No Contínuo da Sustentabilidade
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No Contínuo da Sustentabilidade - Débora Maria de Macedo Quaresma
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SUSTENTABILIDADE, IMPACTO, DIREITO, GESTÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Dedicamos este livro aos nossos familiares, que são - e serão sempre - nosso porto seguro e grandes incentivadores dos nossos sonhos.
A todos os profissionais e futuros profissionais que trabalham para tornar
o mundo um lugar melhor para se viver buscando a sustentabilidade.
AGRADECIMENTOS
Acima de todas as coisas, um agradecimento ao Universo, que, com certeza, sempre conspira a nosso favor e permitiu que nos conhecêssemos.
Às nossas famílias, que nos apoiam incondicionalmente.
Àquele que nos deu a vida, nos protege e abençoa nesta caminhada, independentemente da crença religiosa, raça ou cultura.
Aos nossos amigos e colegas que, assim como nós, acreditam em um desenvolvimento sustentável do Planeta e, por isso, aceitaram participar desta publicação e contribuir com ideias, pesquisas, projetos ou, até mesmo os mais distantes, com palavras de carinho e motivação.
Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência.
Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia
pobreza no mundo e ninguém morreria de fome.
Mahatma Gandhi
APRESENTAÇÃO
No Contínuo da Sustentabilidade nasce como expressão máxima das vontades das organizadoras de espalharem pelo mundo a ideia de que o desenvolvimento sustentável está por toda a parte, pode acontecer a todo momento e nunca deve cessar. O entendimento de que não é apenas a questão ambiental que rege as atividades em prol de um planeta mais sustentável, mas sim todas as ações, práticas e atitudes das esferas econômicas, sociais, políticas, religiosas, culturais, educacionais, entre tantas outras, é o fio condutor das narrativas que compõem esta obra.
A história do conceito de desenvolvimento sustentável remete à crise ambiental no mundo – evidenciada, a partir da década de 1960, e agravada ao longo dos períodos seguintes em função de um conjunto de desastres e desequilíbrios ambientais. As discussões e manifestações da época apontavam para a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento baseado no ideal de consumo e crescimento econômico acelerado. Com a crise e crescente reconhecimento acerca da finitude e vulnerabilidade dos recursos planetários e tendo em vista a garantia das necessidades de gerações futuras, foram criadas políticas e práticas voltadas para o respeito à natureza e ao meio ambiente. Somadas à revolução da informação e à globalização econômica, tais mudanças contribuíram para a alteração das prioridades nas relações internacionais e das atitudes dos países com relação aos problemas do meio ambiente.
Nesse contexto, pode-se afirmar que as iniciativas expostas neste livro poderão influenciar direta e indiretamente, as pessoas, as empresas e os governos na geração e produção de matérias-primas e resíduos e, até mesmo, nas ações sociais. Tais iniciativas auxiliarão os consumidores a tornarem-se mais conscientes com relação ao consumo ecologicamente correto e sustentável. Assim, rotineiramente, perceber-se-á nas indústrias uma preocupação quanto às formas de minimizar os impactos ambientais, seja qual for o segmento. Não é só a questão ambiental que conta, necessitamos ampliar essa percepção para esferas sociais, econômicas, éticas e legais. Sustentabilidade fundamentalmente ampla
no sentido de ampliar, de estender, de alargar, de acrescentar, de espalhar, de aumentar, em todos os sentidos que possa ter.
Diferentes conflitos de interesse colidem na busca por um pacto mais adequado à preservação do meio ambiente, em equilíbrio com o desenvolvimento da sociedade. No atual sistema econômico, a apropriação dos recursos naturais ocorre sem preocupação, fomentando a pobreza e desigualdade social no hemisfério sul, ao mesmo tempo em que gera riqueza para o hemisfério norte. Nesse cenário de desenvolvimento não sustentável e de frequentes crises ambientais, um número cada vez maior de organizações reconhece a necessidade de assumir um papel mais decisivo frente à sociedade, não apenas visando ao lucro e à riqueza, mas tendo mais responsabilidade em seu modo de atuação.
