Educação das Pessoas com Deficiência Visual
By Leomir Bill
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Educação das Pessoas com Deficiência Visual - Leomir Bill
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Dedico todo meu trabalho a minha esposa, Dolores, e meus filhos, Flávio e Mariângela, que, por meio da nossa convivência, deram suporte e base para que eu escrevesse este livro. Também o dedico aos meus amados netos, Eduardo e Rafael. Dudu nos alegrou com sua chegada, mas, em seguida, deixou a saudade, pois em menos de duas horas voltou ao Reino Celestial. Ao Rafael, que permanece entre nós, cabe disseminar o amor verdadeiro, para que todos possam enxergar virtudes no seu semelhante e o potencial a ser desenvolvido em vez de deficiência, fraqueza e pobreza, que muitas vezes não existem – e, se existem, não podem ser alimentadas, mas combatidas, principalmente pelo estudo e pelo trabalho.
HOMENAGEM
Neste livro quero homenagear ao professor Odilon Sebastião Ribeiro dos Santos, um dos melhores amigos entre os meninos maiores que foram para Porto Alegre nos anos 1960. Jovem de uma educação refinada e de conduta exemplar, ostentava uma postura decisiva e influente, por isso, era carinhosamente apelidado de Patrão. Sua expressão oral também o destacava entre os meninos, tanto que recebeu o codinome Vile, uma referência ao importante radialista que atuava em Porto Alegre na época, Vile Gonzer.
Em qualquer eventualidade, era solicitado o seu discurso, e, mesmo quando improvisado, era admirado por sua fluência e boa mensagem. Companheiro por excelência, incentivava sempre os menores ao namoro, ao trabalho, ao estudo e ao esporte, tanto que, certo dia, após uma brincadeira de futebol, mesmo na condição de jogador, um garoto recém-chegado o confundiu com um técnico e indagou: Quando o ‘seu’ Odilon irá treinar-nos novamente?
. Seu lema, transmitido sempre por ações e palavras, era tranquilidade, companheirismo e educação.
Para ilustrar este livro e dignificá-lo, relacionei nomes de algumas pessoas que contribuíram significativamente de forma direta ou indireta para a educação das pessoas cegas, que são mencionados aqui, como mestre Jesus Cristo, professor Valentin Aüy, Louis Braille, José Álvares de Azevedo, ministro Benjamin Constant, imperador D. Pedro II, Hellen Keller, doutor Daniel Borges dos Reis, professor e doutor Máximo Atílio Alfredo Asinelli, professor Valdomiro Valentim Teodoro, professor Sinésio Folmann, professor Odilon Sebastião Ribeiro dos Santos, professor e doutor Paulo Ricardo Ross, professor Antonio Luiz de Abreu, professora Maria Estela Madureira dos Santos, professora Graciosa Bernardi da Silva, professora Utako Kawamura, professor Benedito Valentim Teodoro e professora Almeri Siqueira de Siqueira.
Os ideais que iluminaram meu caminho e sempre me deram coragem para enfrentar a vida com alegria foram: a verdade, a bondade e a beleza.
(Albert Einstein)
Clima de Amor
Finalmente!
A primavera voltou!
Eu quero
ver o mundo sorrir...
Quero ver,
Gente morrendo de amor!
E a natureza,
Suas flores abrir!
Cada dia,
Quando o sol despontar
Dizendo
Que é bonito viver!
Eu também,
Quero morrer de te amar!
E em sonhos lindos,
Vou então me perder!
Quando a noite chegar,
Lindas estrelas
No céu brilharão
E haverão de espalhar
Mil sementinhas de amor
Pelo chão.
O luar
Virá repleto de paz,
E nesse clima,
Hei de amar muito mais!
Letra e melodia
Maria Terezinha de Castro
A humanidade sempre sonhou com um milagre religioso: que os cegos enxergassem e que os surdos ouvissem. É possível que a humanidade triunfe um dia sobre a cegueira, a surdez e a deficiência intelectual. Porém as vencerá no plano social e pedagógico muito antes que no plano biológico e medicinal. É possível que não esteja longe o dia em que a pedagogia se envergonhe do próprio conceito de ‘criança com defeito’. O surdo falante e o trabalhador cego, participantes da vida geral em toda a sua plenitude, não sentirão sua deficiência e não darão motivo para que outros a sintam. Está em nossas mãos o desaparecimento das condições sociais de existência desses defeitos, ainda que o cego continue cego e o surdo continue surdo. Provavelmente não serão compreendidos aqueles que disserem que um cego é deficiente. Assim as pessoas verão que um cego é um cego, que um surdo é um surdo e nada mais.
(Vygotsky. L. S. Obras Escolhidas, 1997, p. 82).
PREFÁCIO
Este livro apresenta aspectos teóricos e práticos da educação e da vida em sociedade que têm relação com a pessoa com deficiência visual.
Mas eu poderia indagar a você, leitor: deficiência, qual é a sua? Você conhece seus limites? E se os conhece, é capaz de admiti-los? Você busca os apoios que contribuam para superar suas dificuldades?
Muitos de nós nos furtamos a investir nas capacidades reais que apresentamos e, ao mesmo tempo, negamos nossas carências. Assim, tornamo-nos seres apenas adaptáveis, submissos, ajustados ao modelo que é tradicionalmente preparado para nós.
