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Espaço de risco
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Espaço de risco

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O terceiro livro da coleção "Pensamento da América Latina" reúne textos escritos por Otavio Leonidio a partir de 2005. Até agora dispersos, os textos tratam de três temas centrais: o pensamento e ação do grande ideólogo da arquitetura moderna brasileira - Lúcio Costa; a presença da arquitetura moderna brasileira na produção contemporânea (aqui representada pelas obras de Angelo Bucci, Christian de Portzamparc, Álvaro Siza e Lelé); e, finalmente, a complexa relação existente entre a arte e a arquitetura contemporâneas.
LanguagePortuguês
Release dateDec 22, 2016
ISBN9788588585638
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    Espaço de risco - Otavio Leonidio

    PENSAMENTO DA AMÉRICA LATINA

    Romano Guerra Editora

    Nhamerica Platform

    COORDENAÇÃO GERAL

    Abilio Guerra, Fernando Luiz Lara e Silvana Romano Santos

    ESPAÇO DE RISCO

    Otavio Leonidio

    Brasil 03

    ORGANIZAÇÃO

    Abilio Guerra, Fernando Luiz Lara e Silvana Romano Santos

    COORDENAÇÃO EDITORIAL

    Silvana Romano Santos, Fernando Luiz Lara, Abilio Guerra

    e Fernanda Critelli

    PROJETO GRÁFICO

    Maria Claudia Levy e Ana Luiza David (Goma Oficina)

    DIAGRAMAÇÃO

    Fernanda Critelli

    DIAGRAMAÇÃO EBOOK

    Natalli Tami

    REVISÃO TÉCNICA DO TEXTO

    Nathália Perico

    apresentação

    angelo bucci

    espaço de risco

    cidade da música

    do rio de janeiro

    álvaro siza vieira

    outro vazio

    lelé

    eu vivo numa ilha

    crítica e crise

    em busca da

    palavra do mestre

    caminhos

    comoventes

    o complexo

    foster-eisenman

    guy debord

    e robert smithson

    o real e a história

    apresentação

    Escrevi os textos aqui reunidos ao longo de dez anos. À exceção de Espaço de risco, foram todos escritos por minha conta e risco. São, portanto, fruto da intenção muito pessoal de me pronunciar publicamente sobre temas e questões que, em momentos específicos, mobilizavam minha atenção. Olhando-os em série cronológica, percebo com clareza que temas e que questões são essas.

    O primeiro tema é Lúcio Costa. Ambos os textos aqui dedicados a ele (Crítica e crise e Em busca da palavra do mestre) são desdobramentos de minha tese de doutorado, defendida em 2005 na PUC-Rio. Toda vez que tratei de Costa foi com o intuito de compreender como foi capaz de dar conta das questões que desafiavam o pensamento modernista brasileiro. E o que ficou claro para mim é que, sem os enunciados de Costa, a arquitetura moderna brasileira como a conhecemos jamais teria existido.

    O segundo tema é justamente a arquitetura moderna brasileira — mais especificamente, a força de sua presença no cenário contemporâneo. Cidade da Música do Rio de Janeiro, Álvaro Siza Vieira e Espaço de risco são, todos, ensaios que tomam a arquitetura de Niemeyer, Reidy e Cia como termo de referência de obras tão diversas quanto as de Portzamparc, Siza e Bucci. Mas os textos marcam também o desejo de problematizar a própria ideia de herança — uma herança que sempre me pareceu mais constrangedora que benéfica. Donde justamente meu interesse pela obra de Lelé — obra que, não por acaso, se constitui no fato isolado mais expressivo de nossa produção contemporânea.

    O terceiro tema são os nexos entre arte e arquitetura contemporâneas — fenômenos que ora surgem articulados (Caminhos comoventes, Guy Debord e Robert Smithson e O complexo Foster-Eisenman), ora isolados (O real e a história). A grande diferença com relação aos dois primeiros temas é que, neste caso, o Brasil deixa de ser o mote central da fala. Essa escolha reflete tanto uma motivação pessoal (livrar-me do ideário da brasilidade) quanto a percepção de que, para tratar do contemporâneo, era preciso abafar a voz tipicamente brasileira dos textos anteriores.

