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Um Acerto de Contas com o Passado: Crimes da Ditadura, "Leis de Impunidade" e Decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina
Um Acerto de Contas com o Passado: Crimes da Ditadura, "Leis de Impunidade" e Decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina
Um Acerto de Contas com o Passado: Crimes da Ditadura, "Leis de Impunidade" e Decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina
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Um Acerto de Contas com o Passado: Crimes da Ditadura, "Leis de Impunidade" e Decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina

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A partir do resultado dos julgamentos sobre a validade de leis que possibilitaram a impunidade – ainda que temporária – de pessoas vinculadas à repressão praticada durante as ditaduras de Segurança Nacional brasileira e argentina, este livro analisa, em linhas gerais, o modo como se deu a transição à democracia nesses contextos e sua provável influência na elaboração de políticas relacionadas ao legado do período ditatorial.

Qual a leitura do passado elaborada pelos integrantes da Corte Suprema nos dois países mencionados?

Esta é uma obra que, a partir da realização de um estudo comparado, identifica elementos que ajudam a compreender por qual razão foi possível levar ao banco dos réus muitos dos envolvidos com a repressão política argentina, enquanto no Brasil, e passados mais de 30 anos desde o fim da transição, a impunidade dos crimes da ditadura se mantém.

Lança um olhar sobre o passado, o presente e, de algum modo, o incerto futuro das demandas por memória, verdade e justiça na região. Observa, com base na análise de decisões emitidas pelas mais altas instâncias judiciais no Brasil e na Argentina, rupturas e continuidades com pactos estabelecidos no contexto das transições e suas possibilidades de sustentação na nova ordem democrática.
LanguagePortuguês
Release dateNov 1, 2018
ISBN9788547314248
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    Um Acerto de Contas com o Passado - Carlos Artur Gallo

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Este trabalho é dedicado:

    às vítimas das ditaduras de Segurança Nacional;

    aos seus familiares, que lutam por Memória, Verdade e Justiça;

    à minha mãe, que não pegou em armas contra a ditadura,

    mas sempre lutou quando era mais fácil desistir;

    e à minha avó Yeda, que vive nos limites da memória e do esquecimento.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço inicialmente à Capes, pelas bolsas de doutorado no País e no exterior, que permitiram que eu finalizasse meus estudos de pós-graduação dedicando-me exclusivamente para a pesquisa, e realizando estágio doutoral na Facultad de Ciencias Políticas y Sociología da Universidad Complutense de Madrid (UCM).

    Ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), seus professores e funcionários, agradeço pela oportunidade de fazer minha formação em uma Universidade pública, gratuita e de qualidade, apesar das limitações conjunturais impostas.

    À Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFRGS, agradeço pelo auxílio financeiro para realizar missão científica de curta duração que tornou possível um período de estudos e levantamento bibliográfico sobre a Argentina, em outubro de 2012, na Escuela de Política y Gobierno da Universidad Nacional de San Martín (Unsam), na província de Buenos Aires.

    À Adelaide Saez, Augusto Clemente, Bruno Mello Souza, Camila Feix Vidal, Cláudio Damin, Diego Santos, Etiene Marroni, Ícaro Engler, Joyce Martins, Liliane Santana, Lucas Rezende, Maiara Hoffmann, Maíne Lopes, Maíra Cabral, Maurício Rebello, Pompilio Locks Filho, Priscila Rodrigues, Priscilla Santos, Rodrigo Bordignon, Rodrigo Mayer, Simone Viscarra, Silvania Rubert, Thaís Oliveira, Vinícius Lara, e a todos que, de algum modo, indicando material, torcendo, confraternizando, enfim, compartilhando algum momento ao longo dos últimos anos, contribuíram para que esta pesquisa fosse realizada, faço um agradecimento especial.

    Ao professor Ariel Jerez, que me recebeu na Universidad Complutense de Madrid (UCM), e me ajudou a ver, com maior clareza, as semelhanças e diferenças entre as políticas de memória espanholas e latino-americanas, agradeço pela disponibilidade.

    Ao professor Alfredo Alejandro Gugliano, mais que meu orientador, meu amigo, agradeço por tudo: pela orientação, pelas conversas e sugestões, pelo apoio e amizade, pela solidariedade, e pela confiança constante de que esta pesquisa seria executada dentro do prazo.

    Aos professores que aceitaram o convite para estar na banca avaliadora da minha defesa de tese, agradeço pela contribuição, pela gentileza das palavras e pela disponibilidade.

    Aos meus familiares, que conviveram, além das angústias típicas que perseguem aqueles que se dedicam aos estudos de pós-graduação, com a distância durante o período de estudos no exterior.

    Quem controla o passado controla o futuro.

