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A reflexão e a prática docente: Considerações a partir de uma pesquisa-ação
A reflexão e a prática docente: Considerações a partir de uma pesquisa-ação
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A reflexão e a prática docente: Considerações a partir de uma pesquisa-ação

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Este livro tem como norte apreender e compreender como professores, por meio de processo coletivo, sistemático e teoricamente orientado, podem refletir sobre suas experiências no exercício do magistério e observarem aspectos subjetivos e intersubjetivos presentes em suas práticas profissionais. Considerando que todo grupo social é criador de meios de interpretação da realidade e fundando-se nos trabalhos de Vermersch, Delory-Momberger e Pichon-Rivière, a autora desenvolve pesquisa-ação que busca constatar como hoje professores anseiam por formas de agrupamento que lhes permitam resistir à perda de autonomia do trabalho docente.
LanguagePortuguês
Release dateJan 13, 2017
ISBN9788546204755
A reflexão e a prática docente: Considerações a partir de uma pesquisa-ação

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    A reflexão e a prática docente - Maria Teresa Vianna Van Acker

    Final

    PREFÁCIO

    Eu escolhi entrar no quadro dos Maîtres des Conferences em Ciências da Educação, enquanto era professor-assistente de Sociologia. Muitos de meus colegas me desaconselharam esta passagem. A Sociologia permanece como uma disciplina estabelecida, de prestígio. As Ciências da Educação vacilam de todos os lados e parecem se esvair em fumaça. Nem suficientemente literárias, nem suficientemente científicas, num entre-dois de fronteiras indeterminadas. Alguns nela ingressam para encontrar um lugar mais fácil, num campo universitário bastante concorrido... [...] Mas, muitos de meus colegas investem energia e inteligência para fazer viver uma disciplina que aceita ser questionada sem cessar pelo fenômeno educativo. (Barbier, 1997, p. 2)

    Esta longa citação de René Barbier, escolhida à guisa de epígrafe, traduz, a meu ver, o percurso realizado por este livro e sua natureza interdisciplinar. A questão que o atravessa:

    [...] compreender de que modo a reflexão sobre as vivências dos professores na escola e na sala de aula geram conhecimento da prática em benefício do maior comprometimento profissional e, por conseguinte, com efeitos sobre autorização que reconhecem ter.

    Remete a questões não apenas vinculadas ao fenômeno da formação e aperfeiçoamento de professores, pela discussão dos mecanismos de reflexão sobre a prática docente, mas ao próprio fenômeno educativo se considerarmos que a aprendizagem é um processo que cabe ao sujeito e à sua autorização/aceitação.

    Além disso, a adoção da pesquisa-ação existencial como metodologia de investigação reforça a intenção de contar com a colaboração dos próprios professores nesse processo, e reitera nossa opinião sobre a importância dos dados e resultados aqui apresentados.

    Nesse sentido, procurarei desenvolver aqui algumas ideias sobre a questão da formação e do aperfeiçoamento profissional de professores, que a despeito do enorme espaço ocupado na literatura do campo, ainda parece engatinhar quando se trata de efetivar ações nessa direção.

    Podemos dizer primeiramente que os conteúdos que a prática cotidiana comunica aos professores complementam, contradizem ou tornam efetivos os conhecimentos recebidos nos cursos de formação e, geralmente, adquirem maior peso que estes últimos. Estas observações permitem até afirmar que "a experiência profissional suplanta o curso de formação como agência de aprendizado de um papel" (Franco, 1985, p. 425).

    Verificamos também que, à medida que os cursos de formação de professores nas universidades se desenvolvem, quantitativa e qualitativamente, produzindo investigações no campo educacional, passam a incorporar o debate sobre o estatuto científico da pesquisa nas ciências humanas. Na discussão sobre o método apropriado para a produção de conhecimentos no campo das humanidades, alguns consensos são construídos, valorizando-se, sobretudo, a utilização de métodos de natureza qualitativa, inspirados na antropologia e na etnografia.

    Da valorização dos métodos de investigação qualitativos como aqueles que apresentavam as mais férteis possibilidades de conhecimento no campo educacional, para o reconhecimento de sua potencialidade como método de formação de professores um curto passo foi dado.

    De acordo com Marli André (2001) este movimento que valoriza a pesquisa na formação do professor tomou força no final da década de 80, crescendo substancialmente na década de 90, juntamente com os avanços que as pesquisas de tipo etnográfico e a investigação-ação tiveram neste mesmo período.

