Do latim ao português: identidade, linguagem e ensino
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O Brasil do século XXI vive numa era tecnológica, imediatista, e a metodologia de se "decorar tabelas declinativas" e "exceções da gramática da língua portuguesa" (sem saber o motivo) tem sido tediosa para alunos brasileiros.
O principal objetivo deste livro é demonstrar que o "estudo do passado pode iluminar o presente", como diz Faraco, auxiliando professores tanto de português quanto de latim a tornar as aulas mais proveitosas e reflexivas.
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Book preview
Do latim ao português - Clemilton Pereira dos Santos
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM
Dedicamos este livro
Aos alunos do curso de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
unidade de Jardim, pelos desafios aceitos em trabalhos de conclusão de cursos, principalmente aos queridos ex-acadêmicos e hora amigos João Carlos Feitosa,
Norivaldo Salina e Thays Belmonte, autores nesta obra.
Aos professores da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/Jardim e Universidade Presbiteriana Mackenzie/Higienópolis, que nos fizeram acreditar que pesquisas voltadas para o ensino da língua portuguesa via língua latina é um sonho possível.
À Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, por meio da Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação, pelo apoio ofertado para o desenvolvimento das pesquisas.
A Leonice Alves de Campos (esposa) e Rafael Maia (esposo), pela presença e apoio incondicionais, partilhando conosco cada desafio, anseios e vitórias.
A todos aqueles que, mesmo ouvindo dizeres como você ainda estuda latim?
, se apaixonaram e se apaixonam pela importância de reconhecer o ir e o vir das fronteiras entre o latim e a língua portuguesa no anseio de reflexões profícuas.
Apresentação
O material que hoje chega às suas mãos, caro leitor, é o resultado da união de forças coletivas, fruto do labor de professores, que já ministraram aulas tanto no ensino básico quanto no ensino superior, e de acadêmicos dos cursos de Letras instigados à reflexão em torno das questões relacionadas ao ensino de língua latina. Refletimos que o latim não deixou de fazer parte da vida contemporânea, nem deveria estar ausente nas ementas e programas de ensino dos Departamentos, Faculdades ou Universidades brasileiras. Também, que a educação básica, por ser a base da cidadania, deveria instigar o estudo do latim, afinal, será esse estudo que nos dará as respostas que precisamos para comprender melhor a língua hodierna.
A partir de várias discussões realizadas nas aulas de latim de cursos de Licenciaturas em Letras, verificamos a ausência de bibliografias que apresentem novas metodologias de ensino do latim para essa época tecnológica e moderna. Será que, por vivermos no século XXI, a língua portuguesa já não tem mais relações com a antiga língua latina? Nosso principal objetivo aqui é demonstrar que o estudo do passado pode iluminar o presente
, como diz Faraco (1998, p. 76), auxiliando professores tanto de português quanto de latim a tornar suas aulas mais proveitosas e reflexivas.
O livro está organizado em três partes: Do latim à sala de aula
, Do latim ao português
e Do latim a outras áreas do conhecimento
.
Na primeira parte, levantamos reflexões acerca da presença e/ou ausência da língua latina em currículos dos tempos ditos pós-modernos. Seja na educação básica ou no meio acadêmico, percebemos tentativas ora de separar, ora de somar esforços em prol da ponte latim/português e suas inter-relações, partindo da premissa do poeta sul-mato-grossense, Josenildo Nascimento: é impossível colher frutos sem que sementes tenham sido plantadas.
Assim, acreditamos que o latim não deveria sair das salas de aulas, mas, com o passar dos tempos, é possível modificar a metodologia de ensino do latim fazendo relações com o português.
A seção Do latim ao português
mostra que tanto aulas de latim como aulas de língua portuguesa podem ser mais reflexivas fazendo-se a ponte do ir e vir
do latim ao português ou vice-versa. Os primeiros capítulos abordam questões lexicais e semânticas fundamentais para o estudo da língua portuguesa embasada nos estudos históricos diacrônicos. O terceiro capítulo dessa seção trata da questão ortográfica, exemplificando quão importante para o ensino de língua portuguesa é volver-se às raízes latinas. Assim, é possível estabelecer relações linguísticas que proporcionam mais o raciocínio que a memorização de aspectos estruturais tanto da língua portuguesa quanto da língua latina.
