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Eles não querem nada X O professor não domina a turma: A construção discursiva da (in)disciplina
Eles não querem nada X O professor não domina a turma: A construção discursiva da (in)disciplina
Eles não querem nada X O professor não domina a turma: A construção discursiva da (in)disciplina
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Eles não querem nada X O professor não domina a turma: A construção discursiva da (in)disciplina

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Este livro discute a questão da (in)disciplina dos alunos em sala de aula. A ideia de controlar totalmente o aluno, submetendo-o sob determinado código de conduta, pertence a uma visão de educação em que o professor é o único detentor do saber legitimado e do poder, e se encontra em posição de dominação em relação ao aluno. Tal visão é incompatível com os pressupostos da pós-modernidade, em que professores e alunos são sujeitos múltiplos e fragmentados, e os saberes transitórios e inacabados, em constante (re)(co)construção. Esta obra propõe um novo caminho para solucionar a questão da (in)disciplina, a partir da visão bakhtiniana de linguagem, isto é, do discurso construído pelos participantes. A resposta à (in)disciplina não está no uso do poder, mas em saber ouvir o outro na construção do saber.
LanguagePortuguês
Release dateAug 4, 2014
ISBN9788581485690
Eles não querem nada X O professor não domina a turma: A construção discursiva da (in)disciplina

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    Eles não querem nada X O professor não domina a turma - Elaine Lopes Novais

    Eles não querem nada

    X

    O professor não domina a turma

    a construção discursiva da (in)disciplina

    Elaine Lopes Novais

    Copyright © 2014 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Coordenação Editorial: Kátia Ayache

    Revisão: Elisa Santoro

    Capa: Matheus de Alexandro

    Diagramação: André Fonseca

    Edição em Versão Impressa: 2012

    Edição em Versão Digital: 2014

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Block, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    A Deus, por minha vida.

    A meus pais, que me ensinaram o valor do conhecimento.

    A meu marido Djalma, pelo companheirismo

    e por acreditar sempre em minha capacidade.

    A minhas filhas Maria Cecília e Maria Clara,

    razão de tudo, luz da minha vida.

    Agradeço

    Às professoras orientadoras do Mestrado Alice Maria da Fonseca Freire e Lucia Pacheco de Oliveira por contribuírem para a construção de meu conhecimento em relação ao discurso, pela compreensão e dedicação a mim e à minha pesquisa. Sem elas, esse livro não seria possível.

    À minha família, que muito me incentivou e em muitos momentos me amparou para que eu fosse capaz de conciliar trabalho, estudo, maternidade e etc. Vocês também me ajudaram a escrever este livro.

    A meus amigos, em especial Rogério Tílio e Ana Tereza Rollemberg, parceiros de estudos, dificuldades, incertezas e conquistas, e a meu amigo Jorge Dimuro, que, ao compreender minhas dificuldades e necessidades profissionais, me auxiliou nessa árdua jornada de mestrado e doutorado.

    A meus colegas de trabalho que, generosamente, aceitaram meu convite para discutir e refletir sobre a (in)disciplina na escola. Meu agradecimento de coração.

    A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste projeto.

    E a todos que, como eu, pensam, refletem e discutem a educação brasileira e lutam para que formar cidadãos críticos, conscientes, atuantes para fazer de nosso país um Brasil cada vez melhor.

