Sobre a esperança: Diálogo
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About this ebook
Frei Betto e Mario Sergio Cortella nos apresentam sendas e clareiras sobre o tema.
Um caminho: se você quer ter perspectiva de futuro, conheça o passado - analise sua história pessoal, a história de sua família, de seu país. Uma clareira: na realidade massacrante em que estamos imersos, na qual imperam o consumo, o individualismo e a fugacidade, revolucionário é aquele que se mantém fiel a si mesmo, que tem a noção de pertencimento a um grupo, que é capaz de ser solidário.
Em suma, é preciso resgatar o sentido original da expressão ser humano e fazer jus a ela em nossas ações, no cotidiano. Uma luta silenciosa (e que pode até ser lírica), mas que certamente requer o uso de toda a nossa capacidade de ter esperança. - Papirus 7 Mares
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Reviews for Sobre a esperança
2 ratings1 review
- Rating: 4 out of 5 stars4/5Um diálogo franco e abert sobre esperança. com pelas ideias e passagens que nos fazem refletir muito. gostei muito!
Book preview
Sobre a esperança - Mario Sergio Cortella
SOBRE A ESPERANÇA:
DIÁLOGO
Frei Betto
Mario Sergio Cortella
>>
Sumário
1. Mas, afinal, o que é a esperança?
2. Espelho, espelho meu, quem sou eu?
3. Era uma vez a História
4. A despamonhalização da sociedade e a educação para o silêncio
5. Esperança solidária
6. Mosqueteiros do mundo contemporâneo
7. Gracias a la vida que me ha dado tanto
8. A fonte transbordante da esperança
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Mas, afinal, o que é a esperança?
Cortella – Para falar sobre o tema que nos reuniu hoje, poderíamos tomar como ponto de partida a esperança como um desejo acompanhado de expectativa. Não se trata da espera, simplesmente. Não vamos falar da esperança
no sentido mais usual do termo, ou seja, da esperança como mera expectativa. Considero a esperança uma virtude, não necessariamente daquelas teologais, mas como força intrínseca. Em outras palavras, aquilo que a filosofia definiria como uma força intrínseca para a realização de um objetivo. Assim, a esperança procura tornar o desejo verdadeiro e, portanto, não admite a perda, a falência da expectativa de que algo vai realmente acontecer. Como você vê, Betto, essa questão da esperança, as múltiplas faces que ela carrega?
Frei Betto – Inicialmente, gostaria de lembrar a história da caixa de Pandora. Criada Pandora, primeira mulher, ela recebeu a incumbência de zelar por uma caixa que continha vários fatores favoráveis e desfavoráveis ao ser humano. Havia uma única coisa que não poderia fazer em nenhuma hipótese: abri-la. Mas ela não resistiu à curiosidade. Assim Pandora deixou escaparem todos os vícios e as virtudes humanas; restou apenas a esperança na caixa. Por isso, a esperança é o que nos sustenta na vida.
Isso é dito com outras palavras quando Freud fala da pulsão, esse animus ou anima que nos mantem vivos, e nos induz a fazer da vida um proyecto, uma perspectiva de algo. Do ponto de vista teológico, ou mesmo teologal, esse algo é a virtude da esperança, a qual, por sua vez, está entrelaçada a outras duas virtudes – a fé e o amor –, ou seja, todas as pessoas possuem essas três virtudes de alguma maneira, porque têm fé em algo. Vale lembrar, a palavra fé
tem a mesma raiz etimológica de confiança
(com fé) e fidelidade (ser comprometido e coerente com aquilo em que se crê, ter esperança naquilo). Assim entende-se que o amor é, por excelência, a virtude que engloba estas outras duas, a esperança e a fé, tendo em vista que toda relação de amor é uma relação de confiança e, ao mesmo tempo, de espera, expectativa, desejo; enfim, ela se projeta para o futuro ou mesmo para o que costumo chamar a profundência da relação. Criei esse neologismo para denominar uma forma de relação humana, entre outras: haveria a imanência, a transcendência e a profundência. Pensemos, por exemplo, nas experiências dos místicos e dos amantes apaixonados, ou da que teremos de Deus post mortem – são experiências de profundência, pois a experiência mística é a mesma da paixão humana. O maior desejo dos amantes é parar o relógio nos ponteiros do infinito, ou seja, suprimir o tempo. Daí existir certa lógica no conceito de eternidade, modo de expressar a supressão do tempo. Brinco com as palavras porque, enfim, elas são o meu elemento de trabalho... O poeta diz que o amor é eterno enquanto dura. Peço licença ao poeta e prefiro dizer O amor dura enquanto é terno
. É a ternura que suprime a temporalidade, por isso, os amantes não querem que o tempo passe.
Cortella – Mas, nesse caso, Betto, a paixão não é a suspensão temporária do juízo? Ou seja, não posso dizer que, nesse sentido, a esperança seria irracional?
Frei Betto – Não. Nesse caso, a paixão é a suspensão não só do juízo, mas também suspensão psicológica do próprio tempo. Ou seja, cria-se uma experiência de completude, e só a consciência do tempo frustra essa completude.
Cortella – É verdade, já que a consciência do tempo nos leva à experiência da espera.
Frei Betto – A espera é uma experiência da finitude humana.
Cortella – Mas o mesmo não é verdadeiro em relação à esperança no sentido que procurei definir há pouco, porque a experiência da espera se restringe ao que se aguarda passivamente e, portanto, não abrange necessariamente uma positividade; o indivíduo não é ativo na espera.
Frei Betto – Sim, mas pode-se também fraudar a esperança dependendo de como a pessoa lida com a espera. Há pessoas que são muito inseguras diante das perspectivas de esperança. São, digamos, desconfiadas. Não conseguem ter fé na esperança que deveriam alimentar.
Cortella – Você substituiu a clássica palavra caridade
por amor
, para falar das três virtudes teologais, mas eu gostaria que trabalhássemos um pouco essa ideia. Por que você preferiu utilizar a noção hebraica àquela que o latim nos legou? Você faz alguma conexão disso com a esperança?
Frei Betto – Não, é apenas uma questão de ressonância, porque caridade
, na nossa linguagem cotidiana, tem conotação assistencialista, de generosidade para com alguém necessitado. Já a palavra amor
define uma relação de intensidade e completude.
Cortella – É verdade. Quando dizemos caridade
, parece que existe uma diferença de posição, como se um tivesse poder sobre o outro, ao passo que ao usarmos amor
não vemos diferença, mas igualdade.
Frei Betto – No Novo Testamento, a única definição de Deus está na Primeira Carta de João, em que ele diz que Deus é amor
e quem ama conhece a Deus
. É interessante porque ele não diz quem conhece a Deus ama
. Ou seja, ainda que se tenha fé em Deus, isso não significa que a pessoa ame, mas aqueles que amam estão vivendo uma experiência divina. E, do ponto de vista teológico, isso é verdadeiro mesmo que a pessoa não tenha fé nem saiba disso. Toda experiência de amor é uma experiência de Deus. Quem dera todos os jovens soubessem que suas experiências de amor são experiências de Deus. Mas o amor acabou ganhando uma conotação pejorativa, a expressão vamos fazer amor
ficou reduzida ao sentido sexual.
Gosto muito de um poema do José Coronel Urtecho, autor nicaraguense que faleceu há pouco. Ele escreveu sete livros, todos dedicados à mulher dele, dona Júlia.
Cortella