Na última parte Do latim a outras áreas do conhecimento
estão reunidos trabalhos que exemplificam as contribuições do latim para as demais áreas do conhecimento. O latim não está presente apenas nos cursos de Letras. João Carlos Feitosa mostra que o latim funciona, ainda hoje, como instrumento argumentativo no discurso jurídico em língua portuguesa. Norivaldo Salina fala sobre a importância de se conhecer a semântica e a fonética de termos latinos presentes nas ciências biológicas, especificamente na botânica. Para finalizar, Clemilton Pereira dos Santos, nos três últimos capítulos, trata da cultura latina e suas inter-relações no discurso brasileiro hodierno.
Primeiramente, o professor procura desenvolver um paralelo entre o mito Jasão e Medeia com o mito popular Pé-de-garrafa presente no discurso dos pantaneiros sul-mato-grossenses, verificando a persistência da tradição greco-latina e sua reatualização no discurso oral pantaneiro.
Se todo discurso é coenunciativo e os enunciadores e enunciatários constroem sentidos e os materializam em seus enunciados, mediante destinadores e destinatários, o penúltimo capítulo visa averiguar, por meio de duas reportagens publicadas na Revista Conhecimento prático da língua portuguesa, a visão que o enunciador/destinador cria/instaura do destinatário quando o assunto é a importância do ensino de língua latina para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa, à luz de teorias da enunciação.
O capítulo Reflexões acerca da identidade cultural latina
encerra nossas discussões, proporcionando-nos refletir sobre o fato de que a história, a expansão e o declínio do Império Romano e, consequentemente, a história da língua latina e língua portuguesa, no mundo, em termos de aspectos linguísticos, coloniais, pós-coloniais e de hibridismo se inter-relacionam, sejam elas mais recentes, em torno de um século, sejam mais antigas, em torno de milhares e milhares de anos.
Que tais estudos promovam a reflexão acerca da identidade cultural latina que há em nós brasileiros, neo-latinos, salientando que muitos aspectos que outrora eram comuns aos latinos, na atualidade, também vivem em nós e precisam ser retomados cognitivamente, seja na academia, seja em nosso cotidiano. Conhecer e compreender o passado nos ajuda a raciocinar acerca do presente. Esperamos e precisamos que esses estudos gerem outros estudos, os quais nos levem a refletir sobre nossa prática em sala de aulas, bem como revisar conteúdos que urgem por serem retomados, não necessariamente adotando sempre as mesmas metodologias, mas respeitando seus contextos de adoção, porque, como diz o professor Mario Eduardo Viaro, vivenciamos tempos de imediatismo
que podem ser perigosos à diacronia.
Retomando as palavras de Levis-Strauss (2010, p. 17), na impossibilidade de reconquistar o que fora perdido com o tipo de mundo em que vivemos, devemos pelo menos nos tornar conscientes da existência de coisas que perdemos e da sua importância. Que as apreciações e discussões propiciadas por meio destes textos apresentados aqui fomentem novas produções e novas experiências nas aulas de língua portuguesa e de latim dos nossos cursos de Letras.
Boa leitura!
Os organizadores
PREFÁCIO
Língua latina: reveladora da cultura da antiguidade e aperfeiçoamento da cultura contemporânea
Após a leitura do livro Do latim ao português: identidade, linguagem e ensino e após ter lecionado por alguns anos as disciplinas de Língua e Literatura Latina na graduação, sou levada a algumas reflexões e assertivas sobre consoantes às afirmações de Ernesto Faria (1959, p. 107) de que os clássicos tiveram consciência precisa de que o Latim não morreu, mas sobrevive por meio das línguas românicas, transformado no tempo e no espaço.
A partir desse breve comentário, podemos dizer que o Latim é uma língua que expressa a força de uma grande civilização, todo um pensamento da Antiguidade greco-latina, por meio da Filosofia, da Literatura, da Mitologia de tal forma a ser, em termos de Educação e Ensino, uma disciplina que sempre proporcionou maiores oportunidades de formação, mas isso só foi possível e ainda será se os professores não tornassem suas aulas exclusivamente uma exaustiva memorização gramatical, o que pode, consequentemente, levar a perder o verdadeiro sentido de se ensinar e de se aprender a Língua, a Literatura e a Cultura, ou seja, deixar sempre acesa chama, não deixá-la se apagar
, como dizia meu inesquecível professor de Latim, Ariovaldo Augusto Peterlini.
Podemos dizer que a Língua Portuguesa é o latim modificado, a língua falada pelo povo romano; sendo assim, não morreu, continua a viver, transformado, nas línguas românicas, conforme Coutinho (1976, p. 46).
