Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Meu amigo João
Meu amigo João
Meu amigo João
Ebook71 pages55 minutes

Meu amigo João

Rating: 3 out of 5 stars

3/5

()

Read preview

About this ebook

Este livro reúne oito contos sensíveis e bem-humorados sobre amizade, solidariedade, ingratidão, infância, adolescência, estudos, carreira, família, convivência, acertos e desacertos, a vida rural e urbana e todo tipo de perdas.
"Somos um pouco das pessoas que pas sam pela nossa vida. Algumas já es tão em nós e nós nelas, de tal for ma misturados que não sabemos quem é a árvore e quem é o fruto. Ou tras aparecem, silenciosamente, em nosso ca mi nho. Nós as escolhemos, dam os a elas a cha ve de nossos segredos, ou elas nosescolhem e abrem suas portas para que en tremos. E há as quenem chegamos a co nhe cer, mas que vivem dentro de nós antesmesmo de nascermos. Às vezes, nos dão a cor dos olhos; às vezes,o jeito de olhar. Algumas nos deixam o seu melhor, como umtesouro; outras nos levam as ilusões, e roubam nossos sonhos."
LanguagePortuguês
Release dateMay 8, 2013
ISBN9788506069707
Meu amigo João

Related to Meu amigo João

Related ebooks

Children's For You

View More

Related articles

Reviews for Meu amigo João

Rating: 3 out of 5 stars
3/5

1 rating0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Meu amigo João - João Anzanello Carrascoza

    João Anzanello Carrascoza

    Meu amigo

    JOÃO

    contos

    ilustrações

    Walter Vasconcelos

    Sumário

          Outras lições

          A segunda cartilha

          Canários

          Porão

    Biografia do autor

    Créditos

    MEU AMIGO

    JOÃO

    Saindo agora do escritório dele, recordei-me subitamente das palavras de minha mãe. A vida é uma ciranda, dizia ela, a gente dá a mão para uma pessoa hoje, outra nos estende a sua amanhã. E, como se reescrevesse o meu evangelho, lembrei-me da primeira vez em que o vi: João estava sob a sombra de uma mangueira no quintal de nossa vizinha, onde eu fora buscar folhas de louro a pedido de mamãe. Movia-se, silencioso, como uma serpente, procurando pedras no chão, com as quais depois derrubou duas mangas maduras; uma, que logo mordeu, sugando o suco como um seio; a outra, que deu a mim, a contemplá-lo, admirado. Havia pouco ele se mudara com a tia para a vila onde morávamos e, naquela manhã, ao me estender a fruta, disse apenas, É pra você!, e sumiu entre as árvores. Comoveu-me a sua inesperada generosidade, eu não estava habituado a ganhar nada de estranhos, era eu quem sempre dava. E descobri que ele não entrara ali como eu, pelo portão: João pulara o muro da vizinha. Mas em vez de desprezá-lo pelo roubo, admirei-o pela ousadia.

    Surpreendeu-me na semana seguinte, quando nos encontramos no catecismo, e a professora, após ler a Bíblia, explicou que João significava amigo de Cristo, e ele sorriu docemente para mim, sua mais nova conquista. Foi numa dessas aulas que me entreguei de fato a ele – já então nos conhecíamos melhor e bastava vê-lo amarrado à grossa corda de seu silêncio, os lábios unidos por pregos invisíveis, para saber que não se resignava à sua condição. Era uma tarde de inverno e, de repente, o horizonte enegreceu e uma inesperada tempestade desabou. Trovões eclodiam, ininterruptos, bombardeando nossos ouvidos; relâmpagos desenhavam no céu formas horripilantes, que víamos, assustados, pelos vidros da janela. A professora fechou a cortina, acendeu a luz da sala, onde nos reuníamos em roda, e tentou nos acalmar, enquanto galhos de árvores se estatelavam na rua ao bramir da ventania. A luz tremeu uma vez, outra, e na terceira se apagou. Vou procurar uma vela, disse ela, e então alguém sussurrou, aflito, Ai, meu Jesus! Reconheci a voz de meu amigo e senti o ar que sua mão deslocava, rasgando as trevas à procura da minha – e prontamente a estendi.

    Minha mãe se alegrava ao me ver com João. Nós dois nos divertíamos horas a fio com meus automóveis, piões, quebra-cabeças, soldados e índios do Forte Apache, dinheiros e cheques do Banco Imobiliário. E me elogiava, sempre em voz alta, para meus irmãos ouvirem, que eu sabia dividir como um autêntico cristão; afinal, ninguém podia ser feliz sozinho, o paraíso na terra eram as boas companhias. Não me admirou, numa das poucas vezes em que fui à casa de João – era sempre ele quem vinha à nossa –, encontrar em seu quarto brinquedos meus, alguns que eu supunha ter perdido: um avião de guerra, um carro de polícia, o trem elétrico. Ao me ver repentinamente ali, ele deu de ombros e me chamou para brincar na rua, como se aqueles brinquedos não tivessem para ele o valor que eu sabia terem. Não que eu os quisesse de volta, João é quem desejava ocultá-los de mim. Mas não me aborreci, eu sabia que nada pode ser dado se já não é do outro. E era eu ganhar uma bicicleta nova para ceder a ele a minha velha, sem hesitar em trocá-las no caminho e deixá-lo saborear algo que me alegrava possuir só para lhe oferecer. Era sobrar

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1