    George Orwell

    PREFÁCIO

    Sobre os diferentes modos de tratar o passado autoritário e suas consequências para a democracia: uma apresentação

    É ideia recorrente, entre os especialistas da área das ciências sociais, que as ditaduras não são eternas, mas sua memória não deve ser esquecida. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que os regimes autoritários podem ter sido derrotados, mas se mantêm à espreita. Uma espécie de vírus latente do sistema político, adormecido em circunstâncias normais, porém ainda presente no interior do corpo da sociedade.

    Na crise política aberta com a deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, essa questão veio à tona em diversas cidades brasileiras, quando manifestantes ergueram cartazes exigindo a volta do regime militar ao poder. De lá para cá se tornou comum nas redes sociais brasileiras a defesa aberta da intervenção militar no País, manifestações fortalecidas pela declaração do general Antônio Hamilton Mourão, em setembro de 2017, aventando a possibilidade de uma intervenção militar caso as instituições sejam incapazes de solucionar os problemas políticos do País¹.

    A defesa do retorno dos militares ao governo, pela via de uma intervenção, não é uma ideia usual nos países onde as ditaduras prosperaram, principalmente, nos anos 70 e 80. Muito menos comum é encontrar relatos de manifestações públicas nessa direção, seja na América Latina, seja no Sul da Europa, regiões gradualmente redemocratizadas a partir da Revolução dos Cravos, em Portugal, no ano de 1974.

    A ausência de saudosismo em relação às ditaduras não é difícil de explicar. Os governos de exceção foram responsáveis por milhares de mortos e desaparecidos, geraram o exílio forçado de setores significativos da sociedade (artistas, professores, ativistas políticos, profissionais liberais etc.), provocaram enormes retrocessos na vida política, econômica, cultural e social nos países onde se instalaram, pela via da força.

    E, nesse quesito, a experiência brasileira não se diferencia de outros casos da região. No Brasil as consequências negativas do golpe militar de 1964 também foram marcantes, provocando um lastro de atraso sociopolítico até os dias de hoje, deixando marcas indeléveis na sociedade.

    O porquê de o Brasil diferenciar-se em termos da relação da sociedade – ou de parcelas dela – com a herança do golpe militar é ainda um tema pouco explorado, havendo muitas questões em aberto sobre as motivações daqueles que pedem, nas ruas, o fim da democracia, o retorno ao governo das casernas.

    Este precisamente é o pano de fundo do presente livro do professor Carlos Artur Gallo, obra que visa discutir as diferentes estratégias de tratamento do legado autoritário após o processo de transições para a democracia na Argentina e no Brasil. O texto instiga o leitor a refletir sobre até que ponto os procedimentos adotados, principalmente nos processos de transição e consolidação democrática, influenciam na relação da sociedade com o legado autoritário na região.

    No transcorrer das páginas da obra o autor justamente questiona os propósitos que levaram sucessivos governos argentinos, apoiados em sentenças do Poder Judiciário, a endurecer o tratamento aos dirigentes militares do período ditatorial, enquanto seus homólogos brasileiros se mantiveram, por longo tempo, quase alheios ao problema. Para isso analisa alguns posicionamentos das Cortes Supremas em cada país, a forma como essas instituições trataram os crimes cometidos no período ditatorial, centrando-se na maneira como abordaram a tentativa de garantir impunidade para os crimes cometidos pelas ditaduras militares, por exemplo, a partir de procedimentos legais relacionados com uma autoanistia.

    Nessa temática o exemplo argentino é bastante conhecido e a marca de 30 mil desaparecidos políticos, entre 1976 e 1983, é um dos exemplos mundialmente mais chocantes das consequências da desestruturação de governos democráticos e sua substituição por regimes de exceção. Consequentemente, o tratamento dos envolvidos com o regime militar foi de acordo com a gravidade dos crimes cometidos. Militares e colaboradores foram julgados e receberam – em boa medida – longas sentenças de prisão. Não sendo punidos apenas colaboradores menores, mas também os responsáveis pela direção política das juntas militares.

    Já o caso brasileiro caminhou em direção contrária. Até o presente momento nenhum dirigente militar foi julgado pelos não menos graves crimes cometidos na ditadura, consequentemente não há notícias de terem sofrido qualquer tipo de sanção diante da responsabilidade pelos delitos cometidos contra a integridade física e moral daqueles ativistas que foram presos, inclusive mortos, naquele período. Nem mesmo aqueles agentes civis e militares reconhecidos, denunciados por suas vítimas como torturadores, muitos deles ocupando posições secundárias na hierarquia do regime militar daquela época, passaram pelo banco dos réus. Pelo contrário, muitos receberam ou ainda recebem publicamente homenagens².

    As razões que levaram argentinos e brasileiros a adotar caminhos diferentes são discutidas neste livro. As trajetórias do tema em cada país são extensamente apresentadas, assim como suas principais ilações, permitindo entender o desfecho do tema num e noutro caso. Possibilitando aos leitores acesso a importantes discussões que, algumas vezes, acabam ficando submersas nos cursos de graduação e pós-graduação no Brasil.

