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O Demônio de Montségur
O Demônio de Montségur
O Demônio de Montségur
Ebook408 pages5 hours

O Demônio de Montségur

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About this ebook

O conde Raimundo IV de Toulouse, governante do reino de Languedoc, traz de uma cruzada uma pequena estátua de Baphomet. Com ela, ele consegue anexar muitos novos territórios ao Languedoc e o reino torna-se rico, causando inveja na coroa francesa, enfraquecida por constantes conflitos militares contra a Inglaterra.
Cinco anos depois de voltar da campanha, o conde Raimundo encontra a misteriosa morte em Montségur. Seu filho, Afonso, deixa para sempre o seu Languedoc natal, partindo à Terra Santa, onde se encontra com Hugo de Payens, o primeiro mestre da Ordem dos Templários. E então os Templários começam a venerar Baphomet…
Um século depois, a estatueta cai nas mãos do chevalier Clermont de Montségur, bisneto do conde de Toulouse. Sua vida é cheia de reviravoltas imprevisíveis, e sua morte acaba tornando-se um mistério para seus descendentes. O próximo possuidor de Baphomet, Auguste de Cavaillon, templário e secretário pessoal do mestre De Molay, encaminha o ouro da Ordem dos Templários para a Escócia, onde ele passa por violentas aventuras e então torna-se o preceptor do castelo de Inverness, no qual concentram-se os conhecimentos espirituais e mágicos da Europa e do Oriente Médio.
Ele tenta desvendar as misteriosas mortes de seus ancestrais, a fim de livrar o antigo clã de Montségur-Cavaillon do poder de Baphomet.

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateDec 4, 2019
ISBN9781547575558
O Demônio de Montségur
Author

Olga Kryuchkova

Olga Kryuchkova began her creative career in 2006. During this time, the author had more than 100 publications and reprints (historical novels, historical adventures, esotericism, art therapy, fantasy). A number of novels were co-written with Elena Kryuchkova.

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    O Demônio de Montségur - Olga Kryuchkova

    Olga Kriutchkóva

    O DEMÔNIO DE MONTSÉGUR

    232 páginas

    Edição inédita

    Romance histórico

    Sumário

    LIVRO 1. BAPHOMET

    Prólogo

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    LIVRO 2. O OURO DOS templárioS

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Epílogo

    LIVRO 1

    BAPHOMET

    Nitimur in vetitum semper, cupimusque negata.

    Fixamo-nos sempre no que é proibido e desejamos o que nos é negado.

    Ovídio (Amores, Livro III, 4, 17)

    Prólogo

    59 d.C.

    O caminho enredava entre as montanhas da maneira mais imprevisível, ora descia, ora subia, às vezes tão íngreme que era necessário escalar de quatro. O pelotão, arriscando cair a todo momento no abismo sem fundo, caminhava lentamente em direção ao objetivo pretendido.

    Rufus acompanhava o guia, lembrando-se constantemente de Júpiter, Marte e outros deuses, prometendo lhes trazer presentes generosos caso retornassem em segurança. Além disso, seus pensamentos involuntariamente voltaram-se ao perpetrador daquela perigosa expedição: o comandante da décima quarta legião, Cassius Lontus. Mentalmente, Rufus lançava todos os tipos de maldições.

    Rufus olhou para os companheiros, marchando vagarosamente pelo caminho montanhoso, resignado com o fato de que qualquer um deles poderia cair naquele abismo.

    — Ó Grande Júpiter, onde é que está esse maldito templo?! — Rufus implorou, perdendo as forças depois de um longo período de caminhada que já durava três dias.

    As mulas, compradas em uma aldeia na planície, tiveram que ir embora quase que imediatamente, dois dias atrás, protegidas por duas pessoas. Em um caminho como esse, um animal carregado não consegue passar, exceto se for um carneiro da montanha, e mesmo assim teria dificuldade. Depois de um dia caminhando a pé, Rufus sentiu-se quase como esse animal, arrastando-se pelo caminho, por medo de tropeçar, não podendo dar nem um passo em falso. E eis que o passo em falso já havia sido dado: pouco antes, uma pessoa caiu no abismo e ninguém teve tempo de lhe estender a mão.