Se somos ou nascemos cegos, então temos de ser silenciados, infantilizados. Mas, se somos seres socialmente produzidos, então não podemos tomar os recursos como a bengala, a lupa, o sistema Braille como símbolos de inferioridade. Tudo pode ser criado por nós para nosso benefício, ampliando nosso poder de interação com o mundo, com as pessoas e suas obras, seus registros, suas expressões, sua arte, sua ética e sua estética.
Se todas as saídas podem ser encontradas por nós mesmos, então o que temos de enxergar na pessoa com deficiência visual? Basta olharmos apenas para a visão que lhes falta
e formarmos todas aquelas concepções equivocadas e limitadoras do ser humano? Onde temos de fixar nosso olhar?
O autor deste livro, Leomir Barbosa Bill, não se escondeu do mundo. Aprendeu com seus mentores, companheiros e professores cegos que era possível acreditar em si mesmo.
Os professores Benedito, Odilon, Utako, Valdomiro, entre outros, ensinaram-no a se reconhecer como cego e a tomar consciência de seus próprios poderes. Assim, Bill, como é conhecido, aprendeu a cuidar de si mesmo, a se comunicar, a resolver suas demandas pessoais, a se defender e se proteger contra ofensas, rotulações e rejeições às quais todas as pessoas são submetidas.
Habilidades para dominar uma bola de futebol, deslocar-se num campo de jogo e realizar dribles desconcertantes já podiam ser observadas no pequeno Bill. Mas o pensamento rápido e as habilidades para brincar com as palavras o tornavam ainda mais inteligente, sociável e requisitado pelos colegas.
Um estudante dedicado, um amigo para ajudar a tomar as melhores decisões, um colega para diversão, um apreciador da elegância e da inteligência, Bill se tornou um modelo, uma referência para seus colegas.
Em cada contexto social, em cada momento histórico, cada pessoa elabora suas problematizações para responder às diferentes necessidades e expectativas que são nela projetadas.
Constituímo-nos atuando no mundo e interagindo para atender a essas necessidades e expectativas: estabilidade, segurança, variação, movimentação, interdependência, conexão, reconhecimento, aceitação, crescimento, conhecimento, autoconhecimento etc. Não somos pessoas reduzidas a funções sensoriais de ver, ouvir e tocar. Assim como não somos uma aparência física, também não somos uma categorização resultante de um diagnóstico. Não somos uma abstração. Mas podemos ser uma idealização vivida todos os dias. O afeto e as palavras das mães projetam a comunicação, a mobilidade e o aprendizado do filho. Os desafios dos bons professores geram a formação de um ser humano livre, persistente e justo, um cidadão responsável pelo papel e lugar que possa ocupar no futuro.
Disso é feita a pessoa, e não de sua deficiência, nem do que se discursa sobre ela.
Queremos ampliar nosso conhecimento para além do vivido e sentido. Por isso, estudamos, apropriando-nos da herança cultural sistematizada por pensamentos e concepções de outras gerações. Valemo-nos da linguagem para interpretar as razões, os interesses, as forças que movem os confrontos, as origens das ideias dominantes, o lugar que ocupam os trabalhadores, as crianças, os idosos, as mulheres, em cada momento histórico.
A língua nos permite dialogar com toda a espécie humana. A língua nos permite enxergar e ouvir o que olhos e ouvidos não alcançariam apenas pelo bom funcionamento de suas estruturas biológicas. A língua nos permite tomar posse da realidade, subsidiar nossas escolhas e decisões.
Usamos nossa capacidade linguística para estabelecer negociações, defender um ponto de vista, descrever resultados de uma experiência, expressar preferências e emoções que singularizam as leituras do mundo por parte de cada pessoa.
Com a língua, adquirimos o poder de dimensionar aspectos objetivos da realidade, como os espaços do cotidiano, os espaços históricos, os espaços políticos, os espaços afetivos, os ambientes humanos e naturais.
A língua nos fornece pontes para compreender o universo complexo da subjetividade humana, como elementos das emoções, tais quais o medo, a vergonha, a insegurança, o pânico, a ansiedade, a raiva, a angústia, as alegrias.
Do mesmo modo, podemos conhecer a política, a força organizativa do ser humano, o poder de mobilização, de convencimento, de alienação, a força de articulação de ideias e fatos que se mostram fragmentados e desconexos, as estratégias de construir artificialmente homogeneidades, massificando comportamentos, padronizando modos de pensar e agir, anulando diferenças, sabotando os conflitos discursivos, ignorando os tempos subjetivos, a cultura e a língua dos surdos, a ansiedade cronológica da mulher gestante e do atleta e a condição arrítmica do autista. Na política, compreendemos as alianças que visam à conquista ou à preservação do poder, mas exercemos o direito de participar socialmente, reivindicar livros acessíveis, calçadas seguras para caminhar, oportunidades de trabalho, o direito de contribuir nas formulações e adequações das políticas e projetos do nosso tempo.
Com a língua temos contato com as grandes narrativas da literatura, as belas metáforas da poesia, a radicalidade e o rigor da crítica, o oculto e o implícito das ideologias, a lógica consumista da mídia, as libertações e aprisionamentos da ciência e da tecnologia. Informamo-nos acerca dos mecanismos de sobrevivência para nos tornarmos mais fortes no grupo ao qual pertencemos.
Não apresentar uma deficiência não torna os seres humanos pessoas perfeitas
. O que as torna mais bonitas, mais admiradas, não é a ausência de adversidades. Nem mesmo a riqueza material acumulada garante que sejam mais felizes. A beleza e a felicidade podem localizar-se na capacidade de descrever, narrar os equívocos, corrigir os erros, alterando os procedimentos, a maneira