Reprodução social e práticas socioprodutivas de agricultores familiares do Pará
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A autora parte do pressuposto de que os agricultores familiares da região amazônica enfrentam constrangimentos econômicos e tecnológicos para adaptar-se às novas demandas de proteção ambiental e que, por meio da compreensão da dinâmica da mudança socioprodutiva, pode-se analisar a possibilidade de eficiência das recentes políticas que visam ao controle do desmatamento na Amazônia, e às negociações que as envolvem. Assim, os resultados obtidos quanto aos processos de mudanças nas práticas e lógicas socioprodutivas dos agricultores podem indicar qual ambiente institucional deverá ser constituído para fortalecer novas formas de relação sociedade-natureza. A autora assume o desafio de compreender o problema não a partir da ruptura da divisão ontológica e dicotômica entre os processos sociais e os naturais, e sim concebendo o objeto de estudo na interface das relações materiais e não materiais.
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Reprodução social e práticas socioprodutivas de agricultores familiares do Pará - Carla Giovana Souza Rocha
Copyright © 2016 by Paco Editorial
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Coordenação Editorial: Kátia Ayache
Revisão: Renata Moreno
Assistência Editorial: Augusto Pacheco Romano, Érica Cintra
Capa e Projeto Gráfico: Wendel de Almeida
Assistência Digital: Wendel de Almeida
Edição em Versão Digital: 2016
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Fábio Régio Bento (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Magali Rosa Santa'Anna (UNINOVE/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Marco Morel (UERJ/RJ) (Lattes)
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus(IFRO/RO) (Lattes)
Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Paco Editorial
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Dedico esta obra aos meus pais, Luzia e Rocha, aos meus filhos, Pedro e Débora, e ao meu companheiro Bráz pelo apoio que sempre me deram, fortalecendo-me e alegrando a minha vida.
Agradecimentos
Às famílias que me acolheram em suas casas e dispensaram atenção e tempo para colaborar com a mulher da pesquisa
. Obrigada pela gentileza e apoio. Almejo que o meu trabalho possa colaborar com os seus anseios de serem percebidos pelo poder público enquanto agentes desta história.
Ao Chico Clarindo e Rosa, pela amizade, alegria e apoio ao meu trabalho de campo em Medicilândia. Este casal sempre me recebeu em sua casa com extrema hospitalidade e carinho. Ao Zezinho e Maria, que também me acolheram em sua casa e me orientaram com paciência.
Ao Firmiano e Seuci, casal amigo e acolhedor, que me deu todo o apoio em Pacajá; agradeço-lhes pelo convívio que desfrutei em sua família e pelo carinho que recebi de vocês e de suas filhas Rose, Ana e Josi.
Ao Sr. Cleomenes e dona Zélia, pelo apoio e disponibilidade de me receberem como mais um membro de sua extensa e alegre família.
Ao Sr. Antônio José e dona Luzia, agradeço por terem compartilhado momentos de alegria e preocupações no convívio com sua família, passando da estranheza à fraterna amizade.
Ao prof. Jalcione Almeida agradeço a orientação, o apoio e confiança transmitida.
Aos meus amigos do LAET e do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas do NCADR/UFPA pelo apoio pessoal, incentivos nesta jornada e eterna referência em minha vida profissional. Agradecimentos especiais à Soraya Abreu de Carvalho, minha companheira de luta. Ao William Assis, ao seu filho Kauê e à sua companheira Irene; ao Mauro Silva e Myriam Oliveira, obrigada pelo apoio que nos deram no Rio Grande do Sul, tornando mais acolhedor o momento da chegada.
À minha amiga Danielle Wagner, que ficou em nossa casa nos últimos meses antes do meu retorno ao Pará, tornando esses dias ainda mais alegres; agradeço todo o carinho, hospitalidade e apoio nas idas a Porto Alegre e por ter representado muito bem minha família no momento da defesa da tese.
À minha querida amiga Ilce: como você é importante na minha vida! Sempre presente, acreditando e me dando aquela injeção de ânimo
.
À minha colega do doutorado e amiga Ana Maria, que de São Luís do Maranhão me ouviu e me confortou, tornando as angústias acadêmicas e pessoais menos solitárias.