    Rufus, sentindo o astral do pelotão, rugiu:

    — Avante! Nós vamos encontrar o templo, ou eu não me chamo Rufus Plinius! Ou vocês se esqueceram da recompensa que espera por vocês em Roma?

    Todos lembravam-se muito bem dos mil sestércios[i]que haviam sido prometidos a cada um dos que retornasse com um achado, e para os quais, na verdade, já estavam até equipados com a roupa apropriada. As pessoas começaram a se mexer e a caminhar lentamente. Todos eles são guardas da coorte pretoriana[ii], cada um tendo participado de muitas batalhas e campanhas. As loricas hamatas[iii] dos romanos escondiam numerosas cicatrizes que poderiam eloquentemente revelar seus passados.

    E então do pelotão sobreviveram só três guardas, sem contar o guia. Rufus olhou em volta e fixou os olhos nos veteranos experientes, que normalmente não eram guiados pelo medo no campo de batalha. Mas ali era diferente...

    O legionário mais uma vez lembrou-se de Cassius Lontus e, com raiva, pensou: Neste momento deve estar sentado, suponho, nas galerias de sua casa às margens do Rio Tibre, à sombra... e bebendo vinho de uva! Tomara que se afogue nele!. Rufus lambeu os lábios ressecados de ansiedade e tensão, abriu seu frasco de água e bebeu um pouco. Sabe-se lá quanto ainda falta, esse mapa de Cassius não é lá muito preciso!

    Se não fosse por dois mil sestércios... — soma que de fato fora prometida a Rufus, enquanto líder do pelotão — eu nunca teria vindo a esta região esquecida por Júpiter! — ele pensou, lentamente dando um passo ao longo do caminho da montanha, e tentando se distrair, evitar pensamentos negativos e opressivos: Cassius realmente não sabia o que era essa coisa mágica? E será que ela de fato é mágica? O mapa que ele me deu é só um desenho, um rabisco. Como posso confiar nisso?

    Rufus lembrou-se de como ele, pessoalmente, recrutou um esquadrão de seis pessoas, contrariando o centurião Flavius, mas jamais foi contra uma ordem de Cassius! E aqui estão eles, tentados pelos sestércios prometidos: rastejando nas montanhas de não-sei-onde! E o mais importante, não se sabe o porquê...

    ***

    Quatro meses atrás, Cassius Lontus convocou Rufus. O legado confiou em Rufus, e juntos lutaram desde o tempo em que Cassius era um centurião. Mas, pela vontade do destino — e, talvez, a vontade dos deuses — Rufus salvou a vida de seu centurião, e assim imbuiu-se da confiança e gratidão do jovem guerreiro. A partir desse momento, a sorte começou a sorrir para o jovem legionário.

    Portanto, Cassius não tinha outro candidato além de Rufus para realizar uma missão tão perigosa e secreta quanto aquela. Quando o legionário veio ao encontro de Cassius, este estava tendo uma conversa animada com um certo homem de cabelos grisalhos. Rufus o reconheceu, era o senador Marcus Egnatius. Quando o legionário apareceu, os interlocutores ficaram em silêncio. Egnatius olhou para Rufus como se tentasse penetrar em seus pensamentos mais íntimos. O senador então assentiu com aprovação para Lontus e, com um grande gesto, convidou Rufus a sentar-se nos travesseiros dispostos à volta de uma pequena mesa, coberta de todo tipo de comida, e a participar amigavelmente da refeição.

    Depois de abundantes libações e de uma conversa agradável, Cassius finalmente revelou a Rufus a razão daquele convite. De uma longa história nebulosa, Rufus entendeu apenas uma coisa: o senador tem um certo mapa antigo no qual está indicado o caminho para uma igreja em um local de grande altitude dedicada à divindade Baphomet*. Os monges do templo veneravam a estátua da divindade, na qual o espírito original de Baphomet por vezes se alojava. A tarefa diante de Rufus ficou extremamente clara e à primeira vista era simples: pegar a estátua e trazê-la para Roma. O que a estátua era, porque o senador precisava dela e qual era o seu legado, nada disso foi dito; e Rufus, como um velho soldado, costumava não fazer perguntas desnecessárias ou indiscretas.