Assim, no mundo corporativo, empresas têm sido provocadas por essa nova realidade a desenvolver produtos e serviços inovadores que estejam de acordo com essa visão de mundo renovada, e, com isso, assumir um papel de maior relevância e, consequentemente, a inclusão adicional das necessárias considerações sociais e éticas para a sustentabilidade ampla. Nem uma nem duas sustentabilidades. Múltiplas e amplas sustentabilidades. Uma busca pela sustentabilidade que não se esgota, que está sempre em contínuo movimento e desenrolar, ad infinitum.
Muito mais do que um compilado de estudos acadêmicos a respeito do assunto, este livro pretende, portanto, mostrar a inserção de práticas sustentáveis nas mais diversas áreas do conhecimento e do dia a dia, servindo de exemplo e inspiração para os próximos negócios e pesquisas futuras. Exaltar como é possível aplicar novos modelos de desenvolvimento na vida em sociedade, nas escolas, comunidades, empresas, frente aos consumidores, no ramo da moda, do design, da criação e inovação. Como é imprescindível seguir buscando o viés da sustentabilidade das mais diversas formas. Nesse sentido, o próprio papel das empresas como organizações exclusivamente econômicas é colocado em debate, destacando seu potencial como forças capazes de gerar soluções positivas para os desafios sociais.
Os autores que aqui se encontram, já renomados ou em fase de afirmação das suas personalidades ideológicas, têm em comum um mesmo objetivo e direção: buscam criar um futuro melhor para os seus sucessores. Logo, faz-se justo que estejam unidos em uma publicação que visa reforçar que o caminho da sustentabilidade é contínuo, incessante, atemporal e uma responsabilidade de todos os indivíduos, seja qual for a sua atividade pessoal e/ou profissional.
Boa leitura!
As organizadoras
PREFÁCIO
Entendendo, na atualidade, a sustentabilidade como um contínuo multidimensional, o conceito de desenvolvimento sustentável amadureceu em resposta à crise ambiental global, à medida que um número crescente de estudos evidenciou, cumulativamente, que o retorno dos sistemas da Terra à rota de equilíbrio exige soluções casadas, entrelaçando as esferas social, ambiental e econômica, dentre outras. Ou seja, a transição para futuros sustentáveis passa pelo combate à extrema pobreza e pela redução das desigualdades socioeconômicas, do mesmo modo que requer mudanças no padrão global de consumo e tratamento urgente dos problemas do meio ambiente, tal como a extração exaustiva de recursos naturais e poluição das águas. Em todos esses aspectos, o design pode contribuir, especialmente em relação ao projeto de novos produtos e serviços alternativos, comprometidos com os múltiplos princípios da sustentabilidade, em todas as etapas de seu ciclo de vida.
Com o objetivo de examinar a aplicabilidade ampliada do conceito de sustentabilidade e o papel do design, indo além do aspecto ambiental, a presente obra reúne autores inseridos em diversos âmbitos da teoria e prática sustentável, do design de moda à arquitetura, administração, tecnologia da informação, comunicação e outros. Retratando, principalmente, o cenário da região Sul e Sudeste do País, mas também incluindo autores internacionais, representa instituições de ensino e pesquisa como, em ordem alfabética: Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, UniRitter Laureate International Universities, Universidade de Caxias do Sul, Universidade de Évora, Universidade de Lisboa, Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade do Vale dos Sinos, Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil. Quanto à estrutura, o volume está organizado em quatro partes principais – a busca pelo contínuo da sustentabilidade na sociedade, no mundo da moda, nas empresas, e na criação e inovação – explorando variados eixos de discussão sobre o design para as sustentabilidades, cada qual abrangendo três ou quatro do total de 14 artigos.