    A seleção dos textos surgiu do debate com Abilio Guerra e Fernando Lara, e se beneficiou das ponderações de Silvana Romano. Sem a dedicação deles e dela este livro não existiria.

    angelo bucci

    espaço de risco

    não faz muito tempo, escrevi que um dos aspectos mais instigantes na produção de angelo bucci é a complexa relação que sua arquitetura estabelece entre estrutura e espacialidade. tratava-se, na ocasião, de analisar um projeto específico, a residência em carapicuíba, projetada em parceria com alvaro puntoni — a meu juízo, um dos mais interessantes projetos residenciais feitos no brasil nos últimos anos.¹ a análise de algumas obras recentes

    de Bucci (produzidas no âmbito do escritório SPBR, objeto do presente texto) sugere que o projeto daquela pequena casa resume, de algum modo, a poética projetual do arquiteto paulista.

    Retomo meu argumento: como típicos arquitetos brasileiros, vale dizer, como legítimos descendentes de Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, Bucci e Puntoni deram, no projeto da casa em Carapicuíba, enorme atenção ao desenho da estrutura. A operação projetual não se restringe, contudo, à glosa de algumas das principais recorrências estruturais da arquitetura moderna brasileira.

    Por certo, algumas dessas recorrências estão presentes no projeto em questão — nomeadamente, duas delas: a exiguidade, tipicamente niemeyeriana, do número de pontos de apoio (no caso, dois grandes pilares de seção cilíndrica que põem de pé o volume do escritório que encima o conjunto); e o lançamento de pórticos estruturais em sequência ritmada, cuja função é pendurar lajes de cobertura e de piso, à maneira do que faz Reidy no MAM do Rio de Janeiro (no caso, dois pórticos paralelos e de seção retangular que atirantam as lajes de piso dos demais espaços habitáveis da casa).

    O essencial da operação não radica todavia aí, parece-me. O diferencial do projeto é a exploração dos efeitos plásticos e espaciais da inusitada justaposição desses dois gestos estruturais, os quais são aqui tratados — e isso é o essencial — como duas entidades minimamente autônomas.

    Dizer que a espacialidade do projeto coincide com ou decorre da estrutura é, portanto, insuficiente. Pois ela é a resultante impura, híbrida da justaposição de entidades estruturais não apenas dotadas de morfologias e lógicas próprias, mas também geradoras de espacialidades próprias.

    a qualidade formal e sobretudo espacial do projeto está, pois, menos na justaposição dos elementos construídos que na colisão dos espaços (dos vazios) que cada uma das entidades estruturais mobilizadas individualmente gera.

    A operação de Carapicuíba é um dos desdobramentos mais complexos e sofisticados de uma pesquisa iniciada há cerca de duas décadas, e que se tem mostrado bastante produtiva. Os termos da investigação me parecem claros: trata-se, como disse, de verificar as potencialidades da relação entre estrutura e espacialidade. O tema não é novo. Foi a partir dele que, desde os anos 1930, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy constituíram suas seminais obras, a partir das quais foi tomando corpo, ao longo da segunda metade do século 20, a chamada Arquitetura Paulista — a arquitetura de Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha, dentre outros. Bucci, evidentemente, integra essa linhagem. Cada novo projeto seu constitui-se por isso mesmo em oportunidade de rearticular um repertório estrutural e formal razoavelmente limitado e predefinido. Donde o aspecto de variante que muitos de seus projetos, sobretudo os mais recentes, claramente assumem.

    Casa em Carapicuíba, Carapicuíba SP. Angelo Bucci e Alvaro Puntoni, 2003-2008. Foto Nelson Kon

    Nem todos os desdobramentos são tão complexos e imbricados quanto a casa em Carapicuíba. Na verdade, algumas soluções são mesmo bastante simples — o que não significa dizer menos interessantes. Um bom exemplo é o projeto para a casa em East Hampton, desenhada em 2007. Aqui, não há qualquer impureza ou hibridismo do desenho da estrutura. Ele é dominado por duas grandes vigas invertidas, posicionadas paralelamente e muito próximas uma da outra, as quais sustentam a laje de cobertura plana. A distribuição dos itens que compõem o programa de necessidades é razoavelmente simples, com espaços habitáveis divididos em dois setores: sala de estar e cozinha ocupam o nível superior, enquanto dormitórios, garagem, sala íntima e demais elementos se localizam no pavimento inferior, semienterrado.