    No Brasil, assim como no exterior, esse movimento caminhou em múltiplas direções, mas todas as proposições têm raízes comuns, pois valorizam a articulação entre teoria e prática na formação docente, reconhecendo a importância dos saberes da experiência e da reflexão crítica na melhoria da prática, atribuem ao professor um papel ativo no próprio processo de desenvolvimento profissional e defendem espaços coletivos na escola para o desenvolvimento de comunidades reflexivas.

    Frente a este crescimento expressivo da importância da formação do professor pesquisador, de acordo com Marli André (2001), temos um problema relacionado às diversas interpretações utilizadas no emprego do conceito: para alguns, formar o professor pesquisador significa levar o futuro docente a realizar um trabalho prático ou uma atividade de estágio, que envolve tarefas de coleta e análises de dados. Para outros, significa levar os futuros professores a desenvolver e implementar projetos ou ações nas escolas. E há aqueles que se valem do prestígio associado à pesquisa para divulgar a ideia como um modismo.

    Em 1996, John Elliot apresenta uma comunicação, cujo título é bastante elucidativo: Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar de origem¹. Nele, Elliot nos dá conta que a ideia de considerar professores como pesquisadores surgiu na Inglaterra por volta do fim dos anos 60, no contexto do movimento de desenvolvimento curricular das escolas secundárias.

    Seu foco era currículo e mudanças pedagógicas direcionadas para reconstruir as condições sobre as quais todos os alunos, particularmente aqueles considerados médios e abaixo da média no tocante às habilidades acadêmicas, obtinham acesso a uma significativa e valorosa educação geral básica. (Elliot Apud Geraldi, 2000, p. 137)

    De acordo com Elliot, muitos projetos foram desenvolvidos como "experimentos educacionais inovadores para serem testados por professores em classes concebidas como laboratórios". A despeito do estranhamento que a utilização desta terminologia possa nos provocar, atualmente gostaríamos de frisar a ênfase por ele apresentada sobre a natureza daqueles projetos:

    A motivação dos especialistas para envolver os professores na pesquisa era legitimar intervenções externas no local de trabalho do professor, a sala de aula e a escola. Estes espaços são considerados de domínio profissional dos professores nos quais eles estão livres para operar como agentes autônomos. A colaboração e a negociação entre especialistas e práticos (professores) caracterizaram a forma inicial do que se tornou, mais tarde, conhecido como pesquisa-ação. (Idem, p. 138)

    Verificamos, portanto, que conceber a pesquisa-ação no ambiente escolar como um trabalho de colaboração pode representar, para muitos especialistas, um risco de perda de hegemonia do próprio discurso pedagógico. Esta consideração está bem traduzida nas palavras de Nóvoa (1991), a seguir:

    A utilização de linguagens que valorizam a identidade dos professores e a refletividade do seu trabalho assegura a posse de um capital discursivo que reproduz hierarquias no campo educativo. Deste modo, é com ‘naturalidade’ que os universitários assumem a direcção dos processos de formação e de supervisão dos professores. (p. 69)

    Alguns críticos da postura assumida pelos especialistas como Socket (1987), por exemplo, afirmam que o conhecimento pedagógico não pode ser descrito simplesmente como um conhecimento de técnicas para implementar um ideal de ensino, negligenciando com isso o contexto em que ele se dá.

    Ele compreende sabedoria, isto é, um julgamento prático temperado por um crescente entendimento prático. O conhecimento prático não envolve somente uma apreciação da cultura ocupacional de ensino, mas sua localização social.² (Grifos do autor)

    Elliot se vale, ainda, da crítica de Socket aos pesquisadores acadêmicos para usar sua definição de ensino, que é por ele considerado como uma prática moral, visto que ele é irremediavelmente apreendido na esfera da intersubjetividade pessoal e só pode ser totalmente descrito quando fazemos uso da linguagem moral. Assim, na presença de um professor que mostra virtudes tais como excelência, graça, compromisso, cuidado, paixão e senso de justiça, o observador externo fica sem uma linguagem adequada de descrição (Elliot apud Geraldi, 2000, p. 141).

    Este conjunto de restrições alerta para a natureza prescritiva assumida pela pesquisa-ação, quando desenvolvida a partir de modelos e exigências externas às práticas escolares, distorcendo um processo de reflexão que é sensível e responsável pela dinâmica qualitativa do movimento da sala de aula e ao caráter ético do ensino como atividade.