É necessário conscientizar nossos discentes de que o Latim é uma língua transformada e, por que não dizer, metamorfoseada, através das linhas e das páginas tanto do tempo quanto do espaço, permanece vivo por meio das línguas românicas e por meio das obras-primas dos autores latinos, como Cícero, Tito Lívio, Vergílio, Horácio, Ovídio, que registram uma Expressão Identitária de textos clássicos, reveladores de um renascer tanto de sua civilização quanto das civilizações anteriores à latina. Podemos, dessa forma, considerar o latim uma língua clássica, cujo estudo é revelador dos grandes tesouros da Cultura da Antiguidade, fonte de aperfeiçoamento da Cultura Contemporânea.
Sabemos que o Latim era uma língua ensinada, nas escolas brasileiras, até a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB, 4.024, 20 de dezembro de 1961); entretanto, a LDB, em 1962 (época da pedagogia tecnicista), faz do Latim uma disciplina facultativa para o ensino secundário, ficando de tal maneira limitado ao curso de Letras; já em 1996, a LDB direciona o Latim para o ensino superior, de tal forma que o estudante brasileiro se distanciou desse ensino. O latim foi uma disciplina obrigatória nos ensinos fundamental (antigo curso ginasial), no ensino médio (curso clássico) e na educação superior (curso de Letras e de Direito); infelizmente, para a nossa realidade de hoje, a disciplina de Língua Latina consta somente dos currículos dos cursos de graduação em Letras das Universidades, para os primeiros semestres letivos, e poucos são ainda os cursos de Letras que oferecem Licenciatura em Línguas Clássicas.
Cabe, dessa forma, o seguinte questionamento: como ensinar a vivacidade, a expressividade dessa língua clássica tão reveladora de uma Cultura, em pleno século XXI, aos nossos alunos de graduação, diante dos avanços desenfreados da tecnologia? Como conscientizá-los da importância de se estudar Latim, depois de toda a revolução cultural? Sabemos que, a partir da segunda metade do século XX, modificou-se tanto a maneira quanto a velocidade da transmissão e a ampliação do conhecimento que se exigiu não somente uma revisão dos conteúdos trabalhados em sala de aula, mas também uma redefinição do papel das disciplinas que constituem o currículo escolar, uma vez que novas abordagens foram adotadas e incorporaram-se pontos de vista novos, além de recursos multimídias.
Diante dessa exposição, consideramos de suma importância a Língua Latina e a Cultura Clássica para a formação intelectual de nossos discentes de graduação, da mesma forma consideramos fundamental o cultivo dos estudos humanísticos para futuro do profissional de Letras. Assim, diante desses comentários e explanações e diante do livro Do latim ao português: identidade, linguagem e ensino, organizado por Clemilton Pereira dos Santos e Letícia Pereira de Andrade, em pleno século XXI, globalizado, informatizado, em plena era tecnológica, como ensinar Língua Latina, Cultura Clássica de tal forma a despertar interesse em nossos discentes, ensinando simplesmente declinações e frases com aplicações à gramática? É indispensável, nesse momento, uma atualização metodológica com a finalidade de integrar a disciplina à cultura, situando-a no contexto histórico e social em que vivemos.
Após ter lecionado, alguns anos, a disciplina de Língua Latina e Literatura, ao entrar, em um primeiro dia de aula, em uma sala de 1º semestre de um curso de Letras, eu faço a seguinte pergunta: será que ainda há lugar para o ensino da Língua Latina nos cursos de Letras?
Haverá sempre lugar se tivermos consciência de que existe 1. uma relação estreita entre o latim e o grego com a formação e continuidade das línguas modernas do Ocidente, especialmente as línguas que vieram do Latim; 2. a civilização ocidental é herdeira da cultura greco-latina, o que se reflete não é apenas na língua, mas no pensamento e nas instituições, ou seja, nossa identidade; 3. Grécia e Roma acumularam um profundo acervo de conhecimento: uma rica literatura que contempla teatro, filosofia, poesia lírica, retórica, pois é necessário raciocinar, é imprescindível partir de ideias conhecidas, diferentes, para se chegar a uma terceira, desconhecida, que é o latim, quando estudado com método, conforme esclarece Almeida (1985, p. 9).