Dentre os quatro incluídos na primeira categoria, o primeiro artigo, Economia Criativa e Sustentabilidade: Desafios e Oportunidades, por Diego de Jesus, examina a relação entre economia criativa, desenvolvimento e sustentabilidade. Iniciando pelo contexto em que os setores da economia criativa se expandem, discute, tendo-a como vetor de inovação e desenvolvimento, a importância e o desafio de adoção de estratégias baseadas nas múltiplas dimensões da sustentabilidade – cultural, política, social, econômica e ambiental. O segundo artigo, Permacultura e Desenvolvimento Humano: Como a Sustentabilidade Pode ser Construída em Ambientes Escolares ao se Trabalhar as Relações Afetivas, por Camila Lima, Helga Loos-Sant’Ana e Rene Sant’Ana-Loos, aponta benefícios da inserção de aulas de permacultura na educação formal, tendo em vista a formação de seres humanos mais sensíveis e éticos, utilizando o arcabouço do sistema teórico da afetividade ampliada para avaliação dos resultados. O terceiro artigo, Alternativas de Produção Sustentável e de Ecodesenvolvimento, por Valdir Denardin, a partir do conceito de ecodesenvolvimento e articulando teoria e prática, trata da agroindustrialização sustentável da mandioca por agricultores familiares paranaenses. E o quarto artigo, Design e Tecnologias Sociais para Emancipação do Artesanato, por Ana Mery De Carli e outros, apresenta projeto, com atenção às várias dimensões da sustentabilidade, o qual entrelaça artesanato, design, empreendedorismo e economia criativa, relatando resultados de curto e médio prazo.
Dentre os três incluídos na segunda categoria, o quinto artigo, A Moda Leve, de Dulce Holanda Maciel e Sandra Regina Rech, partindo do conceito de empresa de economia leve, pautada pela desmaterialização dos processos, coloca em questão a possibilidade de transcendência da efemeridade do produto da moda e a redução efetiva dos impactos do setor têxtil no meio ambiente, facilitado pela ascensão do consumo consciente. O sexto artigo, Design Estratégico e Cultura da Sustentabilidade na Moda, de Roberto Araújo e Karine Freire, avalia as contribuições do design estratégico para construção e disseminação de uma cultura de sustentabilidade, apresentando estudo de caso sobre organização do segmento da moda que projeta seu modelo de negócio seguindo princípios sustentáveis. O sétimo artigo, Design Amplamente Sustentável e as Abordagens do Ciclo de Vida, de Débora Quaresma e Heloisa Moura, articula design de moda e sustentabilidade multidimensional, examinando contribuições do primeiro, por meio de abordagens projetuais sistemáticas, tendo foco específico na indústria de acessórios de moda em couro.
Dentre os três incluídos na terceira categoria, o oitavo artigo, Sustentabilidade e Perspectivas da Sustentabilidade no Contexto Empresarial, de Paula Silva, aborda os conceitos de responsabilidade social corporativa e criação de valor compartilhado, tendo em vista tanto grandes corporações como pequenas e médias empresas, considerando a combinação entre competitividade, crescimento econômico e melhoria social nas comunidades em que atuam as mesmas. O nono artigo, Do Vuelo Solo à Revoada: Modelo de Negócio Baseado no Design para a Sustentabilidade, de Bibiane Horn, Jocelise Jacques, Marina Giongo e Júlio Carlos van der Linden, relata estudo de caso sobre empresa nascente, concebida com a missão de utilizar resíduos de grande impacto ambiental na fabricação de produtos, desenvolvendo acessórios de moda a partir de câmaras de pneu. Nele, são discutidos conceitos como economia circular e arquétipos da sustentabilidade. O décimo artigo, O Impacto do Marketing Verde sobre os Consumidores, de Patricia Valente e Débora Quaresma, analisa, com base em questionário quantitativo, a valorização de marcas a partir do marketing ambiental e seu poder de influência nos hábitos dos consumidores.
