Por que amo Rosa
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A ideia é colocar em cena o pensamento acadêmico de ponta antes mesmo de sua publicação definitiva em livros e revistas especializadas, promovendo assim o debate e a inovação com a agilidade que somente edições digitais em formato breve podem realizar.
S/Z é um convite ao que o pensamento da área de humanas tem de mais fascinante: repensar o mundo em toda a sua complexidade através da arte e da cultura.
Neste número o crítico Silviano Santiago declara o seu amor ao escritor Guimarães Rosa e explica os motivos.
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Book preview
Por que amo Rosa - Silviano Santiago
Sumário
Capa
Eu e as galinhas d’angola
Ceição Ceiçim
A arte de escrever à meia
Coleção S/Z
A Coleção S/Z foi idealizada pensando em oferecer a pesquisadores e apaixonados por artes e literatura, ensaios e artigos, sempre inéditos, escritos por intelectuais de grande relevância da área de estudos culturais.
A ideia é colocar em cena o pensamento acadêmico de ponta antes mesmo de sua publicação definitiva em livros e revistas especializadas, promovendo assim o debate e a inovação com a agilidade que somente edições digitais em formato breve podem realizar.
S/Z é um convite ao que o pensamento da área de humanas tem de mais fascinante: repensar o mundo em toda a sua complexidade através da arte e da cultura.
Boa leitura.
Heloisa Buarque de Hollanda
Eu e as galinhas d’angola
Para Florencia Garramuño
Nas primeiras cinquenta páginas do Grande sertão: veredas, Riobaldo, narrador do romance, lembra algumas figuras que se destacaram na região, cujas experiências de vida merecem ser emuladas e o estão sendo. As várias histórias exemplares − em discreto pedido de ajuda a Cervantes − que salpicam o exórdio entusiasmam o narrador e servem para ajudá-lo a ganhar fôlego e coragem para a aventura da travessia romanesca.
A primeira das histórias exemplares é a do Aleixo, vizinho dele, que alimentava traíras no açude e, junto aos semelhantes, era assassino destemperado e cruel. Sertanejo capaz de ruindades calmas, um dia o Aleixo mata um velhinho esmoler. A justiça divina não tarda a castigá-lo. Seus filhos, três meninos e uma menina, caem doentes, ficam cegos. Mas o Aleixo não perde o juízo, lê-se, mudou
: agora vive da banda de Deus, suando para ser bom e caridoso
.
A sexta história exemplar ecoa a primeira e é a do Zé-Zim. Transcrevo as palavras de Riobaldo, o narrador: O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: – ‘Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas-d’angola, como todo o mundo faz?’ ‘ – Quero criar nada não...’ − me deu resposta: – ‘Eu gosto muito de mudar...’
Se o meeiro é aquele que planta a meias com o dono das terras, a quem tem de dar parte do rendimento da plantação, não lhe estaria faltando siso ao afirmar que não quer criar animais domésticos nas proximidades do lar? Caso controlasse sua vontade de mudar e sem grandes trabalhos adicionais, não estaria ganhando e alimentando melhor a si e à família? O ganho suplementar com a criação de galinhas d’angola não está em jogo para o Zé-Zim, embora esteja para o proprietário das terras, que oferece a sugestão e, diante do não taxativo, se afunda na curiosidade investigativa. Siso, como se verá, é o que menos falta ao Zé-Zim.
Apesar de a primeira e a sexta histórias rodopiarem em torno do verbo mudar, a última é mais enigmática do que a primeira, pois dela não participa a divindade suprema e justiceira que, na qualidade de deus ex machina, fecha por assim dizer o causo narrado. Destaca-se a sexta por se tratar duma história exemplar sobre a virilidade no sertão, contada de homem para homem. Seu enigma será transmitido de pai para filho, ou de Riobaldo para o seu interlocutor silencioso, e é vedado às mulheres.
Na verdade, é uma história sobre plantas e crias no sertão mineiro.
A disjunção entre o trabalho com o plantio e o cuidado com a criação de galinhas d’angola só pode estar, e de maneira em nada paradoxal, na cabeça de quem por fatalidade é meeiro e no coração de quem se apieda das aves que transmigraram da costa africana