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A Hipótese da Revolução Progressiva: Uma abordagem pós-gramsciana da transição ao socialismo
A Hipótese da Revolução Progressiva: Uma abordagem pós-gramsciana da transição ao socialismo
A Hipótese da Revolução Progressiva: Uma abordagem pós-gramsciana da transição ao socialismo
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A Hipótese da Revolução Progressiva: Uma abordagem pós-gramsciana da transição ao socialismo

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O livro A Hipótese da Revolução Progressiva propõe um modelo original de transição ao socialismo. Pretende ter identificado os estrangulamentos da formulação gramsciana que levaram o socialismo europeu a um impasse e considera ter resolvido também o enigma do colapso do modelo leninista de revolução e de sociedade, descortinando um processo revolucionário vivo dinâmico e em pleno andamento.
A análise é feita a partir da transição que fundou o Estado e a sociedade de classes a partir do socialismo primitivo, um processo complexo em que a democracia primeva enraizada na comunidade, ou na Gemeinde, conforme Engels, foi sendo substituída pelo despotismo classista do modo de produção asiático.
A longa transição rumo à sociedade de classes foi polarizada pelo recuo da democracia e do controle da coisa pública pela comunidade, sugerindo que a transição oposta deverá estar orientada pelo gradiente contrário, de crescente controle público sobre o Estado e de fortalecimento dos valores democráticos. Corroborando esta hipótese, tais elementos parecem constituir a tendência central a atravessar o século XX.
O modelo estabelece o Estado de direito como a última forma de Estado, tornando obsoleta a Ditadura do Proletariado na transição ao socialismo. A construção do socialismo se dá através da ampliação da hegemonia de uma cidadania cada vez mais emancipada que sustenta e democratiza o Estado de direito e curva a economia a uma vontade coletiva cada vez mais soberana.
LanguagePortuguês
Release dateJul 26, 2018
ISBN9788579174995
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    A Hipótese da Revolução Progressiva - Ion de Andrade

    A HIPÓTESE

    DA REVOLUÇÃO PROGRESSIVA

    Ion de Andrade

    A HIPÓTESE

    DA REVOLUÇÃO PROGRESSIVA

    Uma abordagem pós-gramsciana da

    transição ao socialismo

    1ª edição 2018

    Bauru, SP

    Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2018

    Coordenador do Projeto Editorial Praxis

    Prof. Dr. Giovanni Alves

    Conselho Editorial

    Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP)

    Prof. Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP)

    Prof. Dr. José Meneleu Neto (UECE)

    Prof. Dr. André Vizzaccaro-Amaral (UEL)

    Profa. Dra. Vera Navarro (USP)

    Prof. Dr. Edilson Graciolli (UFU)

    Imagem da capa

    O amolador de facas, Kazimir Malevich (1913)

    Projeto Gráfico

    Canal 6 Editora | www.canal6.com.br

    Diagramação

    Erika Woelke

    ISBN Ebook: 978-85-7917-499-5

    Projeto Editorial Praxis

    Free Press is Underground Press

    www.editorapraxis.com.br

    Impresso no Brasil/Printed in Brazil

    2018

    Ao prof. Arnon de Andrade, meu pai, com quem aprendi

    a me indignar com as injustiças e a sonhar com um mundo melhor.

    Introdução

    O movimento socialista internacional vive profunda crise. Até a queda do muro de Berlim, a existência física das democracias populares em todo o mundo cumpria, apesar dos muitos problemas existentes, um papel de elo histórico com a formulação de Marx, Engels e Lênin, atestando a atualidade do socialismo. Em escala global, reconfortavam a alma socialista que podia tentar enxergar naquele modelo tortuoso a expressão real de uma teoria mal-executada ou deformada pelas pressões externas. Os problemas podiam então ser entendidos como de natureza operacional, o que preservava a formulação dos fundadores. A derrota histórica do mundo socialista foi um fenômeno devastador, não somente em virtude do seu alcance universal, mas, sobretudo, por ter gerado uma dimensão espaço-temporal não prevista: o "day-after" do mundo socialista, motivado não por uma derrota militar, mas pela vontade coletiva de uma cidadania nascida e crescida sob o socialismo.