    Sumário

    Prefácio

    Introdução

    Capítulo 1: A escola: conhecendo o contexto

    1. A educação na Grécia

    2. A Idade Média

    3. A Modernidade

    3.1. A revolução industrial

    4. A escola na pós-modernidade

    4.1. A pós-modernidade

    4.2. A escola atual

    4.3. A crise de paradigmas

    Capítulo 2: (In)disciplina - as diferentes visões

    1. A visão tradicional ou clássica

    2. As visões atuais

    2.1. A visão liberal

    2.2. A visão associada à moral

    2.3. A visão psicologizante

    2.4. A disciplina consciente e interativa

    2.4.1. As crenças

    2.4.2. Os estereótipos

    2.4.3. Os limites

    Capítulo 3: O discurso na construção da (in)disciplina

    1. O discurso como construção social

    2. A perspectiva bakhtiniana

    2.1. As vozes

    2.2. A alteridade

    Capítulo 4: Realizando a investigação sobre a (in)disciplina

    1. O paradigma

    1.1. Pesquisa qualitativa

    1.2. O Estudo de caso

    2. Geração de dados: instrumentos

    2.1.Entrevista

    2.2. Os documentos

    3. O contexto

    3.1. O contexto institucional

    3.2. Os indivíduos

    3.2.1. Os docentes

    3.2.2. Os funcionários técnico-administrativos

    3.2.3. Os alunos

    Capítulo 5: As vozes que ecoam no discurso da indisciplina

    1. A voz documental

    2. A voz dos professores

    2.1. A disciplina tradicional

    2.2. A disciplina consciente e interativa

    2.3. As professoras como ex-alunas

    2.4. O agitado balaio de vozes sociais

    3. As vozes dos funcionários técnico-administrativos

    4. A voz dos alunos

    Capítulo 6: Os diferentes discursos construindo a (in)disciplina

    1. A disciplina através de acordos

    2. O discurso único

    Capítulo 7: O outro no discurso da (in)disciplina

    1. O discurso acusatório

    2. A representação negativa do outro

    2.1. Os alunos

    2.2. Os professores

    2.3. A família

    2.3.1. A questão dos limites

    2.3.2. A questão dos papéis

    2.3.3. A questão do tempo

    3. As consonâncias, dissonâncias e multissonâncias

    Capítulo 8: Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Prefácio

    Foi com grande satisfação que aceitei o convite para prefaciar este livro de Elaine Lopes Novais, o qual se destaca, em comparação com outras publicações que tratam do discurso em contextos pedagógicos, pela importância do que é dito e como é dito. O conteúdo apresentado traz uma apurada cobertura da escola em diversas épocas de seu desenvolvimento até a pós-modernidade, relacionando-a com o contexto sociohistórico em que está inserida, bem como enfocando um de seus maiores desafios, a (in)disciplina, aqui apresentada através da voz dos diferentes atores do cenário escolar. Esses assuntos são tratados com muita clareza e fluidez pela autora, o que faz do texto uma fonte de informações históricas e atuais para leitores de diferentes campos de atividade.

    O tema do livro é de grande importância para profissionais de diversas áreas do conhecimento, como Letras, Antropologia, Pedagogia e Psicologia, envolvidos de alguma forma com o ensino e a sala de aula. Muitos assuntos discutidos são também relevantes para os pais, mães, avós ou outros interessados que tenham curiosidade e/ou necessidade de ampliar seus conhecimentos sobre o ambiente escolar em que crianças e adolescentes transitam durante parte significativa de suas vidas. O livro proporciona a possibilidade de conhecermos melhor o que os alunos e os profissionais que os rodeiam, tais como professores, funcionários técnico administrativos, diretores e assessores da escola pensam e falam sobre (in)disciplina. Além disso, um ponto importante e inovador do texto é que a voz da própria escola é também examinada, através dos documentos regimentais que orientam suas ações disciplinares.

    Todos os temas e assuntos são observados através do estudo das vozes que ecoam em um cenário escolar específico, ou seja, uma escola do setor público federal, tradicionalmente avaliada entre as melhores do país. A pesquisa apresentada no livro configurar-se, portanto, em um estudo profundo e sistemático que permite um conhecimento amplo e detalhado do objeto que está sendo investigado. Trata-se assim, metodologicamente, de um estudo de caso, o que agrega um valor especial ao material produzido. Ao mesmo tempo em que possibilita o conhecimento teórico sobre este tipo de pesquisa, faz com que os assuntos possam ser tratados com maior profundidade e foco, o que não elimina a possibilidade de estender os resultados encontrados a outras instituições de ensino, uma vez que sabemos que há situações e condições semelhantes nos diversos contextos escolares.