    Em suma, o livro do professor Carlos Artur Gallo é uma contribuição importante para a pesquisa sobre o tema, assim como para todos os interessados em compreender o atual momento político da região. Igualmente é leitura essencial para aqueles que não viveram naquele período e almejam conhecer como foi; assim como para aqueles que vivenciaram aquela época, porém desejam que o passado autoritário não volte a se repetir.

    Alfredo Alejandro Gugliano

    Professor do Departamento de Ciência Política da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do CNPq

    APRESENTAÇÃO

    O presente livro de Carlos Artur Gallo constitui um importante instrumento para compreender, de forma consequente, os tortuosos caminhos que aproximam e distanciam certos fenômenos vinculados às ditaduras de Segurança Nacional do Cone Sul. No caso em questão, o autor parte de uma questão que está sempre presente para os interessados na temática: por que existem diferenças tão marcantes no que se refere à forma como a Justiça intervém diante dos crimes de lesa humanidade praticados pela violência estatal nos casos do Brasil e da Argentina durante a vigência dos Estados de exceção?

    Partindo de uma perspectiva comparativa, a obra contrasta os processos de transição das duas ditaduras para a democracia, fator-chave para a compreensão da relação de forças resultantes e do espectro de possibilidades que se abriu, em função disso, no campo jurídico. De forma sucinta, mas adequada, é feita uma contextualização precisa sobre a essência de ambas as ditaduras bem como dos marcos históricos que caracterizaram suas transições. Para tanto, são problematizados os respectivos embates entre regime e oposição. Tais embates são traduzidos por iniciativas contrapostas: de um lado, o conjunto de ações que tentou responsabilizar, por práticas criminosas, instituições e agentes estatais; por outro lado, diante de ações de entidades de direitos humanos e da sociedade civil exigindo justiça, existiram iniciativas que visaram bloquear, limitar ou inviabilizar essas instituições e esses agentes, com o claro intuito de garantir imunidade perpétua aos responsáveis pela violência estatal.

    No Brasil, a lógica do processo histórico apontou para uma transição democrática longa, negociada e segura, o que foi crucial para garantir a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura. No caso argentino, ao contrário, a transição se deu de forma acelerada; a derrota militar na Guerra das Malvinas atingiu gravemente um regime que vinha em processo de desagregação e sofria com a pressão e as denúncias efetuadas pelo ativismo das organizações de direitos humanos, especialmente das Madres de Plaza de Mayo, sua maior expressão. Como consequência, no Brasil, a Lei da Anistia funcionou como verdadeiro mecanismo de amnésia e anestesiamento que se projetou sobre a sociedade procurando frear a responsabilização das instituições e dos agentes estatais envolvido no combate à subversão e condenar as vítimas e seus familiares a uma sensação permanente de impotência, indiferença e injustiça. Quanto à Argentina, a tensa queda de braço entre os resquícios do Estado repressivo e a renascente ordem democrática concluiu com a revogação das Leis de Impunidade (Obediencia Debida e Punto Final) e dos indultos menemistas e, portanto, com a desobstrução dos caminhos da Justiça.

    Por meio de cuidadosa análise de dois casos paradigmáticos, o caso Simon para a Argentina e o julgamento da ADPF n. 153 para o Brasil, o autor faz acurado exame da posição e dos argumentos de cada um dos membros das respectivas Cortes Supremas para entender as decisões que estabeleceram posturas tão distintas no que tange à postura da Justiça de cada país e sua relação com a legislação internacional concernente à questão dos direitos humanos, inclusive quanto ao debate da hierarquia e autonomia do direito interno ante o direito internacional.

    Gallo inscreve seu trabalho dentro da perspectiva dos debates sobre o direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação, fenômeno que possui trajetória e intensidade temporal diferentes na experiência em cada um dos países. Embora nos últimos anos a distância entre essas experiências tenha diminuído consideravelmente no que se refere a temas como reparação, identificação de espaços de memória e abertura e acessibilidade pública dos arquivos repressivos, há uma linha de contraste fundamental vinculada à atuação da Justiça na possibilidade de julgar os repressores e, consequentemente, punir crimes como sequestros, aplicação de tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimento de cadáveres. Ante tais resultados o autor avalia os desdobramentos que as decisões da Corte Suprema de Justicia de la Nación da Argentina, e do Supremo Tribunal Federal do Brasil, projetam sobre a ordem democrática em cada país e a contribuição ou não daquelas decisões para o fortalecimento da estabilidade institucional.

    Em síntese, o estudo do autor, com coragem e espírito crítico, permite desvelar a complexidade das relações de poder existentes entre sociedade e Estado e verificar a qualidade argumentativa das teses expostas pelos magistrados no momento do pronunciamento dos seus votos. Ainda, expõe o funcionamento e as contradições existentes no interior dessas estruturas tão poderosas que, mediante suas decisões, impactam sobremaneira

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