Da Janela ao Farol: A Subjetividade do Tempo em Virginia Woolf
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Book preview
Da Janela ao Farol - Rosângela Neres Araújo da Silva
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Para Maria Francisca, pela memória da infância eternizada; Genilda Azerêdo, por este passeio ao Farol; e João Paulo Fernandes, pela memória em construção.
Agradecimentos são um sinal de afeto e reconhecimento irrestritos, e as pessoas que estiveram comigo no percurso deste trabalho não foram poucas. Elas sabem quem são e o quanto contribuíram para que eu o realizasse. A todas essas pessoas, aos meus professores, às instituições que acolheram minhas ideias e ao meu futuro leitor, a minha sincera gratidão.
Whatever else may perish and disappear, what lies here is steadfast.
(Virginia Woolf)
PREFÁCIO
O MERGULHO NO TEMPO DE VIRGINIA WOOLF
Conheci Rosângela Neres em 1987, por intermédio dos estudos sobre Virginia Woolf. Compartilhamos o afeto instantâneo por essa escritora e alguns deleites: aulas, discussões, filmes e personagens. E, inconscientemente, ou quem sabe já em estado de intuição, certo Farol nos indicaria possíveis encontros acadêmicos, pessoais, lúdicos, literários e de poesia e cinema.
Rosângela, pernambucana de nascimento, já está na Paraíba há mais de 20 anos. E nesse tempo, foi acarinhada pela UFPB, seus cursos, professores e principalmente suas amigas. Gostamos de compartilhar gente, experiências, livros e arte.
O texto O leitor desamparado
, de Leonardo Mendes (2008), fala-nos da dificuldade, até mesmo existencial, que nós, leitores do século XX, temos ao ler Virginia Woolf. Um desamparo traduzido talvez na abertura do romance Mrs Dalloway: Que frêmito! Que mergulho!
. Mas seja qual for o desamparo, na forma e tema, a verdade é que, em estado desse mesmo desamparo, mas paradoxalmente de êxtase, uma vez feito o contato com a escrita de Woolf, jamais seremos os mesmos.
Depois dos contos, ensaios críticos e diários, foi nos romances que Rosângela encontrou seu objeto de pesquisa. Foi tomada pelos elementos de construção da narrativa, pelas questões do tempo, a percepção interior dos personagens, o fluxo de consciência, imagens simbólicas, a memória, o sentimento elegíaco, a duração das emoções, o acentuado grau de lirismo, pela prosa poética/poesia de existência e outras experimentações literárias do romance moderno, dessa que seria uma das maiores vozes da literatura universal do século XX, Virginia Woolf.
Woolf (2007, p. 26) dizia que todo romance começava com uma velha senhora na esquina da frente
! Procurava o leitor comum para que fossemos cúmplices! E nos instigava a buscar as grandes delicadezas de percepção, mas também de grandes audácias da imaginação. Com muitas dessas percepções e cumplicidades, e mais ainda de desamparos, eis que a tese de doutorado de Rosângela, Da Janela ao Farol: tempo, subjetividade e memória no romance e na adaptação fílmica de To the lighthouse, transforma-se em livro!
Seu trabalho é um estudo comparado entre o romance To the lighthouse e a adaptação fílmica homônima de Colin Gregg. Rosângela mergulha na construção das estruturas temporais em ambos os meios e na investigação dos efeitos de sentido decorrentes desse diálogo, utilizando as teorias da narrativa, da adaptação, e procedimentos e técnicas cinematográficas para buscar explicitar a construção de estratégias tanto literárias quanto fílmicas que interferem na configuração da percepção interior, nos dados subjetivos e na representação simbólica.
A escolha de Rosângela pelo romance/adaptação To the lighthouse não é aleatória. Considerado um dos mais importantes romances de Woolf, esse será o seu farol ficcional que dará acesso à compreensão e à superação de suas perdas e danos reais, percorridos de tristezas e mortes, mais especificamente, a morte de sua mãe – um farol que também ilumina elementos e conceitos de outras artes, a plasticidade da pintura impressionista, o movimento da arte cinematográfica e a subjetividade da poesia. Além dos objetivos comuns de um trabalho acadêmico de grande porte como uma tese de doutorado, Rosângela também contribui com seu trabalho para uma lacuna ainda existente no que diz respeito aos poucos trabalhos sobre as adaptações fílmicas da obra de Virginia Woolf e sobre as técnicas de construção do pensamento e da memória no cinema.
