Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão
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Manual dos locutores esportivos - Carlos Fernando Schinner
autor
Prefácio
Por Mauro Beting
Defecar regras é característica própria do jornalista — mais que um bom texto, a capacidade de perguntar e argumentar, e a intenção de buscar a melhor versão possível dos fatos. Amamos mandar, procurar, apoquentar, interrogar, gritar, e quase todo verbo conjugado no imperativo. Menos ensinar
, trocar ideias e experiências, bater bola. Comunicar.
Um jornalista humilde (uma contradição em termos) que busca aprender e — acredite! — tenta ensinar é como encontrar uma velha Remington em uma redação moderna. É peça rara. Carlos Fernando não é uma máquina de escrever usada. Mas sabe escrever como máquina. E soube usar o que aprendeu nas looooongas horas à frente do microfone (e na vida toda grudado no rádio e vidrado na televisão) para organizar um livro que ninguém ainda havia escrito. Ou porque não sabia; ou porque não queria; ou porque não há jeito de contar como se conta um espetáculo esportivo.
Se marcar um gol como Pelé é difícil, imagine narrar um dos seus 1.281 gols. Como descrevê-lo? Como superá-lo? Como narrar o inenarrável?
Aliás, é locutor ou é narrador? Nem o nome se define. Como definir a profissão? Como descrever Pedro Luiz, Édson Leite, Fiori Gigliotti, Osmar Santos e José Silvério? Luciano do Valle e Galvão Bueno? Ary Barroso e Waldir Amaral? José Carlos Araújo e Doalcey Bueno de Camargo? Como? Quem? Quando? E todas as perguntas que fazemos e não sabemos responder — e que os senhores do controle remoto respondem perguntando: quanto?
...
Carlos Fernando tenta. E entra em campo para ajudar você a estar na lista acima. Uma seleção digna da imprensa brasileira, e do esporte que ela tenta descrever. Se ainda erramos quando não damos bola aos outros esportes, o Manual abre o jogo e as emissoras para eles. A nossa mono(in)cultura esportiva não afeta o trabalho do Cacá, meu amigo e colega há 21 anos, telespectador e ouvinte dele há mais de 26. Um cara que estuda e quer fazer estudar, como devem ser os profissionais de qualquer campo.
O Manual é dos poucos livros que buscam ensinar o que não se ensina — jornalismo e suas técnicas (que de táticas jornalísticas já estamos cheios). Uma pena. Mas é uma baita pauta, um bom início, uma louvável carta de intenções. Cada jornalista que faça a sua matéria e a sua profissão, buscando ouvir, ver e ler todos os lados. Como o autor. Um dos que aprenderam que, no esporte, só se chuta dentro de campo.
Mauro Beting, 48, há 25 anos comentando algo com comentários — o futebol brasileiro.
Apresentação
Lançado em 2004, o Manual dos locutores esportivos completa sua primeira década feliz da vida. E motivos não faltam para tamanha alegria.
Primeiro, porque tem cumprido o seu objetivo principal de apoiar e inspirar novos talentos da comunicação esportiva. Jovens estudantes têm usado o livro como referência para o início da tão sonhada carreira.
Em segundo lugar, porque alguns colegas mais experientes, tanto do microfone como da câmera de vídeo, utilizam o Manual como ferramenta para aprimoramento profissional com as dicas e observações do livro.
Por fim, porque o Manual foi adotado como livro didático em 2012 pelo prestigioso Senac-SP, instituição formadora de grandes talentos em todas as áreas. Vale dizer que, desde o ano 2000, os estudantes do Senac participam do curso pioneiro de narração esportiva em rádio e TV criado por mim e que o livro foi inspirado nas apostilas desse curso.
Para comemorar tudo isso, o Manual sai agora em versão de livro eletrônico, pronto para ser levado em seu tablet ou smartphone.
Neste e-book o leitor ganha dois capítulos extras atualizados: um sobre a revolução da web e das novas mídias, denominado A era do rádio e da televisão acabou! (Agora trabalhamos em plataformas)
; e o segundo sobre O narrador multimídia e o consumidor de informações
, que reflete as significativas transformações que ocorreram desde o lançamento do Manual até os tempos digitais. Detalhe: as mudanças aconteceram nas duas pontas: do lado de quem fala (o narrador/comunicador) e do lado de quem recebe e consome a informação (o ouvinte/telespectador).