À minha amiga Maristela, obrigada por dividir comigo o caminhar de seu doutoramento, seu entusiasmo me motivou a fazer o melhor.
Sumário
Folha de rosto
Página de Créditos
Dedicatória
Agradecimentos
Prefácio: Práticas Socioprodutivas e Agenciamento Recíproco entre Sociedade e Natureza
Referências
Introdução
Capítulo 1: Sociedade e Ambiente na Região da Transamazônica
Capítulo 2: Caminho Teórico-Metodologico da Pesquisa
1. A Temática Ambiental na Sociologia
2. Experiência Social e Lógicas de Ação
3. Interfaces do Meio Natural e Social
4. Lógicas de Reprodução Social
5. Procedimentos Metodológicos
Capítulo 3: Lógicas de Reprodução Social da Agricultura Familiar na Microrregião de Altamira/PA
1. As Trajetórias Produtivas nas Localidades
2. As Lógicas de Reprodução Social
2.1 Lógica um: sucessão hereditária e produção dinâmica
2.2 Lógica dois: aposentados com produção estagnada
2.3 Lógica três: gado-cacau e receitas não agrícolas
2.4 Lógica quatro: farinha de mandioca em parceria
2.5 Lógica cinco: gado para sustento e cultivo de cacau em ascensão
2.6 Lógica seis: criação bovina estabilizada
2.7 Lógica sete: combinação de pequenas receitas
2.8 Lógica oito: terra de cacau como reserva patrimonial
2.9 Síntese das lógicas de reprodução social na microrregião de Altamira/PA
Capítulo 4: Aspectos Ecológicos da Reprodução Material em suas Relações com o Meio Natural – A Fertilidade do Meio e Mudanças nas Práticas Socioprodutivas
1. Como os Agricultores se Explicam em suas Relações com a Natureza?
2. Práticas de Gestão dos Elementos do Meio Natural e Conhecimentos Envolvidos
2.1 Sem queimar não dá
2.2 A importância dos baixões para as famílias de Pacajá
3. Mudanças nas Práticas Agrícolas de Renovação da Fertilidade e Gestão dos Elementos do Meio Natural
3.1 O grotão como caso emblemático de degradação ambiental na Vicinal da Dez
3.2 O controle do fogo acidental como elemento de aprendizado coletivo
3.3 Alternativas apontadas pelas experiências de inovações técnicas e organizacionais
4. Percepções sobre a Legislação Ambiental e a Atuação Governamental
Considerações Finais
Referências
Paco Editorial
Lista de Figuras, Grafigos, Tabelas e Esquemas
Figuras
Figura 1: Desmatamento até 2011 na microrregião de Altamira/PA
Figura 2: Modelo de interações sociedade-natureza conforme Raynaut
Figura 3: Mapa do Pará, microrregião de Altamira e os municípios das localidades estudadas
Figura 4: Mapa de solos da microrregião de Altamira
Figura 5: Localização da área de estudo na microrregião de Altamira
Figura 6: Área queimada e plantio de arroz e milho em consórcio na região da Transamazônica
Figura 7: Ilustração de área de baixão, Vicinal 338 Norte, município de Pacajá
Figura 8: Imagem do grotão na Vicinal da Dez, município de Brasil Novo
Figura 9: Vista do estabelecimento agrícola com voçoroca ao fundo, Vicinal da Dez, Brasil Novo/PA
Tabelas
Tabela 1: Crescimento populacional de 1970 a 2010 da microrregião de Altamira
Tabela 2: População total, urbana e rural da microrregião de Altamira (2010)
Tabela 3: Número e valor das multas contra crimes ambientais na microrregião de Altamira
Tabela 4: Percentual de desmatamento total da área dos municípios da microrregião de Altamira
Tabela 5: Utilização das terras dos estabelecimentos agropecuários no Pará
Tabela 6: Plantel total da pecuária bovina por município da microrregião de Altamira
Tabela 7: Evolução no número de ocorrências de cadastro ambiental rural e licenciamento para atividade rural na microrregião de Altamira (2011/2012)
Tabela 8: Posses cadastradas e área georreferenciada no Programa Terra Legal Amazônia, até 2012
Tabela 9: Tempo de moradia na microrregião, no estabelecimento e % de floresta
Tabela 10: Área média dos estabelecimentos das famílias entrevistadas
Tabela 11: Média da área de floresta dos estabelecimentos agrícolas por vicinal (%)
Tabela 12: Dados comparativos de receitas das famílias da lógica sete de reprodução
Tabela 13: Dados da ocupação do solo por estabelecimento agrícola da lógica oito
