Matemática e Arte
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O autor sugere aqui novos caminhos para a Educação Matemática, mostrando como a Segunda Revolução Industrial – a eletroeletrônica, no século XXI – e a arte de Paul Cézanne, Pablo Picasso e, em especial, Piet Mondrian contribuíram para essa reaproximação e como elas podem ser importantes para o ensino de Matemática em sala de aula.
Matemática e Arte é um livro imprescindível a todos os professores, alunos de graduação e de pós-graduação e, fundamentalmente, para professores da Educação Matemática.
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Matemática e Arte - Dirceu Zaleski Filho
COLEÇÃO TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Matemática e Arte
Dirceu Zaleski Filho
Nota do coordenador
Embora a produção na área de Educação Matemática tenha crescido substancialmente nos últimos anos, ainda é presente a sensação de que há falta de textos voltados para professores e pesquisadores em fase inicial. Esta coleção surge em 2001 buscando preencher esse vácuo, sentido por diversos matemáticos e educadores matemáticos. Bibliotecas de cursos de licenciatura, que tinham títulos em Matemática, não tinham publicações em Educação Matemática ou textos de Matemática voltados para o professor.
Em cursos de especialização, mestrado e doutorado com ênfase em Educação Matemática ainda há falta de material que apresente de forma sucinta as diversas tendências que se consolidam nesse campo de pesquisa. A coleção Tendências em Educação Matemática
é voltada para futuros professores e para profissionais da área, que buscam de diversas formas refletir sobre esse movimento denominado Educação Matemática, o qual está embasado no princípio de que todos podem produzir Matemática, nas suas diferentes expressões. A coleção busca também apresentar tópicos em Matemática que tenham tido desenvolvimentos substanciais nas últimas décadas e que se possam transformar em novas tendências curriculares dos ensinos fundamental, médio e universitário.
Esta coleção é escrita por pesquisadores em Educação Matemática, ou em dada área da Matemática, com larga experiência docente, que pretendem estreitar as interações entre a Universidade que produz pesquisa e os diversos cenários em que se realiza a Educação. Em alguns livros, professores se tornaram também autores! Cada livro indica uma extensa bibliografia na qual o leitor poderá buscar um aprofundamento em certa Tendência em Educação Matemática.
Este livro apresenta uma proposta de reaproximar, no ensino, a Matemática e a Arte. Ambas têm estado muito próximas desde as primeiras manifestações de racionalidade da espécie humana. Lamentavelmente, temos visto, nos programas escolares, um distanciamento dessas duas áreas do conhecimento. Ele mostra quão benéfica pode ser para o ensino a reaproximação de Matemática e Arte e propõe caminhos novos para a Educação Matemática. É um livro da maior importância para todos os professores, em especial para os professores dessa área.
Marcelo de Carvalho Borba¹
1 Coordenador da Coleção Tendências em Educação Matemática
, é Licenciado em Matemática pela UFRJ, Mestre em Educação Matemática pela UNESP, Rio Claro/SP, e doutor nessa mesma área pela Cornell University, Estados Unidos. Atualmente, é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP, Rio Claro/SP. Por curtos intervalos de tempo, já fez estágios de pós-doutoramento ou foi professor visitante nos Estados Unidos, Dinamarca, Canadá e Nova Zelândia. Em 2005 se tornou livre docente em Educação Matemática. É também autor de diversos artigos e livros no Brasil e no exte
Prefácio
Ubiratan D’Ambrosio²
Conheço Dirceu Zaleski Filho há muitos anos, mas nosso relacionamento se intensificou a partir de seus estudos de preparação para o mestrado. Tive o privilégio de participar da banca em que ele, brilhantemente, apresentou sua pesquisa. E agora fui honrado com o convite para prefaciar este livro que é baseado em sua dissertação.
Dirceu parte da proposta de reaproximar, no ensino, a Matemática e a Arte. Ambas têm estado muito próximas desde as primeiras manifestações de racionalidade da espécie humana. Entretanto, lamentavelmente, temos visto essas duas áreas do conhecimento se distanciarem nos programas escolares.
Nesse sentido, o autor mostra quão benéfico pode ser para o ensino a reaproximação de Matemática e Arte e propõe caminhos novos para a Educação Matemática. E, para chegar a uma proposta pedagógica, Dirceu faz uma revisão integrada da História da Matemática e da História da Arte.
Sabemos que desde seus primeiros momentos as espécies homo classificavam, quantificavam e representavam o real por razões eminentemente práticas, mas também como uma expressão do despertar de sua abstração e espiritualidade. As pinturas rupestres, os ossos entalhados e outros artefatos que chegaram até nós são evidências do surgimento integrado da Matemática e da Arte.
