Racismo em livros didáticos - Estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa
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O que mudou nesses discursos, que estampam as páginas dos livros didáticos e perpetuam uma interpretação equivocada, por parte dos alunos, de si, do outro e da sociedade? Isso é o que mostra o autor, atento às lacunas nos conhecimentos acadêmicos acumulados sobre o tema, à intensa mobilização social e aos equívocos e descaminhos da ação governamental referentes à questão.
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Racismo em livros didáticos - Estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa - Paulo Vinicius Baptista da Silva
Coleção Cultura Negra e Identidades
Paulo Vinicius Baptista da Silva
Racismo em livros didáticos:
estudo sobre negros e brancos
em livros de Língua Portuguesa
À Gizele
Ao Vinicius
Ao Murilo
ÍNDICE DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1. Síntese de resultados de pesquisas sobre o negro em livros didáticos brasileiros.
Quadro 2. Modos gerais e estratégias de operação da ideologia.
Quadro 3. Descritores utilizados para as pesquisas bibliográficas.
Quadro 4. Bases de dados consultadas.
Quadro 5. Síntese sobre legislação voltada às políticas do livro didático no Brasil.
Quadro 6. Leis Orgânicas Municipais e Constituição Estadual que se referem ao combate ao racismo em livros didáticos.
Quadro 7. Títulos listados e sorteados, por período, critério e fonte.
Quadro 8. Títulos, anos de referência para sorteioe datas de edição dos livros analisados, por períodos.
Quadro 9. Categorias para codificação dos dados catalográficos das unidades de leitura.
Quadro 10. Atributos utilizados para descrever personagens no texto.
Quadro 11. Características predominantes de dados catalográficos.
Quadro 12. Características predominantes dos autores das 252 unidades de leitura.
Quadro 13. Atributos predominantes na caracterização de personagens nos textos.
Quadro 14. Características predominantes das unidades de leitura e percentuais, por períodos.
Quadro 15. Descrição dos personagens negros das unidades de leitura, primeiro período.
Quadro 16. Descrição dos personagens negros das unidades de leitura, segundo período.
Quadro 17. Descrição dos personagens negros das unidades de leitura, terceiro período.
Tabela 1. Distribuição de freqüência de obras brasileiras sobre racismo no plano simbólico, por tipo e meio discursivo, 1987-2002.
Tabela 2. Indicadores selecionados de desigualdade racial, para brancos e negros, 1995-2001.
Tabela 3. Número de exemplares de livros vendidos, por categoria e ano, Brasil, 1994-2002 (em milhões de exemplares).
Tabela 4. Distribuição de livros didáticos, geral e de Língua Portuguesa, avaliados pelo PNLD 1997-2003.
Tabela 5. Variação anual de matrículas no ensino fundamental, volumes adquiridos para o PNLD e recursos aplicados no programa, 1995-1999 (1995 = 100).
Tabela 6. Atributos ficcionais e demográficos predominantes, personagens brancos e negros, por períodos, observados em amostra de 252 unidades de leitura.
Tabela 7. Indicadores de importância na caracterização de personagens negros e brancos, por períodos, observados em amostra de 252 unidades de leitura.
Tabela 8. Freqüência da categoria ausência de informação
em atributos de personagens brancos e negros, por períodos, observados em amostra de 252 unidades de leitura.
Tabela 9. Atributos predominantes relativos às relações familiares de personagens brancos e negros, presentes em amostra de 252 unidades de leitura.
Tabela 10. Freqüência à escola e relações familiares de personagens brancos e negros, geral e crianças, observados em amostra de 252 unidades de leitura.
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura 1. Formas de investigação hermenêutica.
Figura 2. Redenção de Cam, óleo sobre tela de Modesto Brocos, 1895, Coleção Museu Nacional de Belas Artes/IPHAN/MinC.
Figura 3. Usos das categorias raciais no Brasil.
Figura 4. Ficha de Avaliação de Língua Portuguesa
, fragmento do item 7, aspectos visuais
.
Figura 5. Ficha de Avaliação de Língua Portuguesa
, fragmento dos critérios eliminatórios
.
Gráfico 1. Média de anos de estudo segundo cor ou raça e coorte de nascimento para nascidos entre 1900 e 1965..
Gráfico 2. Distribuição de freqüência de cor-etnia, personagens das unidades de leitura.
Gráfico 3. Distribuição de freqüência de cor-etnia por forma de apreensão nas unidades de leitura da amostra.
