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Teologia contemporânea
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Teologia contemporânea

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"Teologia Contemporânea" é uma exposição didática, completa e compacta sobre os mais importantes aspectos e linhas de pensamento da teologia protestante contemporânea, uma ferramenta essencial a todos os interessados em conhecer seus principais aspectos doutrinários e correntes teológicas. Um recurso valioso para estudiosos e leigos, não sendo, no entanto, um tratado exaustivo sobre o tema.
LanguagePortuguês
Release dateJan 2, 2004
ISBN9788577421404
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    Teologia contemporânea - Willian E. Hordern

    www.hagnos.com.br

    ÍNDICE

    Reconhecimento

    Prefácio à Edição Revista

    Introdução

    CAPÍTULO I – O Crescimento da Ortodoxia

    CAPÍTULO II – Ameaça contra a Ortodoxia

    CAPÍTULO III – Fundamentalismo ou Cristianismo Conservador:

         A Defesa da Ortodoxia

    CAPÍTULO IV – Liberalismo: Reconstituição da Ortodoxia

    CAPÍTULO V – Neo-Ortodoxia: A Redescoberta da Ortodoxia

        Sören Kierkegaard

        Emil Brunner

    CAPÍTULO VI – Karl Barth

    CAPÍTULO VII – Neo-Ortodoxia Americana: Reinhold Niebuhr

    CAPÍTULO VIII – A Fronteira entre o Liberalismo e a Neo-Ortodoxia:

         Paul Tillich

    CAPÍTULO IX – Rudolf Bultmann: Conservador Radical

    CAPÍTULO X – Dietrich Bonhoeffer e o Cristianismo Secular

    CAPÍTULO XI – Tendências Teológicas Atuais

    Conclusão

    Sugestões para Leituras Complementares

    RECONHECIMENTO

    Em um livro desta natureza, é impossível que se consiga expressar conveniente reconhecimento a propósito de todas as fontes utilizadas. Pelo próprio fato de que meu propósito é só o de tentar uma interpretação da teologia visando aos crentes em geral, e não aos leitores preocupados com os aspectos técnicos da matéria, parece-me que um grande número de notas de rodapé seria desinteressante. A secção intitulada Sugestões para Leituras Complementares não é, propriamente, uma bibliografia completa concernente às fontes que pude utilizar. É apenas uma compilação de obras que, em meu entender, podem interessar ao crente estudioso. Sinto-me devedor, entretanto, para com bom número de autores, cujos nomes dariam lista muito grande para constar aqui.

    Uma palavra de gratidão especial tenho de dirigir a William Hubben, editor de Friends Intelligencer. Em princípios de 1953, ele me solicitou que escrevesse uma série de artigos a respeito dos teólogos modernos. O esforço que fiz para atender à solicitação veio a ser fator importante, que resultou em minha decisão de escrever um livro relacionado com o assunto, de modo que muitas páginas deste livro apareceram nos vários artigos da série.

    Durante o outono de 1953, tive a oportunidade de proferir estudos nos quais fiz uso de boa porção do material em estudo, por ocasião de um Forum de Adultos realizado em conexão com reuniões promovidas pelos Amigos de Swarthmore. A maneira interessada e perspicaz como os participantes ali se comportaram me proporcionou valiosa ajuda, principalmente por fazer-me atento àqueles pontos a respeito dos quais eu não alcançara ainda muita clareza ou não tinha conseguido expor com a devida precisão.

    Sinto que é de meu dever estender minha gratidão ao Board of Managers da Universidade de Swarthmore, pela licença que me concedera e que possibilitou a publicação deste livro.

    Por último, mas nem por isso de menor importância, tenho de externar minha gratidão aos alunos. Por cinco anos que me têm sido dado que lecione na referida Universidade em Swarthmore, cheguei a compreender suficientemente como fazer exposição de problemas teológicos de modo a atender às expectativas de um público constituído de crentes profundamente interessados, portadores de senso crítico.