    ***

    Finalmente, no quarto dia de peregrinação pelas trilhas da montanha, diante dos olhos de Rufus surgiu uma superfície plana da montanha, como uma plataforma, sobre a qual erguia-se um templo de pedra construído há muitos séculos pelas mãos de monges. Diante de sua entrada havia uma enorme estátua de pedra, representando uma divindade de quatro braços, provavelmente Baphomet.

    Rufus pegou o mapa, averiguando o desenho: o lugar parecia coincidir: ali estava desenhado um homenzinho de quatro braços. Parece que chegamos ao lugar certo! — o legionário olhou em volta, com a intenção de esclarecer alguns detalhes com o guia, mas ele havia desaparecido sem deixar vestígios.

    Rufus ficou perplexo: o guia estava parado ali agora mesmo. Aonde ele poderia ter ido?

    O legionário ordenou que seus homens se escondessem atrás das pedras e ficassem agachados. O próprio Rufus tomou uma posição favorável para vigiar o templo. Uma tarefa difícil precisava ser feita: como tomar de assalto o templo com tão poucos soldados? Seria necessário calcular corretamente as suas forças e pensar numa boa estratégia.

    O legionário via claramente a entrada do templo, apesar do sol que brilhava na sua lateral. Ele, assim como os guardas, estava exausto e só conseguia pensar em descansar, mas suprimia com todas as forças o desejo de se aconchegar ali mesmo nas rochas e adormecer. Os monges entravam e saíam do templo. Para Rufus, todos pareciam ser a mesma pessoa, por causa das monótonas roupas cor de laranja e das cabeças raspadas. Finalmente, ao anoitecer, o legionário já havia aprendido a distinguir entre os monges e determinou seu número aproximado.

    Estava ficando escuro... o sol saía para descansar, acariciando preguiçosamente os picos nevados com seus últimos raios, enquanto Rufus chegava à conclusão: há seis ou sete monges no templo.

    Os guardas estavam esgotados da longa caminhada pelas trilhas na montanha, e esse breve descanso não foi suficiente para restaurar suas forças. Mas eles lembraram que em Roma havia uma recompensa esperando por eles, e era considerável, pois cada um deveria receber alguns milhares de sestércios.

    Finalmente, o pelotão invadiu o templo enquanto os monges — vestidos com suas roupas laranjas brilhantes e sentados no chão de mãos dadas — praticavam meditação. Eles nem sequer tiveram tempo de sair do transe quando os afiadíssimos gládios[iv] dos soldados romanos os decapitaram. O massacre terminou num instante: no meio do templo jaziam seis corpos decapitados. Rufus respirou fundo, limpando a espada na roupa de uma das vítimas. Nesse exato momento, ele percebeu: o objetivo havia sido alcançado, a missão acabou! Mas... quão terrivelmente errado ele estava.

    Rufus olhou à sua volta. Ali estava a cobiçada estátua de Baphomet. Ela repousava sobre um pedestal de pedra, cercada por velas acesas, formando um pentagrama mágico. Os rubis nos olhos de Baphomet brilharam misteriosamente. Rufus entrou no círculo mágico e com as duas mãos agarrou a estátua. Era bastante leve e mais provavelmente se assemelhava a uma estatueta simples de três palmos[v] de altura. O legionário pegou sua bolsa de couro e empurrou a figura da divindade para dentro dela.

    Rufus ordenou que todo o templo fosse revistado: nenhum dos monges poderia permanecer vivo. Os soldados, exaustos, obedeceram à ordem do comandante. Estavam no limite de suas forças e sonhavam com uma única coisa: deitar e dormir.

    — Vamos descansar até o amanhecer! — ordenou Rufus e depois acrescentou: — amanhã retomaremos o caminho de volta! Não é seguro ir pelas trilhas da montanha, temos que ser extremamente cautelosos e não temos ninguém com quem contar: deixamos o guia escapar.

    Mas a notícia da fuga do guia não impressionou os soldados. Eles fecharam o portão de madeira com uma poderosa tranca e pela noite acomodaram-se ao lado dos cadáveres decapitados.

    Rufus adormeceu, e Baphomet apareceu em seu sonho. Ele movia suas numerosas mãos como uma aranha, empunhando em cada uma delas uma espada. Seu rosto era azul, seus olhos de rubi vermelho-sangue brilhavam ameaçadoramente, e sua boca emitia sons horripilantes.