    Algumas das contribuições importantes do livro estão ligadas à aplicação de conceitos teóricos. No campo dos estudos das vozes, a perspectiva de linguagem bakhtiniana é utilizada como a base para a análise do discurso produzido no contexto escolar em foco. Aí reside um aspecto altamente relevante do texto, já que é feita a aplicação de conceitos da teoria bakhtiniana de linguagem, tais como dialogismo e alteridade, à análise do discurso, o que requer do analista cuidadosa interpretação do material. No campo dos estudos da disciplina/indisciplina, uma tipologia bastante abrangente é apresentada e discutida em detalhes, incluindo uma visão mais clássica e visões mais atuais. Posteriormente, na análise dos discursos dos atores escolares, diversos tipos de disciplina são identificados, tais como a disciplina tradicional, a consciente e interativa. Nota-se aí uma variação de indivíduo para indivíduo no tocante ao seu enfoque quanto à noção de (in)disciplina, bem como a formação de um ‘agitado balaio de vozes sociais’, que pode ser encontrado no discurso de um só ator, o qual em sua fala incorpora muitos outros discursos disciplinares que o cercam.

    No livro são caracterizados diferentes tipos de discursos que aparecem no contexto estudado, mas que possivelmente estão também presentes em outros contextos escolares. A autora os classifica como, por exemplo, o ‘discurso dos acordos’, através do qual alguns professores manifestam seu desejo de haver um discurso sobre (in) disciplina que ecoe uma única voz, como se todos pudessem ter, idealmente, uma só visão sobre o assunto; e o ‘discurso acusatório’, em que o outro discursivo é caracterizado sempre de maneira negativa, ou seja, os professores e outros atores escolares acusam os alunos e/ou as famílias sobre a indisciplina , sobre os problemas na escola, etc o que dificulta a solução das questões disciplinares, as quais necessitam o envolvimento de todos os participantes do contexto escolar, em uma atitude verdadeiramente dialógica, como argumenta a autora.

    Depois de ler este livro acredito que os leitores, sejam eles alunos, professores, pesquisadores ou interessados nos assuntos aqui levantados sobre linguagem e educação, poderão compreender melhor a relação entre a escola e a sociedade em que esta está inserida. A escola apresenta-se dividida entre um discurso predominantemente tradicional sobre (in)disciplina e um discurso pedagógico que visa construir e respeitar as identidades dos alunos, bem como dar voz a todos os participantes do contexto escolar. Este discurso está mais afinado com o momento sociohistórico atual, que remete a temas e questões de vida em que autonomia, transdisciplinariedade, informação e comunicação são valores desejáveis, havendo, portanto, um conflito aparente entre o que a escola quer ensinar e algumas formas de ação disciplinar que aí ainda prevalecem. A leitura deste livro poderá contribuir para esclarecer essas questões e levar a uma reflexão quanto a possíveis soluções que tragam uma harmonia multissonante entre os discursos disciplinares e pedagógicos.

    Ao longo de quatro anos, tive o privilégio de conviver com a autora deste livro como sua orientadora, durante o período em que ela cursava o seu Doutorado no Departamento de Letras da PUC-Rio, desenvolvia sua pesquisa e atuava na escola onde, simultaneamente, colhia seus dados em conversas com docentes, discentes e funcionários. Todo esse trabalho resultou em uma Tese de Doutorado de alta qualidade que agora, publicada em livro, tem a possibilidade de atingir um número muito maior de leitores. Para mim, alguns anos depois, foi novamente um privilégio e uma honra poder retomar um texto tão cuidadosamente preparado por Elaine para escrever um prefácio sobre ele. Orgulho-me da minha orientanda que agora, como autora, passa aos seus leitores um trabalho tão completo, inovador e estimulante.

    Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2011.

    Lúcia Pacheco de Oliveira

    Departamento de Letras PUC-Rio

    Introdução

    Geralmente estudamos o que está em nossa história, nos desafios de nossa vida cotidiana ou de nosso estar no mundo, problemas e fatos nos quais estamos existencialmente implicados (Teixeira, 2003).