Dentre os quatro incluídos na última categoria, o décimo primeiro artigo, Design, Biomimética e Transdiciplinariedade: Estratégias Sustentáveis com Foco na Inovação, de Inês Ruivo e Carina Carlan, examina o entrelace entre design e biomimética, cuja pesquisa expande-se para diversos setores de produção, especialmente no desenvolvimento de novos materiais e tecnologias, trazendo, por meio do estudo e reinterpretação das soluções desenhadas pela natureza, possibilidades inerentes para a inovação. O décimo segundo artigo, Design Transicional: Projetando a Transição para Futuros Sustentáveis, de Heloisa Moura, sistematiza contribuições e discussões sobre emergente especialização ou subdisciplina, nomeada transition design, a qual, posicionada como progressão do design de serviço e do design para a inovação social, pretende apoiar a transição da sociedade para futuros sustentáveis, com a reconfiguração de estilos de vida, por meio do desenvolvimento de soluções sistêmicas nos curto e médio prazo, tendo foco em dinâmicas visões futurísticas de longo termo, fundadas em paradigmas multidimensionalmente sustentáveis. O décimo terceiro artigo, Sustentabilidade Como Discurso no Campo do Design, por Juliana Ramiro e Anne Anicet, entendendo que todo discurso é ideológico, apresenta estudo qualitativo sobre a forma de conceituação e aplicação do conceito de sustentabilidade na produção acadêmico-científica do design, verificando a distância entre elas. Por fim, o décimo quarto artigo, Por um Design Socialmente Sustentável, por Elisa Beretta, destaca a importância do pilar social da sustentabilidade ampliada, afirmando que, para o design responsável, não basta considerar o que é produzido, mas também como, apresentando alternativas que integram impacto positivo na empresa e sociedade.
Em suma, este livro é um avanço na discussão ampliada do tema da sustentabilidade no design, convergindo distintos e complementares pontos de vista sobre um tema tão relevante para o redirecionamento e transição da sociedade para futuros sustentáveis.
Dra. Heloísa Moura
Doutorado em Design - Illinois Institute of Technology (IIT)
Pós-Doutorado em Ciência da Computação - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
SUMÁRIO
No Contínuo da Sustentabilidade na Sociedade
1
Economia Criativa e Sustentabilidade: desafios e oportunidades
Por: Diego Santos Vieira de Jesus
2
Permacultura e desenvolvimento humano: como a sustentabilidade pode ser construída em ambientes escolares ao se trabalhar as relações afetivas
Por: Camila Silva de Lima, Helga Loos-Sant’Ana e René Simonato Sant’Ana-Loos
3
ALTERNATIVAS DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL E DE ECODESENVOLVIMENTO
Por: Valdir Frigo Denardin
4
Design e Tecnologias Sociais para emancipação do artesanato
Por: Ana Mery Sehbe de Carli, Gilda Eluiza de Ross, Roberta Haefliger Martins e Walter Rodrigues
No Contínuo da Sustentabilidade no Mundo da Moda
5
A MODA LEVE
Por: Dulce Maria Holanda Maciel e Sandra Regina Rech
6
Design estratégico e cultura de sustentabilidade na moda
Por: Roberto Zimmer Araújo e Karine de Mello Freire
7
DESIGN AMPLIAMENTE SUSTENTÁVEL E AS ABORDAGENS DO CICLO DE VIDA
Por: Débora Maria de Macedo Quaresma e Heloisa Tavares de Moura
No Contínuo da Sustentabilidade nas Empresas
8
Sustentabilidade e Perspectivas da Sustentabilidade no Contexto Empresarial
Por: Paula Maines da Siva
9
Do Vuelo solo à Revoada: modelo de negócio baseado no design para a sustentabilidade
Por: Bibiana Silveira Horn, Marina Anderle Giongo, Jocelise Jacques de Jacques e Júlio Carlos de Souza van der Linden
10