    Rufus acordou subitamente. Sentou-se e olhou em volta. Ele não conseguia acreditar no que estava diante de seus olhos: os soldados romanos da guarda de Cassius Lontus estavam todos decapitados ao lado dos monges. Rufus ficou aturdido de horror, ele, um destemido guerreiro, que já lutava há dez anos, se sentiu atingido por um medo animalesco.

    De repente, os portões da igreja rangeram e abriram-se sozinhos, não havia ninguém ali que pudesse tê-los aberto. Rufus, tomado de medo, pegou sua sacola de viagem e, jogando-a nas costas, saiu às pressas daquele lugar sinistro.

    Sobre as montanhas, um amanhecer rosa pálido despontava. Rufus, atormentado pelo medo, sem mais medo de tropeçar e cair no abismo, fugia com todas as suas forças, rastejando, arrastando-se pelos caminhos da montanha. Ele comeu enquanto corria, retirando os restos de carne seca da sacola e bebendo água de um cantil de couro, o qual fora reabastecido algumas vezes em fontes nas montanhas.

    O guerreiro permanecia com a sensação de que estava sendo perseguido por alguém, e esse alguém... era o espírito do próprio Baphomet. Rufus percebeu que era impotente contra o espírito, e que, se o mesmo bem quisesse, só por diversão, poderia jogá-lo do abismo. Mas Baphomet tinha outro destino planejado para o legionário...

    ***

    Finalmente, Rufus chegou ao sopé das montanhas, onde, segundo seus cálculos, foram deixadas as mulas sob a supervisão de dois legionários e guias. Porém, estranhamente, não havia nenhum guia ou legionário no local combinado. Rufus decidiu que não tinha tempo a perder preocupando-se com tão pouco e desceu rapidamente para o vale: até o assentamento mais próximo eram cerca de cinco léguas[vi], não menos. Ele, enquanto soldado treinado, que passou os últimos dez anos em campanhas intermináveis, completou essa distância ao meio-dia. Tendo passado pela pequena aldeia de Arbil e enchido seu cantil com água, Rufus continuou seu caminho.

    À noite, exausto e faminto, chegou a Mossul, às margens do Tigre. Avistando o rio, Rufus correu com suas últimas forças e, sem remover sua cota de malha, suas sandálias nem seu bálteo[vii], mergulhou com prazer naquele poço revitalizante. O corpo, lavado pela água fria, pois o Tigre nasce nas montanhas locais, experimentou a felicidade: uma sensação esquecida pelo legionário havia três meses, desde que saíra de Roma e atravessara terras estranhas e inexploradas em busca do templo.

    De repente, Rufus foi agarrado pelos pés e puxado abruptamente para o fundo. O legionário, sufocando, chutava, tentando nocautear o inimigo, o qual insidiosamente continuava a subir e a agarrar sua perna. Enfim seus olhos ficaram nublados, os pulmões cheios de água...

    ***

    Rufus voltou a si. Baphomet estava diante dele, o par inferior de braços aracnídeos cruzados ao redor do peito. Ele sorria com predação, seus olhos brilhavam em diferentes tons de vermelho.

    — Você está morto em meu poder! E posso fazer com você o que eu quiser! — proferiu arrogantemente Baphomet.

    Rufus nunca tinha tido a oportunidade de falar diretamente com uma divindade, mas não ficou aturdido nem confuso:

    — Quem é você para me ameaçar?! Estou sob os auspícios de Júpiter! Você não significa nada na minha vida!

    — Sério mesmo? E quem te afogou? Você já está morto!

    — Como posso estar morto se estou falando com você?

    — É muito simples, você está no Nirvana. E eu posso fazer o que quiser com o seu espírito! O que é que você, infeliz mortal, sabe sobre os deuses? Seus deuses cairão em breve, apenas a lembrança deles permanecerá. Eu sempre serei o mesmo enquanto o mundo existir!

    — É sério isso? — Rufus comentou sarcasticamente. — E quem é você?

    — Eu, Baphomet, sou o mestre das tentações. Se você quiser, posso torná-lo extraordinariamente rico! Especialmente já que você me libertou...

    — De graça? — o legionário ficou surpreso. — Os monges não te veneravam em um templo lá no alto da montanha?