    A (in)disciplina na escola tem sido tema de inúmeras discussões entre aqueles que atuam na área educacional, e é considerada por muitos educadores como a grande praga do final do século XX (Pedro-Silva, 2004, p.5). As escolas vivem, em nossos dias, impasses gerados por uma grave crise de paradigmas (Arroyo, 2004). Até a década de 70, o professor tinha clareza quanto ao papel que ele deveria desempenhar, o de transmitir as informações cujo teor versava sobre os conhecimentos produzidos ao longo da história da humanidade (Pedro-Silva, 2004). Além disso, a escola era valorizada como instrumento de ascensão social, a família a apoiava incondicionalmente e a clientela que a frequentava tinha maior afinidade com o tipo de saber que era ali veiculado (Vasconcellos, 2003; Donatelli, 2007).

    Entretanto, nos dias atuais, passamos de situações em que professores e alunos sabiam, de forma bastante firme e contundente, o que deveria ser feito sem que isso fosse dito explicitamente, para situações ambíguas, incertas, de desconfiança e descontentamento, nas quais o professor e também os alunos devem construir novos papéis e novas interações (Vasconcellos, 2003; Blin e Deulofen, 2005; Menezes, 2008). Hoje em dia, há uma grande dúvida sobre o que enfatizar na escola: razão, cognição, ciência, sentimento, paixão ou prazer? Dever, obrigatoriedade, hábito, gosto, escolha ou fruição? O currículo deve centrar seu eixo no conteúdo ou na forma? No conteúdo ou no método? No produto ou no processo? (Kramer, 2001).

    Segundo Canário (2006), o cenário sombrio no qual a escola se encontra, e que muitos autores denominam a crise da escola, ocorre por três razões. A primeira é que a escola se baseia em um saber cumulativo e transmitido e, por este motivo, está obsoleta. A segunda razão é que ela sofre de um déficit de sentido para aqueles que nela trabalham e estudam. E a terceira é que ela tem sofrido também um déficit de legitimidade, pois faz o contrário do que promete (democratização do ensino e ascensão social), o que gera um número enorme de indivíduos insatisfeitos (alunos, pais, funcionários técnico-administrativos, direção, professores) com os rumos que a escola está seguindo.

    Em relação à questão disciplinar, durante séculos, os responsáveis pela educação, seguindo rigidamente os regimentos escolares, impuseram aos alunos seus códigos de conduta, que deveriam ser obedecidos à risca, sob pena de uma profusão de reprovações e retenções (Pedro-Silva, 2004; Zagury, 2006). Sob esses severos códigos de conduta, foi construída uma aparente paz dentro dos muros da escola, encarada como um templo do saber, um local neutro, apolítico, onde as crianças eram inseridas dentro da cultura da sociedade na qual viviam.

    Atualmente, contudo, a escola tem passado por uma série de mudanças. O papel do professor já não pode ser o de mero transmissor do saber, sobre cuja performance se apoia uma boa aula, e nem o aluno assume o papel de receptor passivo e atento de conteúdos considerados socialmente úteis (Curto, 1998; Meurieu, 2006). Além disso, as relações entre professores e alunos se modificaram de forma radical nas últimas décadas, e, por meio destas transformações, o princípio da autoridade indiscutível que regia as relações dos professores com seus alunos foi cedendo espaço a uma nova forma de exercer o poder, que ainda não está bem definida (Marchesi, 2006; Donatelli, 2007).

