A ideia de lei
De Dennis Lloyd
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A ideia de lei - Dennis Lloyd
RUTH
Prefácio
A lei é uma das instituições básicas da natureza social do homem sem a qual ele seria uma criatura muito diferente. Um simples olhar de relance ao índice deste livro deve ser suficiente para indicar ao leitor as vastas áreas de pensamento e ação em que a lei desempenhou e continua desempenhando um papel de destaque nos assuntos humanos. Importantes filósofos, de Platão a Marx, podem ter alegado que a lei é algo ruim de que a humanidade faria muito bem em livrar-se. Entretanto, apesar de todas as dúvidas filosóficas, a experiência mostrou que a lei é uma das grandes forças civilizadoras na sociedade humana, e que o desenvolvimento da civilização esteve geralmente vinculado ao gradual desenvolvimento de um sistema de normas legais, em conjunto com os mecanismos para sua observância regular e efetiva.
As leis, entretanto, não existem num vazio, mas são encontradas lado a lado com códigos morais de maior ou menor complexidade ou definibilidade. A relação da lei com as normas e padrões morais é, obviamente, de grande e permanente importância em toda e qualquer sociedade humana, e ainda mais na nossa, por certo, como pode ser exemplificado por muitas questões controvertidas na atualidade. Para mencionar apenas algumas delas, os adultos do sexo masculino são passíveis de instauração de processo pela prática de homossexualidade, mesmo quando realizada em privacidade e por consentimento; a candente questão da pena capital e toda a filosofia subjacente, sob cuja inspiração tal pena é imposta pelo direito penal; problemas legais no tocante à inviolabilidade da vida humana, como no caso de eutanásia, aborto e suicídio; se o divórcio deve basear-se na noção de culpa ou depender da desintegração do casamento; todos esses problemas servem para indicar as tensões que surgem entre as ideias morais correntes numa determinada comunidade e as regras que procuram estabelecer direitos precisos e deveres legais.
Além disso, a crença numa Lei Moral tem tido um tremendo impacto sobre o pensamento do homem acerca da lei que prevalece na prática da sua própria sociedade. A noção de que além e acima de todos os sistemas individuais de lei que funcionam em diferentes sociedades existe uma lei mais alta pela qual a mera lei feita pelo homem pode ser julgada e, ocasionalmente, considerada imperfeita ou falha, gerou significativas consequências em muitas fases cruciais da história humana. Pois a conclusão aduzida foi de que não só essa lei mais alta se sobrepõe e anula as regras de uma determinada sociedade que provadamente a violam, mas, além disso, infere-se dessa conclusão que o cidadão individual pode ser desobrigado de seu dever de obediência à lei real e possuir até uma base justa para rebelar-se contra a autoridade legítima do Estado. Tampouco deve ser pensado que esse tipo de argumento deixou de ser exaustivamente examinado nos dias atuais ou carece de implicações práticas. Aqueles que argumentam, por exemplo, que existem certos direitos humanos básicos que são garantidos pela Lei Moral ou pelo Direito Natural podem insistir – e insistem, de fato – em proclamar que as leis segregacionistas, as quais discriminam certos segmentos de uma comunidade, com base na raça ou na religião, são de tal modo contrárias à moralidade fundamental que não têm o direito de ser tratadas como leis válidas e que a recusa em obedecer-lhes está legal e moralmente justificada. Faz-se neste livro uma tentativa de explorar essas questões fundamentais, que são de interesse para todos os cidadãos no mundo moderno.
Talvez a questão mais vital no Estado moderno seja o que entendemos por liberdade do cidadão e que medidas devem ser aceitas a fim de preservar essa liberdade. A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com frequência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada. Em tal sociedade, não basta que a lei confira meramente segurança ao cidadão em sua pessoa e propriedade. Pelo contrário, ele deve ter liberdade para expressar suas opiniões sem constrangimento e para associar-se a seus concidadãos; deve ter liberdade para ir e vir como lhe agrade e procurar emprego do tipo que quiser; deve ter direito a usufruir dos benefícios do que passou a ser conhecido como o Império da Lei; e deve estar livre das inseguranças básicas decorrentes de privações e infortúnios. Todas essas questões suscitam problemas legais de grande complexidade, dentro do quadro de referência do moderno Estado de Bem-Estar; e no presente livro faz-se uma tentativa no sentido de analisar algumas das mais prementes dessas questões.
Em tempos modernos, o funcionamento da lei tem estado intimamente associado à ideia de um poder soberano localizado em cada Estado e detentor de autoridade para fazer e desfazer leis a seu bel-prazer. Essa teoria revestiu-se de importantes consequências no tocante aos sistemas jurídicos nacionais e também na esfera internacional. Se um Estado é soberano, como, por exemplo, pode-se argumentar que esse Estado soberano está sujeito a um sistema prevalecente de direito internacional? E suponhamos que tal Estado se obrigue, por tratado internacional, a aceitar a autoridade legal de algum órgão internacional supremo, como ocorreu, por exemplo, no caso do Tratado do Mercado Comum Europeu. Quando recentemente foi ventilada a questão do ingresso do Reino Unido no Mercado Comum, sérias indagações foram formuladas na época quanto aos efeitos de tal decisão sobre a soberania suprema do Parlamento britânico. Isto é apenas um outro exemplo ilustrativo das formas em que uma filosofia do Direito pode passar por cima das grandes questões de política estatal.
