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Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil
Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil
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Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil

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"A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não brancos, que, dessa forma, significa ser menos do que ele. O ser-branco se expressa na corporeidade, a brancura. E vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Com dezessete capítulos, este livro trata da identidade branca com foco na realidade social brasileira".

(Os organizadores)

"Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos problemas que lhe foram criados no universo racial brasileiro, mas deixaram de falar de brancos numa sociedade em que a Branquitude poderia também fazer parte do processo de transformação social, partindo da hipótese de que os brancos conscientes dos privilégios que sua cor lhes traz na sociedade poderiam questioná-los e participar do debate sobre a divisão equitativa do produto social nacional entre brancos e negros. Sem entrar nos pormenores da riqueza de cada um desses textos cuja leitura nos desafia, devo aqui relevar suas contribuições na renovação e atualização do nosso pensamento sobre as lutas contra o racismo em busca de mudanças transformadoras do desequilíbrio e desigualdades entre brasileiros e brasileiras de descendência africana, sujeitos da negritude, e de ascendência europeia, sujeitos da branquitude".

Kabengele Munanga

(Universidade de São Paulo)
LanguagePortuguês
Release dateFeb 2, 2018
ISBN9788547308292
Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil

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    O livro é fundamental para o estudo das relações étnico-raciais no Brasil e a raiz do racismo brasileiro.

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Branquitude - Tânia M. P. Müller

SUMÁRIO

PREFÁCIO

Kabengele Munanga

APRESENTAÇÃO

Os organizadores

O CONCEITO DE BRANQUITUDE: REFLEXÕES PARA O CAMPO DE ESTUDO

Priscila Elisabete da Silva

EXÓRDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA

A ORIGEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE NA SOCIEDADE BRASILEIRA

SISTEMATIZANDO

REFERÊNCIAS

A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS

Lourenço Cardoso

A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS

CRÍTICA E A ACRÍTICA E O CONTEÚDO

A TEORIA CRÍTICA E A CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA

A BRANQUITUDE E A BRANQUIDADE: O CONCRETO E A ABSTRAÇÃO

REFERÊNCIAS

BRANQUITUDE INVISÍVEL – PESSOAS BRANCAS E A NÃO PERCEPÇÃO DOS PRIVILÉGIOS: VERDADE OU HIPOCRISIA?

Jorge Hilton de Assis Miranda

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

A PERSISTÊNCIA DO PRIVILÉGIO DA BRANCURA: NOTAS SOBRE OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA LUTA ANTIRRACISTA

Camila Moreira de Jesus

INTRODUÇÃO

REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE RACIAL BRANCA NO RECÔNCAVO DA BAHIA

O PRIVILÉGIO COMO BASE DE SUSTENTAÇÃO PARA O RACISMO

CONSTRUÇÃO NEGATIVA DE SUBJETIVIDADES INDIVIDUAL E/OU COLETIVA

NEGAÇÃO DE DIREITOS PARA NEGROS

DESCARACTERIZAÇÃO DA DISCUSSÃO RACIAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

BRANQUITUDE, COLONIALISMO E PODER: A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ACADÊMICO NO CONTEXTO BRASILEIRO

Ana Amélia de Paula Laborne

O BRANCO NOS ESTUDOS SOBRE RAÇA EM CONTEXTOS INTERNACIONAIS

A UNIVERSIDADE E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ACADÊMICO NO BRASIL

