Freud e a psicanálise afetiva do século xxi
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Freud e a psicanálise afetiva do século xxi - VICTOR MANOEL ANDRADE
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2017 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS - SEÇÃO PSICOLOGIA
APRESENTAÇÃO
Em Análise terminável e interminável, Freud descreveu de forma realística as limitações da psicanálise. A propósito da passagem dos 80 anos de publicação desse ensaio, examino a justeza da exposição sem eufemismos dos pontos negativos da psicanálise: foi afirmado, por exemplo, que um sucesso terapêutico duradouro não deveria ser atribuído à análise, mas a um destino generoso que poupou o paciente de maiores agruras. Apesar de julgar pertinentes esses comentários de Freud aparentemente pessimistas, procuro mostrar que as deficiências não são intrínsecas à natureza da psicanálise. Na verdade, elas devem ser imputadas à forma equivocada com que a teoria freudiana se baseou na etiologia sexual das neuroses. Com efeito, a clínica atual, que, em vez da sexualidade reprimida, prioriza a relação mãe-bebê nos estágios iniciais da mente, apresenta resultados mais amplos e efetivos que a tradicional, além de ser mais consentânea com o conhecimento científico, notadamente o revelado pela neurociência nas últimas décadas.
Em vez de se limitar a interpretações de impulsos instintuais reprimidos, a psicanálise moderna vai aos primórdios da estruturação da mente, na identificação primária do bebê com o executor da função materna, um processo afetivo independente de fatores ideativos (verbais). Com efeito, o método ideativo-cognitivo inerente à interpretação do inconsciente reprimido não atinge as estruturas afetivas inconscientes da mente primitiva – apesar de inconscientes, não são reprimidas. A despeito de serem imunes a métodos interpretativos (ideativos), as estruturas afetivas inconscientes são passíveis de transformação por processos afetivos isentos de verbalização. A modificação das estruturas primitivas se dá por meio da reprodução transferencial da relação mãe-bebê no setting analítico – fenômeno afetivo –, que enseja ao analista empático desempenhar uma espécie de função materna virtual capaz de, sem palavras, modificar os efeitos negativos da função materna original executada inadequadamente. Em vez de privilegiar o resgate de impulsos inconscientes reprimidos com a finalidade de remover sintomas, a psicanálise moderna objetiva retomar o curso natural do desenvolvimento deturpado por ambiente parental deficiente.
Com Análise terminável e interminável, Freud fez pouco antes de morrer, uma espécie de advertência aos psicanalistas de que não fizessem da psicanálise uma panaceia universal infalível e dogma insuscetível de reavaliação e modificação. Em vista da transcendentalidade do ensaio para a psicanálise, dediquei-lhe três artigos: quando completou 40, 50 e 60 anos, respectivamente. Agora, em lugar de um quarto artigo para registrar a passagem dos 80 anos, optei por este livro, em que posso trazer novas ideias sobre um tema que envolve a essência não só da psicanálise, mas da mente humana em geral. Assim, apesar de se destinar a psicanalistas, o livro pode ser de utilidade para os profissionais da área da saúde mental, bem como para qualquer pessoa interessada em estudos humanos. Para expressar mais completamente meu apreço pelo seminal trabalho de Freud, julguei conveniente republicar os três referidos artigos em sua forma original, contextualizando o livro em uma perspectiva temporal.
Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2016.
O autor
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
REFLEXÕES SOBRE ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL
CAPÍTULO 2
NOVAS REFLEXÕES SOBRE ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL
CAPÍTULO 3
A TEORIA ESTRUTURAL E O FUTURO DE UMA (NOVA) ILUSÃO
CAPÍTULO 4
A PSICANÁLISE AFETIVA DO SÉCULO XXI
CAPÍTULO 5
DIFERENÇAS ENTRE A PSICANÁLISE AFETIVA E A TRADICIONAL
CAPÍTULO 6
A PSICOLOGIA DO EGO: UMA NOVA PSICANÁLISE
CAPÍTULO 7
REPÚDIO À FEMINILIDADE: A ROCHA BIOLÓGICA INTRANSPONÍVEL
CAPÍTULO 8
AS ESTRUTURAS AFETIVAS INCONSCIENTES E A PSICANÁLISE AFETIVA
CAPÍTULO 9
EMPATIA: UMA DESCRIÇÃO PSICANALÍTICA
CAPÍTULO 10
FREUD NOS SÉCULOS XIX, XX E XXI
CAPÍTULO 11
A PSICANÁLISE AFETIVA E O PROJETO DE UMA METAPSICOLOGIA CIENTÍFICA
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
(Fernando Pessoa [Alberto Caeiro], Poemas Inconjuntos)
Os olhos não veem. Catherine de Emmerich
estava certa ao dizer que via apenas através do coração [...].
