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Ambientalistas em movimento no brasil
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Ambientalistas em movimento no brasil

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A presente obra oferece ao menos dois conjuntos de discussões que deverão interessar ao leitor. Um deles refere-se a um debate caro às ciências sociais concernente aos estudos sobre as relações entre Estado e sociedade civil e sobre participação política. Nesse sentido, o livro apresenta uma discussão teórica em perspectiva crítica e aponta para os limites das teorias problematizando-as a partir de evidências empíricas. O trabalho traz uma ampla revisão da literatura sobre os conceitos de sociedade civil e esfera pública sem deixar de apontar para seus interlocutores mais críticos. Apresenta, ainda, uma abordagem alternativa, relacional, através da revisão de autores pós-estruturalistas e interacionistas.
O segundo conjunto de discussões ressaltado aqui, será interessante ao pesquisador do ambientalismo e dos conflitos ambientais. A pesquisa empírica realizada reuniu dados qualitativos amplos, com apresentação de fontes primárias que estão expostas de forma original no livro - permitindo aos pesquisadores o desenvolvimento de outras análises. Dentre os dados encontramos questões relativas a conflitos ambientais ainda presentes e relevantes nos dias atuais, tais como: a liberação dos transgênicos, a transposição do rio São Francisco e o licenciamento do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira.
LanguagePortuguês
Release dateJan 1, 2014
ISBN9788581924397
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    Ambientalistas em movimento no brasil - Cristiana Losekann

    Itapoã.

    CAPÍTULO 1

    A CONSTITUIÇÃO DO AMBIENTALISMO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE NO BRASIL

    Pensamentos, ativismos e instituições ambientais – uma breve genealogia

    Se admitirmos como ambientalistas aqueles que tratam de questões ambientais das mais variadas formas, ou aqueles que refletem acerca das relações estabelecidas entre os seres vivos e a natureza, encontraremos em nosso passado mais remoto diversos ambientalistas no Brasil. Seja no modo de viver e na cosmogonia indígena ou no deslumbramento edênico dos colonizadores europeus, os agentes que pensam e defendem posições ligadas às questões ambientais estavam presentes desde períodos inalcançáveis pela nossa historiografia.

    Como McCormick (1992), compreendemos o ambientalismo aqui enquanto um amplo espectro de relações e elaborações que tratam do ambiente enquanto posições filosóficas, área de estudo (ecologia), teorias e posições políticas, modelos de economia, etc. O ambientalismo envolve por certo a ação de diferentes atores que podem estar animando instituições políticas, científicas ou sociais. A premissa e, também, o estilo de exposição desse capítulo, aborda esses diferentes aspectos do ambientalismo de forma conjunta, compreendendo que existe uma relação entre as diversas expressões do ambientalismo que nos ajuda a compreender a genealogia desse enquadramento de ação coletiva. A questão motivadora da análise complexa de McCormick nos é particularmente relevante, qual seja, por que o meio ambiente transforma-se de um tema privado em um tema público? (Ibid., p.19).

    Constituídos a partir de diferentes – por vezes antagônicos – pontos de vista, os ambientalistas nunca foram unânimes em suas percepções, propostas e reivindicações. Ao contrário, as relações que se estabelecem no ambiente, e sobre o ambiente, são alta mente disputadas no que se refere à sua significação. Dar sentido, nomear, significar e traçar os limites do aceitável, ou seja, valorar são ações que constituem desenhos de mundos (ESCOBAR, 2005) e em geral os limites do traçado que desenhamos nos separam de outros mundos desenhados. A cultura europeia ocidental formulou, com o antropocentrismo, um mundo onde se separam os seres humanos da natureza, tornando-a objeto. Atrelado ao desenvolvimento do capitalismo a natureza foi tratada enquanto recurso. Já nas mais diversas culturas indígenas a natureza não está subordinada à vontade dos indivíduos humanos. Essas distintas formas de construir as relações com o ambiente geraram, por sua vez, diversas propostas ambientalistas. Segundo Ribeiro (1992) o ambientalismo pode ser entendido a partir de sua própria história e como um ramo das ideologias ligadas aos debates sobre desenvolvimento. Assim, o ambientalismo seria animado por intensas disputas ideológicas, utópicas.

    No início da formação do Brasil, ainda enquanto colônia tivemos já um intenso debate pautado no pensamento europeu da época e pelas experiências que eram estabelecidas nas terras que se buscava explorar. Como o brilhante trabalho de Pádua (2002) − sustentado em uma substancial pesquisa documental histórica − explicita, na história do pensamento brasileiro temos uma sessão especial de pensamento ambientalista, ou seja, uma reflexão acerca do ambiente, e já no século XVIII elaborada enquanto problema ambiental. Assim, o autor refuta uma difundida tese de que a consciência relativa aos problemas e à destruição ambiental sejam fenômenos contemporâneos, frutos de um deslocamento de questões materiais para questões imateriais, características de uma vanguarda europeia.