REFERÊNCIAS 

A BRANQUITUDE DAS CLASSES MÉDIAS: DISCURSO MORAL E SEGREGAÇÃO SOCIAL

Suzana Maia

INTRODUÇÃO

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE CONSTITUIÇÃO RACIAL DAS CLASSES MÉDIAS NO BRASIL

BRANQUIDADE E DISCURSO MORAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

FRANTZ FANON, A BRANQUITUDE E A RACIALIZAÇÃO: APORTES INTRODUTÓRIOS A UMA AGENDA DE PESQUISAS

Deivison Mendes Faustino

INTRODUÇÃO

A BRANQUITUDE COMO RACIALIZAÇÃO DO UNIVERSAL

O NARCISO CASTRADO

A CRÍTICA À ESQUERDA FRANCESA COMO CRÍTICA À BRANQUITUDE

REFERÊNCIAS

PRETO NO BRANCO: STUART HALL E A BRANQUITUDE

Liv Sovik

REFERÊNCIAS

QUASE NEGRA TANTO QUANTO QUASE BRANCA: AUTOETNOGRAFIA DE UMA POSICIONALIDADE RACIAL NOS ENTREMEIOS

Joyce Souza Lopes

INTRODUÇÃO

O EU-OBJETO: STRIP-TEASE DE UMA POSICIONALIDADE RACIAL ENTREMEIOS 

O SER FENOTIPICAMENTE MESTIÇO A PARTIR DO MODO DE PENSAR DA RAZÃO DUAL RACIAL

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

REFERÊNCIAS

O BRANCO NÃO BRANCO E O BRANCO-BRANCO

Lourenço Cardoso

PRÓLOGO

O BRANCO PORTUGUÊS: NÃO BRANCO-LÁ, BRANCO-AQUI

O DEGREDADO, O BRANCO MAIS DEGENERADO ENTRE OS DEGENERADOS

A CEGUEIRA DO BRANCO FRUTO DA COLONIZAÇÃO

A ESCRAVIDÃO E A ESTEREOTIPAÇÃO DO BRANCO PORTUGUÊS 

O BRANCO-BRANCO, O BRANCO IMIGRANTE

O BRANCO BRASILEIRO SER NÃO HIFENIZADO E A OPOSIÇÃO BINÁRIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

NOMEAR A BRANQUITUDE. UMA PESQUISA ENTRE HOMENS BRANCOS NO RIO DE JANEIRO

Valeria Ribeiro Corossacz

INTRODUÇÃO

OS ESTUDOS SOBRE A BRANQUITUDE

O MUNDO DOS ENTREVISTADOS

A BRANQUITUDE: UM OBJETO NÃO EXÓTICO?

O QUE FAZ DE UM BRANCO UM BRANCO?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

A KAKISTOCRACIA E A POLÍTICA PÓS-VERDADE NO REGIME RACISTA, PATRIARCAL E CAPITALISTA PREDATÓRIO: REGRESSÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA E ESTADUNIDENSE COM O MEDO, ÓDIO E CRISE DA IDENTIDADE BRANCA

César Augusto Rossatto

PEDAGOGIA DE BRANCOS PARA BRANCOS – PEDAGOGIA DO OPRESSOR

RELIGIÃO E A EXPANSÃO DA HEGEMONIA BRANCA

BRASIL E ESTADOS UNIDOS E O LEGADO RACIAL

A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NO BRASIL

A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NOS ESTADOS UNIDOS

A GUISA DE CONCLUSÕES

REFERÊNCIAS

O FIM DO ARCO-IRÍS: A BRANQUINTUDE COMO DESAFIO DA LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Cristiane Mare da Silva

Paulino de Jesus F Cardoso

REFERÊNCIAS

RETRATO DOS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS FEITO DO PONTO DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA

Bas’Ilele Malomalo

INTRODUÇÃO 259

DESENVOLVIMENTO DE IDENTIDADE RACIAL BRANCA PARA EDUCADORES/AS DE ADULTOS/AS

RETRATO DOS/AS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS DO PONTO DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

BRANQUITUDE E COTIDIANO ESCOLAR

Monique Ferreira Gadioli

Tânia Mara Pedroso Müller

BRANQUITUDE: UMA QUESTÃO CONCEITUAL

REFLEXÕES SOBRE A INVISIBILIZAÇÃO DA RAÇA BRANC

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

A INVESTIGAÇÃO ACADÊMICA SOBRE PROCESSOS DE BRANQUITUDE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA REFLEXÃO INICIAL

Cintia Cardoso

Lucimar Rosa Dias

INTRODUÇÃO

DELIMITANDO O CAMPO

BRANQUITUDE NA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE DESIGUALDADES RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO.

EXTRAINDO A BRANQUITUDE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

A CRIANÇA BRANCA IDEALIZADA PELA IMPRENSA NO SÉCULO XX

Tânia Mara Pedroso Müller

INTRODUÇÃO

A REVISTA FEMININA

O CONCURSO EM QUESTÃO

A IMAGEM IDEALIZADA NA CAMPANHA

O IDEAL É O BRANCO

REFERÊNCIAS

Fontes primárias

Fontes secundárias

SOBRE OS AUTORES

PREFÁCIO

Quando o debate sobre cotas e políticas afirmativas explodiu no Brasil, principalmente depois da 3ª Conferência da ONU sobre o racismo, discriminação e intolerância correlata organizada em Durban, África do Sul, em agosto/setembro de 2001, uma das questões colocadas pelas pessoas que estavam contra as propostas em debate era a respeito da dificuldade para definir quem é negro no Brasil por causa da mestiçagem. Mas na contramão dessa dificuldade não se colocava a dificuldade de definir quem é branco no Brasil. Em outros termos, a negritude de milhões de brasileiros e brasileiras de ascendência africana foi posta em questão, mas a branquitude não foi questionada porque os indivíduos brancos perderiam as vantagens meritocraticamente adquiridas ao dividir o acesso à universidade pública com seus compatriotas negros. As cotas em benefício dos negros foram qualificadas de cotas raciais porque o Brasil é um país de mestiços e por definição nem branco e nem negro. Poder-se-ia deduzir dessas reações que o branco não gostaria de assumir sua branquitude e as vantagens dela decorrentes que poderiam ser compartilhadas com seus compatriotas negros? Hipocrisia! Pois todos sabem quem é quem e qual é o lugar do Negro e do Branco numa sociedade que ambos construíram em contextos históricos diferentes.