    W.E.H.

    PREFÁCIO À EDIÇÃO REVISTA

    Quando apareceu a primeira edição deste livro em 1955, eu estava sentindo que era grande a necessidade de que surgisse uma obra que servisse de introdução, para que os crentes interessados tomassem conhecimento das discussões teológicas contemporâneas. A receptividade manifestada para com o livro deixou claro que não eram poucos os crentes que participavam daquele meu sentimento. Ficou evidente que os crentes em geral estão dispostos a se informar sobre os debates teológicos.

    Muito contrariamente ao que se pensa entre os leigos, a teologia não é um assunto estático de modo nenhum. Os teólogos se sentem forçados a fazer contínuos relacionamentos da fé cristã com o mundo em mudança no qual vivemos. Como resultado, tornou-se evidente, durante certo tempo, que aquela edição original de A Layman’s Guide To Protestant Theology já estava defasada. Ao procurar, entretanto, enpreender a necessária revisão da obra, tive a real impressão das dificuldades que tinha de enfrentar. Como é que alguém poderá fazer justiça a todos os vários desenvolvimentos verificados no campo da teologia desde o aparecimento deste livro? Ao lançar aquela primeira edição não me faltava a compreensão exata de que eu estava exposto a muita crítica, pelo fato de não ter tomado em consideração alguns dos pensadores entre os teólogos. A verdade, porém, é que num livro deste porte não é possível tratar de todas as correntes teológicas importantes. Mesmo que esta edição revista seja mais volumosa do que a original, ela é, não obstante, criticável, pois multiplicaram-se as tendências teológicas em nossos dias. Em virtude disso, o leitor já é logo avisado que este livro não é, de modo nenhum, uma introdução completa à teologia contemporânea. Caso a obra venha a atender a suas finalidades, no sentido de proporcionar incentivo aos crentes interessados neste gênero de literatura, então eles poderão prosseguir lendo em outras fontes, e, assim, preencherão as lacunas deixadas pela leitura desta obra.

    W. E. H.

    INTRODUÇÃO

    Opresente livro surge para corresponder à convicção que tenho de que há uma necessidade real no sentido de que os crentes em geral, no seio do Protestantismo, sejam levados a pensarem de modo mais criativo a propósito de assuntos ligados à teologia. Entretanto, cabe a pergunta: Onde é que o crente deve começar nesse esforço de reflexão? Caso lhe ocorra pegar um livro qualquer de teologia, certamente ele se sentirá perdido em face dos termos cuja significação não lhe é familiar. A teologia se lhe torna, assim, tão inacessível quanto o é, por exemplo, algum dos tratados sobre a relatividade escritos por Einstein. Como outras ciências, também a teologia tem cunhado uma terminologia técnica, seu próprio jargão. O que o presente livro visa a fazer é introduzir o crente estudioso nesse campo do pensamento humano, mediante o emprego de termos que lhe sejam familiares. Temos de fazer uso de alguns termos técnicos, sem dúvida, mas, ao fazê-lo, vamos tentar defini-los.

    Em primeiro lugar, será melhor dizer por que se deve admitir que a teologia é uma coisa necessária. Não é essa uma noção que pareça intuitiva, nem mesmo aos crentes mais curiosos. J. P. Williams referiu-se a certo ministro evangélico, que teria dito o seguinte: Gosto muito de flores, mas odeio a botânica; da mesma forma, gosto muito de religião, mas odeio a teologia. Trata-se de uma atitude bem generalizada que, não raro, tem suas bases em argumentos plausíveis. Porque, a verdade é que a teologia pode parecer algo insípido e, até mesmo, destituído de cristianismo. Não obstante, a resposta para o problema de uma teologia empobrecida deve ser, propriamente, teologia melhor, e não a rejeição da teologia. Podemos perceber o quanto isso é verdade se fizermos a fazer uma análise do que a teologia realmente é.