Os únicos filósofos interessantes são os que pararam
de pensar e começaram a procurar a felicidade.
(E. M. Cioran, 1911, Tears and saints, destaques no original)
Em 2017, faz oitenta anos que Freud publicou Análise terminável e interminável¹. A importância que atribuo a essa obra pode ser avaliada por meio de três artigos em que expus lições extraídas de suas páginas: (1) Reflexões sobre Análise terminável e interminável
, apresentado quando o ensaio completou quarenta anos; (2) Novas reflexões sobre Análise terminável e interminável
, na ocasião em que fez cinquenta anos; (3) A teoria estrutural e o futuro de uma (nova) ilusão, ao se passarem sessenta anos.
Depois desses trabalhos, publiquei cinco livros², iluminados direta ou indiretamente pela seminal obra, que contém a mais severa autocrítica da psicanálise feita por Freud. Oitenta anos depois de vinda a lume, seu impacto continua a reverberar, motivando-me a produzir este livro, com o propósito de situá-la na perspectiva da psicanálise deste século. A despeito de inevitáveis repetições, em vista de os três referidos artigos tratarem da mesma obra, julguei conveniente reproduzi-los da maneira como foram concebidos e apresentados originalmente, à guisa de prelúdio de novas conclusões a que cheguei, vinte anos depois do último artigo. Espero que o intervalo de dez anos entre cada um dos trabalhos reproduzidos possa minimizar o efeito negativo de eventuais repetições.
A intenção é mostrar a diferença entre a psicanálise clínica moderna e a de Freud. Ao falar da dessemelhança, é inevitável constatar a pertinência da autocrítica que desnudou de modo implacável a limitada eficácia da clínica freudiana. Seria essa crítica extensiva à psicanálise atual, ou seja, seria ela tão limitada quanto a que foi objeto dos severos comentários de Freud? A resposta pode ser sim, se for mantida a expectativa inicial de Freud de curar radicalmente os sintomas neuróticos; e será não, se for levado em conta que, em vez de curar sintomas, a finalidade real da psicanálise é ampliar e desenvolver o ego mediante a eliminação ou, na pior das hipóteses, a minoração de falhas estruturais adquiridas pelo exercício inadequado da função materna no período inicial da vida. Eis a diferença entre a visão freudiana e a moderna: a primeira se limitava a tornar consciente o inconsciente reprimido para curar sintomas neuróticos; a segunda, além da dissolução de sintomas mediante a interpretação do reprimido, propõe-se primordialmente a corrigir falhas do ego causadas por má condução da função materna original.
É mister destacar a função materna analítica no processo de desenvolvimento do ego, já que, como é sabido, o próprio Freud chegou à conclusão de que a finalidade não é tornar consciente o inconsciente, mas, desenvolver o ego. O destaque se impõe porque Freud, apesar desse insight, não explicitou como o desenvolvimento do ego ocorre no trabalho analítico: continuou a enfatizar a interpretação do reprimido inconsciente, deixando a impressão de que as alterações do ego seriam causadas apenas pelo dispêndio de energia mobilizada para a defesa (repressão). Uma vez que Freud não deu qualquer importância à recuperação de lesões do ego, Winnicott pode ser considerado o real artífice da melhoria das falhas do ego – foi ele o introdutor da função materna analítica como o fator decisivo da modificação da mente (desenvolvimento do ego), cabendo, por isso, considerá-lo o pai da psicanálise clínica moderna.
Todavia, apesar da obsolescência do método interpretativo da terapia freudiana, ele continua a ser empregado por boa parte de analistas e psicoterapeutas ao redor do mundo. Ao expor a dissimilitude entre a clínica moderna e a freudiana, tentarei demonstrar que a evolução para a psicanálise atual entremostrava-se nos interstícios de diversos textos de Freud, sobretudo, em Análise terminável e interminável.
O itálico na palavra sobretudo, no final do parágrafo acima, tem a finalidade de destacar o prenúncio da nova psicanálise afetiva. Alguns indícios da psicanálise moderna no artigo de 1937 não podem deixar de ser salientados, pois é difícil acreditar que, depois de examiná-los, um psicanalista atento e possuidor de senso crítico continue a praticar a psicanálise freudiana clássica adotada antes. Com efeito, um exame acurado do ensaio de 1937 demanda abandonar o campo restrito da psicanálise clássica e lançar-se no espaço sem limite da psicanálise afetiva moderna. Isso se patenteia quando se analisam criticamente certas afirmações de Freud a respeito da psicanálise praticada por ele, como as que se seguem:
1. A psicanálise não impede que pacientes curados readquiram a neurose de que foram curados, assim como não tem a capacidade de prevenir futuras neuroses.