A ideia da Negritude vem sendo construída desde o fim do século XIX pelo Movimento Pan-africano nascido nos Estados Unidos e nas Antilhas Britânicas, mas ela se transforma nitidamente em Movimento Intelectual e Político Negro na década de 1930 a partir da iniciativa dos estudantes negros das Antilhas Francesas e da África em busca da assimilação da cultura europeia na Universidade Francesa. A assimilação não era outra coisa que a busca do branqueamento através da adoção da cultura hegemônica ocidental já que era impossível mudar a cor da pele e outros traços morfológicos que constituíam a negritude. O que deu o título à obra de Frantz Fanon Pele Negra Máscaras Brancas. Desde então o conceito de Negritude entrou na literatura, dando origem a uma rica e abundante produção intelectual, principalmente negra. Resumidamente, Aimé Césaire a definiu como a consciência de ser negro, simples reconhecimento de um fato que implica a aceitação: assumir sua negritude, sua história e sua cultura; ou seja, sua identidade.

No entanto, paralelamente a negritude, pouco se escreveu sobre a Branquitude na literatura brasileira. É como se a consciência de ser branco não existisse no Brasil por causa da mestiçagem (sorriso!). Um silêncio sobre a Branquitude e as suas vantagens foi mantido por muito tempo diante do discurso sobre a Negritude e a identidade negra. Os negros conscientes e politicamente mobilizados lutavam contra as práticas de discriminação racial e as desigualdades dela decorrentes e precisavam por isso se mobilizar através do conceito da Negritude como plataforma política, mas os brancos como todos os vitoriosos estavam no topo e talvez não precisassem dessa mobilização. Eles não precisavam gritar e proclamar sua Branquitude, pois o tigre não precisa proclamar sua tigritude; sendo o rei da selva ele simplesmente ataca silenciosamente quando sua sobrevivência o exige. São os outros, oprimidos negros, mulheres e homossexuais que precisam gritar e proclamar sua identidade. Talvez isso pudesse explicar a estratégia do silêncio e a não proclamação da identidade branca, apesar da consciência das vantagens que ela oferece no universo racial brasileiro.

Alguém teve de dar basta ao silêncio na literatura intelectual brasileira ao incorporar a temática da Branquitude como categoria de análise do racismo brasileiro. Podemos encontrar traços dessa denúncia nos trabalhos de Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento, mas a análise mais clara sobre a Branquitude como consciência identitária e como categoria social para análise do racismo, veio, até onde vai minha ignorância, do trabalho pioneiro da intelectual negra, Maria Aparecida Silva Bento: Pactos narcísicos no racismo: Branquitude e Poder nas organizações empresariais e no poder público, tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade de São Paulo em 2002 e cuja síntese foi publicada na obra coletiva Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre a Branquitude e Branqueamento sob o título Branqueamento e Branquitude no Brasil, pela Editora Vozes, 2002. Todos os trabalhos sobre Branquitude que fizeram parte da grade de leitura dos autores e das autoras da obra em prefácio são posteriores ao trabalho de Bento.

Enfim, eis a importância da obra coletiva que ora estamos prefaciando. Além de atualizar o debate sobre a Branquitude enquanto conceito e consciência identitária quase silenciada retoricamente na sociedade brasileira, mas vivida intensamente. Os autores e as autoras deste livro Branquitude nos lançam novos desafios através de um leque de recortes sobre o assunto que vem amplificar nossos horizontes de reflexão, dúvidas e críticas sobre o tema. São 17 textos de autores e autoras de formação diferentes, mas que tentam convergir suas reflexões em torno do tema da Branquitude. Partindo da reflexão crítica de grande fôlego sobre o próprio conceito, eles/elas apontam como esse conceito carrega ideologia, visão do mundo e filosofia de vida numa perspectiva histórica, estrutural, psicológica, política e outras, recolocando em discussão sua importância no debate sobre o racismo e o antirracismo na sociedade brasileira. Mais do que isso, eles/elas apontam também todos os problemas e dificuldades que a consciência da Branquitude tem causados ao processo de alienação da cultura e humanidade negras através do ideal do branqueamento. Esses textos nos mostram a importância dos conceitos de Branquitude e Negritude na luta contra o racismo na sociedade brasileira.

Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos problemas que lhe foram criados no universo racial brasileiro, mas deixaram de falar de brancos numa sociedade onde a Branquitude poderia também fazer parte do processo de transformação social, partindo da hipótese de que os brancos conscientes dos privilégios que sua cor lhes traz na sociedade poderiam questioná-los e participar do debate sobre a divisão equitativa do produto social nacional entre brancos e negros. Sem entrar nos pormenores da riqueza de cada um desses textos cuja leitura nos desafia, devo aqui relevar suas contribuições na renovação e atualização do nosso pensamento sobre as lutas contra o racismo em busca de mudanças transformadoras do desequilíbrio e desigualdades entre brasileiros e brasileiras de ascendência africana, sujeito da negritude e de ascendência europeia, sujeitos da branquitude. Como ambos poderiam convergir seus esforços na lua contra as desigualdades raciais ao estabelecer uma relação dialógica entre Negritude e Branquitude? A leitura atenta desta relevante obra nos auxiliará certamente para destrinchar essas difíceis questões que o racismo com suas certezas e dúvidas nos coloca no cotidiano das relações entre seres humanos e instituições.

Prof. Dr. Kabengele Munanga

Antropólogo, Universidade de São Paulo.

APRESENTAÇÃO

A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não brancos, dessa forma, significa ser menos do que ele. Ser branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura, e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Com 17 capítulos, este livro trata da identidade branca com foco na realidade social brasileira. E a antologia se inicia justamente com a discussão histórico-conceitual brasileira.

O estudo de Priscila Elisabete da Silva, no capítulo O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo, tem por finalidade compartilhar reflexões acerca do potencial de utilização do conceito de branquitude para compreensão das relações raciais no Brasil. A pesquisadora defende a utilização do conceito de branquitude como dispositivo analítico, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais especificamente, a subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racializados. Contribui, também, para identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro.

A branquitude acrítica revisitada e a branquidade, de Lourenço Cardoso, objetiva retomar e aprofundar os conceitos branquitude crítica e branquitude acrítica, criado pelo autor em 2008 em sua dissertação de mestrado. Cardoso também possui o interesse de participar da discussão a respeito da proposta de distinção entre branquidade e branquitude, um debate que começa a emergir nos estudos sobre o branco.

Jorge Hilton de Assis Miranda, em Branquitude invisível: pessoas brancas e a não percepção dos privilégios: verdade ou hipocrisia?, discute sobre a invisibilidade e a neutralidade de pessoas brancas sobre os próprios privilégios raciais, buscando responder à pergunta de que a não percepção sobre essas vantagens que se tem por ser branco é ou não dissimulada. Com base em Bourdieu, o autor apresenta um novo olhar para branquitude ao fazer uso do termo de habitus racial.

Camila Moreira de Jesus, em A persistência do privilégio da brancura: notas sobre os desafios na construção da luta antirracista tem o propósito de discutir como o privilégio da brancura continua a ser a mola propulsora fundamental para a continuidade de práticas racistas que mantêm o branco em posição de superioridade enquanto nega muitos direitos a indivíduos negros. Para tanto, argumenta que o privilégio da brancura se sustenta no tripé de mazelas sociais: a construção negativa de subjetividades individual e/ou coletiva; a negação de direitos para negros; e a descaracterização da discussão racial. A autora optou por fazer uso da palavra brancura, um termo que Guerreiro Ramos utilizava em 1957, e a distinção entre branquitude e brancura será um dos pontos abordados em seu artigo de forma breve.

Ana Amélia de Paula Laborne, no capítulo Branquitude, colonialismo e poder: a produção do conhecimento acadêmico no contexto brasileiro discute as interfaces entre as relações raciais e a produção do conhecimento acadêmico com foco nas potencialidades de análise da branquitude. O objetivo central do artigo é compreender de que maneira a branquitude vem se construindo na sociedade brasileira e como a mesma se relaciona com a universidade e com os processos de produção do conhecimento no campo das relações raciais e educação. Guerreiro Ramos, o pioneiro dos estudos sobre branquitude, será abordado referente ao seu papel como intelectual engajado.