Tabela 14: Dados quantitativos das lógicas de reprodução social das famílias entrevistadas
Gráficos
Gráfico 1: Desmatamento anual na Amazônia Legal de 1988 a 2011
Gráfico 2: Incremento anual na taxa de desmatamento nos municípios da microrregião de Altamira
Gráfico 3: Madeira em tora comercializada por ano (m³) nos municípios da microrregião de Altamira
Gráfico 4: Financiamentos rurais concedidos por município da microrregião de Altamira, PRONAF
Gráfico 5: Valor total de financiamentos via PRONAF em atividade agrícola e pecuária de 2011 a 1999, na microrregião de Altamira
Gráfico 6: Valor total de multas por crimes ambientais aplicadas de 2004 a 2011 na microrregião de Altamira
Gráfico 8: Famílias entrevistadas e ano de ocupação no estabelecimento agrícola atual (valores acumulados)
Gráfico 9: Medianas da ocupação do solo por tipo de lógica (em hectares)
Gráfico 10: Tipos de doenças ou sintomas referidos e o número de pessoas atingidas no universo de entrevistados
Gráfico 11: Precipitação mensal (mm) em quatro décadas em Altamira/PA
Gráfico 12: Precipitação média, mínima e máxima mensal de 1970 a 2011 na microrregião de Altamira
Gráfico 13: Mudanças na gestão da terra nas vicinais estudadas
Gráfico 14: Planos para plantios na floresta nas vicinais estudadas
Quadros
Quadro 1: Principais programas de crédito agrícola na microrregião de Altamira (1971-2010)
Quadro 2: Programas governamentais na área ambiental para a Amazônia
Quadro 3: Unidades de Conservação da microrregião de Altamira/PA
Quadro 4: Áreas das Terras Indígenas e municípios de abrangência na microrregião de Altamira
Quadro 5: Principais instituições do Estado, empresariais e movimentos sociais da microrregião de Altamira
Quadro 6: Dados gerais sobre as localidades escolhidas para realização do estudo
Quadro 7: Abordagem teórica e categorias analíticas empregadas no estudo
Quadro 8: Conhecimentos locais para escolha da área para cultivo na região da Transamazônica, Altamira/PA
Esquemas
Esquema 1: Representação dos sistemas de ação e as ligações causais
Esquema 2: Etapas dos procedimentos metodológicos
Esquema 3: Calendário agrícola anual com as principais atividades e suas épocas, na região da Transamazônica
Prefácio: Práticas Socioprodutivas e Agenciamento Recíproco entre Sociedade e Natureza
Este livro, de Carla Rocha, é fruto de importante trabalho acadêmico que culminou com sua tese de doutoramento, a qual tive o privilégio de orientar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trata-se de um texto bem fluído, analítico e de valiosa contribuição acadêmica e social. Ele fala de agriculturas e de Amazônia; também de práticas socioprodutivas, de biodiversidade e de ação política; enfim, de alternativas produtivas e organizacionais visando construir práticas diferentes e de menor impacto ambiental.
A autora aborda a problemática socioambiental enfrentada por atores sociais que integram o que chama de sociedade agrária da Amazônia
, particularmente a categoria socioprodutiva dos agricultores familiares. Objetiva compreender as possibilidades de mudança nas práticas desses agricultores frente a restrições e oportunidades socioeconômicas e naturais da microrregião de Altamira, no Sudoeste do Pará, visando caracterizar suas lógicas de reprodução e de ação e as possibilidades de consolidação de alternativas que sejam ambientalmente sustentáveis.
A questão geral motivadora para este estudo é a seguinte: a natureza é concebida como aquela transformada pelos humanos para atender objetivos sociais (natureza como uso), ou ela é capaz de influenciar práticas e objetivos humanos? No plano acadêmico, esta interrogação mobiliza vários autores e grupos no sentido de pensar a natureza com capacidade de provocar agenciamentos. No plano político e social, iniciativas como esta contribuem sobremaneira para a alteração das percepções sociais em torno do ambiente e na busca por alternativas às formas mais degradadoras de produção.