    Deserdado e desarmado teoricamente por uma realidade que já não estava nos manuais, o movimento socialista entrou em colapso. Décadas depois, nos dias atuais, ainda não conseguiu reerguer-se sequer no plano teórico.

    A elaboração necessária a superar essa fase exigirá uma releitura do marxismo, e do legado de Lênin e de Gramsci, pois nenhuma formulação ou modelo de revolução escapou da derrota histórica. Haveria nos fundamentos erros ou lacunas capazes de nos conduzir ao ponto em que estamos? Ou estariam os problemas concentrados na própria gestão da experiência?

    Não responder a essas perguntas significaria perder a conexão com as raízes do movimento revolucionário dos séculos XIX e XX e esterilizar a rica experiência teórica e prática acumulada até aqui, que se tornaria então totalmente ininteligível para o futuro. Por sua vez, o não enfrentamento dos desafios teóricos que se impõem inviabilizaria por completo qualquer chance de ressurgimento de um movimento socialista renovado, pois não poderá ganhar vida nova sem que o enigma histórico do seu colapso seja elucidado. Ou o movimento se reencontra com o labor socialista das gerações passadas, ou terá chegado a um beco sem saída. Ou decifra o que ocorreu, ou a derrota terá sido definitiva.

    O propósito deste livro é iniciar essa releitura e propor algumas novas respostas a velhas perguntas. Não pretendemos ser exaustivos nem excessivamente acadêmicos na vã tentativa de produzir um trabalho inquestionável; pretendemos, sim, sem menosprezar os fundamentos teóricos marxistas, mas trilhando caminhos originais, explorar alternativas onde antes só havia certezas.

    Na releitura que propomos iniciaremos com uma reflexão sobre a natureza da transição do capitalismo para o socialismo com base em elementos presentes na formulação marxista sobre a transição oposta, que marcou a entrada da humanidade na sociedade de classes. Por essa porta estreita – pois a elaboração marxista sobre o modo de produção asiático é esparsa e desencontrada – é que passaremos, apontando para a existência de uma surpreendente simetria inversa entre aquela época e a contemporânea, quando convergimos para o que denominamos socialismo pós-capitalista, de que faremos um singelo esboço.

    Defenderemos a tese de que o socialismo do século XX delineou-se como uma experiência anticapitalista, (e não pós-capitalista), razão porque não poderia ter prosperado, pois permaneceu ao longo de toda a sua existência como o antimodelo paralelo do capitalismo, dependente, no plano da sua legitimidade histórica, da existência opressora do Estado burguês sob a sua forma restrita.

    Percorreremos diversos elementos que demonstram que o proletariado continua fazendo a história, embora não saiba que história faz e que persiste, nesta práxis atual marcada por pouca teoria, avançando de forma bastante constante tanto ao longo do século XX quanto no raiar do século XXI, tornando, aliás, o socialismo cada vez mais viável. Ao leitor sensato tal afirmação poderá parecer loucura. Tentaremos demonstrar que não.

    I

    Da transição para o socialismo e para que socialismo

    O alfa e o ômega das sociedades de classe

    Os modelos de passagem das primeiras sociedade sem classes – o socialismo primitivo – para a sociedade de classes foram objeto do interesse de Marx e Engels em diversas publicações, embora não haja nenhum livro específico sobre este assunto. Para eles, essa transição ocorreu por meio do que denominaram modo de produção asiático. A entrada da humanidade na sociedade de classes oferece um panorama valioso para a reflexão sobre a transição atual por recolocar, num nível evidentemente mais complexo, problemas que terão de ser resolvidos num ordenamento invertido para que a transição ao socialismo possa efetivamente ser materializada.