Em A branquitude das classes médias: discurso moral e segregação social, Suzana Maia visa contribuir com o campo de estudos das relações raciais e branquitude, estabelecendo uma intersecção com os estudos de classe média. É um dos objetivos desse capítulo entender de que forma a branquitude funciona como um marcador de distinção social, utilizado para garantir o acesso a bens materiais e simbólicos e entender como, num contexto de silêncio sobre as questões raciais, uma subjetividade branca é construída por meio de concepções sobre respeitabilidade, merecimento e intimidade.

Frantz Fanon, a branquitude e a racialização: aportes introdutórios a uma agenda de pesquisa, de Deivison Mendes Faustino, é parte de um esforço mais amplo, que objetiva visibilizar as contribuições de Fanon para os estudos sobre as relações raciais no Brasil. As informações aqui apresentadas têm origem na coleta de dados realizada durante a pesquisa de doutorado intitulada Por que Fanon, por que agora? Frantz Fanon e os Fanonismos no Brasil, em que Faustino apresentou um mapeamento ampliado dos estudos contemporâneos sobre Frantz Fanon. Um dos temas que se destacou na ocasião, mas que não foi passível de exploração devido ao escopo da referida pesquisa, foi a posição de Fanon a respeito da branquitude, mas agora, nesse novo texto, ele alonga um pouco mais essa questão.

A autora Liv Sovik, no capítulo Preto no branco: Stuart Hall e a branquitude, explicita as formas em que o trabalho de Stuart Hall, apesar de focar identidades diaspóricas negras, é útil para os estudos da branquitude, para além da possibilidade de uma inversão, pela qual a figura negra define o fundo branco. Procura entender o método de Hall, que passa por um conceito particular do trabalho teórico, a interlocução de atores sociais não acadêmicos, o interesse pela história ou a genealogia e a busca da intervenção em processos políticos pelo trabalho intelectual. Nisso, a prática acadêmica de Stuart Hall assemelha-se à prática de Guerreiro Ramos naquilo que nos apresentou o texto de Ana Laborne.

Em Quase negra tanto quanto quase branca: autoetnografia de uma posicionalidade racial nos entremeios, Joyce Souza Lopes, a partir de uma escrita autoetnográfica, propõe-se a refletir sobre o sujeito fenotipicamente mestiço, especialmente o de tez clara/branca, destacando que o que se tem produzido cientificamente a respeito da posicionalidade racial nos entremeios é limitado ou equivocado, seja pela fixidez exigida pela racionalidade colonial/moderna, o modo de pensar da razão dual racial, seja pelo impasse do mestiço como o problema no inferno racial dos críticos a Gilberto Freyre ou pela solução no paraíso racial dos freyrianos e neofreyrianos. Conclui que os estudos do campo crítico da branquitude disseminados no Brasil certamente não superam esse quadro, mas nos levam a outros pontos de reflexão e inflexão tratados no artigo.

Em O branco não branco e o branco-branco, Lourenço Cardoso possui o propósito de voltar os olhos para a História com foco no branco. O método empregado objetivava visibilizar a branquitude diluída nas narrativas históricas no emprego de termos como degredado brasileiro imigrante. O argumento central é o seguinte: a branquitude brasileira possui a característica de não branquitude marcante desde sua herança ibérica, acentuada (piorada), com o tráfico transatlântico. Em outras palavras, ser branco brasileiro constitui possuir um aspecto de não branquitude. Ser branco brasileiro significa ser branco não branco.

Valeria Ribeiro Corossacz, em Nomear a branquitude. Uma pesquisa entre homens brancos no Rio de Janeiro, debate como a branquitude é percebida e descrita por homens brancos de classe média alta do Rio de Janeiro, e revela os problemas impostos pelo sistema de classificação de cor e a relação entre cor e classe, para apontar os desafios metodológicos de pesquisas sobre branquitude no contexto brasileiro, as dificuldades dos entrevistados em dar definições da branquitude e os significados de seus silêncios e suas risadas.

Já em A Kakistocracia e a ‘política pós-verdade’ no regime racista, patriarcal e capitalista predatório: regressão da justiça brasileira e estadunidense com o medo, ódio e crise da identidade branca, de César Augusto Rossatto, ele usa os Estudos Críticos da Branquitude como forma de desconstrução da branquitude ou supremacia branca. Ainda, examina como o racismo permeia fronteiras internacionais e transnacionais para propor uma educação antirracista, nos campos do currículo e políticas educacionais. O autor compara as similaridades e contrastes fundamentais entre as questões raciais no Brasil e Estados Unidos no que diz respeito às ações afirmativas relativas à implementação de cotas raciais, como uma forma educacional alternativa, a conquista dos direitos sociocomunitários dos afro-brasileiros e afro-estadunidenses com respeito ao direito à educação e outros direitos civis.