Para responder a questão colocada, Carla enfrenta o desafio de apreender as dinâmicas das relações sociedade-natureza analisando as interfaces entre dois campos em inter-relação, o das relações materiais e o das relações sociais. Neste sentido, a autora visa identificar e compreender as lógicas das práticas dos agricultores em suas relações com o meio natural, como base material de sua reprodução social, e também em seus aspectos não materiais que dão sentido a essas práticas. Considera a capacidade de ação dos agricultores frente aos desafios atuais, notadamente a de mudar suas percepções ambientais e a de criar alternativas produtivas e organizacionais visando construir práticas diferentes e de menor impacto ambiental em comparação com as usuais.
Esta análise contribui fundamentalmente com a reflexão acadêmica que busca trilhar um caminho interpretativo ainda pouco frequente nas ciências sociais, particularmente na sociologia. Trata-se de reflexões que tentam incorporar elementos constitutivos de Sociedade e de Natureza nas análises das relações sociais e materiais. Essa perspectiva analítica, no campo das ciências sociais (assim como no das ciências naturais), evidencia que tratar da relação sociedade-natureza conduz a pensar na (re)construção dos seus objetos de estudo, nos quais o ambiental
torna-se um objeto socionatural
, provocando uma virada epistemológica na sociologia, e colocando em questão seu paradigma baseado na autonomia do social.
O apelo à centralidade dos humanos, portadores legítimos da racionalidade, capazes de ordenar e coordenar as relações com o meio a partir de suas necessidades, acaba permeando mais ou menos todas as teorias sociais modernas, incluindo parte das teorias críticas. A chamada crise ambiental contemporânea
abre fraturas nesta perspectiva, porque revela a interdependência da reprodução humana e ecológica em níveis mais intensos do que seria possível supor há um século. Faz, portanto, sentido a afirmação de Redclift (2002) quando diz que a ideia de sustentabilidade só continuará válida se considerar os humanos e o mundo exterior (como foi habitualmente associado o termo) como partes do mesmo processo, dadas as grandes transformações sociais, tecnológicas e ambientais.
Nesse sentido, tratar das questões da reprodução é reconhecer que essa temática traz à luz o fato de as questões sociais
estarem imbricadas aos elementos de natureza e que, para compreendê-las, se faz necessário observar tanto as macro-orientações que dominam a criação de sentidos no campo natural como as especificidades das populações que vivenciam determinados espaços físicos e sociais. A diversidade das características das estruturas física, biológica e fundiária de um determinado espaço está imbricada com diferentes espaços de sociabilidade (lugar), os quais revelam, além de diferentes modos de vida, representações, aspirações, lógicas produtivas e trajetórias familiares, também necessidades econômicas e socioculturais. Nessa perspectiva, o conceito de reprodução que busca integrar Sociedade e Natureza parece dar conta teoricamente da complexa dinâmica da relação entre humanos e o mundo natural no intento da sustentabilidade dos sistemas vivos.
Seguindo o proposto por Corona e Almeida (2014), em síntese a abordagem da reprodução em uma perspectiva integrada de sociedade e natureza (socioambiental
) propõe considerar que:
(i) a reprodução é um processo em que todas as formas organizadas de relações entre elementos do real buscam manter sua existência (sentido de permanência), se reproduzir, mediada pelas contradições internas aos sistemas (sociedade e natureza) sem um ordenamento perfeito de todos os elementos em um único sentido. Em cada situação específica há configurações variáveis no tempo e espaço, equilíbrios temporários, tensões e conflitos que os colocam em movimento/mudança, provocando descontinuidades;
(ii) a reprodução é um fenômeno geral, portanto, incorpora na mesma dinâmica a reprodução natural/biológica (vegetal, animal, espécie humana) e a reprodução social, tanto material (econômica, biodemográfica, trabalho, escrita) como imaterial (cultural, simbólica e organizacionais). Um todo integrado por partes que se agenciam mutuamente;
(iii) a reprodução se liga direta e integrativamente à diferenciação, reforçando-se mutuamente (a reprodução idêntica é exceção). Diferenciação que tende à complexidade das esferas do social e do natural. A realidade não é orientada por um único modelo, nem se dirige em um único sentido; é concebida em termos de diferenças: as múltiplas lógicas de produção de culturas e identidades, práticas ecológicas, políticas e econômicas e condições naturais diferenciam lugares, territórios, na inter-relação com o global; e
(iv) os devires das emancipações devem ser entendidos como aqueles em que o passado (habitus) e o futuro (projetos) se fundem em um presente revelado nas ações concretas dos atores sociais, emancipações possíveis de serem traduzidas observando a lógica dos protagonistas das ações individuais e coletivas transformadoras.