    Nesse sentido, os projetos de pesquisa-ação colaborativa contribuíram para sensibilizar pesquisadores e especialistas acadêmicos para a importância do contexto, da linguagem e da reflexão em ação. Esta sensibilização cresceu na medida em que trabalhavam junto com professores e com escolas para o desenvolvimento curricular. De acordo com o autor, grande parte das teorizações acadêmicas no Reino Unido, sobre pesquisa-ação, estava preocupada em elucidar o papel do professor como um pesquisador em relação aos acadêmicos. Ele, porém, preferiu assumir o papel de um pesquisador facilitador que capacitasse os professores para que eles exercessem maior controle sobre os caminhos e tentativas de melhorar e descrever suas práticas.

    Elucidando o significado desse papel, este autor afirma que:

    [...] a tarefa do pesquisador acadêmico seria a de estabelecer uma forma de pesquisa colaborativa que fosse transformadora da prática curricular e que, no processo, favorecesse uma forma particular de desenvolvimento do professor, sobretudo o desenvolvimento de capacidades para transformar reflexiva e discursivamente sua própria prática, ou o que era anteriormente chamado, pela literatura relativa à pesquisa-ação, de automonitoramento. (Idem, p. 142)

    Fica evidente, a nosso ver, que a pesquisa ação como proposta metodológica de investigação em que um grupo de pesquisadores intervém numa determinada situação existente para a realização de um diagnóstico, recomendando medidas saneadoras, sem implicar necessariamente no envolvimento dos pesquisadores na execução das recomendações, embora possa ser qualificada como uma das possíveis modalidades de pesquisa no campo educacional, permanecendo no mesmo registro da pesquisa empírica, perde com isso sua dimensão efetivamente inovadora e radical: a dimensão existencial.

    É nesse contexto que a proposta de Barbier (1997) de uma pesquisa-ação existencial encontra significado. O autor constrói alguns argumentos que recuperam, segundo nosso entendimento, o caráter formativo presente em seus propósitos iniciais. Ele pondera que, a despeito do desenvolvimento dessa abordagem no mundo, desde que surgiu, nem por isso suas implicações têm sido devidamente compreendidas. Assim, por exemplo, em 1986, em Colóquio realizado no Institut National de Recherche Pédagogique (INRP) os pesquisadores partiram da seguinte definição: Trata-se de pesquisas nas quais há uma ação deliberada de transformação da realidade; pesquisas que possuem um duplo objetivo: transformar a realidade e produzir conhecimentos relativos a essas transformações (Barbier, 1997, p. 17).

    Para ele esta seria uma definição clássica que consiste em pensar que essa nova metodologia é somente um prolongamento da pesquisa tradicional em Ciências Sociais. Uma concepção mais radical seria fruto da própria ação que aos poucos impõe outra visão das ciências humanas e da sociedade.

    A pesquisa-ação obriga o pesquisador de (sic.) implicar-se. Ele percebe como está implicado pela estrutura social na qual ele está inserido e pelo jogo de desejos e de interesses de outros. Ele também implica os outros por meio do seu olhar e de sua ação singular no mundo. Ele compreende, então, que as ciências humanas são, essencialmente, ciências de interações entre sujeito e objeto de pesquisa. (Idem, ibidem)

    Nesse caso, o pesquisador perceberia que sua própria vida social e afetiva está presente na sua pesquisa sociológica e que o imprevisto está no coração de sua prática e que as metodologias tradicionais em ciências sociais devem ser retomadas, desenvolvidas e reinventadas sem cessar no âmbito da pesquisa-ação. Esta não exclui os sujeitos-atores da pesquisa: "O pesquisador descobre que na pesquisa ação, que eu denomino pesquisa-ação-existencial, não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com os outros" (Idem, pp. 14-15) (Grifos do autor).

    Continuando seu raciocínio o autor afirma que se for verdadeira a ideia de que a pesquisa-ação pode ser aparentemente conciliada, enquanto simples pesquisa empírica, com os métodos de pesquisa tradicional, o mesmo não ocorre quando é posta no plano da reflexão epistemológica. A pesquisa-ação supõe uma conversão epistemológica, isto é, uma mudança de atitude da postura acadêmica do pesquisador em Ciências Humanas. Quando a pesquisa-ação se torna cada vez mais radical, essa mudança resulta de uma transformação da atitude filosófica do pesquisador envolvido com respeito à sua própria relação com o mundo.