O fim do arco-íris: a branquitude como desafio da luta antirracista no Brasil contemporâneo, de Cristiane Mare da Silva e Paulino de Jesus F. Cardoso, reflete os desafios da luta pela cidadania na conjuntura política atual, marcada especialmente pela demolição e corrupção das instituições democráticas e instalação de um Estado de exceção, apoiado por parte expressiva das classes média e alta deste país. Entendem que tal situação evidencia os problemas de um país que não enfrentou a herança colonial. Nele, a branquitude, enquanto prática de poder que confere privilégios, status, prestígio e poder aos descendentes de colonos europeus, brancos, permite compreender a recusa da democracia e para a manutenção de seus privilégios.

O estudo de Bas’Ilele Malomalo, em Retrato dos brancos/as antirracistas feito do ponto de vista de uma educação macumbista, problematiza o retrato dos sujeitos brancos/as antirracistas a partir da teoria de desenvolvimento de identidade racial branca para educadores de adultos/as de Caroline Lund e da hermenêutica diatópica de Boaventura de Souza Santos dos quais o autor revisita a sua proposta de epistemologia desconstrutivista e reconstrutivista de macumba no campo da educação antirracista. Argumenta que esses sujeitos são pessoas, beneficiadas pelos privilégios que racismo fornece à sua raça, e que passaram pela experiência educativa de letramento racial, e por isso são abertas ao diálogo intercultural e inter-racial emancipatório.

Em Branquitude e cotidiano escolar, Monique Ferreira Gadioli e Tânia Mara Pedroso Müller discutem sobre o papel do branco nas relações raciais no cotidiano escolar para compreender como ele repercute na formação identitária dos alunos negros, e também para compreender como artefatos hegemônicos que compõem a cultura escolar atuam na constituição da identidade dos alunos brancos.

No artigo de Cintia Cardoso e Lucimar Rosa Dias, A investigação acadêmica sobre processos de branquitude na educação infantil: uma reflexão inicial, elas apresentam resultados preliminares de um estudo a respeito da produção acadêmica sobre desigualdades raciais na educação infantil, considerando a branquitude como um elemento importante desse contexto. Destacam, também, que pesquisas sobre a branquitude na educação infantil podem contribuir para ampliar os estudos sobre as relações étnico-raciais, proporcionando estudos inaugurais em um campo de pesquisa que ainda precisa ser ampliado e explorado no Brasil.

O último capítulo, A criança branca idealizada pela imprensa no século XX, de Tânia Mara Pedroso Müller, revela como a imprensa serviu de veículo de divulgação do pensamento da classe burguesa, mas que também foi produtora de um discurso de desvalorização da estética negra, quando definiu a criança branca como ideal desejado, expresso na campanha Em busca da criança ideal, ocorrida em 1957. A autora espera demonstrar que o estudo sobre o modo de difusão de ideias e informações veiculadas na imprensa pode permitir analisar a formação da própria sociedade brasileira e sua repercussão no cotidiano.

Por fim, o livro Branquitude pretende colaborar com a teoria social ao tratar do tema branquitude, com o objetivo de recusar que o conflito racial permaneça reduzido a problema do negro. O branco pode contribuir para construção de outra histórica com uma perspectiva plural de muitos universos. O Outro não é para ser hierarquizado, o não branco possui um papel fundamental, visto que a afirmação humana autêntica se faz com o reconhecimento do Outro como igual. Somente é possível o branco se afirmar humano se enxergar a humanidade do negro; o fato de reconhecer o Outro como humano o leva enxergar a verdadeira humanidade em si, pois somente reconhecer a si é um engano, não problematizar a branquitude é persistir no equívoco, o reconhecimento de si com desvalorização do Outro.

Os organizadores

O CONCEITO DE BRANQUITUDE:

REFLEXÕES PARA O CAMPO DE ESTUDO

Priscila Elisabete da Silva

EXÓRDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA

Como estudiosa das relações raciais no Brasil, tenho procurado entender as diferentes configurações histórico-sociais que estruturam o pensamento racial em nossa sociedade e suas implicações para a compreensão da questão racial na contemporaneidade. Parto da compreensão de que o debate racial presente nas primeiras décadas do século XX merece atenção especial tendo em vista que nasceram, naquele contexto, instituições centrais à nossa sociedade. Em consonância com outros estudiosos (SANTOS, 2001; PAIXÃO, 2014) entendo que não há como pensar a modernidade brasileira sem estar atenta à força do pensamento racial que se apresentava – já naquele contexto – como elemento estruturante das ações empreendidas por considerável parcela de nossos intelectuais.