Gráfico 4. Número de personagens brancos e negros, nas unidades de leitura, por período.
Gráfico 5. Número de personagens brancos e negros, nas ilustrações das unidades de leitura, por período.
Gráfico 6. Número de personagens brancos e negros, nas ilustrações das capas, por período.
APRESENTAÇÃO
Foi com imensa satisfação que aceitei o convite para redigir a apresentação do livro Racismo em livros didáticos: estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa correspondente à tese de doutorado Relações Raciais em Livros Didáticos de Língua Portuguesa
de Paulo Vinicius Baptista da Silva. A satisfação decorre, em primeiro lugar, das qualidades ativistas e acadêmicas de Paulo, que foi meu doutorando no Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro ativo do NEGRI (Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade), que coordeno no referido Programa.
Paulo foi e tem sido um pesquisador de escol no campo dos estudos sobre relações raciais e produção midiática, tendo publicado vários artigos sobre a questão, principalmente sobre livros didáticos. Seu envolvimento com o estudo das relações raciais persiste em sua atuação docente atual, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, onde vem orientando pesquisas de iniciação científica e mestrado que focalizam a questão.
A produção de Paulo não apenas evidencia provir de pesquisador ativo, mas também ser valiosa do ponto de vista da qualidade: bem cuidada, reflexiva, atenta a uma concepção de pesquisa como ato público, dialógico, argumentativo. Tais qualidades transparecem neste livro. E esta é a segunda razão de minha satisfação para redigir esta apresentação. O cuidado, a reflexividade e a prospecção para o futuro que o livro nos presenteia.
O tema das relações raciais nos livros didáticos vem freqüentando a agenda acadêmica, ativista e das políticas públicas desde os anos 1950, com a pesquisa pioneira de Dante Moreira Leite, até a promulgação da Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade de inclusão da história da África e da cultura afro-brasileira na educação básica. Se o volume de publicações é considerável (Rosemberg, Bazzilli, Silva, 2003), faltava-nos um olhar em perspectiva diacrônica que chegasse aos tempos atuais. Faltava-nos, como Bromberg (2007) denomina, uma segunda geração de pesquisas que avaliassem o que mudou e o que permaneceu na representação de negros(as) e brancos(as) nos livros didáticos brasileiros após tantos anos de estudos, pesquisas, denúncias, mobilizações, ações governamentais, como o Plano Nacional do Livro Didático que, em 2007, distribuiu 102.521.965 milhões de livros a estudantes das escolas públicas. Portanto, ao focalizar a análise no período 1975-2003, Paulo nos mostra e nos faz refletir sobre a lentidão exasperante que emperra processos da mudança social. Por que isso ocorre? No que acertamos e no que erramos? Por que tem sido tão difícil alterar as representações de negros(as) e brancos(as) nos livros didáticos brasileiros? São questões que o livro de Paulo nos permite formular e apreender algumas pistas para responder, para repensar a ação militante e formular novas perguntas para a pesquisa. Isso porque a pesquisa de Paulo é primorosa – também conforme apreciação dos(as) professores(as) Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, Regina Pahim Pinto e Bader Sawaia que compuseram o júri da tese – na explicitação de pontos de partida, caminhos teóricos e metodológicos, bem como na caracterização do contexto sócio-histórico de produção, circulação e recepção dos livros didáticos no Brasil contemporâneo. Racismo em livros didáticos: estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa avança no conhecimento acadêmico e fortalece a ação militante.
Fúlvia Rosemberg
abril de 2008
INTRODUÇÃO
A pesquisa que resultou no presente livro efetuou análise dos discursos sobre os segmentos raciais negros e brancos em livros didáticos de Língua Portuguesa para a quarta série do ensino fundamental produzidos entre 1975 e 2003.
O tema racismo nos livros didáticos
, embora episódico, não é novo na pesquisa educacional brasileira, já que as primeiras pesquisas datam da década de 1950. Além disso, a temática entrou na agenda das políticas públicas educacionais do Brasil contemporâneo graças à mobilização do movimento negro, de pesquisadores/as e de governantes. O Programa Nacional do Livro Didático/PNLD, iniciado em 1985, tentou apresentar respostas às críticas de movimentos sociais e de pesquisadores. Este estudo procurou apreender os impactos da intensa movimentação social em torno do tema no discurso produzido e veiculado pelos livros didáticos de Língua Portuguesa. A hipótese desenvolvida foi que o livro didático continua produzindo e veiculando um discurso racista, adaptado aos tempos atuais, não obstante a intensa mobilização social observada.