    Teologia é palavra que procede do grego: Theos, que significa, Deus, e logos, que significa tratado ou pensamento lógico. Dai se depreende que Teologia é tratado ou desenvolvimento bem ordenado do pensamento que se possa obter a respeito de Deus. A palavra Deus não pode ser definida de forma exaustiva, mas é normalmente empregada para representar o que quer que se creia como sendo o fato Último, a Fonte da qual tudo o mais teria provindo, o Valor supremo ou a origem de todos os valores da existência. Deus vem a ser o ente admitido como sendo digno de constituir-se no alvo e no propósito da vida. À luz de tais considerações, torna-se evidente que ninguém poderá passar sua existência sem a adoção de alguma forma de teologia.

    Com freqüência, alguém diz assim: Por que preocupar-se com assuntos de teologia? Os teólogos passam o tempo inutilmente discutindo questões sem qualquer importância... Passemos a um exame dessa maneira de pensar. Por que será que os problemas citados são considerados sem importância? É claro que quem faz semelhante objeção tem em mente algum conceito do que se deva admitir como sendo de mais alto valor, em comparação com o que ele se acha na condição de asseverar que os argumentos dos teólogos lhe parecem destituídos de importância. Isso quer dizer que tal pessoa encontra-se em determinada posição teológica, tem uma opinião com referência à natureza de Deus, conceitos, portanto, que o levam a proclamar como sem importância os argumentos enunciados pelos teólogos. De modo que, mesmo um ataque assim, endereçado contra a teologia, não passa de uma investida de natureza teológica.

    Freqüentemente ouvimos pessoas dizendo que não é o que alguém crê e, sim, o que faz que tem importância. Trata-se de meia verdade, que, como acontece com as verdades apresentadas pela metade, chega a ser perigosa. É meia verdade porque, do ponto de vista cristão, o pensamento teológico não é nenhum fim em si mesmo. O cristianismo é doutrina que se propõe a ser vivida. Visa a resultar em ações. De forma que, se permanecer sempre como pensamento, torna-se algo até mesmo destituído de verdadeiro cristianismo e, portanto, fútil. Entretanto, acentue-se que se trata de meia verdade, pois, o que quer que o homem faça, tal comportamento estará em íntima correlação com o que pensa e com o que crê ser o sendo valor último da existência. Sempre que o chamado homem prático se encontra diante de situações que lhe forçam a decidir quanto à melhor maneira de proceder, sente ser portador de alguma idéia implícita quanto ao que constitui um alvo a ser alcançado em tal circunstância, ou que valores se lhe impõem como devendo ser assegurados mediante o encontro das soluções cabíveis. Além disso, ele não poderá deixar de revelar algum conceito quanto aos meios mais recomendáveis pelos quais os valores serão alcançados. Tudo isso não passa de teologia, implícita ou explicitamente.

    O refrão, Não é o que alguém pensa, mas, sim, o que faz que tem importância, parecia razoável quando a grande maioria dos indivíduos no âmbito de nossa cultura se encontrava sob uma escala de valores advinda do cristianismo. Atualmente, porém, vivemos num mundo no qual, precisamente, tal escala de valores se encontra, a cada momento, ameaçada e posta em dúvida. Os ideais de moralidade que pareciam evidentes aos antepassados tornaram-se problemáticos nos últimos dias. Tanto o Comunismo como o Nazismo reconhecem que não é fácil distinguir entre o que o homem pensa e o que faz. Como conseqüência, adotam uma tremenda propaganda, com o objetivo de mudar o conteúdo do pensamento dos indivíduos. Estão persuadidos de que, uma vez que consigam mudar os pensamentos relacionados com a natureza última das coisas e quanto aos valores, não haverá nenhuma dúvida de que terminarão por mudar as ações dos homens. A Teologia Cristã não é nada mais nem menos do que uma tentativa de mudar o pensamento dos homens de modo que passem a agir como cristãos de verdade.