Em nossos dias, as ciências sociais, talvez ainda em sua infância, granjearam um importante lugar para si mesmas em muitas esferas do pensamento e da atividade humanos. Seu impacto sobre o pensamento e a prática legais já provou ser considerável, e o sociólogo do Direito depara com um imenso campo para a pesquisa, grande parte do qual permanece virtualmente inexplorado. No entanto, houve importantes tentativas para vincular o pensamento jurídico a desenvolvimentos registrados em áreas de estudo como a antropologia, psicologia, sociologia e criminologia. O advogado, como um homem prático do mundo, tem sido propenso, sobretudo em países pautados pelo direito consuetudinário, a mostrar-se algo impaciente com a teoria e adotar a atitude de que a sua tarefa consiste em resolver problemas práticos; para tal fim e em virtude de sua experiência legal, considera-se mais bem equipado do que aqueles que, por muito versados que sejam em outras disciplinas, carecem da compreensão e do domínio que ele possui dos elementos essenciais da lei. Em último recurso, entretanto, as reivindicações das ciências sociais para serem ouvidas, mesmo nos arcanos da lei, devem depender da luz que sejam capazes de projetar sobre as instituições legais e da assistência que possam prestar na solução dos problemas legais concretos de nosso tempo.
O papel do Judiciário num sistema jurídico moderno reveste-se de imenso significado social e, por conseguinte, tentaremos no presente livro indicar a natureza do processo judicial e a contribuição vital que tem de dar para o funcionamento efetivo da lei. Estreitamente ligados a essas questões estão o caráter e a estrutura do raciocínio jurídico. O direito está em constante processo de fluxo e desenvolvimento e, embora boa parte desse desenvolvimento se deva a atos promulgados pelo legislativo, os juízes e os tribunais têm um papel essencial a desempenhar no desenvolvimento da lei e em sua adaptação às necessidades da sociedade. Não só o modo geral como esse resultado é obtido será examinado nas páginas que se seguem, mas também serão fornecidas ilustrações detalhadas, em número considerável, a fim de habilitar o leitor a discernir o que está envolvido no processo de aplicação e interpretação das normas legais, no contexto de um moderno sistema jurídico.
Em conclusão, o livro fornece uma breve recapitulação crítica dos problemas mais urgentes que a Ideia de Lei será chamada a enfrentar no futuro mais imediato. É enfatizada a necessidade de uma abordagem mais criativa da Ideia de Lei em nosso tempo, se quisermos que a lei se aproxime, em distância mensurável, do desempenho das funções sociais a que deve servir. É certamente a tarefa de todos os que estão interessados na exposição da lei, ou em sua aplicação na prática, realizar esforços contínuos para reavivar a imagem da lei, de modo que ela possa manter-se em contato com as realidades sociais do nosso tempo.
Finalmente, gostaria de expressar minha gratidão a I. Jacob, Master da Suprema Corte, sem cujo encorajamento este livro nunca teria sido encetado; ele teve a grande amabilidade de ler todo o trabalho datilografado e depois em prova e fez muitas e valiosas sugestões. Seria desnecessário acrescentar que ele não é responsável por nenhum erro ou opinião que o livro contenha.
Dennis Lloyd
Professor de Jurisprudência Universidade de Londres
Abril de 1964
Capítulo 1
A lei é necessária?
Que veux-tu, mon pauvre ami, la loi est nécessaire, étant nécessaire et indispensable, elle est bonne, et tout ce qui est bon est agréable. – Ionesco, Victimes du Devoir¹. A perfeição suprema da sociedade encontra-se na união da ordem e da anarquia – Proudhon.
Poderá parecer estranho que, no início de nossa investigação sobre a Ideia de Lei, seja suscitada a indagação se a lei é realmente necessária. De fato, porém, essa é uma questão de primordial significado que não devemos e, na verdade, não podemos considerar ponto pacífico. Pois ela decorre de uma dúvida incômoda e desconcertante não só sobre se a lei pode ser sacrificável
, na medida em que seria desnecessária à criação de uma sociedade justa, mas também se a lei não é, porventura, algo positivamente pernicioso per se e, portanto, um perigoso impedimento à plena realização da natureza social do homem. Por muito fantástico que esse ponto de vista possa parecer aos membros de uma sociedade democrática bem ordenada – sejam quais forem suas deficiências ou imperfeições específicas –, é útil recordar que em muitas sociedades menos bem regulamentadas o funcionamento da lei pode apresentar-se num aspecto mais desfavorável. Além disso, o sentimento de que, inerentemente, a lei é ou deve ser necessária ao homem numa sociedade adequadamente ordenada recebe pouco encorajamento da longa sucessão de notáveis filósofos ocidentais de Platão a Karl Marx que, de um modo ou de outro, deram apoio à rejeição da lei. A hostilidade para com a lei também desempenhou um importante papel em muitos dos grandes sistemas religiosos do Ocidente e do Oriente e foi um elemento crucial na ideologia da Igreja Cristã em seu período formativo. E, à parte os marxistas, ainda se encontrarão outros adeptos sérios de uma doutrina de anarquismo como resposta aos problemas pessoais e sociais que assediam o homem. Todas as eras – e certamente a nossa não é exceção – produzem indivíduos ou grupos que sentem uma intranquilidade geral com relação a toda a autoridade e que reagem a esse sentimento dando margem a vários atos ou manifestações contra as forças da lei e da ordem. Sem dúvida, tais pessoas são, com frequência, sinceramente motivadas pela vaga noção de que, de algum modo misterioso, suas manifestações levarão a uma vida melhor e mais feliz para a humanidade, mas tais erupções esporádicas tiveram geralmente escassa influência sobre as correntes principais do pensamento e do sentimento humanos². Cumpre-nos, portanto, ir mais fundo do que as manifestações externas de intranquilidade social ao tentarmos explorar os alicerces ideológicos do descontentamento com a própria ideia de lei e ordem, a fim de apurar o que foi que impeliu tantos, em civilizações geográfica e culturalmente tão separadas umas das outras,