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Nossos indígenas reúnem em suas tradições um acervo de mitos e heróis tão significativo quanto o de qualquer povo do planeta. Os mais antigos se confundem praticamente com o Gênesis e podem ser surpreendidos roubando o fogo dos deuses para ajudar a humanidade. Há os responsáveis pela desobediência e tantos outros que sobreviveram aos dilúvios e destruições de ordem variada. Toda essa representação simbólica volta-se ora para a explicação da origem do universo e da vida, ora para as fontes inaugurais de um povo ou uma nação indígena. A riqueza imaginativa e expressiva, em ambos os casos, se combina para dar corpo a narrativas de beleza singular, em que fenômenos climáticos, corpos astronômicos, fauna, flora e mundo humano se comunicam livremente e compartilham o mesmo status de importância porque, afinal, todos são vivos e se convertem uns noutros, o tempo todo: tanto a Lua pode descer para namorar um moço, quanto um tropel de crianças arteiras pode ir morar no céu e seus olhos, transformados em estrelas, velarem para todo o sempre a noite sobre a Terra.
Desde que os europeus puseram os pés no continente americano, um fluxo contínuo de histórias indígenas locais passou a fecundar suas culturas. No caso do Brasil, recolhidas desde o início da colonização e vertidas para o registro escrito, seja por lusos, seja por viajantes e aventureiros de outras nacionalidades, essas histórias passaram a integrar a base da cultura brasileira. Neste Mitologia indígena, que a Editora Nova Alexandria traz ao leitor, mostra o trabalho que o escritor e pesquisador Luiz Galdino disponibiliza através de um recorte preciso desse já vasto acervo de narrativas tradicionais indígenas brasileiras – um árduo trabalho, pois tanto a diversidade de culturas brasilíndias oferece ao pesquisador um vasto acervo, quanto a beleza das narrativas tornou dolorosa a seleção. Aqui Luiz Galdino, como todo aquele a quem cabe a difícil tarefa de produzir uma antologia representativa, realizou felizes opções, a partir de critérios rigorosos, elucidados ao fim do volume no capítulo "Mitos, contos e fábulas". A criação do universo, da vida, das plantas e dos bichos; a conversão de homem em bicho e de bicho em homem; os astros interferindo nas relações entre os humanos e os humanos galgando os céus, metamorfoseados em corpos celestes; viagem de ida e volta ao mundo dos mortos; batalhas épicas entre nações indígenas... esses outros temas essenciais comparecem significativamente para deixar transparecer, por meio de ricas narrativas, o modo de sentir, pensar e viver daqueles que desde tempos imemoriais ocupam a Terra Brasilis. A riqueza imaginativa e expressiva se combina para dar corpo a narrativas de beleza singular, em que fenômenos climáticos, corpos astronômicos, fauna, flora e mundo humano se comunicam livremente e compartilham o mesmo status de importância porque, afinal, todos são vivos e se convertem uns noutros, o tempo todo: tanto a Lua pode descer para namorar um moço, quanto um tropel de crianças arteiras pode ir morar no céu e seus olhos, transformados em estrelas, velarem para todo o sempre a noite sobre a Terra.
© Copyright, 2016, Luiz Galdino
Todos os direitos reservados
Editora Nova Alexandria
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Site: www.novaalexandria.com.br
Leitura crítica e revisão final: Susana Ventura
Projeto gráfico e capa: Viviane Santos
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Galdino, Luiz
Mitologia indígena / Luiz Galdino ;
ilustrações de Severino Ramos.
São Paulo : Nova Alexandria, 2016.
p.168 : il.
ISBN: 978-85-7492-384-0
1. Literatura folclórica. 2. Folclore : contos, mitos e fábulas indígenas.
CDD: 398.2
Índice para catalogação sistemático
027- Bibliotecas gerais
027.7 - Bibliotecas universitárias
028 - Leitura. Meios de difusão da informação
Em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem a autorização expressa da Editora.