Nessa concepção, entende-se que se faz necessário repensar as interpretações clássicas sobre nossa sociedade uma vez que essas raramente tratam a dimensão racial como elemento central à dinâmica social brasileira. Tal negação tem contribuído para afirmar a ideia de democracia racial como alicerce de nossa identidade nacional o que, por sua vez, reverbera na dificuldade de identificar estruturas que permitem a sobrevivência do racismo entre nós.

Essa linha interpretativa tem nos oferecido arcabouço teórico que auxilia na análise sobre as diferentes facetas do racismo brasileiro. É sob essa tela que desenvolvo inquietações em relação à dinâmica da reprodução do racismo em nossa sociedade. Em estudos anteriores (SILVA, 2008, 2014 e 2015) procuro destacar, no contexto histórico-social, elementos que auxiliam na compreensão dos mecanismos de reprodução do racismo, particularmente no que concerne ao campo da educação superior, espaço que tradicionalmente tem sido tratado como locus de formação das elites dirigentes do país.

Com este artigo inicio reflexão acerca do alargamento de compreensão sobre o conceito de branquitude e sua utilização na análise das relações raciais em nossa sociedade. Entendo que essa empreitada pode contribuir para o fortalecimento dessa área de estudos e, consequentemente, do potencial de compreensão sobre o racismo vigente no Brasil.

Essa proposta de compreensão acerca do conceito de branquitude surgiu a partir de estudos que venho realizando no campo das relações raciais (SILVA, 2008; 2014; 2015). Entender a dimensão racial em nossa sociedade tem exigido, a meu ver, esforço de repensar análises aceitas como clássicas (e com elas categorias e conceitos), mas que vistas em profundidade não abordam a problemática racial como elemento central à compreensão sobre nossa sociedade.

É com base nesse quadro que proponho pensar a utilização do conceito de branquitude como dispositivo analítico¹, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais especificamente a subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racializados. Nesse momento, apresento uma primeira fase de reflexão cuja finalidade é identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro.

A ORIGEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE

²

Antes de caracterizar o conceito de branquitude, cabe apresentar, ainda que brevemente, um histórico sobre seu surgimento³.

Os estudos críticos da branquitude nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto elemento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo colonialismo europeu. Percepção esta que esteve presente nos estudos de intelectuais como W. E. B. Du Bois (1920, 1935)⁴; Frantz Fanon (1952)⁵; Albert Memmi (1957)⁶, Steve Biko (1978)⁷ e Alberto Guerreiro Ramos (1957)⁸, hoje compreendidos como precursores dos estudos sobre a branquitude (CARDOSO, 2008; 2010 e 2014). Tais intelectuais, em diferentes contextos históricos e sociais, chamaram a atenção para os efeitos da colonização e do racismo na subjetividade não só do negro, mas, sobretudo, do branco. Leitura que desafiava a interpretação unívoca a qual via o negro como objeto de estudo, tema de estudo privilegiado para compreensão das relações raciais.

Seguindo esse lastro, na década de 1990, intelectuais norte-americanos iniciaram uma reflexão sistemática sobre o fenômeno da branquitude e seus efeitos. O tema difundiu-se rapidamente por diferentes áreas de estudo (direito, arquitetura, geografia, antropologia, sociologia, psicologia). A formulação e a aplicação do conceito de branquitude alterou o modo como se pesquisava a categoria ‘raça’ na sociedade estadunidense (CARDOSO, 2008, p. 174). A partir de então, o branco emerge como objeto de análise para compreensão da dinâmica das relações raciais naquele país. Esforço que deu origem ao que ficou conhecido por critical whiteness studies⁹ (CARDOSO, 2008; 2010 e 2014; CARONE e BENTO, 2009). Conforme Henry A. Giroux (1999), o objetivo dos acadêmicos que se dedicaram a estudar esse fenômeno era buscar:

[...] acumular uma quantidade substancial de conhecimento, explorando o significado da análise da branquidade¹⁰ como uma construção social, cultural e histórica. Esse trabalho se caracterizou por várias tentativas para situar a branquidade como uma categoria racial e analisá-la como um locus de privilégio, poder e ideologia. Além disso, esse trabalho procurou examinar criticamente de que modo a branquidade, como identidade racial, é experienciada, reproduzida e tratada pelos homens e mulheres brancos que se identificam com suas pressuposições e valores. (GIROUX, 1999, p. 101).