    Baphomet riu alto.

    — Como você é idiota, mortal! Os monges me mantiveram preso com magia antiga. Agora estou livre! E tudo graças a você...

    Repentinamente, Rufus lembrou-se dos guardas decapitados.

    — Por que você matou meus homens?

    Os olhos de Baphomet estavam escarlate. O legionário pensou: mais um pouco e desses olhos vai sair sangue.

    — Não precisamos deles... — Baphomet respondeu. — Vou recompensar somente a você.

    — Mas como...? — Rufus perguntou cautelosamente, temendo um truque sujo.

    — Muito simples: há uma estatueta minha dentro da sua sacola de viagem. Encha com seu próprio sangue a taça que essa estatueta segura na mão, e então me chame e peça o que quiser!

    — Certo, estou pronto!

    Num piscar de olhos, Rufus estava sentado na margem do Tigre. O sol, a pino, ardia impiedosamente. O legionário levantou-se e afastou-se do rio. Mas, depois de dar alguns passos, ouviu uma voz:

    — Lembre-se, você só precisa encher a taça com sangue!

    Rufus tirou a estatueta da sacola, depois sacou o gládio do cinto e cortou sua mão com a lâmina afiada. O sangue encheu a taça...

    — Eu quero ouro! Muito ouro! Baphomet, eu te invoco!

    O sangue na taça ficou quente e evaporou...

    ***

    Depois de dois dias de caminhada, Rufus, guiado por Baphomet, chegou à cidade de Tal Afar. Era uma aldeia singela, com dez casas de barro.

    Baphomet, voando pelo ar, disse:

    — Chegamos em nosso destino! Aqui!

    — Há uma infinidade de tesouros escondida aqui... neste buraco? — Rufus estava surpreso.

    — Sim, perto daqui tem um oásis esquecido com as ruínas de um antigo palácio, lembra os tempos da dinastia selêucida[viii]. Siga-me!

    Depois de um tempo, Rufus chegou a um oásis. Ele encheu seu cantil numa nascente quase imperceptível, ao lado da qual havia um antigo jarro de barro abandonado por alguém.

    — Encha o jarro com água, você vai precisar! — aconselhou Baphomet.

    Rufus obedientemente mergulhou o jarro em uma fonte relativamente rasa, enchendo-o com o líquido da vida.

    Baphomet mergulhou nas ruínas do palácio e pairou no centro de uma área plana, reminiscente de um pátio interno.

    — Aqui, embaixo de mim, está uma passagem secreta para o tesouro da dinastia selêucida! — Baphomet estendeu as mãos de aranha para Rufus. — Vá... e você ficará rico!

    — Como posso ter certeza de que você não está me enganando? — Rufus duvidou. — Por que eu deveria acreditar em você, o deus da tentação?

    — Você não tem outra escolha: ou você acredita, ou não.

    Rufus tirou a espada da bainha e energeticamente começou a cavar camada por camada. E então seu gládio chocou-se contra algo sólido: uma laje redonda que trancava a passagem. Limpando a superfície plana, Rufus viu desenhos de plantas e animais e, no centro, uma cavidade parecida com uma tigela.

    Com muita força, ele conseguiu empurrar a laje de pedra do lugar, e diante dele abriu-se uma passagem subterrânea que cheirava a mofo e umidade.

    O legionário desceu pela passagem estreita ao longo de uma escadaria de pedra, pegou uma tocha de resina que estava pendurada na parede e, tirando dois pedaços de pederneira da sacola que levava consigo, produziu uma faísca e acendeu a tocha.

    Diante dos olhos de Rufus apareceu o antigo tesouro. No chão havia baús cheios de ouro, prata, joias, cálices e peças caras. O soldado aproximou-se de um dos baús e pegou um punhado de moedas de ouro, depois passou para o seguinte, maravilhado com o fato de que as joias preciosas não haviam sido afetadas pelo tempo.

    Rufus encheu sua sacola de viagem com ouro, mas não levou nenhuma joia. — Eu não voltarei a Roma! Afinal, há tantos lugares interessantes no mundo, e nem todos pertencem ao império! — decidiu ele.