    Parece-nos que Maria Teresa Van Acker, neste trabalho, ilustra essa mudança de atitude filosófica, o que a conduz a buscar métodos complementares para ampliar o alcance de suas convicçoes. Nesse caso, a utilização dos ateliês biográficos de projetos e dos grupos operativos cumpriram a função de uma compreensão mais alentada do fenômeno estudado, na medida em que exigem a consideração da subjetividade que, ao mesmo tempo, se objetiva ao evidenciar e questionar sua implicação.

    Em suma, quando nos debruçamos na reflexão sobre a prática, ou ainda quando nos valemos da pesquisa-ação, especialmente no campo educativo, necessariamente acabamos por recorrer a vários outros campos a ele pertinentes, nos situamos no lugar entre dois de fronteiras indeterminadas, mencionado por Barbier na epígrafe a esse prefácio.

    Helena Coharik Chamlian³

    Referências

    ANDRÉ, M. Pesquisa, Formação e Prática Docente. In: ANDRÉ, M. (Org.) O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 2001 (2ª ed.).

    BARBIER, R. L’ Approche Transversale: L’ écoute sensible en sciences humaines. Paris: Anthropos, Ed. Economica, 1997.

    FRANCO, M. A. C. e Outros. O papel do professor e sua construção no cotidiano escolar - um estudo sobre os professores de 2º grau no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, 66(154): 416-431, set/dez, 1985, p.425.

    GERALDI, C.M.G (org). Cartografia do Trabalho Docente. Campinas/SP, Mercado das Letras, 2000.

    NÓVOA, António (org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1991.

    SOCKET, H. Has Shulman got the strategy right? Harvard Educational Review. Maio, 1987.

    Notas

    1. Texto apresentado na III European Conference on Educational Research, Sevilha, Espanha, em setembro de 1996. Tradução de Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira. In Geraldi, C.M.G. (Org). Cartografia do Trabalho Docente. Campinas/SP, Mercado das Letras, 2000.

    2. Elliott avança na argumentação, utilizando a demonstração de Socket de que a não consideração do contexto de pesquisa por parte dos especialistas deriva de seu viés acadêmico, que os conduz a fazer demandas espúrias de objetividade definidas em termos de um modelo quase científico de pesquisa. Este contexto faz com que os pesquisadores utilizem uma linguagem paratécnica para descrever suas observações em sala de aula, reduzindo o conhecimento prático do professor a um conhecimento como técnica, oposto a conhecimento como sabedoria (p. 140-141).

    3. Professora Associada da Faculdade de Educação da USP.

    INTRODUÇÃO

    Esta obra – A reflexão e a prática docente: considerações a partir de uma pesquisa-ação – procura compreender de que modo a reflexão sobre as vivências na escola e na sala de aula geram conhecimentos da prática em benefício de maior comprometimento e, por conseguinte, da autorização dos professores. Tratou-se de investigar a maneira como refletiam sobre sua prática. Essas eram as informações que precisava buscar e, nessa medida, precisei de instrumentos de investigação que permitissem acercar-me da prática considerada como processo da ação docente e não mero produto observável por um observador externo. Do contrário, não poderia contemplar tanto a reflexão quanto a prática docente. Esse objetivo me conduziu a escolher a pesquisa-ação como abordagem metodológica.

    Em vários momentos da pesquisa que deu origem a esta obra fiquei em dúvida: não estava certa se estava elaborando um estudo destinado à academia ou destinado a ser lido por professores inquietos diante dos desafios que enfrentam todos os dias, nas salas de aulas. Pensei muito também nos coordenadores, aos quais cabe o trabalho de organizar reuniões e de agendar momentos de trabalho coletivo de professores. E, é claro, pensei sempre nas minhas próprias possibilidades de intervenção junto a grupos de professores. Com certeza, a própria abordagem metodológica favoreceu aquela minha dúvida. A escolha da pesquisa-ação delineou uma trajetória que me levou, simultaneamente, à parceria com professores e à elaboração de situações de intervenção. Para o embasamento da pesquisa geradora deste livro, dediquei-me a leituras sobre a epistemologia da prática, saberes experienciais e, por conseguinte, ao estudo da pesquisa de intervenção, da pesquisa com histórias de vida e das pesquisas sobre a constituição do sujeito. Estabeleceram-se, desse modo, dois campos paralelos, uma vez que as situações de intervenção não se restringiam a meras aplicações de teorias. Era preciso que a reflexão dos professores pudesse emergir e ser legitimada a despeito se servirem ou não para confirmar ou ilustrar alguma teoria. Dessa maneira, uma significativa parte da investigação exigiu o acompanhamento das reflexões sobre a prática realizadas pelos próprios docentes.