    Os estudos da historiografia recente contestam a ideia de que o ambientalismo é uma reflexão importada da Europa e recente. Surpreendentemente, o autor revela que os trópicos e suas colônias foram fundamentais para o surgimento do pensamento ambiental em geral e especificamente sobre a questão da destruição ambiental. Foram, até mesmo, essenciais para o surgimento da consciência ecológica no universo da modernidade (PÁDUA, 2002, p. 2). Entre os intelectuais mais famosos estão José Bonifácio e Joaquim Nabuco, como José Murilo de Carvalho (1998) também destacou em sua pesquisa sobre o fator edênico da cultura brasileira. Mas, Pádua acabou por descobrir uma série de outros intelectuais esquecidos do pensamento social brasileiro. Dentre os achados de pesquisa, o autor observa que já em 1823, José Bonifácio, expressava uma reflexão ambiental fortemente política relacionando os diversos males ambientais com os feitos dos homens e suas orientações exploradoras. O autor afirma que:

    [...] não resta dúvida, comparando com o que tem sido descoberto em outros países, que estamos diante de uma das maiores expressões nacionais, no período anterior ao século XX, do que pode ser chamado de preocupação intelectual com a degradação ambiental (PÁDUA, 2002, p. 04).

    Isto é, existem evidências suficientes para argumentar que o pensamento ecológico da modernidade tenha sido gerado nas colônias tropicais, especialmente no Brasil. Portanto, como argumenta Pádua, a discussão ambiental não é descontextualizada e descabida na política brasileira mais remota, ela é nossa – temos, então, uma tradição ambientalista própria.

    É claro que um pensamento ambientalista e mesmo a percepção de conflitos ambientais não significam a existência de mobilização social. O pensamento colonial ambientalista era progressista e desenvolvimentista. Embora seja imprescindível salientar a importância da elaborada associação entre a destruição ambiental e o sistema escravagista, não era uma ideologia revolucionária – pretendia a modernização da economia agrária visando o progresso da região. O ambientalismo dos intelectuais da época não se fazia por meio de protestos ou ações coletivas de resistência. Tampouco questionava o viés antropocêntrico presente em na colônia e apreendido do iluminismo europeu.

    Havia, contudo, um debate político que vigorava não somente nos espaços institucionais da política, mas também nos espaços de construção da opinião pública, através de publicações das mais diversas − estas foram foco da investigação de Pádua (2002). Ora, a formação do pensamento social e político, sua reflexiva e disputada constituição deixou marcas nas instituições políticas e sociais, nas tradições acadêmicas e culturais de uma sociedade. Assim, esse enquadramento historicamente constituído do ambientalismo, proporcionou um legado que − obviamente, modificado, deslocado e re-enquadrado − permanece até hoje, em vestígios mais ou menos fortes, sendo expresso de múltiplas formas em nossa sociedade, sobretudo na elaboração de organizações da sociedade civil, ativistas e pelos movimentos sociais.

    Mas, o pensamento ambiental no Brasil esteve muito ligado à exploração econômica e aos debates sobre desenvolvimento, seja pelos europeus ou por nossas próprias elites. O que não nos surpreende se pensarmos que nosso país foi sintomaticamente nomeado (Brasil) pelo primeiro elemento da natureza que foi explorado massivamente (pau-brasil) para sustentar as demandas do mercantilismo europeu (PÁDUA, 1987, p. 18). O caráter idílico e tendente a atitudes preservacionistas rivalizou desde o início com a significação do ambiente enquanto recurso ou riqueza a ser explorado. Segundo Pádua: O ato fundador do Brasil, portanto, foi um projeto de exploração predatória da natureza – e em estigma está entranhado em seu próprio nome (Ibid., p.19).

    Assim, a aceleração ou estagnação da economia brasileira esteve, desde o início, ligada ao uso eesgotamento das fontes de extração natural. Pau-brasil, cana-de-açúcar, algodão, minas são alguns dos recursos que extensivamente explorados sustentaram o Brasil. Foram, também, inúmeras vezes, os recursos naturais, apontados como a solução para o progresso do país. Ainda hoje o fazemos, indicando, por exemplo, o petróleo como aquilo que salvará a educação brasileira e a pobreza e colocará o país em posição melhor no sistema mundo capitalista.

    Mas, de maneira ambivalente, nutrimos desde o início dois lados opostos, um de idealização da natureza, o outro de sua concreta destruição. Frei Vicente já apontava em seu tempo para a situação trágica da Colônia a qual seguia refém do extrativismo dos portugueses que:

    [...] por mais arraigados que na terra estejam, e por mais ricos que sejam, tudo pretendem levar para Portugal [...] e isto não têm só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram [...] (FREI VICENTE, apud PÁDUA, 1987, p. 20).