    O modo de produção asiático se desenvolveu em sociedades que realizaram grandes trabalhos de irrigação para a agricultura e seus vestígios podem ainda ser encontrados no Egito, Índia ou nas regiões onde prosperaram as civilizações indígenas das Américas. Ele foi atravessado em sua evolução interna pela clivagem entre o socialismo primitivo e a primeira sociedade de classes, razão porque pode ser entendido como sendo ao mesmo tempo a última sociedade sem classes e a primeira sociedade de classes. Engels põe o fenômeno numa perspectiva cronológica atribuindo ao modo de produção asiático uma fase inferior democrática e não classista (ainda influenciada pela sociedade não dividida em classes sociais, a que denomina Comunidade ou Gemeinde), e uma fase superior dita despótica e classista¹. Vejamos o que diz Engels:

    No seio de cada uma destas coletividades existem, desde o primeiro momento, determinados interesses comuns, cuja defesa se entrega a determinados indivíduos, embora sob o controle da coletividade, como seja: administração da justiça, repressão de atos ilegítimos, inspeção do regime de águas, principalmente nos países tropicais, e, finalmente, toda uma série de funções religiosas, derivadas do primitivismo selvagem destas sociedades. Tais fenômenos de distribuição de competências se encontram nas coletividades naturais de todas as épocas, como já ocorria na sociedade antiquíssima dos marks alemães e como ainda hoje se observa na Índia. Trazem consigo, como é lógico, uma certa amplitude de poderes e representam as origens do Estado. Pouco a pouco, as forças produtivas se vão intensificando, a densidade cada vez maior de população cria interesses ora comuns, ora formados entre as distintas coletividades, de modo que, agrupando-se num todo superior, fazem nascer uma nova divisão do trabalho, criando os órgãos necessários para cuidar dos interesses harmônicos e para defender-se contra os interesses hostis. Tais órgãos, que ocupam já, como representantes dos interesses comuns de todo o grupo, uma posição especial frente a cada coletividade particular, até mesmo inclusive inimiga, vão adquirindo dia a dia maior independência, devido, em parte, ao caráter hereditário de suas funções, caráter quase evidente num mundo em que tudo se desenvolve de um modo elementar, e, em parte, à proporção em que se vão tornando indispensáveis pela multiplicação dos conflitos com outros grupos. Não é necessário que examinemos aqui o modo como esta independência da função social frente à sociedade foi convertendo-se, com o correr dos tempos, numa verdadeira hegemonia sobre a própria sociedade, o modo como os primitivos servidores da sociedade, nos lugares onde as circunstâncias lhes foram propícias, foram-se erigindo paulatinamente em senhores dela própria e, finalmente, o modo como, de acordo com o ambiente, esses mesmos senhores se instauraram, no Oriente, como déspotas ou sátrapas, na Grécia, como príncipes de linhagem, entre os celtas, como chefes de clã, e assim por diante.²

    O conceito de coletividade utilizado por Engels quando se refere à fase inferior do modo de produção asiático diz respeito ao protagonismo social de um ente, a comunidade, que promove uma gestão democrática dos recursos naturais e das instituições. Ou seja, a formulação alude a uma administração não estatal e não comprometida com a subordinação de uma classe por outra, embora reconheça, no mesmo texto, que essa divisão do trabalho deu origem à dominação do homem pelo homem, isto é, ao próprio Estado, conforme a sua formulação marxista.

    Naturalmente, as condições que deram origem ao Estado e à sociedade de classes na pré-história da humanidade foram incomparavelmente mais simples do que as que hoje nos desafiam quando o capitalismo está organizado em nível planetário. Mesmo assim, estamos no extremo oposto do processo que dividiu a humanidade entre dominantes e dominados, fato que torna, desde Marx e Engels, a visita ao modo de produção asiático especialmente interessante.

    Ao observarmos a evolução histórica da sociedade sob o modo de produção capitalista vamos admitir a hipótese da existência de simetrias entre alguns elementos também presentes na transição da sociedade sem classes para a sociedade de classes no modo de produção asiático. Tal simetria deve manifestar-se de forma invertida na ordem da ocorrência do fenômeno expresso pela análise de Engels no Anti-Dühring, que atribui a) à fase inferior do modo de produção asiático um caráter democrático, caracterizado pela gestão coletiva da administração, e b) à fase superior subsequente um caráter despótico, no qual a gestão da coisa pública se vê apropriada por uma classe dominante surgida da divisão do trabalho e das novas funções sociais.