Cardoso L. (2008), Ruth Frankenberg (2004) e David R. Roediger (2004) destacam o diálogo desses pesquisadores com os estudos culturais e com a teoria feminista. Segundo Cardoso L. (2008), os estudos críticos da branquitude nos Estados Unidos apresentam duas vertentes principais: a primeira linha de estudos críticos da branquitude propõe a reconstrução da raça branca, mantendo-se uma sociedade racializada com a supressão das hierarquias sociais, já à segunda subjaz o projeto de uma sociedade não racializada. (CARDOSO, 2008, p. 175). Nas palavras desse autor:

[Na primeira linha] sustenta-se que o ideal do ativismo e da teoria anti-racista consiste em suprimir a identidade racial branca em sua inclinação subjugadora, forjando uma identidade racial anti-racista e isenta de culpa [...]. A proposta dessa linha de estudos seria de resignificar e reconstruir a identidade racial branca que, sem deixar de ser branca, deixaria de possuir traços racistas. Não se propõe, portanto, a supressão da diferença e sim o fim da hierarquia entre os diferentes que resulta no favorecimento de uns em detrimento de outros [...]. (CARDOSO, 2008, p. 174).

Já a segunda,

[...] sustenta que a identidade racial branca assim como foi construída pode ser desconstruída, defendendo a abolição da idéia de raça branca [...]. Parte-se do pressuposto de que a pertença étnica e racial branca é uma construção histórico-social e a resolução dos problemas sociais advindos dessa identidade cultural resolve-se com sua supressão. Esta linha de teóricos críticos não está convencida da possibilidade de expurgar o traço racista da identidade racial branca, portanto, propõe a abolição da branquitude e, por via de consequência, a abolição da negritude. (CARDOSO, 2008, p. 174-175).

O que está de fundo tanto numa discussão quanto na outra é a compreensão e superação dos efeitos da branquitude nas relações sociais contemporâneas. Os resultados dos estudos empreendidos até então demonstram que a branquitude deve ser interpretada como elemento resultante da estrutura colonialista que, por sua vez, configurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial durante todo o século XX e até hoje, apesar do sucesso dos movimentos anticolonialistas de libertação (WARE, 2004, p.08); a branquitude é assim entendida como resultado da relação colonial que legou determinada configuração às subjetividades de indivíduos e orientou lugares sociais para brancos e não brancos. Conforme assinala o sociólogo Valter Silvério:

Esta consciência silenciada ou experiência branca pode ser definida como ‘uma forma sócio-histórica de consciência’ nascida das relações capitalistas e leis coloniais, hoje compreendida como ‘relações emergentes entre grupos dominantes e subordinados’. Essa branquitude como geradora de conflitos raciais demarca concepções ideológicas, práticas sociais e formação cultural, identificadas com e para brancos como de ordem ‘branca’ e, por conseqüência, socialmente hegemônica. (SILVÉRIO, 2002, p. 240-241).

Ao analisar historicamente tal fenômeno, esse sociólogo marca o processo de sua formação a partir da relação entre colonizador e colonizado:

O encontro com o ‘outro’ (denominado índio, escravo, preto, negro, nomenclaturas essas estabelecidas para justificar sua desumanidade, invisibilidade e coisificação), não incluído como membro social, permitiu aos colonizadores anglo-europeus perceberem a branquitude como uma representação de identidade e ponto de referência para legitimar a distinção e a superioridade, assegurando assim sua posição de privilégio. (SILVÉRIO, 2002, p. 241).

No mesmo sentido, o pesquisador Lúcio Otávio Alves Oliveira (2014), ao refletir sobre o processo de constituição da identidade branca e suas implicações subjetivas, afirma que, em sociedades multiculturais, é possível identificar expressões da branquitude tendo em vista que o branco constitui sua identidade na oposição ao Outro. Em suas palavras: a branquitude emerge dissecando no outro aquilo que lhe parece estranho e indesejável. (OLIVEIRA, 2014, p. 43). O Outro (leia-se o não branco) torna-se, assim, balizador da identidade branca; ela, por sua vez, passa a ser reafirmada na oposição com o não branco. Processo que pode ser interpretado tanto do ponto de vista da necessária diferenciação para constituição da identidade, como pela perspectiva danosa apontada por Bento como falsa projeção, isto é:

[...] o mecanismo por meio do qual o sujeito procura livrar-se dos impulsos que ele não admite como seus, depositando-os no outro. Aquilo, portanto, que lhe é familiar, passa a ser visto como algo hostil e é projetado para fora de si, ou seja, na ‘vítima em potencial’. (BENTO, 2009, p. 38).

Nas sociedades marcadas pela herança colonialista, o negro é, necessariamente, essa vítima em potencial, ou seja, aquele que

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