Tais questões orientaram para a análise em perspectiva diacrônica. Buscamos apreender, em períodos cronológicos predefinidos, modificações no discurso racista, observando em que medida o discurso racista foi mantido ou foi superado, em que se modificou e qual a extensão de eventuais modificações observadas.
Por trás de uma questão aparentemente simples, tanto acadêmicos quanto ativistas, particularmente os de combate ao racismo, têm assinalado mudanças nas manifestações do racismo contemporâneo, especialmente dos discursos racistas. A expressão novo racismo
foi utilizada, na Europa, por Barker (1981, apud WIEVIORKA, 1992) para caracterizar a passagem de um racismo universalista, de inferiorização biológica, a um racismo diferencialista, focado na cultura. Paralelamente, nos EUA, foi usado o termo racismo simbólico
para descrever mudança similar (WIEVIORKA, 2000, p. 21). O novo racismo
, em geral, nega, em primeiro plano, que seja racismo (VAN DIJK, 1993; WIEVIORKA, 1992) e tende a usar estratégias diversas para criar uma aparência de respeitabilidade e de aceitação.
O racismo acomoda-se, portanto, às novas dinâmicas sociais. Alguns estudos informam que tais asserções são válidas para o contexto brasileiro, no qual o racismo também se reestrutura em acordo com as tendências sociais (PIERUCCI, 1997; GUIMARÃES, 2002). Ou seja, o racismo, entendido como construção histórica, forma-se e conforma-se às particularidades sociais dos contextos sócio-históricos em que é produzido, veiculado e recebido. Portanto, a perspectiva de análise diacrônica esteve atenta às movimentações, tanto no campo da produção do livro didático quanto dos discursos racistas e anti-racistas produzidos e veiculados no Brasil.
A presente pesquisa insere-se em campo de estudos que vem se conformando no Brasil, a Psicologia Social da Educação, e está amparada por três campos de conhecimentos: a) teoria da ideologia, b) estudos sobre relações raciais e c) estudos sobre políticas educacionais.
A análise foi produzida nos contextos interpretativos da teoria da ideologia – tendo John B. Thompson (1995) como principal teórico – e dos estudos contemporâneos sobre discursos racistas. Adotamos o conceito de ideologia de Thompson, para quem fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que eles sirvam, em circunstâncias sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação
(1995, p. 76). O estudo da ideologia é o estudo de como a circulação das formas simbólicas cria, institui, mantém e reproduz relações de dominação. Os discursos dos livros didáticos são tomados, portanto, sob o prisma da análise ideológica, ou seja, como forma de produção e difusão de discursos que fundam e sustentam relações de desigualdade, em nosso foco, racial.
O estudo compõe parte das pesquisas recentes do Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade/NEGRI do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, centrados em eixos de desigualdade de gênero, de raça e de idade (os citados nesta obra: ESCANFELLA, 1999; BAZILLI, 1999; CALAZANS, 2000; ANDRADE, 2004; FREITAS, 2004), que se têm utilizado do arcabouço teórico-metodológico de Thompson (1995) e que se interessam em compreender as maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com relações de poder
(THOMPSON,1995, p. 75). O nós
utilizado em muitas das passagens do texto não é somente o polimento do nós majestático, mas indica de fato um trabalho de equipe de pesquisa, tanto pela interlocução com os demais pesquisadores do NEGRI quanto pelo núcleo de trabalho da pesquisa apresentada nesta obra, composto por mim, por Neide Cardoso de Moura e pela coordenadora do NEGRI e orientadora da tese que resultou neste livro, Fulvia Rosemberg. Juntos, realizamos tanto os estudos que compõem a abordagem teórico-metodológica como empreendemos diversos dos procedimentos de pesquisa. Os procedimentos comuns realizados por Neide Cardoso de Moura (2007) culminaram na tese que estudou a ideologia de gênero na mesma amostra de livros didáticos de Língua Portuguesa.
Além do conceito de ideologia, a metodologia também foi inspirada em Thompson (1995), cuja proposta metodológica – a Hermenêutica de Profundidade/HP – envolve três etapas. A primeira é a análise sócio-histórica, que tem como objetivo estudar os contextos específicos e socialmente estruturados nos quais as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. A segunda, a análise formal ou discursiva, consiste na análise interna às próprias formas simbólicas. No nosso caso, utilizamos técnicas de análise de conteúdo, baseadas em Bardin (1985) e Rosemberg (1981). A terceira, a interpretação/reinterpretação da ideologia, é operação de síntese que articula os resultados das fases anteriores.