O IMPACTO DO MARKETING VERDE SOBRE OS CONSUMIDORES
Por: Patricia Soldatelli Valente e Débora Maria de Macedo Quaresma
No Contínuo da Sustentabilidade na Criação e Inovação
11
DESIGN, BIOMIMÉTICA E TRANSDISCIPLINARIEDADE: ESTRATÉGIAS SUSTENTÁVEIS COM FOCO NA INOVAÇÃO
Por: Inês Secca Ruivo e Carina Prina Carlan
12
Design Transicional: Projetando a Transição para Futuros Sustentáveis
Por: Heloisa Moura
13
Sustentabilidade como um discurso no campo do Design
Por: Juliana Figueiró Ramiro e Anne Anicet
14
Por um design socialmente sustentável
Por: Elisa Marangon Beretta
CURRÍCULOS DOS AUTORES
1
Economia Criativa e Sustentabilidade: desafios e oportunidades
Diego Santos Vieira de Jesus
Escola Superior de Propaganda e Marketing
do Rio de Janeiro
A economia criativa engloba setores baseados no talento ou na habilidade individual, como publicidade, arquitetura, artesanato, design, moda, cinema, softwares interativos para lazer, música, artes performáticas, mercado editorial, rádio, TV e museus. O fortalecimento desses setores ocorre num contexto de ampliação de necessidades de ordem estética e intelectual pelos indivíduos e de emergência da sociedade do conhecimento, na qual uma economia baseada no uso intensivo de capital e trabalho cede gradualmente espaço para outra baseada nos recursos intelectuais e na troca de conhecimentos¹. Além de serem imprescindíveis para a competitividade das empresas, as particularidades culturais na base dos setores criativos podem mobilizadas por governos e atores econômicos e sociais como recursos territoriais que estimulam competências pela diferenciação e geram emprego e renda². Em uma cidade criativa
, a criatividade relaciona-se não apenas à atração de talentos ou ao fortalecimento do potencial inovador de empresas, mas à aplicação de inovações sociais em áreas como saúde, serviços sociais, governança e meio ambiente³.
A sustentabilidade está na base de estratégias voltadas para o desenvolvimento local, regional e nacional focadas na economia criativa, o que implica desenvolver maior transparência nos processos sociais, compreender a complexidade da cultura, entender o conceito de desenvolvimento sob um prisma cultural, político e socioeconômico e engajar o setor privado como promotor de responsabilidade social e ambiental e parceiro no desenvolvimento de produtos e serviços e na consecução de programas sustentáveis⁴. Obras estratégicas – como aquelas relacionadas a competições esportivas ou eventos culturais de grande porte – podem conduzir a esforços de captação de recursos entre diferentes níveis de governo e de fortalecimento dos negócios locais a partir da ressignificação de espaços num contexto de desenvolvimento sustentável⁵. Essa concepção de desenvolvimento conduz a uma necessidade de se repensarem formas de exploração de recursos, tecnologia e marcos institucionais, de se superarem déficits sociais nas necessidades básicas e de se alterarem padrões de consumo. Para que ações e práticas possam ser executadas, mostra-se fundamental a existência de interlocutores e participantes sociais por meio de práticas educativas e do diálogo, o que fortalece a ideia de corresponsabilização e de constituição de valores éticos⁶. No que diz respeito especificamente à economia criativa, ainda que seus defensores apontem a sustentabilidade como um de seus pilares, os imperativos econômicos do cosmopolitismo competitivo
podem trazer fórmulas estéreis que ignoram especificidades locais⁷ e, assim, manter um modelo predatório que vai radicalmente contra os princípios ligados à ideia de desenvolvimento sustentável.