A partir de representações do mundo real, nossos antepassados desenvolveram estratégias de ação necessárias para sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, estimularam o imaginário, criando sistemas de explicações e sistemas religiosos. A mente humana evoluía para sistematizar procedimentos lógicos em paralelo a procedimentos gráficos, que permitiam a comunicação entre os homens e a aproximação com o imaginário. Na longa trajetória das cavernas às comunidades e à organização em sociedades, os recursos lógicos e gráficos começaram a ser amplamente utilizados.
Encontramos neste livro uma bem elaborada exposição da Matemática e da Arte nos mundos grego e romano, como preparação para uma interessante síntese na Idade Média, quando as especificidades dessas duas áreas do conhecimento começaram a ser notadas. No despertar da Renascença, a arquitetura – particularmente o gótico – e a pintura – principalmente a partir de Giotto – estimularam enormemente o desenvolvimento da Geometria. A estagnação da tradição euclidiana foi desafiada pela emergência da composição vetorial e da perspectiva.
As artes plásticas, presentes na Antiguidade, não encontraram espaço nas academias, nas quais se buscava a formalização, idealmente conduzindo à matematização do conhecimento. Nas comunidades e sociedades já organizadas, o chamado raciocínio lógico foi se impondo como instrumento essencial na elaboração da Matemática formal.
Aos poucos, a crescente ortodoxia da Matemática foi dispensando os recursos gráficos. Essa separação é evidenciada quando, numa carta a Galileu Galilei, em 1611, o pintor e arquiteto Ludovico Cigoli defendia a dependência mútua dos recursos lógicos e gráficos ao dizer em Mahoney (2004, p. 1) que um matemático, por maior que seja, sem o auxílio de um bom desenho, é não apenas metade de um matemático, mas também um homem sem olhos
.
A partir da Renascença, os recursos gráficos, os quais chamamos Desenho Geométrico e, posteriormente, Geometria Descritiva e Projetiva, foram integrados ao fazer matemático e ao seu ensino. No século XVIII, reconhecido como basilar na Matemática Moderna, encontramos Leonhard Euler, um dos maiores matemáticos de todos os tempos, utilizando amplamente os recursos gráficos.
Lembro-me de que essa integração dos recursos lógicos e gráficos era evidente nas escolas brasileiras até a segunda metade do século XX. Os cursos de licenciatura em Matemática incluíam disciplinas de Desenho Geométrico e Geometria Descritiva, e na grade curricular do ensino básico havia a disciplina Desenho, que era essencialmente Geometria com régua e compasso. O objetivo maior era dar suporte ao aprendizado da Matemática, embora o Desenho como um objetivo em si era reservado às escolas técnicas. O autor faz um interessante estudo dessa situação na educação brasileira.
Dirceu prossegue com uma análise da contemporaneidade. Tal análise é necessária e adequada ao projeto deste livro. As três grandes revoluções do final do século XVIII, que marcam a entrada na Idade Contemporânea, deflagram novos conceitos de governança e poder (Revolução Americana, de 1776), de organização social e cidadania (Revolução Francesa, de 1789), e de trabalho e produção (Revolução Industrial). As consequências para as artes e as ciências, particularmente para a Matemática, são enormes.
Os artistas assumem uma nova missão e convidam o povo para a fantasia, para a busca do novo – produto de sua imaginação e de sua criatividade – e para ir além do que, por ser facilmente identificado e reconhecido pelos sentidos, agrada ao bom gosto
de todos. A fantasia é também apontada como essencial para a criação matemática, como bem disse, em 1893, o grande matemático Sophus Lie: Sem fantasia ninguém pode se tornar um bom matemático
. Mas essa fantasia tem suas explorações limitadas por critérios rígidos para o rigor que deve dominar a criação matemática. O desencontro entre os critérios de fantasia determinantes da Arte e da Matemática teve seus reflexos no ensino.
Neste importante livro, Dirceu Zaleski Filho propõe o reencontro dessas diferentes manifestações de fantasia. Ele elege dois consagrados artistas para conduzir o leitor ao reencontro de Matemática e Arte: Paul Cézanne e Piet Cornelius Mondriaan, mais conhecido como Mondrian.
O principal caminho é aquele indicado por Mondrian, para quem a pureza das formas geométricas e a redução das cores ao vermelho, azul e amarelo fundamentava sua proposta do Neoplasticismo. A aproximação com a Matemática é evidente, quando Mondrian diz que a realidade é forma e espaço. Apoiando-se na arte de Mondrian e na Filosofia da Matemática, como percebida por Mathieu Hubertus Josephus Schoenmaekers, e referindo-se ao pensamento de Helena P. Blavatsky e de Rudolph Steiner, o autor sintetiza o que pode amalgamar Matemática, Arte e Espiritualidade na Educação.
Este livro traduz, com muita erudição, mas sem comprometer a qualidade didática, sua percepção de que a Educação do futuro necessita de Matemática, Arte e Espiritualidade integradas na formação do ser humano. O livro é da maior importância, e eu diria mesmo fundamental, para todos os professores, em especial para os professores de Matemática.