    As situações construídas para interação com os professores, as quais serviram de apoio para a escrita desta obra, podem por si só serem utilizadas como elementos facilitadores da reflexão crítica acerca da docência em qualquer situação que tenha como pano de fundo a autoformação, o desenvolvimento do poder de formação e a elaboração de projetos a partir da responsabilização individual assumida pelos docentes. As justificativas da escolha metodológica e a motivações que me levaram a elaborar as situações de intervenção estão apresentadas e descritas no Capítulo 1: O saber prático da docência e as dimensões metodológicas da pesquisa-ação. Para a construção deste livro, foram elaboradas três situações que podem ser consideradas como dispositivos de pesquisa ou de formação que podem ser inspiradores de outras invenções práticas. Cada um deles está descrito e analisado em um capítulo.

    A título de estudo exploratório, realizamos observações seguidas de entrevista que foram inspiradas nas Entrevistas de Explicitação, técnica desenvolvida por Vermersch (1994), pesquisador da percepção e da atenção. Trata-se de uma iniciativa que faz parte de um projeto fenomenológico de grande envergadura (Depraz, Varela e Vermersch, 2006) que se insere em um paradigma da fenomenologia operatória. O intuito da entrevista é levar o entrevistado à consciência de sua subjetividade, para pesquisá-la. Isso exige o domínio de algumas técnicas de redução fenomenológicas. A leitura apenas das explicações sobre a Entrevista de Explicitação do referido Vermersch não foi suficiente para que me sentisse em condições de utilizá-las. Era real a dificuldade para a qual o autor já advertia sobre a necessidade de uma formação específica. Entretanto, a tentativa de fazê-lo resultou na elaboração de outra técnica de entrevista, mais simples – utilizada no Estudo Exploratório – para despertar nos entrevistados um outro olhar sobre si, além de ter sido muito útil na delimitação mais precisa do objeto de estudo. Cumprimos, dessa maneira, apenas o primeiro passo de uma prática da épochè. Isto é, o modo como pode advir à minha consciência clara alguma coisa de mim mesmo que me habitava de modo confuso e opaco, afetivo, imanente, logo, pré-refletido (Depraz et al., 2006).

    Os resultados do Estudo Exploratório estão apresentados no Capítulo 2: Acerca do que os professores dizem sobre a profissão e sobre o que sabem que fazem. Eles mostraram que a relação entre a reflexão e a prática caminha em dois sentidos, em uma perspectiva de conservação da tradição, por um lado; e numa perspectiva renovadora e criadora, por outro lado.

    Diante da impossibilidade de lidar com a estratégia acima mencionada (as Entrevistas de Explicitação), e também por ter uma percepção – oriunda da minha vivência de professora – de que a reflexão sobre prática docente, quando seu objetivo é gerar algum efeito em termos de aplicação posterior para coordenadores e formadores, muito se beneficia de uma abordagem em grupo, decidi escolher uma das estratégias autobiográficas utilizadas na pesquisa e na formação, para o que poderia contar com a orientação de Helena C. Chamlian. Por várias razões, referidas no Capítulo 1, escolhemos o Ateliê Biográfico de Projeto; cumpre, porém, mencionar uma em especial: a vivência anterior. Tanto quanto a Entrevista de Explicitação, a aplicação do Ateliê Biográfico de Projeto – desenvolvido por Christine Delory-Momberger (2006) – bem como a de qualquer outro procedimento autobiográfico, também implica uma série de pressupostos ligados a uma concepção de ação, de sujeito e de pensamento. Por esse motivo, para coordená-lo é preciso já ter adquirido alguma experiência na prática de analisar e animar grupos de trabalho e de investigação, explorando a vertente das histórias de vida em formação; ou, então, é necessário que, pelo menos, tenha tido a experiência de passar pelo processo e de tê-lo analisado.

    A experiência do Ateliê Biográfico de Projeto realizada em oito encontros, ao longo de um semestre, está registrada e analisada no Capítulo 3: Descobrindo-se sujeito emergente de um grupo. A análise aí apresentada esmiúça o caráter da reflexão ligada à prática nos dois sentidos já referidos anteriormente e revela a implicação socializadora

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