    Casa em Carapicuíba, planta nível estar, Carapicuíba SP. Angelo Bucci e Alvaro Puntoni, 2003-2008. Acervo SPBR Arquitetos

    De imediato, o projeto evoca dois grandes ícones da arquitetura moderna brasileira dos anos 1950 — o Masp, de Lina Bo Bardi, e a Casa das Canoas, de Oscar Niemeyer. Do primeiro, o edifício de Bucci herda sobretudo um modo, digamos, pouco ortodoxo de interpretar o princípio dos pórticos estruturais sucessivos, os quais, em ambos os projetos, inusitadamente (tenha-se em mente o MAM de Reidy ou o Museu à Beira do Oceano, de Bo Bardi), não acompanham a direção da expansão, melhor dizendo, da expansibilidade espacial da edificação. Daí, como ocorre com o edifício de Bardi, certa indefinição semântica, quer dizer, a dúvida se se trata de pórticos ou vigas biapoiadas.²

    Casa em Carapicuíba, corte longitudinal, Carapicuíba SP. Angelo Bucci e Alvaro Puntoni, 2003-2008. Acervo SPBR Arquitetos

    Da residência de Niemeyer, a casa de East Hampton aproveita sobretudo o princípio compositivo clássico, mas modernizado, do soco mineral (em ambos os casos, semienterrado; em Bucci fragmentado e em Niemeyer parcialmente dissimulado) encimado não por um objeto, mas por um vazio habitável recoberto por uma laje de concreto horizontal. Se as seções evidenciam o parentesco com a casa cinquentista e a dependência para com o modelo clássico, as plantas baixas explicitam uma clara inversão dos termos da composição: se, em Niemeyer, a liberdade plástica fica a cargo da laje de cobertura e a contenção formal, a cargo do soco (que, parcialmente pelo menos, quer dissolver-se na topografia), em Bucci dá-se o contrário. Esse partido compositivo (e creio que, nesse caso, diferentemente do que ocorre em Carapicuíba, cabe mesmo falar de partido e de composição, no sentido, respectivamente, acadêmico e clássico dos termos) comanda outros projetos de Bucci, com destaque para a midiateca da PUC-Rio.

    Os nexos evidentes entre a obra de Bucci e a arquitetura de Niemeyer, Reidy e Lina Bardi chamam a atenção para o aspecto de continuidade que ela claramente assume vis-à-vis da tradição da arquitetura moderna brasileira. Esta não é uma constatação original. Foi afinal sob suspeição de mero continuísmo, digamos, que o recém-formado Bucci se viu lançado, do dia para a noite, no epicentro do debate arquitetural brasileiro. Era o ano de 1991 e cumpria selecionar o projeto para o pavilhão brasileiro na Exposição de Sevilha, a se realizar no ano seguinte. Um concurso público foi organizado; 253 equipes, inscritas, muitas delas integradas por renomados arquitetos brasileiros. Para surpresa de muitos, o concurso é vencido pelo time formado por três jovens recém-formados: Alvaro Puntoni, José Oswaldo Vilela e Angelo Bucci.

    O resultado causou controvérsia. Num artigo polêmico e hoje famoso, sugestivamente intitulado Deu em vão, o crítico e historiador Hugo Segawa censurou duramente a comissão julgadora do concurso — da qual fazia parte Paulo Mendes da Rocha — por ter optado por uma linha arquitetônica conhecida, previsível e por isso mesmo conservadora.³ Ainda hoje, há quem veja no resultado da contenda a pedra angular de uma suposta retomada modernista, desde então dominante no Brasil.

    Ler a obra de Bucci na chave da continuidade é todavia enganoso. Pois, de toda evidência, a arquitetura brasileira em geral e a escola paulista em particular são, para o arquiteto, uma referência (por certo essencial), não um destino. Sua produção mais recente é prova suficiente de quão pouco interessado o arquiteto está em limitar-se a reproduzir, a cada novo projeto, os achados formais e estruturais de nossa tradição moderna.