² Doutor em Matemática, é teórico premiado e um dos pioneiros no estudo da Etnomatemática. Professor emérito de Matemática da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, atualmente é professor do Programa Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo.
Introdução
Com sua arte abstracionista, Mondrian é um exemplo da união moderna entre Arte e Matemática, pois, em algum momento da história da humanidade, a Arte afastou-se
da Matemática e de outros campos das ciências. Qual o motivo, ou quais são os motivos desse afastamento? Talvez uma das razões tenha sido uma herança da Filosofia Grega: a ideia de um mundo dividido em superior e inferior, que será explanada mais adiante.
Arte e Matemática, Matemática e Arte. Essas duas áreas do conhecimento aparecem juntas desde os primeiros registros feitos pelo homem pré-histórico nas cavernas, as quais abrigavam os grupos de humanos das intempéries e que talvez já prenunciassem o início da Arquitetura. Ao retratar paisagens e animais e, mais tarde, esculpir em ossos marcas que representavam os animais capturados, o homem primitivo iniciou a busca da organização do seu entorno por meio da Arte e da Matemática.
Gombrich (1995) nos diz que talvez esses caçadores tivessem a crença de que o ato de fazer a imagem de suas presas, e em alguns casos destruí-las com suas lanças e machados de pedra, faria com que os animais verdadeiros se submetessem ao seu domínio. Claro que isso é uma hipótese, mas baseada no comportamento de povos primitivos que ainda mantêm costumes registrados em suas produções artísticas ligadas ao poder das imagens. Esses povos utilizam ferramentas de pedra com as quais raspam imagens de animais com uma finalidade mágica.
Com a construção de armas e utensílios utilizando pedras, ossos e madeira, que depois de prontos eram decorados, começou a existir também a convivência entre formas, tamanhos ou dimensões com símbolos e padrões. No decorrer da história humana, a Arte e a Matemática continuaram a contribuir para organizar e explicar as aquisições culturais.
Karlson (1961) relata que o homem, a partir do início de sua trajetória em nosso planeta, recorreu à Matemática fazendo cálculos e medidas. O animal capturado era dividido em partes iguais, e assim apareceram as frações. Medindo pedaços de pele e comparando comprimentos, surgiam as noções de maior ou menor. Com a fabricação de vasos, surgiam padrões de medidas e as primeiras determinações de volume.
Os exemplos são muitos, mas essas situações ainda estão longe de qualquer formalização consciente. São encontrados em culturas mais longínquas ornamentos geométricos que nos fazem imaginar que as mulheres que os confeccionaram podem ser consideradas as primeiras matemáticas do planeta. A transição dos objetos produzidos com um fim utilitário para um novo espaço das formas puras, dominado por finalidades estéticas, é um dos movimentos mais importantes em direção à Matemática.
As reflexões anteriores não fizeram parte de minha formação como professor de Matemática e, talvez, também não estiveram presentes no desenvolvimento de muitos outros educadores em exercício, o que, a meu ver, deixou de ser uma importante contribuição ao processo de ensino-aprendizagem da Matemática praticada em sala de aula. A razão para a ocorrência desse fato, segundo Bicudo e Guarnica (2011, p. 91) é porque:
[...] considerou-se a Matemática necessariamente vinculada a uma linguagem simbólica e visceralmente conectada à lógica e às provas que caracterizam seu estilo. [...] Colocar a prova rigorosa ou a linguagem simbólica, quase sinônimos, como centro de uma concepção sobre Matemática é por certo conceber como Matemática apenas como ciência
, comungando com um programa eurocêntrico que não concebe a existência de matemáticas diferenciadas, próprias de contextos que transcendem a instituição escolar classicamente referenciada. Tal programa eurocêntrico despreza a possibilidade de etnomatemáticas, uma das mais potentes e criativas tendências em Educação Matemática.
Sou autor de Matemática de um Sistema de Ensino, material didático destinado à Educação Básica. Em um desses cadernos, destinado ao sétimo ano do Ensino Fundamental, existe uma atividade sobre segmentos de reta chamada Você é o Artista
, que envolve uma releitura da obra de Piet Mondrian (1872-1944), o Quadro I, de 1921, pedindo que o aluno utilize segmentos de retas e crie a sua obra, como descrito a seguir:
Esta atividade propõe ao aluno uma releitura desta pintura de Mondrian utilizando conceitos de Geometria Plana. Embora esse material didático traga uma atividade entre Arte e Matemática utilizando uma pintura, Mondrian não é citado como um artista que utilizou conceitos geométricos com objetivos específicos, ou seja, que após tantos séculos de afastamento propôs uma nova aproximação entre Arte e Matemática.
Na época em que foi criada esta atividade, pretendi dar um exemplo da Matemática e, mais particularmente, da Geometria aplicada ao cotidiano. Eu via, como outros professores, a Matemática separada da Arte e, especificamente, a Matemática e