Da Escrita à Oralidade na Encantaria do Terreiro da Turquia
5/5
()
Sobre este e-book
Fundado no século XIX, aquele espaço consagrado ao culto do Tambor de Mina em São Luís do Maranhão tinha como principal representante espiritual uma das personagens da narrativa que nos chegou pelas mãos dos colonizadores. Transformado em encantado, por conta das tradições culturais regionais maranhenses, o rei turco, como era chamado, saiu das páginas do livro para apresentar-se como entidade nos cultos e festividades realizados pela casa.
A autora, por meio de visitas à capital maranhense e de entrevistas a pesquisadores e sacerdotes ligados ao terreiro, conseguiu encontrar as respostas para sua principal indagação, a de como uma das personagens mais importantes do livro sobre Carlos Magno e seus pares de França transformou-se em um encantado tão respeitado quando mencionado entre os que mantêm a tradição do Tambor de Mina no Maranhão.
O livro começa abordando questões literárias sobre o surgimento e a divulgação dos romances de cavalaria, sua chegada ao Brasil e sua influência em nossas tradições populares. Trata da importância do livro sobre Carlos Magno e os pares de França em nossa cultura, até ingressar no universo da encantaria maranhense, na religião do Tambor de Mina, revelando, gradativamente, como esse livro fez parte do imaginário relativo ao Terreiro da Turquia. Para tanto, a autora faz uma viagem a aspectos como voz, ritmo e movimento no terreiro, o que nos instiga a entender como se produziram as conexões entre uma obra literária e uma religião de matriz africana.
Relacionado a Da Escrita à Oralidade na Encantaria do Terreiro da Turquia
Ebooks relacionados
Do Terreiro ao Teatro:: em busca da gestualidade ancestral - Artigos reunidos 2015-2020 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDanças de matriz africana: Antropologia do movimento Nota: 3 de 5 estrelas3/5Pedrinhas miudinhas: Ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros Nota: 4 de 5 estrelas4/5Flecha no tempo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Gramáticas das Corporeidades Afrodiaspóricas: Perspectivas Etnográficas Nota: 3 de 5 estrelas3/5Casa De Santo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOrixás no terreiro sagrado do samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai Nota: 5 de 5 estrelas5/5O corpo encantado das ruas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Entre o Mito e o Músculo: Dança dos Orixás e Cadeias GDS Nota: 5 de 5 estrelas5/5O que é candomblé Nota: 2 de 5 estrelas2/5Candomblé: Quem Eu Sou Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNum tronco de Iroko vi a Iúna cantar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFilhos de Olorum: Contos e cantos do candomblé Nota: 3 de 5 estrelas3/5Cultos afro-paraibanos: Jurema, Umbanda e Candomblé Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFogo no mato: A ciência encantada das macumbas Nota: 3 de 5 estrelas3/5Negras, Mulheres e Mães: Lembranças de Olga de Alaketu Nota: 1 de 5 estrelas1/5Histórias do movimento negro no Brasil: Depoimentos ao CPDOC Nota: 5 de 5 estrelas5/5Lendas de Exu Nota: 5 de 5 estrelas5/5Jongo - Do Cativeiro Aos Dias Atuais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLiteratura infantil juvenil – Diálogos Brasil-África Nota: 5 de 5 estrelas5/5Salve o matriarcado: manual da mulher búfala Nota: 3 de 5 estrelas3/5O Elegun De Ogum Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCapoeira: abordagens socioculturais e pedagógicas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Eró Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário literário afro-brasileiro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFeitiço caboclo: um índio mandingueiro condenado pela inquisição Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de Da Escrita à Oralidade na Encantaria do Terreiro da Turquia
1 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Da Escrita à Oralidade na Encantaria do Terreiro da Turquia - Regina Célia de Lima e Silva
(PPGCSoc-UFMA)
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
OS ROMANCES DE CAVALARIA E A NARRATIVA DE
CARLOS MAGNO NO BRASIL
1.1 CONTANDO A HISTÓRIA DE CARLOS MAGNO, OS PARES DE FRANÇA E FERRABRÁS DE ALEXANDRIA
1.2 ORIGENS DO IMAGINÁRIO CAROLÍNGIO NO BRASIL
1.3 OS MOUROS NO IMAGINÁRIO IBÉRICO E BRASILEIRO
capítulo 2
O TAMBOR DE MINA NO MARANHÃO, UMA RELIGIÃO DE RESSIGNIFICAÇÕES
2.1 ENCANTARIA: GENTIS E CABOCLOS NO TAMBOR DE MINA
2.2 O TERREIRO DA TURQUIA E SEU ITAN
2.3 DO MITO AO TERREIRO
capítulo 3
DA ESCRITA À ORALIDADE NO TERREIRO
3.1 O PODER DA VOZ NO ESPAÇO SAGRADO
3.2 DANÇAS DE NEGROS: ORIGENS NO BRASIL
3.3 CORPO, MOVIMENTO E SOM NO EGBÉ
capítulo 4
ÚLTIMAS PALAVRAS
REFERÊNCIAS
DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
Documentários
ANEXOS
INTRODUÇÃO
Assim, a voz, utilizando a linguagem para dizer alguma coisa, se diz a si própria, se coloca como uma presença.