O objetivo é examinar como a sustentabilidade oferece um dos pilares fundamentais ao desenvolvimento da economia criativa na cidade do Rio de Janeiro. O argumento central aponta que a economia criativa no Rio de Janeiro promove uma dinâmica de valorização, proteção e promoção da diversidade das expressões culturais como forma de garantir a sua originalidade. Para que se garantam a sua força e o seu potencial de crescimento, o Poder Público e os agentes sociais precisam assegurar sustentabilidade social, cultural, ambiental e econômica em condições semelhantes de escolha para as gerações futuras. Ademais, assumir a economia criativa como vetor de desenvolvimento seria assumi-la como um processo cultural gerador de inovação e promotor da inclusão produtiva da população, priorizando aqueles que se encontravam em situação de vulnerabilidade social, por meio da formação e da qualificação profissional e da geração de oportunidades de trabalho e de renda. O desenvolvimento de políticas coerentes para a inovação cultural – que tem como sustentáculo a criatividade, entre outros componentes – é algo crítico para que, em longo prazo, se alcance um desenvolvimento economicamente sustentável. A seguir, será explorada a relação entre economia criativa, sustentabilidade e desenvolvimento. Na seção seguinte, apresentarei o quadro de desenvolvimento da economia criativa no Rio de Janeiro. Antes de tecer as considerações finais, indicarei desafios e propostas para a economia criativa e a sustentabilidade na cidade.
Economia criativa, sustentabilidade e desenvolvimento
Diante da necessidade de enfrentamento da crise ecológica desde a década de 1970, a ideia de ecodesenvolvimento
⁸, elaborada por Ignacy Sachs, era baseada nas dimensões de sustentabilidade social, econômica, ecológica, espacial e cultural num contexto de ações e práticas voltadas para a compatibilização da melhoria da qualidade de vida e da preservação ambiental e pautadas em iniciativas locais para a redução da dependência técnica e cultural em relação a Estados desenvolvidos e a harmonização entre processos ambientais e socioeconômicos. Diante da crise econômica da década de 1980, houve um esvaziamento da noção de ecodesenvolvimento em termos de políticas, mas não no debate intelectual em torno do agravamento da degradação ambiental e da ampliação das desigualdades socioeconômicas em todo o mundo. O questionamento dos paradigmas de desenvolvimento existentes ficou claro no Relatório Brundtland de 1987, que trabalhava a concepção de desenvolvimento sustentável
, clamava por uma postura ética com relação às temáticas ambientais e reforçava a conexão entre economia, tecnologia, sociedade e política. O conceito de desenvolvimento sustentável
– que ampliava o foco da noção de ecodesenvolvimento para uma dimensão globalizante em termos das causas e das soluções para as questões ambientais – e a lista de ações indicadas no relatório serviram como marcos para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, a Rio 92, na busca de ações concretas para a conciliação entre as atividades econômicas e a garantia de um futuro sustentável, baseadas num tripé de eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. Ainda que o conceito enfrente uma série de restrições tecnológicas, culturais, econômicas e socioambientais para sua plena aplicação prática, ele tem permitido a integração gradual entre meio ambiente e desenvolvimento e a articulação com outros discursos que repensam paradigmas de desenvolvimento, como aqueles ligados à economia criativa⁹. Valores e políticas relacionados ao desenvolvimento sustentável vêm sendo gradualmente internalizados por movimentos sociais e governos. As empresas aderiram inicialmente de fora para dentro como forma de responder a críticas de entidades governamentais e grupos da sociedade civil que as responsabilizavam pela destruição do meio ambiente. Mais recentemente, a adesão empresarial ocorre pelo reconhecimento do desenvolvimento sustentável como fator de competitividade e fonte de diferenciação ou qualificação¹⁰.
Como aponta Ana Carla Reis, políticas públicas relacionadas à economia criativa visam a estimular a diversidade de culturas para a participação nos fluxos de ideias e comércio de produtos e serviços, em particular as expressões culturais minoritárias para que não sejam sufocadas pelas majoritárias, garantindo sua sustentabilidade econômica. A atuação da economia criativa como agente de recuperação e regeneração urbanas traz benefícios que vão além da geração de impostos, empregos e comércio e incorporam a elevação da autoestima local¹¹. Porém tais esforços exigem ações para a movimentação econômica e a dinamização de bens simbólicos ou materiais que mantenham a sustentabilidade econômica das suas iniciativas. A organização de articulações em polos criativos e entre eles e a formação de redes e cadeias de produção, circulação, uso, troca de experiências e cooperação entre os participantes do ambiente criativo traz à tona a sinergia na busca do desenvolvimento sustentável local, bem como a agregação de iniciativas e empreendimentos e grupos informais com vocação produtiva semelhante, a valorização do empreendedorismo para o desenvolvimento pessoal autônomo e o surgimento de novas formas de governança que envolvam a participação dos cidadãos. A inserção da responsabilidade ecológica e ambiental na base de trabalho pode acompanhar esses desenvolvimentos¹².