    Pelo fato de que vivemos num tempo em que a significação última da existência é submetida a dúvidas, já não nos é possível ficar à margem das discussões. Há poucos anos atrás, os homens admitiam que podiam ignorar tais questões últimas, prosseguindo em seus afazeres animados pela intenção de contribuir para a melhora desejada do mundo. A educação, a ciência e a tecnologia teriam condições de encontrar saída para todos os grandes problemas da humanidade. Todavia, como Dr. N. M. Pusey, presidente da Universidade de Harvard, observou em seu famoso discurso proferido perante a Faculdade Teológica daquela Instituição, não é possível que alguém se alheie dos problemas relacionados com a natureza última das coisas, pretendendo que se trate de algo inexistente. Caso alguém insista em ignorar os problemas, verificará que aparecerão sob formas pervertidas e distorcidas, para exporem a sua insuficiência de raciocínio. A ênfase dada pelo Dr. Pusey é muito bem ilustrada pelas várias formas de totalitarismo que surgem quando os homens não podem enxergar mais nenhuma outra realidade última além do Estado ou da Classe Econômica a que pertençem.

    O esforço de pensar a respeito de Deus conduz-nos imediatamente ao trato de um grande numero de problemas correlatos no âmbito do que se designa por Teologia. Primeiramente, verifica-se a existência do problemas relacionado com a posição do homem diante de Deus, que é a Fonte Última de tudo quanto existe, nisso incluindo-se uma idéia sensata do que o homem admita como sendo o bem. Assim, vemo-nos forçados a estudar o conceito de Revelação, isto é, como será que o homem pode inteirar-se de como Deus é, propriamente? Será que Deus pode ser descoberto pelos métodos adotados para as descobertas de ordem científica? Ou será melhor admitir que Deus mesmo tenha de proporcionar-nos uma revelação de sua natureza? Caso se admita a última hipótese, como seria e onde se daria essa revelação?

    Tais perguntas conduzem-nos à necessidade de formularmos um conceito do que seja pecado. O pecado ocorre quando o homem se encontra em desarmonia com a Fonte de seu ser e quando trai seus valores supremos. É interessante observar que, mesmo quando se trata de um sistema ateu ostensivo, como se verifica no Comunismo, não se pode fugir ao problema do pecado. Por exemplo, sabe-se que aqueles que traem os valores tidos como supremos pelos partidários do Comunismo, na verdade, não são chamados pecadores, mas passam a ser apelidados de trotskistas, criaturas de Wall Street, belicistas, capitalistas imperialistas, e assim por diante.

    As preocupações com o pecado nos levam a questões relacionadas com a salvação. Salvação é experiência que ocorre quando uma pessoa, de alguma forma, consegue vencer a distância em que se encontra da Fonte de seu ser e quando retoma a lealdade para com os valores supremos. Como é que o homem pode alcançar a salvação? Como lhe será possível triunfar sobre o pecado? Por que será que o homem peca? Qual a razão por que o homem não consegue se conformar aos valores supremos? Será que ele cai naturalmente em situação pecaminosa? Pode o homem vencer o pecado e permanecer coerentemente fiel aos padrões que ele aceita como mais elevados por esforço pessoal ou será que é indispensável algum socorro de fora? Até mesmo aquele que diz que não é o que se crê, mas, sim, o que se faz que é relevante não poderá deixar de encontrar uma resposta, implícita ou explícita, para as perguntas assim formuladas, antes que se lhe torne possível agir em qualquer situação da vida.