Sumário
Histórias de verdade e histórias de mentira 12
História da criação 15
A criação do mundo 17
Sol e Lua 19
O Sol 19
A Lua 19
A criação do Sol e da Lua 21
A criação das mulheres 23
O caçador de onças 26
O começo do mundo 27
A origem da noite 31
A grande inundação 34
A vingança de Baíra 36
A origem do fogo 38
O roubo do fogo 50
A primeira morte de Ari 53
O mito de Uanari 56
O mito de Inapirico 60
O mito de Pereté 65
Izi ou Jurupari 69
Erém 75
Agricultura 80
Tradição 1 80
Tradição 2 80
Lenda de Mani 81
A origem do guaraná 85
A visita ao céu 90
A velha gulosa (Ceiuci) 95
Moça retrato da Lua 100
A serra do banco 106
A cobra Surucucu e o sapo Tarô-Bequê 111
História da festa dos mortos 114
O cariço de Iauacanã (flauta-de-Pã) 118
A maloca dos mortos 120
A cutia de ouro 122
Tahina-Can: a estrela Vésper 127
Cabeça de estrelas 132
A maloca das mulheres 137
A origem das estrelas 140
O serpentário 144
O Curupira e o caçador 147
Macunaíma e as mulheres curiosas 151
A guerra dos jiboia-tapuias com os cobéuas 155
O veado e a onça foram fazer casa 157
A raposa e a onça 159
A raposa e a onça (2) 161
Índios 164
A universalidade dos mitos 168
A perda do paraíso 169
O dilúvio universal 170
Heróis amazônicos 171
Agricultura e astronomia 172
Estrelas e constelações 173
O labirinto e o Carucupi 174
Izi e Jurupari 176
As amazonas 177
Orfeu e Eurídice 178
Histórias de mentira 180
Glossário 182
Bibliografia 188
Biografias 194
Histórias de verdade e histórias de mentira
Tupã fez o mundo:
Primeiro, o Grande Lago (Mar), depois o Rio Largo (Amazonas) e os rios menores que iam para o Grande Lago.
Fez a Terra, depois as árvores e os bichos. Fez o cauaiua e fez o Tapiíti. Este mergulhou na água quente preparada por Tupã.
E ficou branco. Cauaiua não quis banhar-se naquela água, ficou vermelho. O Tapiíti foi embora pelo mundo.
Cauaiua ficou no mato.
O primeiro mundo Deus levou para o céu.
Os que ficaram, os encantados, sucuris e jiboias, resolveram fazer um mundo para eles.
Então fizeram o mundo do corpo da irmã: Unhã-Mangaru.
Se ela ficasse com a face voltada para o céu, nunca eles morreriam. Como ficou com a face para a terra, está nos chamando sempre para a sua companhia.
Assim, ela disse aos seus irmãos:
— Vocês me fizeram terra: está bem. Eu os chamarei sempre para mim.
Sol e Lua
Antigamente, o Sol era um moço forte e bonito. E tinha uma tia que preparava o urucu para pintar os tucunas, nos dias de festa de Moça Nova.
O Sol era quem rachava lenha para alimentar a fogueira em que a velha punha a panela para ferver o urucu. Mas a velha era muito aborrecida e estava sempre pedindo mais lenha ao Sol.
O Sol somente trazia muirapiranga porque a tia dele gostava apenas daquele tipo de lenha. Um dia, ele trouxe muita muirapiranga, muita mesmo. E, para acabar com todo aquele trabalho, pediu à tia que o deixasse beber todo o urucu que estava fervendo.
A velha pensou que ele morreria e o estimulou:
— Beba! Beba tudo!
O Sol bebeu todo o urucu, que estava na fervura, e foi ficando com a cara vermelha como urucu e muirapiranga. Em seguida, subiu para o céu e se enfiou entre as nuvens.
Antigamente, a Lua era mulher.
E um dia, o Sol, que era irmão dela, plantou duas árvores chamadas goçá
, que era para pintar os dentes das moças novas com o sumo das suas folhas. A irmã lhe perguntou o que tinha plantado na roça.
— Duas árvores de goçá
.
A Lua foi procurar as árvores. Achou e pintou os dentes com o suco das suas folhas. E os dentes dela ficaram de um preto muito bonito.
Quando o irmão veio, a moça tapou a boca e apenas lhe respondia de cabeça baixa. Não queria que o irmão visse que ela havia roubado as folhas de goçá
e pintado os seus dentes com o suco delas.