Com passeios ao romance em estudo, Rosângela vai costurando o seu próprio bordado por entre as palavras, construindo um novo olhar sobre Woolf e suas estórias, rememorações, pontes, redes e associações. Nessas transposições e interpretações, cria também antecipações, sugestões e pinceladas, assim como a personagem de Lily pinta seu quadro sobre os Ramsay. O cinema de poesia sai da tela para o texto de Rosângela, criando inversões metalinguísticas quase como A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, em um trânsito belo e original da criação das suas próprias imagens.
Virginia Woolf afirmava que sempre que escrevia sobre uma pessoa, tinha de encontrar uma cena representativa em sua vida. Deixo as perguntas aqui aos que vão mergulhar nos estudos de Rosângela Neres: qual a sua cena de To the lighthouse? Qual a sua cena deste livro? Acredito que o texto acadêmico de Rosângela, agora em outro formato, poderá abrir outras janelas, passagens, faróis e, quem sabe, epifanias todas nossas.
Que o trabalho de Rosângela transcenda os muros acadêmicos com acréscimos simbólicos ou não. E, concluindo, tal qual a imagem que ficaria para compor não o quadro de Lily, mas o nosso quadro, aquele do desamparo/êxtase de cada dia, um único dia.
João Pessoa, 20 de julho de 2015.
Ana Adelaide Peixoto Tavares
Professora doutora em Teoria da Literatura (UFPE)
Professora adjunta do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (UFPB)
Cronista no
APRESENTAÇÃO
UM OLHAR PARA A SUBJETIVIDADE DO TEMPO
Este livro é resultado da pesquisa comparada entre o romance To the lighthouse (1927), de Virginia Woolf, e a adaptação fílmica homônima de Colin Gregg (1983), realizada durante a minha pós-graduação em Literatura e Cultura, na Universidade Federal da Paraíba. Busca, nas áreas da teoria da narrativa e teoria da adaptação, investigar o diálogo entre o romance e o filme no que tange às estruturas temporais, revestidas da subjetividade da poesia e do simbolismo.
O interesse e o apreço pela obra de Virginia Woolf iniciaram-se muitos anos antes da tese, em minha graduação em Letras, com as análises de seus contos. Fui apresentada à obra da autora pela professora e amiga Genilda Azerêdo, que, anos mais tarde, acompanhar-me-ia nesse passeio ao Farol, orientando minha pesquisa de doutoramento. Naquela época, o foco das pesquisas era o lugar da mulher na sociedade patriarcal, o que promoveu também a leitura de seus ensaios críticos, a exemplo de Um teto todo seu, A ficção moderna e Profissões para mulheres.
O lugar do feminino na ficção woolfiana sempre foi um tema relevante, e, a cada nova leitura, era possível também reconhecer a mulher escritora tentando encontrar seu espaço em um mundo norteado pela forte presença masculina. São seus romances de ficção que a distinguem tanto como a escritora de estilo próprio quanto como a artista de formas e temáticas inovadoras. Foi a partir desse momento, imergida na leitura de seus romances, que descobri o foco da minha pesquisa, dedicando-me aos aspectos de sua obra que privilegiassem os elementos da construção de sua narrativa.
Nas contínuas leituras dos romances, observei que o tratamento dado ao tempo sofria consideráveis deslocamentos. Em The voyage out e Night and day, publicados em 1915 e 1919, respectivamente, e considerados romances construídos nos moldes narrativos tradicionais, a tentativa de representação do pensamento e o tempo psicológico já se mostram relevantes. No entanto, é com a publicação de Jacob’s room, em 1922, que Virginia Woolf inicia os trabalhos de experimentação com novas técnicas narrativas, aperfeiçoando, subjetivando e subvertendo a construção do tempo na ficção moderna.
O experimentalismo, na literatura, compreendeu a fase das inovações narrativas que figuraram na obra de autores da primeira metade do século XX. O principal objetivo dessa prática era a busca por elementos de outras artes que pudessem interferir no processo de construção de determinadas categorias narrativas – tais como o tempo, o espaço e o ponto de vista – transformando a composição da obra literária e rompendo com o padrão linear¹. Assim, com a publicação de Mrs Dalloway (1925), To the lighthouse (1927), Orlando (1928), The waves (1931), The years (1937) e Between the acts (publicado postumamente em 1941), Virginia Woolf é reconhecida como uma das mais importantes escritoras de ficção do século XX.
Nesses romances, a perspectiva narrativa é composta a partir da percepção interior dos personagens. O fluxo da consciência, o monólogo interior e os narradores seletivos e seletivos múltiplos, cujas definições serão fornecidas ao longo dos capítulos deste livro, são as principais técnicas de construção das estruturas temporais nesses textos. Tematicamente, três deles constituem-se como elegias, ou seja, cantos de lamento