Antes de Sonhar: Há privilégios que só existem para as pessoas que não desistiram no primeiro final
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O leitor irá se deparar com situações cômicas e, ainda, dramáticas pelas quais Arthur, que poderia ser qualquer um de nós, irá passar ao longo da narrativa. Antes de sonhar é um convite àqueles sonhadores e românticos inveterados a confrontarem-se diante do espelho e libertarem-se de suas prisões.
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Antes de Sonhar - João Paulo Fernandes
Raquel
Capítulo um - Reflexo
– Ei, calma. Eu vou dar a você tudo o que quer, mas antes eu preciso mesmo saber se você é real. - Disse Arthur, ainda com a cabeça tapada pelos travesseiros da cama e coberto pelo edredom.
– Eu sou tão real quanto seus planos não realizados, ora! – Ouviu, vindo de dentro da gaveta da cômoda.
Era uma noite de quarta-feira. O tempo estava nublado e o dia não havia sido um dos melhores. Mas não era novidade, dava-se para contar nos dedos os bons dias daquele ano. Arthur havia prometido para si mesmo que seriam tempos diferentes. O chamado: ano da mudança.
– Não vai me tirar daqui? – Ouve de novo.
– Só posso ter ficado louco de vez! – Pensa. Descobrindo a cabeça em meio aquele forte de roupas de cama, sentou-se e cruzou as pernas enquanto olhava atentamente para a cômoda, iluminada apenas pelo abajur e pelo reflexo da cortina sob a janela, que ofuscava o brilho da lua crescente, naquela noite.
Com movimentos lerdos e pouco significativos, ele levou a mão até a maçaneta da gaveta e a abriu devagar. Dentro havia a caixa de um celular antigo, algumas anotações de beira de cama, uma foto surrada com o verso para cima e um espelho pequeno que refletia parte do teto e seus olhos curiosos.
– Agora eu tenho certeza! Estou mesmo pirado! – Conversava sozinho, prestes a fechar gaveta.
– Não, não está. Vamos, me coloque para fora daqui! Não quero acabar sozinho também. – Disse o espelho.
– É mesmo real? – Pergunta outra vez, enquanto volta a puxar a maçaneta. Como se contos de fadas terminassem mesmo em finais felizes.
Com feição de espanto e dúvida sobre a própria realidade, Arthur o pega e o coloca face a face consigo.
– Quem é você? – Indagou.
– Eu sou você. – Respondeu sem dúvida alguma.
Arthur colocou o espelho sob a cama, deu três esfregadas nos olhos e voltou a pegá-lo, colocando diante de si novamente.
– Como assim: você sou eu? – Pergunta outra vez, de pouca fé.
– Ora, não consegues ver? Tenho os mesmos olhos castanhos que tu, a mesma cor, idem cabelo negro e uma espinha da mesma maneira que a tua. Eu não poderia ser outra pessoa que não fosse você. – Disse o espelho.
E continuou:
– Eu sou o reflexo da sua existência, suas palavras nunca ditas e a coragem que nunca teve. Sou sua angústia e felicidade, o brilho dos seus olhos que, diferente do que dizem, ainda existe em nós. Talvez eu seja até o amor, o nosso amor, o próprio amor. Deixou-me por tanto tempo guardado enquanto criava subterfúgios para não me encontrar, que se privou da melhor companhia que poderia ter: a sua mesma.
– O que exatamente quer de mim? – Pergunta receoso.
– Eu quero conhecer-te. – Respondeu.
– Mas não sou eu? O que mais quer saber? – Retruca.
– Sabe mesmo quem é você? – Diz, refletindo sua superfície.
– Não, eu não sei.
– Ah, um homem que não conhece a si mesmo é indigno de finais felizes. Mas nunca é tarde para viver uma bela história! – Afirma o espelho.
– Belos livros não começam com páginas preenchidas. Você só precisa...
– Eu aceito. – Diz Arthur, de forma interrupta.
– Mas como eu vou fazer isto?
– Que tal começar com um capítulo de amor?
A campainha toca. Era Nicole, sua vizinha.
– Poderia me dar um pouco de açúcar? A minha acabou.
– Claro, entre! – Respondeu.
Capítulo dois – A vizinha do pote de açúcar
Nicole é uma menina simples e apaixonada em coisas simples. Pra ela, não existe um porquê para a beleza, ela simplesmente é. Não há motivos para o céu ser azul, mas isso não faz dele menos magnífico. Até as nuvens, que são vazias e sem forma, tem seu ar de significância para seus lindos e brilhantes olhos castanhos.
– Sente-se, fique à vontade. – Convidou-lhe, enquanto caminhava para a cozinha.
– Não repare na bagunça, completou.
– Eu já reparei. Mas é até ajeitada para um rapaz que vive sozinho em um apartamento deste tamanho.
– Eu também pensava estar sozinho. – Cochichou com o espelho em mãos.
– Disse alguma coisa? – Perguntou a vizinha.
– Não! Só conversando comigo mesmo. – Com tom de voz mais forte, já na porta da cozinha.
– Eu entendo bem, também vivo fazendo isso quando estou só. – Ela responde, reparando nos quadros da sala.
– Vai por mim, você não entende bem. – Sussurrou para si.
Chegando à cozinha, uma grande surpresa: tudo estava fora do lugar, quase que dos lados avessos. Era como se a gaveta de talheres estivessem em guerra com as porcelanas do armário, que ficava sobre o fogão, e o balcão tivera sido o campo de batalha. E o pior, não havia nem paradeiro do culpado de todo aquele fuzuê. Há dias não ia uma alma viva naquele apartamento. Ah! E o pote de açúcar? Bem... completamente vazio.
– Psiu, espelho! – Diz encarando-o.
– Ei, coisa! Você está aí? – O balançava com insistência. Mas nada aconteceu.
– Está tudo bem aí? Perguntou-lhe a moça, enquanto se aproximava da cozinha.
– Sim, está tudo bem! – Gritou de lá, na esperança de que ela não continuasse naqueles passos apressados para a cozinha.
– Se você não tiver açúcar, eu posso perguntar para o vizinho dos 504. Meu namorado está me esperando e eu não posso passar tanto tempo em seu apartamento, podem surgir boatos negativos sobre mim e é o que eu menos preciso agora.
– O seu namorado? – Completamente frustrado, enquanto segurava o pote de açúcar em mãos.
– Sim, o meu namorado.
– Você sempre guarda um pacote reserva na dispensa, pegue-o