    Podemos dizer que vários séculos depois esta relação colonial ainda permanece nos dias atuais em uma forma complexa de colonialismos internos que distribuem desigualmente perdas e ganhos ambientais, conforme denunciam os movimentos por justiça ambiental.

    Não teremos, no Brasil, medidas institucionais de controle da destruição ambiental até o final de século XVIII segundo Pádua (Ibid.) – ainda assim, irrisórias. No século XIX o romantismo na literatura tratará de renovar o fôlego do caráter idílico da natureza brasileira permanecendo, entretanto, afastado das reais relações estabelecidas entre os homens e a natureza local que podiam ser observadas.

    É com José Bonifácio, conforme explicado anteriormente, que o pensamento ambientalista afasta-se do idealismo e volta-se para uma tendência racionalista e empirista – a tônica é entender as leis da natureza. Mas, segundo Pádua, os pensamentos de Bonifácio sobre a natureza e a forma como construía a justificação de sua importância seriam o que chamamos hoje de desenvolvimentismo – ou seja, garantir a independência externa e progredir na produção agrícola. Seguindo esse mesmo raciocínio estava a crítica ao trabalho escravo e a preocupação com a incorporação do indígena enquanto trabalhador. Pode-se dizer que a preocupação de Bonifácio era com a sustentabilidade de uma economia da natureza, algo que fica evidente na sua argumentação crítica à pesca das baleias que, da forma como era feita, acabava com a cadeia que permitia a reprodução da espécie (Ibid., p.31).

    A preocupação com as dimensões cósmicas’ e políticas da natureza (Ibid., p.31) foi por ele impressa em sua passagem por cargos administrativos do governo nos primeiros tempos do Brasil independente. Posteriormente, com Joaquim Nabuco, entre outros, foi conservada a articulação entre a escravidão e a destruição das florestas, esgotamento do solo, etc. Impressionantemente, em O Abolicionismo de 1883, Nabuco já manifestava sobre a destruição da Amazônia pelo caráter ganancioso da indústria extrativa (NABUCO, 1883, p.155 apud, PÁDUA, 1987, p. 39). O viés desenvolvimentista da alternativa ecológica deste, no entanto, também permanecia. O pensamento ambiental que configurou a metade final do XIX ficou marcado pela visão desenvolvimentista caracterizada por Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha, ou, podemos afirmar, por uma visão mais pessimista sobre a possibilidade de construir uma civilização exitosa frente ao imperativo grandioso da natureza local.

    Até o século XX, portanto, o ambientalismo não apresentou um caráter mais crítico, a natureza era tida fundamentalmente como recurso. Foi Alberto Torres, na primeira década do século XX, quem pensou criticamente a modernidade ea noção de progresso ao refletir sobre as diferenças entre as nações. Assim, Torres (1978) relacionou o próprio projeto civilizatório ao componente inevitável de destruição ambiental e à inovadora percepção de que recursos ambientais não são inesgotáveis, eles acabam. Sua solução para o problema brasileiro era pautada na elaboração de uma perspectiva autônoma e não à cópia dos modelos de nações antigas.Torres chegou até a defender uma política de proteção da natureza e do homem, referindo-se a ações de reflorestamento e conservação.

    Depois da década de 1920, Pádua ainda cita o pensamento crítico de Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Gilberto Freyre, mas parte então direto aos anos 1980. Novas questões para os velhos temas do desenvolvimento versus preservação ambiental surgiram, e já se discutia então a questão energética. Todavia, antes de avançar para a década de 1980, é preciso, para os objetivos propostos por esse trabalho, comentar que é ainda na década de 1930 que o país irá constituir uma série de instituições de proteção ambiental.

    Não por acaso, é na década que inicia o período de industrialização brasileiro, e a criação de diversas instituições com caráter centralizador. Segundo Medeiros, Irving e Garay (2007) já era possível observar nesse contexto um movimento ambientalista que, encontrando um panorama interno (e externo) favorável de modernização do Estado, com reformas institucionais diversas, foi exitoso em influenciar na elaboração de leis de proteção ambiental. Assim, a constituição de 1934, inovadora em muitos aspectos da vida social, é a primeira a incluir expressamente a proteção da natureza como uma obrigação do Estado compartilhada entre seus entes federados. A ideia era proteger as belezas naturais enquanto patrimônios da nação numa demonstração clara da dupla e ambígua coexistência de um fator ideal estético, belezas naturais com um valor nitidamente capitalista e nacionalista do patrimônio nacional. Assim foi iniciada a construção institucional da política ambiental brasileira. Logo foram criados diversos códigos (florestal, de caça e pesca, das águas), os Parques Nacionais e leis de proteção aos animais. O Código Florestal de 1934 é considerado um marco importante, pois através dele, pela primeira vez, foram criadas regras menores e aplicados modelos de compreensão e definição dos padrões desejáveis de proteção

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