    Outras perguntas subjazem às que foram feitas. Por exemplo, como é que o homem pode organizar-se mais convenientemente para a realização coletiva do bem? Isto é, que devemos entender por Igreja? Para onde será que as coisas nos estão conduzindo neste mundo? Qual será nosso destino final? Em que havemos de depositar nossa esperança? Será que a presente vida, a história do homem sobre o planeta, é a soma total das oportunidades que nos são concedidas para o conhecimento do Ente Supremo, ou será o caso de admitir-se uma existência e um reino além dos limites do presente no qual se consumarão os valores atualmente idealizados? Tais são as perguntas concernentes ao que os teólogos denominam Escatologia.

    Assim considerando-se, verifica-se a impossibilidade de fugir dos problemas de natureza teológica. Simplesmente, não dispomos de uma alternativa entre teologia e inexistência de teologia. A alternativa diante da qual nos encontramos é a seguinte: ou temos uma teologia bem sistematizada, isto é, uma teologia que tenha passado pelo crivo de uma crítica rigorosa, ou, então, temos uma teologia que não passe de conglomerado de conceitos, idéias preconcebidas e sentimentos tomados sem qualquer preocupação crítica. Uma das fraquezas do Protestantismo nos dias atuais reside no fato de que é limitado o número de crentes informados sobre o conteúdo do que crê e das razões por que crê. Trata-se de erro que os comunistas, por exemplo, geralmente não cometem. O Partido Comunista se empenha tremendamente na formação dos que se tornam filiados. Nenhuma religião admitida parcialmente poderá subsistir diante da disciplina agressiva do Comunismo. Entretanto, nunca devemos supor que a teologia seja necessária só por causa da ameaça do Comunismo. A ameaça representada Comunismo tão-somente ilustra um fato básico a respeito da vida.

    Os acontecimentos peculiares ao século vinte contribuem para um renascimento da teologia protestante. Os homens encontram-se mais uma vez empenhados em encontrar soluções que satisfaçam aos problemas últimos da existência e estão fazendo tentativas de fixar o sentido das soluções oferecidas pelo cristianismo. Espero que este ajude o leitor a se informar do que se passa nos domínios da teologia. Este livro não oferece uma imagem completa de tudo quanto se discute nas esferas teológicas; não passa de simples introdução. Ele poderá levar o leitor a interessar-se em fazer mais prolongadas leituras e, quem sabe, incentivá-lo a refletir com mais exatidão. Pode ser que o leitor não aceite nenhum dos pontos de vista teológicos que serão delineados; entretanto, o livro terá alcançado o fim a que se propõe caso ajude o leitor a formular seu próprio modo de encarar os problemas teológicos em face do panorama geral do pensamento moderno.

    Há muitas maneiras de conduzir o crente ao estudo da teologia moderna. Uma das maneiras mais acessíveis consistiria na discussão de certos tópicos, como o pecado, Deus, salvação, dando-se um resumo das várias interpretações existentes. Creio, porém, que um método assim poderá confundir mais do que esclarecer. A teologia tem de contar com um ponto de convergência das várias doutrinas. Ela tende à formulação de sistemas de pensamento nos quais as respostas encontradas para qualquer pergunta lancem luz sobre uma pergunta a seguir. Preferi, portanto, fazer apreciação da teologia moderna mediante o exame de várias escolas. Dessa forma, sinto-me em condições de ilustrar a maneira como cada um dos sistemas propostos se faz um todo orgânico.

    Ao mesmo tempo em que, eu creio, é esse o método mais desejável, não se pode negar que ele tem certas deficiências, e devemos ressaltá-las. Em primeiro lugar, como já alguém disse: todos os rótulos são pejorativos. Há sempre alguma injustiça em considerar alguém como partidário de uma escola de pensamento. Não raro, isso resulta em atribuir-lhe concepções que o próprio indivíduo, na verdade, rejeita. Usualmente, há alguma originalidade ou individualidade inconfundível em cada pessoa que pensa, e tal é o que se perde de vista quando ele é encaixado em uma determinada escola. Temos procurado destacar as diferenças individuais tanto quanto nos tenha sido possível fazê-lo. Entretanto, o leitor concordará em que esse é um ponto fraco do método adotado que nós não podemos vencer de todo. Num livro que pretende ser tão-somente uma introdução, esse é preço que se tem de pagar inevitavelmente.