Ao responder a questão de estudo, Carla Rocha conclui que as práticas e percepções dos agricultores é fruto do trabalho cotidiano e da experiência social adquirida nas relações com o meio natural, que sofrem transformações e acabam por influenciar as formas de trabalho e os modos de vida, mas que preconizam prioritariamente ao atendimento às necessidades humanas mais imediatas. No plano da percepção, uma aparente sensibilização ambiental parece influenciar, ainda que parcialmente, a realização de práticas ecologicamente adequadas de agricultores integrados a alguma organização social e participando de redes de intercâmbio de cunho ambientalista ou de produção orgânica.
A construção de novos conhecimentos não se dá somente por indução externa, mas fruto da própria experiência social, na interação entre elementos naturais e subjetivos, estratégicos e de socialização. Assim, a abordagem sobre as mudanças em curso na agricultura familiar no empírico estudado por Carla precisa considerar um sistema local e global de interações, no qual se combinam restrições de ordem natural, impostas
pela natureza, e percepções sociais envolvidas, os mercados, as práticas socioprodutivas e as relações sociais como as representações e aspectos culturais presentes.
Segundo a autora, "é a combinação favorável nos elementos que compõem as lógicas de ação que pode levar a mudanças duradouras nas práticas socioprodutivas tendo em vista o controle do desmatamento na região estudada, ou seja, a existência de um
contexto socioeconômico e institucional com novas visões e ações de desenvolvimento tendo em vista a sustentabilidade multidimensional, condições materiais de reprodução social que não requeiram o aumento do desflorestamento e a construção de novas percepções ambientais por parte dos agricultores e atores da sociedade agrária. Sem este quadro favorável, afirma Carla Rocha,
as preocupações inerentes à problemática ambiental não serão decisivas na construção de trajetórias produtivas e sistemas técnicos que utilizem o meio natural considerando a sua sustentabilidade".
As reflexões contidas neste importante e valioso livro levam o leitor a imaginar as mudanças nas relações sociedade-natureza na perspectiva de uma coevolução entre os elementos sociais e naturais que compõem a atividade agrícola, especialmente a da agricultura familiar no contexto de uma microrregião amazônica. Mas essas mudanças somente poderão ser perfeitamente compreendidas em uma escala de tempo mais alargada, que não é possível ser coberta no tempo de uma pesquisa de doutorado. É uma escala que remete ao tempo das políticas públicas (na sua formulação, implementação e resultados), atentando sempre para o processo em curso, tão bem caracterizado e analisado pela autora; remete também à necessidade de entender como os aspectos estratégicos, que definem as lógicas de reprodução material das famílias, estão intrinsecamente articulados às condições ou à qualidade do meio natural que, juntamente com as políticas públicas até agora, modularam as trajetórias produtivas construídas na microrregião de Altamira.
Antes de terminar quero ressaltar outro aspecto que o trabalho de Carla Rocha suscita, mas que não foi tratado explicitamente em seu trabalho. Ele abre possibilidades para uma reflexão mais aprofundada e profícua, na minha opinião de grande valia para as ciências sociais e a sociologia em particular. Trata-se de um investimento teórico e analítico guiado por uma teoria da prática
(Barad, 2003; 2007), ou seja, no investimento intelectual com um propósito de designar o caráter interativo que se expressa entre os agenciamentos de coisas e sujeitos, entre o material e imaterial. Essa interação ocorre entre as partes e é simultaneamente constitutiva dessas partes (Maia, 2015). É mais do que interativo porque estaria produzindo novos sujeitos, da mesma forma que, como no objeto de estudo de Carla Rocha, está-se (re)produzindo sociedade e natureza por ação de práticas, de técnicas ou de saberes diversos.