    Em muitas turmas, os estudantes apresentam uma série de atitudes que não correspondem às expectativas dos professores e que podem comprometer e até mesmo impedir o desenvolvimento do trabalho pedagógico proposto pela instituição. Assim, dentro do contexto atual, cheio de situações paradoxais, os professores se dão conta de que os controles, as advertências, os castigos e até mesmo as expulsões não funcionam mais como antigamente (Arroyo, 2004, Werneck, 2005; Menezes, 2008). As práticas disciplinares tradicionais que ainda estão presentes nas instituições escolares não conseguem dar conta de responder às necessidades da sociedade atual (Hengemühle, 2007). O fato é que a escola, com suas estruturas rígidas, não consegue assimilar as diferenças de cultura, valores, comportamentos e atitudes que não os hegemonicamente dominantes, e considera indisciplina tudo que foge dos padrões estabelecidos (Rebelo, 2002). O que podemos perceber no contexto escolar atual é uma grave crise pois

    durante décadas os padrões morais e sociais mudaram, e as instituições teimam em continuar as mesmas? As crianças, adolescentes e jovens mudaram e as famílias, as igrejas, as escolas, seguiram as mesmas? Quando os padrões sociais e morais mudam, as instituições sociais são questionadas a se abrirem. E as escolas? (Arroyo, 2004:34).

    Quando nos deparamos com a questão da (in)disciplina no contexto escolar, a primeira e mais corriqueira resposta daqueles que nele trabalham para justificar o problema é atribuir a responsabilidade pela perturbação da ordem aos alunos e afirmar que eles não querem nada, se puderem farão tudo para atrapalhar, porque não compreendem a importância do que fazemos para a vida deles, etc (Rebelo, 2002). Umas das principais queixas é que as crianças e principalmente os adolescentes não possuem limites, pois os pais não os imporiam, a escola não os ensinaria, a sociedade não os exigiria, a televisão os sabotaria, etc. (De la Taille, 1996: 9). Entretanto, quando ouvimos os alunos e seus responsáveis, o que percebemos é que a visão que eles possuem é de que os professores são os maiores responsáveis pela indisciplina, pois não dominam a turma, estão desatualizados e despreparados para lidar com os adolescentes que frequentam a escola nos dias atuais.

    O que presenciamos nas instituições escolares é uma constante rede de acusações, baseadas somente no senso comum, nos interesses pessoais e nas experiências prévias de cada um dos sujeitos envolvidos no contexto escolar: os pais acusam os professores por não terem pulso; esses se queixam dos pais por não educarem seus filhos e não ensiná-los a se comportar em sala de aula como antigamente; por sua vez, os alunos reclamam que a escola é desinteressante e as aulas são chatas. É importante observar que

    Nada está declarado, nada é evidenciado com nitidez, mas todos sabem que há um clima de confrontação e, portanto, de indisciplina latente, em que uma parte se defende atacando com palavras e gestos e a outra, com palavras, gestos e avaliações. Todos entrincheirados, cada um em seu campo, esperando pelo momento certo de passar ao ataque. Ataque esse que não chega a ser mortal, mas que sempre desqualifica a moral (Donatelli, 2004).

    Diante desta postura bélica e do discurso acusatório, onde se atribuem culpas quase sempre calcadas em opiniões pessoais (Zagury, 2006), o outro – professor, aluno, responsáveis – passa a ser representado não como um sujeito que interage de forma vital no processo educacional e na relação professores-alunos-funcionários-responsáveis, mas sim como alguém que atrapalha o trabalho acadêmico, seja diretamente – através da incompetência dos profissionais da educação ou do desinteresse do aluno – ou indiretamente – devido à postura dos pais, que não educam seus filhos. Não há, muitas vezes, a busca da construção de um trabalho integrado entre os participantes do contexto escolar, mas sim, uma tentativa – velada ou clara – de se isentar da culpa a respeito dos problemas disciplinares.

    O que geralmente vivenciamos são reclamações ou a busca de receitas prontas de como disciplinar nossos alunos que não incluem um maior envolvimento por parte de professores, funcionários, alunos, direção e responsáveis na busca de causas ou possíveis soluções para esse problema tão grave e atual. As novas propostas não tocam fundo nem nas questões internas da instituição – problemas de metodologia, excesso de autoritarismo e desinformação por parte dos professores, desconhecimento por parte do alunado do objetivo da escola, descompasso entre o Projeto Político Pedagógico e a visão disciplinar da instituição, etc.– e nem nas externas, ligadas à sociedade na qual vivemos – falta de estímulos para o estudo, crise de valores morais e éticos, influência da mídia na vida dos adolescentes, etc – e que podem causar um profundo impacto sobre a questão da (in)disciplina.