Paul Zumthor
A imprensa foi criada em meados do século XV. Antes disso, o mundo medieval já tinha a escrita. Na Espanha, os monges eram os encarregados de escrever à mão as chamadas Glosas Emilianenses ou as Glosas Silenses, nos séculos X e XI. Esses manuscritos serviam para explicar textos em latim de difícil compreensão.¹⁹ Fora dos mosteiros, a língua romance se encarregava de divulgar poemas nos pliegos de cordel vendidos em praça pública. Tais livretos divulgavam para o povo façanhas de heróis como Don Rodrigo, ou casos do cotidiano, sobre amores, vidas dos santos, entre outras histórias.
Poesias épicas, romanceiro ibérico, romances de cavalaria foram surgindo e constituindo a literatura que até hoje admiramos, mas todas essas formas narrativas não substituíram a tradição oral. Ao contrário do que se pode pensar, o que valeu por muito tempo foi a palavra que entrava pelos ouvidos e os pliegos de cordel cumpriram o papel de levar para o público, muitas vezes analfabeto, as histórias mais tradicionais. As praças foram ocupadas pelos arautos que davam as notícias enviadas pelo rei²⁰. A Chanson de Roland, por exemplo, foi bastante divulgada pela tradição oral em que as apresentações dos jograis contornavam a dificuldade de compreensão de manuscritos de poemas extensos como esse. Portanto, letra e voz andam de mãos dadas desde tempos antigos.
Atravessando o Atlântico e dirigindo-nos para a África, encontramos, em algumas regiões, outra maneira similar de dar notícias, de contar casos da vida e passar tradições adiante. Essa tradição é realizada pelos griots, que também atuam como conselheiros para pendengas familiares devido à sua importância em algumas comunidades africanas.
As duas tradições, europeia e africana, encontraram-se no Novo Mundo e deixaram suas marcas. Os romances europeus de cavalaria originaram muitos de nossos folguedos populares, enquanto a forma oralizada africana de divulgar suas tradições de cunho religioso se espalhou, por exemplo, nos terreiros de Candomblé ou de Tambor de Mina. Um dos fundamentos principais das religiões, cujos segredos são guardados pelos mais velhos, é a transmissãode seus conhecimentos por meio da palavra falada.
No centro desses intercâmbios culturais, encontra-se um romance de cavalaria, História do Imperador Carlos Magno e dos doze pares de França. Esse romance, nascido das antigas gestas medievais, foi disseminado em toda a região ibérica e trazido para o continente americano pelos colonizadores. Por suas cenas de valentia e personagens exemplares, a narrativa serviu de exemplo principalmente no Nordeste do Brasil, cujos habitantes apreciavam um tipo de pensamento medieval. Os grandes latifundiários de cana de açúcar e de cacau mantinham tradições e costumes antigos herdados de seus afins europeus, o que facilitava que aquela história fosse tão apreciada pelos seus ouvintes em seus momentos de folga.
A influência da narrativa sobre Carlos Magno, seus soldados e inimigos mouros, chegou aos terreiros de Tambor de Mina por intermédio de entidades que desciam na guma²¹ para ajudar aos necessitados. Seres sobrenaturais, incorporados nos participantes do culto, viajavam da região do encante para encontrar os humanos, conversar, dar conselhos e cumprirem uma missão inacabada em vida.
A partir da informação de uma espécie de hibridização acontecida entre personagens de um livro com entidades sobrenaturais, procurei investigar como tais personagens passaram a fazer parte de um culto de origem africana. E mais importante que isso era comprovar a tese de que a tradição oral inseriu a narrativa no imaginário do