Mulheres que mordem
By Beatriz Leal
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Quatro mulheres, quatro mordidas. Uma neta adotada, uma mãe torturada, uma mãe adotiva e uma avó exaurida pela busca. Quatro pontos de vista entrelaçados em uma narrativa intensa e delicada, que joga luz sobre passagens sombrias da história recente latino-americana.
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Mulheres que mordem - Beatriz Leal
Elena nunca tinha pensado em adoção. Pensava na finitude da vida e como ter um filho com seus próprios genes, gerado em seu próprio corpo, poderia causar a sensação de perpetuidade. Pensava nisso e em como esse mesmo pensamento era egoísta e como poderia ela ser tão egocêntrica. Elena pensava em não ter filho para não tê-lo por um ato egoísta, mas pensava na amargura que carregaria caso se arrependesse e chegasse o momento em que não pudesse mais ter. Pensava no cansaço e como poderia ter a inteligência emocional para criar uma outra pessoa. Mas pensava na sua mortalidade e na depressão causada pela falta de um amor incondicional, desses que só as mães têm. E pensava em resolver todos os problemas com o marido caso eles tivessem um filho, que atuaria como o motivo maior para a existência daquela casa de dois andares no bairro nobre da cidade portenha. Ao mesmo tempo, Elena considerava injusto ser esse o motivo para se ter filhos.
Elena tinha o livre-arbítrio. Elena podia controlar se queria ou não ter filho. Elena tinha a decisão nas mãos, o poder. Elena pensava em todo o resto, o que seria justo com ela, o que seria justo com o filho, o que seria egoísmo. Elena sobrepensava, pensava demais. Menos em adoção. Enquanto isso, o tumor consumia seu útero. Até o ponto em que a única maneira de se livrar dele era removendo do corpo a única porta que poderia algum dia lhe proporcionar o fim da finitude. Foi quando Elena passou a pensar em adoção.
Laura enxerga o mundo plano e em tons pastéis. Às vezes em quadrados. E, então, tira fotos. Mas não imagina uma trilha sonora para o filme. Prefere o som do vento. Quando era mais nova, Laura usava os sonhos para fugir dos problemas. Adulta, Laura tem gosto por enfrentá-los. E quando faz um dia como hoje, nublado, mas claro, fresco e agradável, com cara de domingo, Laura sente um vazio por não ter problemas a resolver.
Às vezes encontra uma mecha no cabelo um pouco mais clara do que o desejado, e então a corta. Às vezes vomita no banheiro para desengordar daquela fatia de bolo cujas calorias não foram gastas no parque. Às vezes cria discussões desnecessárias no trabalho. Laura cria problemas porque é viciada em executar soluções. Nada é mais prazeroso do que cortar seu próprio cabelo e vomitar doce e sentir a sensação de problema resolvido. Riscar da lista. Os mais próximos se preocupam com Laura: você faz coisas banais se tornarem problemas sérios
. Perigo é ficar em silêncio, pensa Laura.
Agradece, filha
. A mãe de Laura falava quando ela era criança. Agradece o céu azul e o dia bonito. Agradece o novo dia mesmo se ele for cinza. Agradece a nova chance. Agradece o recomeço. Agradece a vida. Agradece por suas amiguinhas da escola. Agradece pela sua professora. Agradece pelos seus pais. Agradece sua comida. A gente é tão feliz, né, Laura?
Laura nunca respondia. Não por não concordar, mas simplesmente por não refletir ou não questionar a orientação que recebia. E em dias como este, em que Laura já acorda pensando em morrer, ela sente a culpa que vem acompanhada da falta de gratidão pela vida. Laura não é suicida. De vez em quando pensa em formas como as pessoas tomam suas próprias vidas — pular de um prédio, cortar os pulsos, misturar remédios — e o pensamento lhe dá vontade de chorar. Falta em Laura uma dose de desvio químico no cérebro para resultar nela a psicopatia necessária para ter o controle da própria finitude.
Mas há fases em que, diariamente, Laura acorda pensando em morrer. Um infarto, um assalto na rua, um tiro certeiro, uma queda de avião. Um jeito rápido, prático, fácil, indolor e falta de responsabilidade para ela não mais precisar escolher uma roupa, encarar o chefe, o pai, as convenções sociais que a forçam sorrir quando tem vontade de chorar. Sem motivo, porque Laura não tem motivos para ser triste.
A gratidão que sua mãe tentou lhe ensinar é o vazio, a peça do quebra-cabeça que falta, que de longe não parece que falta, mas, de perto, quando Laura tem tempo para pensar, cresce. O vazio, a falta da peça, toma conta do seu corpo, da sua pele, sobe nos cabelos e arrepia seu couro cabeludo, e Laura não sabe o que fazer com o pedaço da imagem de paisagem impressionista que ninguém vê que falta, mas que para ela falta até a unha caída do mindinho. É quando Laura não consegue mais rezar e não deita mais para dormir.