    A sensação que parece prevalecer é que a escola deve ser um espaço ocupado somente por pessoas que não causam problemas, e, portanto, a indisciplina, entendida nesse contexto como desobediência, tem na punição o melhor caminho para superá-la. A instituição, cuja função é imprescindível na sociedade e que deveria ser um espaço onde todos os alunos trabalhassem juntos com seus professores na construção de conhecimento, acaba sendo uma instituição excludente, que não se interessa por aqueles que não estão de acordo com os padrões estabelecidos (Rebelo, 2002, p. 34). A imagem da escola como local de transmissão neutra e apolítica do conhecimento humano, preconizado pela escola positivista, foi substituída, em muitos momentos, pela visão difusa de um campo de pequenas batalhas civis, pequenas, mas visíveis o suficiente para causar uma espécie de mal-estar coletivo nos educadores (Aquino, 1998).

    Os profissionais da educação experimentam uma enorme sensação de desamparo, pois têm uma série de dúvidas sobre quais seriam os melhores procedimentos para trabalhar as situações de conflito, assim como a melhor forma de lidar com alunos agressivos ou com problemas (sejam eles psicológicos, familiares, ou sociais), e também como fazer com que as crianças e adolescentes sejam mais independentes, mais autônomos, e não simplesmente mais quietos e obedientes (Trindade, 2008; Vinha, 2000). Estes profissionais, por um lado, não querem reproduzir um modelo autoritário de educação na qual provavelmente foram educados, e demonstram, em seus discursos, acreditar em uma escola onde predomine a construção de conhecimento e de regras. Por outro lado, não sabem como impedir que a desordem e a indisciplina dominem a turma.

    Os educadores não conseguem entender como e porque as crianças e adolescentes agem de uma maneira tão indisciplinada e não se sentem preparados para lidar com a situação, uma vez que, muitas vezes, o aluno simplesmente zapeia o professor, ou seja, age como se estivesse utilizando um controle remoto e trocando de canal constantemente, mudando para o canal do mundo da lua ou do mundo do colega (Pedro-Silva, 2004:74). Os professores, vistos como aparelhos de TV, ficam falando em um canto da sala de aula enquanto seus alunos se dedicam a outras atividades e, por vezes, dão uma olhada, são atraídos por uma ou outra imagem ou atividade por alguns instantes, antes de voltar a suas atividades diferentes daquelas determinadas pelo professor, lamentando, que, infelizmente, não podem mudar de canal (Meurieu, 2006, p. 60).

    Diante desse quadro tão difícil onde o problema agrava-se a cada dia, a (in)disciplina passa a ocupar um grande espaço na escola, pois os profissionais despendem, em alguns momentos, mais tempo e energia para resolver problemas disciplinares do que para discutir importantes questões pedagógicas. Esta grave situação está alcançando índices tão elevados que faz com que alguns profissionais se posicionem de forma retrógrada e antidemocrática, buscando na nostalgia da escola do passado – rígida e autoritária – a solução para os problemas com os quais se deparam no contexto escolar (Oliveira, 2005).

    Apesar do problema gerar angústia, insatisfação e desânimo naqueles que vivem esta situação diariamente, não há uma definição exata, única daquilo que se pretende fazer para manter a disciplina na escola, pois, diferentemente daqueles educadores de décadas (ou até séculos) passadas, nos dias de hoje, ninguém sabe exatamente qual a visão de disciplina que norteia o trabalho na escola, isto é, que tipo de disciplina se pretende manter nem o que cada um deve fazer para mantê-la (Curto, 1998). Desta forma, apesar de os professores defenderem em seus discursos uma visão de negociação de regras disciplinares justas e claras, muitas vezes, estes profissionais não sabem exatamente como devem agir para alcançar a disciplina na qual acreditam.

    Os profissionais da educação acabam por

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