    Foi então que Rufus dirigiu-se a uma escada de pedra, iluminando com a tocha o caminho que, em seu entendimento, deveria levar para a saída. Mas sobre a sua cabeça havia apenas escuridão. Ninguém diria que ali, poucos minutos atrás, havia uma escadaria pela qual os raios do sol penetravam.

    Baphomet manteve sua promessa: Rufus agora tinha um tesouro incalculável, certamente o suficiente para o resto da vida. Ainda mais se levarmos em conta que o resto da vida de Rufus resumia-se a dois litros de água no cantil e um pouco mais... em uma velha jarra de barro!

    ***

    Quase mil anos depois, uma caravana de sete camelos aproximou-se das ruínas do palácio dos Selêucidas. Os moradores locais da cidade de Tal Afar eram tão pobres quanto mil anos atrás. Pouco havia mudado em suas vidas. As pedras que uma vez compunham as ruínas do palácio arrastaram-se em direção à aldeia, servindo de base para pequenas casas anexas.

    O homem de roupas brancas desceu do camelo obedientemente, ajoelhando-se. Seu exemplo foi seguido pelos outros que chegaram com ele. O homem que conduzia a caravana atravessou as ruínas, voltou para o seu camelo, tirou um pergaminho de um alforje e, desenrolando-o, correu rapidamente os olhos por ele e depois falou, em árabe:

    — Aqui! Tudo certo! Vamos começar!

    Os caçadores de tesouros vislumbraram um corredor forrado de baús abertos. Todos correram aos baús na esperança de ver o que conseguiram em troca de uma jornada tão longa e cansativa, mas, infelizmente, ficaram desapontados : estavam vazios!

    Um dos caçadores de tesouros notou o esqueleto de um homem. Em seus restos preservados estava a cota de malha romana e as sandálias de couro, quase intocadas. Os dedos ossudos ainda apertavam a espada e, ao lado dele, jazia um cantil de couro, assim como fragmentos de um jarro de barro quebrado e uma sacola de viagem meio deteriorada. De dentro dessa bolsa via-se a cabeça de uma estatueta com olhos vermelhos de rubi.

    Capítulo 1

    1101 d.C., Paflagônia*[1]

    Raimundo IV de Toulouse* estava ao lado da tenda de campo rodeado de seu séquito e observava o lago Tuz, que aparecia no horizonte. O sol quente queimava seu rosto, seus lábios estavam rachados, sua garganta estava seca, seu cabelo estava duro com o suor e grudava em seu corpo.

    Já havia duas semanas que os sarracenos* vinham perseguindo de perto os cruzados, fazendo incursões constantes: as forças dos cavaleiros estavam se esvaindo rapidamente. O caminho deles estava repleto de cadáveres de cavalos caídos no percurso. Os cruzados se permitiam beber o sangue de um animal moribundo... antes que a sede os levasse à insanidade. Eles então continuaram sua jornada a pé.

    Raimundo IV estava perplexo: Por que o vizir de Chikmay não declara guerra abertamente de uma vez? Pois ele teria forças mais do que suficientes... e ao invés disso por que diabos prefere se contentar com pequenas escaramuças? — mas o conde não encontrava uma resposta. — Este aqui é um lago há muito esperado: agora será possível reabastecer as reservas de água. Infelizmente, não será possível descansar por muito tempo...

    Menos de uma hora depois, os cruzados chegaram ao lago Tuz. O soldados, enfraquecidos, apearam e correram para a água: não era seu primeiro dia sofrendo de sede, fome e calor insuportável.

    E, nossa, que horror! Os primeiros a lavarem o rosto e a tomarem um gole do líquido revigorante logo perceberam que a água não era adequada para se beber: era salgada!

    Então é por isso que o vizir nos levou exatamente nesta direção — deduziu Raimundo IV. — Ele não queria desperdiçar suas energias sabendo que todos nós morreríamos de sede.

    Raimundo juntou suas últimas forças e disse:

    — Meus irmãos! O vizir de Chikmay sabia disso e tinha razão: nós vamos todos morrer de desespero e de sede se continuarmos nas margens deste lago! Reúnam suas últimas forças, invoquem a ajuda do Senhor, pois ele não permitirá a morte de cruzados! Temos conosco relíquias sagradas: a lança encontrada em Antioquia* e a mão de Santo Ambrósio! Adiante temos Aksaray, famosa por sua riqueza e luxo. Chikmay nunca adivinhará que vamos nos mover tão rapidamente daqui. Que Deus nos ajude! Avante, para Aksaray!

