Ecos do silêncio
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Ecos do silêncio - José Augusto Nasser
Capítulo 1
O último suspiro
Grande, bom, certo, amável Deus.
Oh! Conte-nos como nós podemos sempre agradecer-Vos o suficiente pelo que Vós tendes realizado! Para a ligação que ninguém pode separar. Que liga nós mortais a Vós.
E dai-nos a sabedoria e olhar para ver.
e. e. cummings
Ouço um gemido no ar… Pelas portas estreitas, já não vejo muito movimento. Um clamor que não tem quem o escute. A hora já se esvai e o prenúncio de um último suspiro se anuncia...
– Socorro... So...co...rro! Enfermeira, me ajude, já não vejo mais nada, o que está acontecendo comigo?
– Vire de lado e durma, não é mais hora de reclamar. Amanhã o senhor diz ao doutor o que sentiu nesta noite, mas agora me deixe ir, preciso fugir deste lugar para descansar. Amanhã começo outro plantão de vinte e quatro horas... A noite já está quase acabando!
– Misericórdia, misericórdia! Não me deixe só... Estou morrendo, senhora! Não vá! Avise alguém, então. Ligue para minha família, eles virão, certamente virão, eu ainda tenho uma. Muitos aqui não têm, mas eu tenho, senhora! Me ajude, por favor! Meu nome é Apol...
Sua voz se tornava cada vez mais fina, cada vez mais vazia... Pois não se via mais a senhora com quem falava.
E mais um grito, agora com o que restava de suas últimas e ofegantes forças:
– Deus, salve a minha alma! – E aquele pobre homem expirou, numa noite fria de julho, em um lugar inóspito, sombrio, ausente de Amor. Morria mais um ser amado por muitos, mas que por pobreza material teve de ser levado a um hospital geral público.
Do seu lado direito, um senhor conhecido como Pará tentava sorrateiramente alcançar os utensílios do já morto Apol..., quando um outro senhor o censurou:
– Tire a mão daí! Será que nem morto você respeita? É absolutamente nauseante presenciar um sujeito querendo roubar um morto. Ou melhor, o resto material de um pobre defunto. Vou denunciar você daqui a pouco, e quando a família dele chegar, você vai ver só! – Imediatamente, o gatuno recuou, deixou os pertences do morto e fingiu estar às voltas com seu sono.
– Vou olhar daqui, mais um movimento suspeito e eu deduro mesmo!
– Me deixe em paz, não quero mais nada, coisa de defunto não dá sorte mesmo.
– Ainda bem que você entendeu! – E, retirando do bolso um cigarro todo amassado, acendeu, deu duas tragadas e o apagou. – Quieto! Não diga a ninguém que alguém fumou aqui, certo? Vai ficar esquisito para cada um que me dedurar.
Duas horas se passaram sem que ninguém aparecesse nos confins daquele quarto. O barulho de todos chegando foi sufocando o ranger das portas e dos gemidos daqueles que não mais falam, apenas gemem e, a cada segundo, se tornam mais desesperançosos. O silêncio é quebrado quando uma multidão de pessoas de branco invade aquele lugar.
– Nossa, o Box 21 está tão quieto!
– Dona, o Box 21 tem nome, quer dizer, tinha, mas agora é tarde demais.
– O que aconteceu com ele?
– E eu sei? Por enquanto sou apenas um moribundo que espera sua hora também. Ele pediu ajuda por mais de uma hora. A sua voz foi diminuindo, ficando fraca. Até que houve uma senhora que disse alguma coisa como vinte e quatro horas, falou também que precisava fugir dali e se foi. Logo depois o nosso amigo aí do 21 também se foi, mas para o andar de cima.
– Nossa, que história horrível! Ninguém o socorreu, ninguém tentou ressuscitá-lo? Não vieram os médicos, as enfermeiras, alguém?
– Moça, a senhora é nova aqui?
– Sim, hoje é o meu primeiro dia!
– Bem-vinda ao inferno!
– Como assim?
– Estou dizendo que este amigo ao lado ficou em agonia, à beira da morte, e ninguém se comoveu com o sofrimento dele. A senhora quer o que mais? Deixaram que ele morresse sem socorro dentro de um pronto-socorro. Este é o seu primeiro dia de trabalho, ótimo, então tente mudar as coisas, pois aqui a caridade já se foi há muito tempo. A medicina foi primeiro.
– Nossa, que palavras duras. De onde o senhor sabe tudo isso?
– Moça, já fui bem nascido, já me envolvi com o que não presta, perdi tudo e fui parar nas ruas. Hoje, vivo da rua para o hospital, e do hospital para a rua. Na rua a comida é mais variada, mas o inferno é o mesmo. Eu não sou ignorante, sei escrever e ler bem mesmo, só que denuncio sempre o que está errado, pois da consciência, senhora, ninguém consegue fugir...
– O senhor fala com autoridade mesmo. Deve ter muitas histórias para contar.
– Histórias? Tenho muitas. A senhora tem tempo?
– Bem, não sei...Talvez um dia, quem sabe?
– Dona, qual é mesmo o seu nome?
– Enfermeira Anita Becker, às suas ordens!
– Sim, madame, que nome musical. Combina com a sua beleza. Acho que a sua presença já é um alento em meio a este sofrimento.
– Bondade sua. A propósito, o seu nome é...
– Bigode, como sou conhecido nas ruas.
Ele falava a respeito de um vasto e bem-cuidado bigode, que preenchia todos os espaços entre a base do nariz e as regiões laterais dos lábios, descendo à altura do queixo.
– Ok, Sr. Bigode, amanhã ouço suas histórias. Certamente devem ser muito envolventes, pois o senhor me parece ter o dom da oratória.
– Sim, Sra. Anita, este dom Deus me deu. Talvez eu o usasse melhor, mas fui trilhando os caminhos da negação.
– Como assim?
– É simples. Todos nós recebemos dons quando nascemos. São muitos, pois muitos dons são necessários para este mundo de hoje. Essas potencialidades aparecem desde a tenra infância. Basta que olhemos com o coração e facilmente reconheceremos cada uma dessas joias brilhando já em nosso tempo de criança. Estes dons são nossas moedas, nossos talentos que devemos levar aos que são verdadeiramente pobres, que também têm talentos, mas, por não utilizá-los, vivem no mundo das doenças, dos vícios, das guerras, das infinitas tristezas. Enriquecendo os outros nos tornamos ricos, pois a