    Uma segunda dificuldade consiste no fato de sermos continuamente tentados a exagerar as diferenças dos vários pontos de vista existentes, de modo que nem sempre pontos de contato podem ser evidenciados. Procuramos fazer com que a posição defendida por certa escola fique bem destacada de posição defendida por uma outra. Além disso, o relacionamento de todos os pontos comuns levaria a uma repetitividade bem desagradável. Insista-se, portanto, nisso, que o leitor não deve perder de vista essa limitação do método.

    Uma terceira dificuldade reside em que, caso nos limitemos a estudar a teologia em termos das escolas contemporâneas, chegaremos à conclusão de que há certos pensadores de renome que são referidos muito de passagem e outros que até são ignorados. O problema de saber qual o teólogo que deve ser tomado como representante da escola a que esteja filiado é, na verdade, assunto que depende do julgamento de cada um. Não posso ter certeza de que todos concordem com os critérios que adoto.

    Posto que nosso propósito é introduzir o leitor ao estudo dos desenvolvimentos modernos da teologia, temos de começar pela história. Os problemas que se nos apresentam atualmente não surgiram de repente, no decorrer do século. Eles foram gerados no passado e não podem ser entendidos senão mediante os vestígios que deixaram em sua história. Não dispomos de espaço para o tratamento adequado da história do pensamento ocidental, mas dedicamos dois capítulos a um esboço de alguns dos elementos mais insinuantes das bases históricas dos vários sistemas.

    CAPÍTULO I

    O CRESCIMENTO DA ORTODOXIA

    Équase impossível empregar o termo ortodoxia sem provocar emoções. Há pessoas que ficam horrorizadas só em pensar na probabilidade de não estar na exata linha ortodoxa. Para estes, a ortodoxia, quer se trate de política, de religião ou de boas maneiras, constitui-se na principal necessidade da existência. Para outras pessoas, a ortodoxia é algo como o mais deplorável estado a que o ser humano pode ver-se reduzido. Equivaleria a ser considerado trivial, destituído de originalidade, ou pessoa, propriamente, simplória. De modo geral, os Estados Unidos se orgulham de não seguir os cânones da ortodoxia, de modo que, pode dizer-se que os americanos têm procurado agir como se estivessem produzindo a nova ortodoxia de não se ser ortodoxo. Espero ser capaz de deixar de lado todo conteúdo emocional que a palavra insinua em tudo quanto vou dizer. Por cristianismo ortodoxo eu quero significar alguma coisa exclusivamente descritiva. O cristianismo ortodoxo é aquele que alcançou obter a aprovação da imensa maioria dos cristãos e que é expresso pela maioria das proclamações oficiais ou por confissões de fé formuladas por grupos de cristãos.

    Chegando-se a esse ponto, alguém poderia levantar a objeção de que seria melhor falar de ortodoxias, em vez de continuar falando de ortodoxia. Não é fato que cada uma das múltiplas divisões da cristandade defende sua própria ortodoxia? Cada uma das divisões, de fato, assim tem feito, mas tem subsistido certo núcleo de doutrinas cristãs que conseguiram a adesão coerente da maioria dos cristãos, a despeito das notórias diferenças. Estamos interessados, portanto, nesse acervo de crenças sobre as quais existe certa harmonia.

    Nos nossos esforços de chegar à ortodoxia devemos começar pelo exame do próprio Novo Testamento. Os primeiros crentes não contavam com a existência de nenhuma ortodoxia no sentido de uma razoável formulação sistemática do pensamento. A erudição crítica moderna da Bíblia tem sugerido que haja muitas teologias dentro do Novo Testamento, mas não lhe tem escapado também que, ao lado das muitas variações na teologia, o fato era que existia uma fé comum. As várias teologias não passam de tentativas feitas por homens sérios no sentido de pensar e exprimir a outro a fé comum. Muito dessa fé é algo implícito mais do que explícito. Vinte séculos não foram suficientes ainda para conseguir-se a elaboração de todas as implicações contidas na fé básica do Novo Testamento.