    Os cavaleiros, exaustos, já quase perdendo a fé em Deus, estavam prontos para a morte nas estepes drenadas da Paflagônia, mas dirigiram-se mesmo assim a Aksaray.

    ***

    Os batedores relataram ao vizir que os cruzados haviam desaparecido repentinamente: não se sabe o que aconteceu.

    O vizir reclinou-se nas almofadas de sua tenda, que conferiam um frescor revigorante.

    — Tolos! Como assim não se sabe o que aconteceu?! — Chikmay pulou de sua confortável cama com raiva. — Como que vários milhares de cruzados evaporaram, sem deixar vestígios, feito água em um dia quente? Ordenarei a todos que cortem suas cabeças!

    Um dos assessores do vizir caiu de joelhos e disse humildemente, como convém a um servo fiel:

    — Ó, sábio dos sábios! Permita-me dizer uma coisa, mesmo sabendo que sou indigno de vossa atenção!

    Chikmay caminhou ao longo da tenda e, olhando asperamente para seu conselheiro ajoelhado, ordenou:

    — Diga! E seja o mais breve possível!

    — Nós somos vossos humildes servos, assim como de nosso Mestre Sultão Ahmad... e vós podeis a qualquer momento nos executar ou perdoar...

    — Eu já disse: seja breve! — Chikmay já estava perdendo a paciência.

    — Acredito que os cruzados tenham se deslocado para Aksaray, senhor! E todos sabem que a cidade é rica e famosa em toda Paflagônia por suas pedras preciosas. Mas, infelizmente, é pouco protegida. Para os cruzados, não será difícil sitiar e conquistar a cidade.

    — Ordenarei que todos sejam executados, se for o caso! Esses conselheiros só me causam consternação... aquele é um lugar vazio, indigno de atenção! — O vizir começou a ferver novamente.

    Mas o nobre, astuto, continuou:

    — Tudo está em vosso poder, meu senhor! Deixai que os incrédulos tomem Aksaray. Deixai-os sentir o gosto da vitória, pelo menos por um tempo. E então...

    — Pegaremos todos eles numa armadilha! — concluiu o vizir, satisfeito consigo mesmo.

    ***

    Remanescentes do exército dos cruzados encontravam-se nas muralhas de Aksaray. Raimundo IV examinou as paredes da cidade com um olhar de especialista, percebendo imediatamente todas as falhas na defesa. Na melhor das hipóteses, a tomada da cidade terminaria em questão de horas, mas, infelizmente, não naquele momento, pois os cruzados estavam exaustos do longo trajeto.

    Para evitar sacrifícios desnecessários, o conde de Toulouse decidiu convocar os chefes da cidade para uma negociação. E quando estes apareceram à sua frente, ele disse:

    — Eu, Conde Raimundo IV de Toulouse, líder do exército dos cruzados, sugiro a rendição da cidade. Em troca de obediência, prometo salvar a vida de seus habitantes. Caso contrário, a morte aguarda a todos vocês.

    Os conselheiros de Aksaray, depois de muito discutir, chegaram à conclusão de que a vida era melhor do que a morte: a final de contas, os tesouros de Aksaray eram tão grandes que inimigos podiam ser comprados. E seria nesse momento que o mais sábio dos vizires, Chikmay, chegaria com seus gloriosos guerreiros. O mais importante é ganhar tempo!

    Logo os portões da cidade abriram-se, e o chefe de Aksaray entregou com suas próprias mãos as chaves ao conde Raimundo.

    O conde ficou satisfeito, tendo finalmente conseguido o tão esperado saque após meio ano de fracassos contínuos: afinal, quase metade das suas tropas haviam sido perdidas.

    ***

    Conde Raimundo instalou-se na casa mais rica de Aksaray, desfrutando do conforto há muito esquecido.

    Deitado em almofadas de seda macias, segundo os costumes da Paflagônia, ele aceitou as oferendas da cidade recém-tomada. Contemplou com prazer as belas joias que glorificaram Aksaray em todo o Oriente.

