoço, rodeada de velinhas acesas e cheiro a incenso. Parecia um santuário à deusa das águas mornas.

    – Vem! – chamou ela.

    O Simões entrou na banheira e alguma água, confirmando a descoberta de Arquimedes, saiu para fora e molhou o chão. Nunca tinha feito amor na banheira com espuma até ao pescoço rodeado de velinhas e pensou que ela era incansável em querer agradar-lhe. Merecia todo o seu amor.

    Na última noite em Lisboa, o Simões confessou-lhe que a amava e estaria disposto a fazer tudo por ela. A Maria dos Prazeres, com o cabelo espalhado na almofada como ervas rasteiras num canteiro de flores, disse-lhe que não se sentia bem na posição da outra. Gostaria de ser a mulher da sua vida.

    O Simões respondeu-lhe:

    – E como não queres ser tu a outra se eu sou casado? Tu serás sempre a mulher da minha vida, independentemente disso.

    – Se eu fosse a mulher da tua vida, não me punhas em segundo lugar como tens feito.

    – Queres que me divorcie por ti?

    O divórcio era uma coisa que já tinha passado pela cabeça do Simões.

    – Se tiveres que te divorciar, fá-lo por ti próprio. Eu não quero ser a responsável pela destruição da tua família.

    O Simões não compreendia como queria ela estar em primeiro lugar e ao mesmo tempo não querer que ele se divorciasse.

    Ela explicou-lhe que só não gostava de estar com ele às escondidas, ou apenas quando tivesse um momento livre, e ficasse abandonada mal a esposa telefonava a pedir-lhe para voltar para casa cedo porque precisava que ele lhe mudasse a botija do esquentador. Poderiam continuar a encontrar-se, a ter momentos bonitos. Mas a decisão do divórcio deveria tomá-la sozinho.

    A Maria dos Prazeres calou-se. Uma lágrima que ele não viu porque estava o quarto escuro corria-lhe de um olho.

    Voltaram para casa no dia seguinte e foram-se encontrando quando podiam e onde era possível. O Simões não lhe notou nenhuma alteração no comportamento. Continuava a ser fogosa e os momentos ardentes repetiam-se. Ela um dia teimara em experimentar o sexo tântrico depois de ler uma revista emprestada por uma amiga. Apesar de a tentativa sair frustrada, pois acabaram por atingir o orgasmo várias vezes, não deixaram de se divertir.

    O Simões tinha alguns ciúmes do namorado dela. Embora a Maria dos Prazeres lhe afiançasse que não dormia com o carteiro, a sua larga experiência humana fê-lo questionar-se se era realmente assim. Só para o não desapontar, ela poderia estar a mentir-lhe.

    Um dia, depois do almoço, dirigiu-se ao café e encontrou-a sentada com um tipo.

    – Este é o Alfredo – apresentou ela.

    – Carteiro?... – perguntou o advogado.

    – Não, técnico de informática. – corrigiu ele.

    – Mas então?...

    – É meu colega no teatro – explicou a Maria dos Prazeres.

    – Se é técnico informático, talvez pudesse passar-me no escritório e ver se solucionava um problema que tenho com o computador. A minha secretária chamou o técnico, mas ele, já passaram quinze dias, não aparece.

    – De momento estou com muito trabalho.

    – Vá lá, Alfredo, faz esse favorzinho aqui ao sr. doutor. Fazes, não fazes?

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