No campo de estudos das relações raciais, adotamos:
A perspectiva de Guimarães (2002), entendendo o conceito de raça como construção social e conceito analítico fundamental para a compreensão de desigualdades sociais – estruturais e simbólicas – observadas na sociedade brasileira. Certas discriminações são subjetivamente justificadas ou inteligíveis somente pela idéia de raça, que é usada para classificar e hierarquizar pessoas e segmentos sociais. O uso do conceito de raça ajuda a atribuir realidade social à discriminação e, conseqüentemente, a lutar contra a discriminação (GUIMARÃES, 1995). No Brasil, as relações raciais estão fundadas em um peculiar conceito de raça e forma de racismo, o racismo à brasileira
(GUIMARÃES, 2002), cujas especificidades são significativas para compreender as relações entre os grupos de cor e as desigualdades associadas. O racismo à brasileira
se constrói e reconstrói mantendo desvantagens para a população negra no acesso a bens materiais e simbólicos.
A perspectiva de Rosemberg (1998) sobre as dinâmicas das relações entre educação e raça, que aponta como são observados mecanismos internos à escola influenciando negativamente nos índices de permanência e sucesso na escolarização de alunos negros (ROSEMBERG, 1998). Uma das possíveis formas de discriminação no interior da escola (entre outras) é o uso de livros didáticos que naturalizam a branquidade de seu público.
Adotamos a perspectiva que considera a sociedade como palco de conflitos diversos, particularmente perceptíveis nos planos de gênero, raça, idade e classe social (ROSEMBERG, 2000). As relações entre os diversos planos são complexas, ocorrem descontinuidades, rupturas e alterações das influências dos campos originais de gênero, raça, idade ou classe. Ao analisar os livros didáticos sob a óptica das relações raciais, estaremos lidando com parte dessa complexidade.
Outro ponto a considerar, baseado em Rosemberg et al. (1987), é que os livros didáticos exercem o papel de reprodução, mas também de produção da ideologia de raça (também de gênero e de idade). Consideramos que expressões do racismo em livros didáticos constituem uma das formas de produção e sustentação do discurso racista no cotidiano brasileiro, não apenas reflexo de um racismo produzido pelas instituições externas à escola. Formas simbólicas não são meras representações da realidade (THOMPSON, 1995), elas são constitutivas da realidade social, servindo não somente para sustentar relações de dominação, mas também para criá-las ativamente.
Utilizamos o conceito de discurso como tem sido amplamente empregado na teoria e análise social, como instâncias de comunicação usuais, que são constitutivas e constituídas nos diferentes modos de estruturação das práticas sociais. Discursos participam da construção dos fenômenos sociais, posicionam os indivíduos de diversas formas como sujeitos sociais (por exemplo, como branco e negro). Privilegiamos o uso da expressão discurso racista
, sempre que possível, pois é mais fiel ao conceito de racismo que adotamos, que considera as dimensões estrutural e simbólica (ou ideológica) do racismo:
Com efeito, o racismo sempre envolve conflito de grupos a respeito de recursos culturais e materiais. E opera por meio de regras, práticas e percepções individuais, mas, por definição, não é uma característica de indivíduos. Portanto, combater o racismo não significa lutar contra indivíduos, mas se opor às práticas e ideologias pelas quais o racismo opera através das relações culturais e sociais. (ESSED, 1991, p. 174)
O conceito permite que se explicitem expressões de racismo sem que se necessite atribuir o epíteto de racista a seus emissores – no caso dos livros didáticos, autores, ilustradores, editores, educadores, especialistas em avaliação
(ROSEMBERG; BAZILLI; SILVA, 2003, p. 129). Procura-se não promover, assim, as intensas reações de defesa que a crítica ao racismo produzido e sustentado pelos livros didáticos tem suscitado entre seus produtores.