    — Vossa Excelência, um desconhecido chegou aqui e está pedindo humildemente que você o receba. Se agora estivéssemos em Languedoc, eu diria que é um mago — relatou o senescal* a Raimundo.

    — Pois bem, deixem-no entrar! Não acredito em magos, mas estou muito curioso para conhecer esse homem.

    O homem, vestido com um manto, apareceu diante de Raimundo, sua cabeça coberta por um capuz, de modo que os soldados ao redor do conde não tiveram a oportunidade de ver seu rosto. Por alguma razão, Raimundo não se surpreendeu com sua aparência, mas, pelo contrário, o conde sentiu um interesse esmagador pelo estranho.

    O discurso do homem fluiu suave e lentamente, fascinando os ouvintes.

    — Radiante conde Raimundo — disse ele. — Quero lhe oferecer uma coisa preciosa como gesto de agradecimento, pois você cumpriu sua promessa e poupou a vida das pessoas da cidade. Muitos anos atrás, eu viajei pelos países do Oriente, vi muitas maravilhas, incluindo coisas inexplicáveis que conheci. Em uma das cidades da Síria, comprei esta raridade — ele pegou um embrulho debaixo de um manto negro e desdobrou-o.

    Uma estatueta antiga, artesanal, foi apresentada a Raimundo e seu séquito.

    — Olhe, ela não é linda? — continuou o estranho.

    — Um artefato oriental interessante, de fato — concordou o conde.

    — Esta não é apenas uma estatueta, meu brilhante cavalheiro. Este é Baphomet... segundo a lenda antiga, ele era filho da bela Naina, que seduziu Enlil, o deus supremo da terra, da fertilidade e do ar. Baphomet cresceu insidioso, vicioso e cruel. Como punição, os deuses o transformaram em uma pequena estatueta. Mas o deus Enlil teve pena de seu filho e deixou-lhe algum poder mágico. Diz a lenda que Baphomet pode satisfazer qualquer desejo de seu proprietário, mas a verdade é que você tem que pagar um preço muito alto por isso — disse o estranho, curvando-se.

    Baphomet segurava com seus quatro braços um pequeno tablete salpicado de distintivos misteriosos, os olhos de rubi brilhando de forma fascinante.

    — Em um pergaminho, na mão do ídolo, havia feitiços mágicos traduzidos, retratados numa tábua — continuou o estranho, entregando a estatueta ao senescal, que a entregou ao conde de Toulouse.

    — Um deus! — disse Raimundo com interesse, analisando cuidadosamente a incomum estatueta de quatro braços. Na última cruzada, sua fé no Senhor foi abalada, assim como a de muitos cruzados vindos de Languedoc, e por isso aderiu aos ensinamentos dos cátaros, mas ainda não estava pronto para acreditar em um ídolo oriental qualquer.

    — Talvez eu possa vender essa estatueta de olhos de rubi por uns trezentos ou quatrocentos dobrões. Leve-a ao meu tesouro — ordenou Raimundo de Toulouse.

    Enquanto o conde e seu séquito admiravam a estatueta, o misterioso visitante desapareceu.

    ***

    1204, Languedoc*: château de Montségur, residência dos Toulouse

    O chevalier* Clermont de Montségur tinha quinze anos. A vida no castelo de Montségur, uma das residências do Conde Raimundo VI de Toulouse, era monótona. O único entretenimento de jovens como Clermont — que, sem dúvida, tinham uma mente inquiridora — era a leitura. Ele releu todos os fólios que pertenciam a seu irmão mais velho. Mas o conde Raimundo VI de Toulouse não era nenhum fã de literatura ou de filosofia e mantinha apenas uma pequena biblioteca, como exigiam seu status e origem.

    Desde sua infância, Clermont ouvia histórias de seu irmão mais velho Raimundo VI e de sua esposa Beatriz a respeito de seu glorioso ancestral Raimundo IV, que havia participado da primeira cruzada. O rapaz sabia muito bem que os baús do bisavô estavam guardados no sótão do castelo. E em um daqueles dias frios de fevereiro, quando Clermont não tinha mais um único livro não lido na biblioteca de Raimundo VI, ele decidiu subir ao sótão para desvendar os baús do lendário ancestral: e se tivessem algo de interessante, como antigos fólios ou notas de viagens?

    Ao

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