    Uma vez mais, cabe evocar o desenho da estrutura, notadamente a tendência brasileira à redução dos pontos de apoio e ao atirantamento de lajes.⁴ Há várias explicações plausíveis para essa recorrência. De minha parte, não creio que ela reflita o princípio corbusiano (e republicano) da liberação e publicização do solo. Penso, alternativamente, que ela expressa, acima de tudo, o desejo algo obsessivo dos arquitetos modernos brasileiros (empenhados que estavam no projeto de modernização da nação) de demonstrar a capacidade nacional de superação das mil e uma vicissitudes que, na arquitetura como nos demais domínios da cultura, tinham tudo para impedir o Brasil de alcançar a modernidade. A obsessão com a formalização do esforço estrutural seria, nesse sentido, uma espécie de forma simbólica do heroico esforço cultural representado pela consecução do projeto de modernização a fórceps da nação. Donde o recorrente e — a meu juízo — incômodo aspecto de proeza estrutural e de virilidade (desconheço um edifício mais masculino do que o Masp de Lina…) que caracteriza alguns dos mais icônicos edifícios modernos brasileiros. Como se colocar de pé, de modo virtuoso, um edifício significasse colocar de pé não apenas nossa arquitetura moderna, mas a cultura moderna brasileira como um todo.

    Ora, se a necessidade de afirmação de potência e virilidade poderia caber no quadro de nossa modernização conservadora (estado-novista e desenvolvimentista), obviamente ela não cabe mais hoje. Os tempos são outros. Limitar-se a repeti-la, sem mais, nos dias de hoje, não poderia redundar senão num anacronismo caricatural e patético, como atesta a obra recente de Oscar Niemeyer.

    O aproveitamento que Bucci faz da tradição nacional da exiguidade dos pontos de apoio e do atirantamento das lajes demonstra quão distante o arquiteto está da arquitetura moderna brasileira e seu sintomático exibicionismo estrutural. É precisamente essa distância aquilo que permite que Bucci, lançando mão de temas arquitetônicos tipicamente brasileiros, invista ali onde possivelmente nossa arquitetura tenha ido menos longe — a pesquisa espacial.

    De fato, a nossa foi sempre uma arquitetura moderna mais objetual que espacial, mais do construído do que do vazio, mais icônica do que fenomenológica.⁵ Donde a constatação de Giulio Carlo Argan, feita já no início dos anos 1950, de que se tratava de uma arquitetura visivelmente marcada pela conjugação de técnica e beleza — uma beleza por isso mesmo excessivamente objetual e contemplativa, vale dizer clássica.⁶ A contribuição muito específica da obra de Paulo Mendes da Rocha para a arquitetura nacional residiria, por isso mesmo, numa inaudita capacidade de, superando esse cacoete, desenhar, e como poucos arquitetos de seu tempo, não apenas o construído (o objeto belo), mas sobretudo o vazio.⁷

    bucci, no entanto, não parece satisfeito — não mais, pelo menos — em partir de onde mendes da rocha parou. seu ponto de partida não é sequer artigas. sente-se no direito (ou seria no dever?) de retroceder até reidy e niemeyer. o que significa dizer, até le corbusier.

    A comparação entre a casa de East Hampton e a Casa das Canoas é instrutiva. Pois a inversão que Bucci opera aqui é significativa. Disse acima que, diferentemente do que ocorre com a casa de Niemeyer, a liberdade plástica não está, no projeto de Bucci, a cargo da cobertura, mas do embasamento. A formulação é imprecisa. Faria melhor se dissesse que, diferentemente de Niemeyer, a liberdade não está no ar, mas no piso. A inversão é radical.

    Casa em East Hampton, maquete, East Hampton NY. Angelo Bucci, 2007-2008. Foto Nelson Kon

    Na qualidade de principal projetista moderno brasileiro, Niemeyer estava por demais concentrado na tarefa de demonstrar quão vigorosa (formal e sobretudo estruturalmente) era a nossa arquitetura. Uma arquitetura que, a cada novo projeto, tinha por isso mesmo a obrigação de mostrar, com uma clareza gestáltica, sua inventividade formal e, mais ainda, sua virilidade estrutural. Uma arquitetura que, por isso mesmo, foi sempre monumental na dupla acepção do termo, a saber, no sentido de marco que celebra um feito histórico (no caso, a milagrosa realização de nossa modernização)⁸ e no sentido de

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