Um dia, a moça sentiu vontade de deitar-se com o irmão. E quando a noite veio, ela foi deitar-se com ele. Todas as noites, ia deitar-se com o irmão. Quando ela apareceu prenha, o Sol pensou:
— Aqui não mora mais ninguém, só nós dois. Minha irmã se deitou comigo.
Nessa noite, esperou a moça com a cuia cheia de um sumo de jenipapo e a pôs debaixo da rede. E quando a irmã se deitou ao seu lado, lhe foi passando pelo rosto, devagarzinho, o suco do jenipapo.
De manhã, a irmã viu refletido na água o rosto todo pintado de jenipapo e que o irmão iria saber quem se deitara com ele. Então, fugiu para o céu. Hoje, ela é a Lua. Às vezes, é moça nova; às vezes, também está cheia.
Baíra criou o Sol e a Lua.
O Sol é homem, a Lua é mulher.
Baíra fez o membro do Sol da raiz da paxiúba.
E da raiz do apuizeiro fez uma veia,
Que pôs no sexo da Lua.
Dessa veia saía sangue.
E levou os dois para o céu.
O Sol, porque é homem, sai de dia.
A Lua, porque é mulher, sai de noite.
Os homens na terra são como o Sol.
As mulheres são como a Lua.
Baíra foi pescar e pegou muito peixe. Matou, porém, muito mais jandiás que aracus, tucunarés, jacundás e pacus. E pensou:
— O que eu vou fazer com tantos jandiás?
Naquele tempo não havia mulheres; só havia homens. Então, Baíra chamou os companheiros e falou:
— Vou fazer mulher para todos nós. Mas primeiro vamos dormir.
Baíra acordou de madrugada. Pegou uma porção de jandiás, soprou sobre eles e os peixes se transformaram em mulheres, gordas e bonitas como os jandiás. E deu a cada companheiro uma mulher.
De início, os companheiros não quiseram acreditar que fossem mulheres, mas, à noite, foram se deitar com elas. Apenas Baíra não se deitou com nenhuma mulher.
Durante muito tempo, Baíra viveu sem mulher. Um dia, resolveu ir pescar, levando o seu arco e suas flechas. E chegando ao rio, Baíra logo flechou um jandiá. Tirou a flecha, botou o peixe de lado e já se preparava para flechar outro quando ouviu uma voz que o chamava.
Ao voltar-se para ver quem o chamava, Baíra viu uma cunhã muito bonita, de cabelos claros e compridos. E convidou-a:
— Venha comigo!
E a cunhã foi com ele.
Em casa, Baíra lhe disse que estava com sede e a cunhã foi lhe buscar água. Entretanto, quando ela voltou, ele disse que não gostava de água e que ela lhe arranjasse outra bebida. A cunhã lhe pediu, então, milho e mel, que Baíra foi buscar e lhe entregou.
A cunhã torrou o milho e o mastigou. Colocou-o, depois, numa cabaça com água e mel, e deixou a bebida fermentando durante vários dias num canto da casa. Baíra já não suportava mais tanta sede e disse à cunhã que queria experimentar da bebida que ela havia preparado.
A mulher lhe serviu um pouco numa cuia; Baíra bebeu e pediu mais.
— Gostei desta bebida — ele disse, alegre.
E pediu que a cunhã lhe enchesse a cuia, de novo. A bebida era o cauim, que Cauaiua bebe até hoje. Quem a inventou foi a mulher de Baíra.
Baíra disse à mulher:
— Vou fazer uma experiência.
E, dizendo isso, preparou uma escada de muitos degraus, para tirar tucumã. E amarrou um cambito na ponta de uma vara. Depois, subiu no primeiro degrau da escada e começou a tirar tucumã.
Quando a fruta caiu no chão virou onça. Baíra flechou a bicha e passou para o terceiro degrau da escada. Dali, tirou novo tucumã e aconteceu a mesma coisa de antes. E a cada onça morta, Baíra passava para outro degrau.
Como os degraus eram muitos, muitas foram as onças que ele matou. Quando acabou de matar todas as onças, tirou-lhes os dentes e os levou para casa, fazendo com eles colares e brinquedos para as crianças.
A sua proeza ficou conhecida em
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