    A fé contida no Novo Testamento encontra-se fundamentalmente alicerçada na admissão de que, na vida, na morte e na ressurreição do homem Jesus, Deus entrou na vida humana de modo decisivo. Exatamente por isso chegaram até nós quatro relatos da vida de Jesus. Foi essa a razão pela qual os cristãos foram capazes de enfrentar as ameaças relacionadas com as masmorras, o fogo e a espada, para difundirem por toda parte a Boa-nova que, como se sabe, é o que quer dizer a palavra Evangelho. É mera distorção da história supor que o cristianismo tivesse começado por causa do entusiasmo que alguns poucos homens teriam experimentado ao ouvirem a respeito da brilhante ética ensinada por Jesus. Pelo contrário, os primitivos cristãos puseram-se a proclamar ao mundo convicções relacionadas com alguém a quem Deus tinha declarado ser Senhor.

    É impossível exagerar a importância da ressurreição para os crentes primitivos. Paulo diz-nos: Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé (1 Co 15.17). Estudando essa passagem, o leitor verifica de imediato que o Apóstolo não estava se esforçando intelectualmente para persuadir os condiscípulos de que Cristo teria ressuscitado de entre os mortos; em vez disso, o Apóstolo fazia uma simples referência a um ponto de fé, a respeito do qual seria impensável a existência de qualquer diferença entre ele e os seus leitores, de modo que lhe era possível prosseguir em seu raciocínio visando ao estabelecimento de prova suficiente para o ensino de outro ponto de fé. A ressurreição de Jesus constituía-se em convicção tal que não se podia admitir que alguém se recusasse a aceitá-la e continuasse a considerar-se como pessoa cristã. A ressurreição de Jesus era a rocha da fé confessada por aqueles crentes.

    Nos dias atuais, não é raro que ressurreição signifique para os cristãos nada mais do que mera prova de existência depois da presente vida. Significava isso também para os primeiros cristãos, mas significava muito mais... Primariamente, a Ressurreição de Jesus era a prova máxima de que Jesus era o Cristo ou Messias de Deus. Por séculos, os judeus tinham vivido nutridos pela promessa de que Deus haveria de enviar-lhes o Messias, seu intrumento Eleito, que haveria de salvar seu povo e estabelecer uma sociedade marcada pela justiça. De modo muito compreensível, uma vez que os judeus tinham vivido por séculos sob o domínio de conquistadores estrangeiros, ocorreu-lhes que o Messias deveria ser um poderoso chefe militar, capaz de arregimentar as legiões celestiais para obter a vitória sobre os cruéis opressores. Finalmente, quando Jesus apareceu, seus seguidores ousaram afirmar que ele era o longamente esperado Messias. Entretanto, ele não procurou agir em correspondência com as expectativas de muitos. Ele não arregimentou nenhum exército; ele se recusou a ser feito rei. Por último,ele foi aprisionado, cuspido e escoltado, como se fosse um criminoso comum, para ser executado. Morreu esplendidamente, mas os discípulos acalentavam o desejo de algo diferente de qualquer morte esplêndida. Um Messias que morto, vencido e derrotado pela Roma Imperial dificilmente seria alguém que se pudesse afirmar ser capaz de salvar o homem. Os discípulos puseram-se em fuga não, na verdade, porque não tivessem coragem, mas, sim, pelo fato de parecer-lhes insensato arriscar a vida defendendo uma causa perdida. Admitiram terem-se enganado de modo trágico e o mais adequado era só persuadirem-se cada vez mais disso. Não obstante, nas profundezas mesmas do desespero a que estavam prostrados, viram-se subitamente diante de um desenvolvimento inesperado. Jesus não estava morto. Ele estava vivo; Ele tinha ressuscitado.