O terceiro campo de conhecimento em que nos apoiamos é relativo às políticas educacionais. Trabalhamos na perspectiva dos teóricos da resistência
, da sociologia crítica da educação, a partir de autores como Apple (1995, 1996), Giroux (1999a, 1999b), Enguita (1999) e Mclaren (1997). Além da contribuição metateórica dos autores, da concepção crítica de sociedade, adotamos a opção por examinar a educação em seus contextos históricos e como parte do tecido social e político, focalizando os processos culturais pelos quais determinados discursos mantêm-se hegemônicos. Este estudo tem como meta problematizar as formas dominantes de linguagem na produção de livros didáticos, com vistas a um processo de superação de desigualdades raciais. São de particular interesse as análises: de Apple (1995) sobre o significado de tomar os livros didáticos como artefatos de currículo
, e as relações de poder que perpassam sua produção, como objeto de pesquisa; de Apple (1996) e de Giroux (1999a) sobre a naturalização da branquidade, a brancura normativa
hegemônica nos discursos em educação; de Apple (1996) e Enguita (1996) sobre relações entre políticas educacionais e desigualdades de classe, gênero e raça. A partir dessa perspectiva, o estudo direcionou-se a analisar possíveis impactos da avaliação do Programa Nacional do Livro Didático/ PNLD no discurso racista veiculado por livros de Língua Portuguesa.
O livro está estruturado em três partes: a primeira parte dedica-se a precisar o campo de estudos. No capítulo1, Sobre o objeto
, realizamos revisão da literatura sobre racismo em livros didáticos brasileiros, colocando em primeiro plano os resultados de estudos diacrônicos e definindo o foco da pesquisa. No capítulo 2 ,Teoria e método
, analisamos o conceito de ideologia de Thompson (1995) e os diferentes modos gerais de operação e estratégias da ideologia e apresentamos a metodologia da Hermenêutica da Profundidade/HP, adotada na estruturação da pesquisa.
A segunda parte compõe o primeiro nível de análise, conforme proposta da HP, ou seja, discutimos o contexto sócio-histórico de produção das formas simbólicas, no nosso caso, o discurso racista em livros didáticos brasileiros. No capítulo 3, Procedimentos: revisão de literatura
, descrevemos os procedimentos para a análise de contextos, particularmente a forma de realização de pesquisa bibliográfica. No capítulo 4, Discursos racistas no contexto brasileiro
, explicitamos o uso do conceito de raça como categoria analítica, analisamos características do racismo à brasileira
e sua relação com as desigualdades raciais no Brasil, nos planos estrutural e simbólico. No capítulo 5, Produção de livros didáticos no Brasil
, localizamos o livro didático como fenômeno de mídia e discutimos os interesses de diversos atores sociais em sua produção.
A terceira parte dedica-se ao segundo e terceiro níveis de análise da HP. No capítulo 6, Procedimentos da análise formal
, descrevem-se procedimentos da análise formal ou discursiva, para a qual definimos o uso da análise de conteúdo, conforme a perspectiva adotada por Bardin (1977) e Rosemberg (1981). No capítulo 7, Interpretação e reinterpretação
, estão descritos e interpretados os resultados da análise discursiva. Apontamos modificações e permanências no discurso racista veiculado pelos livros didáticos e interpretamos os resultados como uso de diferentes formas de estratégia ideológica que operam no sentido de estabelecer e sustentar as desigualdades raciais.
Terminamos o livro (considerações finais) propondo uma síntese que destaca um duplo movimento nos discursos dos livros didáticos: a negação do racismo concomitante a discurso racista que naturaliza a condição do branco e estigmatiza o negro. Realizamos, nas considerações finais, o exercício proposto por Thompson (1995) de interpretar as estratégias ideológicas apreendidas na análise formal como meio de operação dos modos gerais da ideologia. Particularmente, as estratégias de naturalização do branco e passifização do negro concorrem para a configuração de discurso racista que reifica as relações desiguais entre brancos e negros no País. Finalmente, discutimos os resultados em função das políticas do livro didático no Brasil, refletindo sobre possibilidades e limites de intervenções para combate ao discurso racista produzido e veiculado por livros didáticos.
PARTE I
CAMPO DO ESTUDO
Sobre o objeto
A construção da pesquisa da qual se originou este livro baseou-se em revisão atenta da literatura sobre livros didáticos no Brasil, quando pudemos apreender: a) lacunas nos conhecimentos acadêmicos acumulados sobre o tema; b) intensa mobilização social sobre a questão; c) equívocos/descaminhos da ação governamental caso as medidas assumidas visassem enfrentar o racismo constitutivo da sociedade brasileira. Na análise da literatura disposta a seguir, partimos de um panorama sobre as pesquisas relativas a racismo em livros didáticos, posteriormente contrapondo