O Corpo
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Se alguma das partes mudar, é o mesmo corpo?
Não é necessário mais que algumas alterações para que o corpo se torne um estranho para a consciência.
E ela uma estranha para si mesma.
"O Corpo" foi lançado originalmente em 2017, em formato físico, como parte da coleção "Contos de Bolso". Combinando horrores físicos e existenciais, a obra levanta questões sobre identidade, continuidade de consciência e vida às suas formas mais cruas. Nem sempre o que dói e sangra é o que causa mais dor.
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O Corpo - Rodrigo Ortiz Vinho
1
Durante aqueles dias, eu não sabia nunca se algo havia mudado. Desde que acordei, o quarto era o mesmo. Mesma cama, mesma televisão, mesa, cadeira. As mesmas paredes sem janela. O banheiro pequeno, no cômodo ao lado, com a mesma pia, privada, chuveiro e espelho. E claro, havia a porta. Sempre trancada, com um fio de luz sempre passando por baixo, indicando a obviedade da existência de outro cômodo depois dela, um insulto à liberdade que me havia sido privada.
No primeiro dia de cárcere, eu passei a maior parte do tempo procurando alguém ou alguma resposta. Eu gritava, batia na porta, falava com as paredes, procurava microfones, câmeras. A minha agitação apenas cresceu. Em um assomo de frustração e raiva descontrolada, entre gritos, quebrei o quarto, mas não consegui coisa alguma além de me cansar e me machucar. Quando finalmente caí no sono, era como se meu corpo já não me obedecesse. Afundei em um desespero escuro de uma inconsciência que passava longe de qualquer tranquilidade.
Ao acordar, encontrei o quarto intacto, igual ao dia anterior. Os objetos quebrados estavam em seus respectivos lugares. Novos, intocados.
Eu soube que havia algo de errado imediatamente, pois me dei conta, quando acordei, de que meu corpo não doía. Eu estava completamente saudável, mas me lembrava claramente de ter me ferido com cacos. Me lembrava dos cortes. De ter hematomas por ter me chocado contra a porta e contra os móveis.
Lembro-me de, ao acordar, passar muito tempo em silêncio e sem me mover, buscando entender os acontecimentos anteriores e descobrindo, logo, que era como se o dia anterior não houvesse existido. Tentei me certificar da realidade das minhas lembranças e finalmente cheguei à conclusão de que não poderia dizer se sim ou se não, mesmo com meus sentidos apontando para não
. Fiz uma nota mental. Esse seria o segundo dia, se o anterior tivesse sido real. Isso era bom o suficiente.
Na verdade, eu chamei isso de bom o suficiente
, pois eu não tinha outra opção. Assumi aquilo como verdade temporária, reforçando em minha mente a ideia da temporalidade como uma saída para ter alguma tranquilidade, mas com um receio nítido de tornar-se menos temporária do que eu esperava.
Tentei acabar com o lugar outras vezes. Agora, algum tempo depois, eu não sei dizer se foram três ou quatro vezes no total. Foram mais que duas vezes, mesmo com a suspeita, já naqueles dias, que duas vezes haviam sido demais. Sempre o mesmo resultado: não importavam as maneiras como eu quebrasse o quarto, não havia uma saída óbvia. Não havia nada que eu fizesse ao meu próprio corpo que trouxesse qualquer resposta externa.
Essas três ou quatro vezes se fundiram na minha memória e talvez