2. Se uma pessoa curada não ficar neurótica de novo, deve agradecer à sua boa sorte e não à análise.
3. A personalidade do analista é essencial para que o processo psicanalítico se instale, se desenvolva e dê resultados.
4. A psicanálise é uma profissão quase impossível, por exigir que o analista possua uma personalidade perfeita, quando nenhum ser humano atinge o grau de perfeição requerido para ser psicanalista.
5. O ego normal é uma ficção ideal: quem é normal, só o é em média.
6. No começo não há ego nem id, mas um todo indiferenciado ego-id. O ego é hereditário como o id: mesmo que no início não seja ainda uma instância definida, seu desenvolvimento está pré-traçado.
Uma ampla análise dessas observações – e de suas consequências – é suficiente para montar a moderna psicanálise afetiva e desencorajar a continuação da prática antiga.
Curiosamente – e isso será objeto de amplo exame – Freud provavelmente não se apercebeu do aspecto revolucionário de algumas ideias emitidas muito antes da autocrítica de Análise terminável e interminável. Alguns sinais do que se tornou explícito no referido ensaio já podiam ser detectados no trabalho sobre o narcisismo, de 1914, repetindo-se em artigos posteriores. Por exemplo, uma das conferências introdutórias³ prenunciava a relativização da teoria das neuroses baseada na libido sexual infantil reprimida. Houve muitas outras ideias, das quais basta citar: (1) o conceito de trieb de vida, em 1920; (2) libido como energia não apenas sexual, mas também de autopreservação, também em 1920⁴; (3) ego inconsciente⁵; (4) estruturas afetivas inconscientes⁶. Estas últimas, apesar de Freud não ter explicitado por que se referiu a elas, terão relevo especial neste livro: em virtude de serem as primeiras estruturas psíquicas – a mente em botão –, estou, desde o título, chamando a moderna terapia analítica de psicanálise afetiva.
Diante de tantas criações nunca exploradas por Freud de maneira apropriada, serão indicadas as clareiras abertas por ele que possibilitam vislumbrar não apenas os fundamentos da psicanálise moderna, mas também as deficiências de sua teoria das neuroses, que ele mesmo apontou, sem ter dado consequências a suas observações mediante a modificação dos critérios antigos. Em vista disso, os procedimentos tradicionais se consolidaram como os elementos cardeais da psicanálise clínica, adquirindo feições de dogma, a despeito de a realidade clínica e o conhecimento científico atual tornarem duvidosa a validade do seu emprego para todos os casos. Na verdade, o método clássico baseado na investigação do inconsciente reprimido, se usado em caráter exclusivo, obstaculiza o progresso da psicanálise moderna, cujo fundamento é a intersubjetividade e a relação objetal, e não mais a repressão da libido sexual infantil.
A fim de formular esse pensamento de maneira clara e objetiva, desenvolvendo-o com outros argumentos, repito que o emprego exclusivo do método interpretativo originário da tradução do inconsciente reprimido tolhe o pleno desenvolvimento da psicanálise no século XXI, para a qual pode ser um estorvo. A esse respeito, cabe lembrar a declaração de Peter Fonagy⁷ de que a psicanálise necessita libertar-se da metáfora arqueológica
, expressão surgida das explicações de Freud (1937b) sobre o modo pelo qual é operada a mudança psíquica. Segundo essas explicações, a construção que o analista faz do passado reprimido do paciente, revelado por meio de interpretações, é o vetor por excelência da transformação da mente do analisando. Tendo em vista o aspecto conjectural e especulativo – a rigor, pouco científico – das construções e das interpretações, a afirmação de Fonagy de que terapias baseadas na recuperação de lembranças procuram um deus falso
⁸ merece atenção, sobretudo, porque esse procedimento costuma ser julgado o único autenticamente psicanalítico.
Considerando que Fonagy não levou a ideia da abolição da metáfora arqueológica às últimas consequências, tentarei aprofundar esse raciocínio com a aplicação da linha teórica exposta em meus últimos livros, particularmente em A ação terapêutica da psicanálise e a neurociência. O intuito é mostrar que se pratica hoje uma psicanálise afetiva, em que a empatia inerente à função materna analítica é o fator infraestrutural primário da mudança psíquica, circunstância em que o aspecto ideativo-cognitivo (interpretação do inconsciente reprimido e construção da história passada do analisando), é secundário, superestrutural e complementar.