Richard Florida coloca que a criatividade é uma habilidade crucial em uma economia baseada no conhecimento, e que a classe criativa detém a chave para o crescimento econômico e a competitividade. Tal classe é caracterizada por três fatores (os três Ts): a tecnologia – o conhecimento e a capacidade de dominar as infraestruturas tecnológicas nas quais vão fluir, circular e interagir os produtos criativos –; o talento – o individual e o potenciado pela convivência dos talentos; – e a tolerância em relação às diversidades. Nessa perspectiva, pessoas criativas e novas ideias precisam de um ambiente sustentável tolerante e aberto à diversidade a fim de desenvolver, difundir, implementar e melhorar ideias. O simples acúmulo de pessoas criativas ou talentosas representa uma condição necessária, mas não suficiente para que uma cidade criativa possa desenvolver-se. Cidades podem ser consideradas um conjunto de conjuntos criativos: por um lado, as indústrias criativas produzem e oferecem resultados criativos ao mercado; por outro, pessoas criativas interagem fora da esfera orientada pelo mercado e exploram, geram e difundem ideias, inclusive aquelas associadas à sustentabilidade. Dessa forma, cabe às cidades criativas gerenciar o trânsito de ideias de pessoas talentosas para ideias exploráveis pelas indústrias criativas¹³.
Dentre os tipos de intervenção prática que podem ser englobados nas estratégias de uma cidade criativa para promover e apoiar empreendimentos criativos sustentáveis em localidades específicas, cabe citar as estratégias de propriedade; desenvolvimento de negócios, aconselhamento e construção de redes; esquemas de auxílios e empréstimos diretos para empreendedores e negócios criativos; iniciativas fiscais; infraestrutura física e de tecnologia de informação; e infraestrutura branda. Muitas dessas intervenções são típicas de iniciativas genéricas de apoio a negócios ao oferecer local de trabalho e treinamento, assistência, networking e empréstimos, práticas de gestão de negócios, acesso a eventos comerciais e novas tecnologias. Algumas são específicas da economia criativa, tais como o levantamento de verbas para o investimento na infraestrutura artística. Muitas das iniciativas para a economia criativa são dirigidas para startups e pequenas e médias empresas e, quando as necessidades específicas das indústrias criativas são destacadas, tendem a enfatizar as peculiaridades do processo criativo e o desenvolvimento de habilidades para os negócios entre os praticantes¹⁴.
A busca de políticas para a inovação cultural é fundamental para que se atinja desenvolvimento economicamente sustentável, o que comprova o papel fundamental da educação na geração de conhecimento e inovação¹⁵. O estímulo a competências criativas não se restringe à dimensão técnica, de forma a também abarcar atitudes e posturas empreendedoras, habilidades sociais e de comunicação, compreensão de dinâmicas socioculturais e de mercado, capacidade de articulação e sustentabilidade¹⁶. A mudança da atuação das empresas para a redução dos impactos socioambientais exige uma nova forma de lidar com a inovação, de forma a alcançar-se o desenvolvimento sustentável. Empresas que inserem novidades de qualquer tipo com autonomia, intencionalidade e proatividade devem procurar eficiência econômica, bem como o respeito à capacidade de suporte ambiental e a inclusão social de grupos vulneráveis. Tal postura abarca preocupação com impactos sociais das inovações – como desemprego, exclusão social ou pobreza –, bem como com o uso de recursos naturais e a geração de vantagens