    Seria esperável, caso o processo histórico de saída da sociedade de classes estivesse em andamento nos dias atuais, que o Estado na sociedade capitalista conhecesse um processo inverso ao que Engels vislumbrou no modo de produção asiático. No capitalismo, o gradiente de evolução, para confirmar a hipótese em análise, deveria ter, (movido pelas lutas dos trabalhadores e pela intensificação das forças produtivas), uma direção vetorial apontada para a democratização da vida política e para o incremento do controle da coletividade sobre as funções públicas. Se isso estiver acontecendo seria justo validar a hipótese de que a transição para a sociedade sem classes estaria em andamento. Vamos admitir também que o processo vem ocorrendo às cegas, pois o proletariado faz essa História sem saber que história faz, e está mergulhado, dada a pobreza da formulação teórica socialista contemporânea, numa ignorância política que inviabiliza inteiramente a realização do fenômeno de forma mais robusta e consciente.

    Consideramos que o processo a que assistimos, ao longo do século XX, é compatível com a ampliação do controle coletivo sobre coisa pública em escala planetária e que há, no modo de produção capitalista, à semelhança do que ocorreu no modo de produção asiático, mas em ordem inversa, uma fase inferior despótica, marcada pela presença de Estados restritos, limitados à Sociedade Política, (as democracias burguesas, ou o Estado burguês), e uma fase superior democrática, marcada pela emergência e fortalecimento da Sociedade Civil que funda Estados de direito.

    O ordenamento cronológico do surgimento de Estados ampliados com Sociedade Civil mais forte como sucedâneos de Estados restritos e o fato de que o fenômeno conhece amplitude planetária atestam, para horror dos conservadores, que a história continua se movendo.

    Da democracia burguesa ao Estado de direito

    O século XX assistiu a um processo complexo de evolução social, pois foi atravessado por uma transição interna ao próprio capitalismo, que transitou de sua fase inferior para a sua fase superior, ao mesmo tempo que emergiam repúblicas socialistas em reação à brutal democracia burguesa.

    A complexidade dessa fase da história tornou a sua compreensão teórica extremamente difícil. Nenhum dos grandes pensadores do socialismo vislumbrou a transição interna do Estado capitalista e dela pôde, obviamente, tirar lições para a política, nem dimensionar as consequências para o Socialismo Real. Gramsci aproximou-se disso, abrindo caminhos e produzindo conceitos para análises que só hoje são possíveis, quando alguns fenômenos, como o da implosão do Socialismo Real, se mostraram por completo.

    Estamos denominando fase inferior do capitalismo aquilo a que Marx e Engels denominaram democracia burguesa ou Estado burguês, cujo governo funcionava como o Comitê Gestor dos interesses do capital.³ Ilustra fenômeno similar o Estado russo anterior a 1917, conforme Gramsci,⁴ de Sociedade Civil gelatinosa e governado eminentemente pela força.

    O Estado burguês de fase inferior ou restrito, a dita democracia burguesa, foi comumente marcado pelo voto do cidadão ativo (qualificado pela propriedade), pela restrição ao voto feminino, pelo racismo oficial, pela proibição do direito de greve e de opinião ou pelas muitas outras restrições ao exercício da liberdade em prejuízo dos trabalhadores e da cidadania, (entendida nessa obra como a expressão política do proletariado na Sociedade Civil) caracterizando-o como um Estado abertamente autoritário, no qual a ordem se apoiava, sem subterfúgios, sobre sabres e baionetas. O Estado burguês, que prosperou, sobretudo na Europa e nos EUA, entre a Revolução Industrial e a Segunda Grande Guerra, foi capaz de uma violência antipopular ricamente registrada pela história. São emblemáticos dessa fase os Estados francês e inglês de fins do século XIX e início do século XX, cuja violência no trato com os trabalhadores deixou memória inapagável na história retratada em romances, crônicas de época e em fotos de massacres. Na França, essa democracia burguesa encerra o seu reinado ao enviar para o extermínio milhares de cidadãos franceses de origem judaica, comunistas, e deficientes físicos e mentais.

    Por outro lado, estamos denominando fase superior o que comumente é denominado Estado de direito, ente dotado de Sociedade Civil mais robusta e que evolui a depender das conquistas e da força política da cidadania, para um exercício potencialmente mais democrático do poder, orientado a um crescente controle da sociedade sobre a coisa pública.

    Noutros termos propomos, que no capitalismo tenha ocorrido, ao longo do século XX, o trânsito entre o Estado burguês restrito, típico da sua fase inferior, para o Estado de direito ampliado, típico

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