    O que a ressurreição significava, portanto, era que Jesus se mostrava definitivamente como sendo o Messias ou o Instrumento do próprio Deus. Deus tinha estado operando através dele, como os discípulos tinham crido anteriormente. Roma imperial, com seu poder cruel, já não deveria ser tida como a força mais invencível neste mundo. Roma tinha desencadeado uma sucessão de acontecimentos que terminariam por sobrepujá-la, o que ocorreu exatamente no instante quando, através de seus soldados, tinha crucificado o humilde carpinteiro da Galiléia. Os poderes do mal – e sabe-se que os cristãos primitivos criam que nelas se incluíam os demônios tanto quanto os homens maus – tinham alcançado o ponto extremo de sua manifestação. Mas, exatamente no momento de sua aparente vitória, eis que Deus se evidencia como muitíssimo mais poderoso do que tais poderes. Jesus não tinha conseguido realizar o que os contemporâneos esperavam que ele realizasse. Entretanto, na medida em que os dias iam passando, seus seguidores entenderam que ele tinha conseguido realizar algo bem melhor. Jesus não lhes tinha dado independência com relação ao Império de Roma, mas lhes tinha possibilitado quebrar os grilhões que os mantinham sujeitos ao pecado e à morte, grilhões pelos quais se sentiam acorrentados ao medo. Ele lhes tinha revelado com muita certeza que o poder do bem é admiravelmente maior do que o poder responsável pela existência do mal.

    Mediante a ressurreição de Jesus, Deus tinha demonstrado a superioridade do espírito de Jesus sobre o espírito do mal. Portanto, os cristãos passaram a esperar a volta ou a segunda vinda de Cristo, quando o mal haveria de ser completamente desfeito. As forças do mal já tinham sido derrotadas por ocasião da batalha crucial; nenhuma dúvida se poderia admitir quanto a quem seria o último vencedor. Acontecia, porém, que as forças do mal se encontravam ainda em campo e continuavam capazes de acarretar muito desconforto. A batalha decisiva tinha obtido a vitória, mas a vitória final ainda pertencia ao porvir.

    Os discípulos saíram pelo mundo pagão levando a mensagem de que Deus tinha falado, Deus tinha agido, Deus tinha revelado sua natureza ao homem. O homem não precisaria mais se esforçar para subir as encostas da traiçoeira montanha que promete o conhecimento de Deus; Deus mesmo tinha descido das alturas, para permitir que os homens o contemplassem. Deus, assim asseveravam, estava em Cristo, reconciliando o mundo consigo mesmo (2 Co 5.19).

    Não obstante a simplicidade daquela fé, o fato era que se tratava de fé cheia de implicações. Por exemplo, ela implicava em afirmar-se que Deus era como Jesus era; o espírito de Jesus revelava qual era a natureza de Deus. Num mundo onde muitas vozes se erguiam, alegando conhecerem tudo a respeito de Deus, os cristãos se atreveram a crer que Deus mesmo tinha procurado desfazer as nuvens que ocultavam a sua face aos homens. A única palavra encontrada para descrever a vida e o ensino de Jesus foi amor. Sendo Deus como Jesus, então Deus é amor (1 Jo 4.8).

    Com o passar do tempo, o primitivo termo Messias ou Cristo, conforme a tradução grega, não parecia mais adequado para exprimir todo o conteúdo da fé. Isso começou a acontecer particularmente quando tiveram de percorrer outras regiões da Grécia e da Roma imperial, onde ninguém tinha ouvido nada a respeito do Messias esperado pelos judeus. Foi assim que os discípulos tiveram de passar a designar Jesus de Senhor, Salvador e Filho unigênito. Todos esses eram termos pelos quais os cristãos tentavam exprimir a fé que tinham no

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