Ao reproduzir três artigos escritos há quarenta, trinta e vinte anos, respectivamente, mantive os conceitos então emitidos, não obstante ter modificado minha maneira de ver alguns deles, especialmente o trieb de morte, cuja essência autodestrutiva original me parece hoje especulação incompatível com o conhecimento científico, além de ser incoerente com a própria metapsicologia freudiana⁹. De qualquer forma, a manutenção dos textos originais registra minha escalada evolutiva no sentido da psicanálise do século XXI, cujo elemento fulcral é a relação mãe-bebê reproduzida no setting analítico por meio da transferência. Mantive-os na concepção original.
Se transponho esses artigos para cá na forma original, que se atém à visão freudiana da limitação terapêutica da psicanálise, agora, diferentemente, aproveitarei a passagem dos oitenta anos de Análise terminável e interminável para mostrar que Freud foi o responsável pelas limitações do método criado por ele, ou seja, não criticarei a psicanálise em si, mas a forma como foi concebida. Em 1897, portanto, quarenta anos antes do ensaio de 1937, Freud também fizera uma autocrítica severa. Porém, naquela época, sua observação teve consequência efetiva: abandonou sua teoria das neuroses, substituindo-a pela que foi objeto de crítica em 1937, dessa vez sem tomar ou recomendar qualquer atitude em relação a ela. Naquela ocasião, como atesta a famosa carta da apostasia, de 21.9.1897, a confissão de fracasso cingiu-se à teoria das neuroses (método terapêutico), porquanto continuou a acreditar firmemente na validade da metapsicologia e da interpretação dos sonhos. Das criações de que continuava a se orgulhar (metapsicologia e interpretação dos sonhos), somente a teoria dos sonhos estava bem resolvida em sua mente. Quanto à metapsicologia, continuou a elaborá-la em surdina, pois ainda não se sentia seguro em relação a ela. Em que pese ter continuado a acreditar na correção da metapsicologia, foi à nova teoria das neuroses que se entregou de corpo e alma. Afinal, precisava de uma explicação para o que fazia na clínica, de onde retirava o sustento –lamentava não poder ganhar a vida só interpretando sonhos. No entanto, antes de assumir integral e explicitamente, em 1937, as deficiências da teoria das neuroses sucessora da abandonada em 1897, já fizera diversas menções indiretas às suas limitações. Todavia, contrariamente ao que fizera em 1897, quando renegou sua primeira concepção das neuroses de maneira radical, em 1937 considerou as falhas da substituta, que se tornou definitiva, como se fossem imanentes e inelutáveis, sem reconhecer-lhe os equívocos conceituais, portanto, sem pretender corrigi-los.
Por essa razão, como será observado de maneira detalhada na segunda parte, a psicanálise se desenvolveu com diversas distorções, cujas marcas profundas ainda influenciam a clínica atual, não obstante sua notória diferença da praticada por Freud.
PRIMEIRA PARTE
QUARENTA, CINQUENTA E SESSENTA ANOS DEPOIS
capítulo 1
REFLEXÕES SOBRE ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL
Uma autocrítica da psicanálise¹⁰
Análise Terminável e Interminável é um dos trabalhos mais relevantes de Freud, por conter severa autocrítica da psicanálise, enquanto processo terapêutico. A autocrítica deve ser nossa preocupação constante. Vejamos, por exemplo, o contraste entre o entusiasmo dos primeiros dias, quando, ao procurar demonstrar as excelências do método recém-criado, Freud dizia: Uma psicanálise completa implica uma cura radical da histeria
¹¹, e sua visão final, em 1937, quando chegou à conclusão de que o processo analítico é interminável – na prática, ele é dado por terminado quando são alcançadas algumas conquistas marcantes, denotadoras de bom desenvolvimento do ego. Mas, segundo Freud, essas conquistas não são garantia de que o paciente será sadio para o resto da vida. Os resultados da psicanálise são por ele considerados precários: Se o paciente que se restabeleceu desta forma nunca apresenta outra desordem que o faça retornar à análise, não sabemos se sua imunidade não é obra de um bondoso destino que o poupou
¹².
Portanto, não acreditava nem em resolução definitiva dos sintomas, nem em eficácia profilática da psicanálise. Por isso, aconselhava:
Todo analista devia periodicamente - em intervalos de cerca de cinco anos – se submeter à