Os organizadores do livro, Letícia e Clemilton, acreditam posicionam-se dizendo que
[...] o Latim, hoje, não é falado especificamente por nenhum povo. Mas os povos ocidentais têm em comum um patrimônio cultural veiculado pelo Latim. No renascimento, o Latim foi modelo sintático e de estilo, porque dá as matrizes para o desenvolvimento das línguas modernas. Na modernidade, poderemos encontrar os elementos gregos e latinos em vários idiomas modernos, neolatinos ou não, com finalidade de classificação científica de seres e objetos, ou como o caso da nomenclatura de ciências novas, como psicologia, sociologia etc.
Conforme Clemilton (2015, p .160),
[...] através da cultura greco-latina, da mitologia subjacente aos causos populares, é possível, a nós latino-americanos, pensarmos em uma metodologia capaz de nos religar às nossas tradições latino-europeias, as quais nos permitirão oferecer explicações para muitas de nossas ações e pensamentos e posturas em nossa sociedade atual.
Não podemos mais ficar perdidos na escuridão nem no labirinto de Dédalo. Mesmo que utilizemos GPS, ficamos muitas vezes mergulhados e perdidos no labirinto de Dédalo, diante do emaranhado das ruas ou dos grandes questionamentos internos do ser humano, buscando respostas; diante de tantas tecnologias, nossos planos, em pleno século XXI, ainda se configuram, diversas vezes, como quimeras; nosso sistema de eleições se apresenta como um repleto Caos, uma briga insana, que lança constantemente o pomo da discórdia entre os deputados. E nesse labirinto de Dédalo, onde saberemos encontrar Aleteia para os nossos estudos clássicos? Muitos podem nos apresentar um método ou um plano como Aleteia do caminho da Verdade, mas será que é o método correto, a metodologia adequada a nosso aluno?
O essencial é demonstrar a nosso aluno o quanto o Latim está vivo e presente entre nós, pois no universo publicitário, com o objetivo de persuadir os consumidores, por meio da linguagem, o publicitário utiliza termos latinos, com plena consciência de que está conferindo a seu produto um caráter enobrecedor de erudição. A língua transformada, metamorfoseada, lapidada na criação publicitária, chega às mãos do consumidor de tal forma que a dona de casa é atraída pelo limpador optimum (optimus-a,-um), sendo persuadida por sua eficácia de que se trata de um produto optimum! De origem latina, o adjetivo ótimo é um superlativo vindo de bonus, ao qual o publicitário conferiu um sentido de erudição, atribuindo-lhe proximidade à linguagem popular, indicando que o produto de higiene domiciliar é de excelente qualidade, pois é ótimo. Da mesma forma, podemos exemplificar com mais um produto publicitário, o sorvete Magnum (magnus,-a,-um), que pode proporcionar, tantas vezes, ao consumidor um grande prazer
, quando saboreado. A linguagem da criação publicitária se expressa por meio da força do vocábulo latino a provocar um efeito de sentido, ou seja, eis a continuidade expressiva do Latim, ao indicar que ele está vivo, não morreu!
Percebemos as intenções subjacentes nos vocábulos latinos escolhidos, cujo objetivo é o sucesso da venda do produto. Por exemplo, Fiat Lux e Lux são marcas já consagradas e enraizadas em nossas mentes, falantes de língua portuguesa, pois ao enunciarmos Fiat Lux fazemos referência às Sagradas Escrituras, em Gênesis (1,3), Faça-se a Luz
; da mesma forma, Lux (lux-lucis), ao sabonete feito para as estrelas.
São muitas as propostas e as proposições, mas enfatizo meus comentários com as palavras dos estudiosos Clemilton e Letícia (2015, p. 22):
Enquanto professores de língua latina, acreditamos que são necessários ainda estudos científicos para mais proposições, técnicas e métodos para esse ensino/aprendizagem, diante de um contexto tecnológico/moderno e de um número reduzido de aulas de latim nas graduações de Letras. Quando se comenta acerca do ensino de língua latina no ensino superior uma questão que momentaneamente é levantada ao professor responsável pela disciplina, refere-se à inexistência de uma metodologia mais atualizada e profícua para o ensino da língua latina. Também que, com poucas aulas, não estarão aptos a usar o latim profundamente, podendo fazer relações com os estudos históricos da língua portuguesa.
A partir de Do Latim ao Português: Identidade, Linguagem e Ensino e de minhas convicções, acredito Tempora mutantur, nos et mutamur in illis, da mesma forma, os organizadores do livro chegam à conclusão de que o Latim ganhou o status de uma língua universal, pois se transformou nas linhas do tempo e nas páginas metamorfoseantes da História. Clemilton, ao utilizar o mito de Medeia, como referência, citou Eliade (2004), argumentando