Uma década é tempo suficiente para transformarmos nossas vidas através de novas experiências e de bagagem cultural adquirida em todos os níveis. No meu caso específico, pude cobrir ao vivo grandes eventos esportivos pelos canais Band/BandSports – como Copas do Mundo, Jogos Olímpicos, Fórmula Indy, Torneio de Roland Garros – que se somaram a outras experiências colhidas quando trabalhei nos canais ESPN, SporTV e TV Cultura.
São pelas observações e estudos profissionais, que divido agora com você, que acredito ser um sonhador. Vivemos de sonhos, mas queremos que nossos ideais se transformem e se materializem. Quase todos os companheiros passaram pelas mesmas fases e imaginaram que, um dia, poderiam trabalhar nas melhores emissoras de rádio ou TV do país. Todos, sem exceção.
Se você começou a ler este texto, é bem provável que tenha sido motivado por algum interesse específico, pelo desejo de aprimorar suas técnicas de trasmissão ou porque precisa de um empurrãozinho
para abraçar a profissão.
A boa notícia é que eis aí uma carreira promissora, fascinante, surpreendente (os superlativos são propositais, pois quem gosta da profissão costuma usar muitos adjetivos para defini-la!). E sabe por quê? Porque lidamos com emoção, vibração e empolgação o tempo todo, à flor da pele. Seja na hora da vitória ou da derrota; da conquista ou da desclassificação; de uma ultrapassagem alucinante, de um acidente mortal ou de um gol espetacular. Tudo pode acontecer num cenário sem script.
E há um segredo a revelar, que nos torna muito especiais em nossas escolhas: os narradores esportivos são curiosos, querem saber sempre mais, como verdadeiros repórteres. Somos testemunhos vivos da história, e, quando a contamos pelos microfones e câmeras, fazemos através de uma arte viva, reservada para poucos, a arte do improviso. A cada lance ou jogada de efeito, a cada gol bonito, a cada título, a cada movimento dos atletas, ficamos extasiados, como participantes da competição. Portanto, se você é metódico, sistemático e gosta de monotonia, esqueça a profissão. Ela é feita para curiosos.
Na metade da década de 1990, quando comecei a colocar no papel as ideias que seriam transformadas em apostilas do primeiro curso de narração esportiva do Senac, e possivelmente do país, não imaginava que a atividade profissional de narrador em rádio e TV mudasse tanto e tão rapidamente.
Naquela época, o rádio ainda desfrutava de enorme prestígio, e os locutores esportivos eram verdadeiras estrelas pop
do microfone. Até os anos 1980, uma das grandes diversões do torcedor era ir ao estádio e levar o radinho de pilhas para ouvir o jogo com seu narrador favorito e acompanhar de pertinho as jogadas.
Para o torcedor que ia ao Pacaembu – e tinha a sorte de se sentar nas tribunas cobertas do tradicional estádio –, o encantamento acontecia ao reparar que, misturado ao público, estava seu maior ídolo irradiando o jogo, ali, no meio do povo! De um lado, num pequeno terraço cercado por um baixo alambrado, ficava o veterano Fiori Gigliotti (1928-2006), da rádio Bandeirantes. Do lado oposto, o garotinho
Osmar Santos (1949-), da Jovem Pan. Ambos usavam uma banqueta e um púlpito, como se fossem cantar uma música estilo bossa-nova, com banquinho e violão, como faziam Tom Jobim e João Gilberto.
Osmar era unanimidade entre os torcedores mais jovens e o público feminino. O narrador – de estilo único – renovou a audiência do veículo, já combalido na época por causa das transmissões da televisão. Ele possuía enorme carisma, capaz de seduzir a todos com muitos bordões, gírias, vinhetas tocadas e cantadas e até replay na hora dos gols. O narrador da Pan formou uma legião de fãs e uma verdadeira escola de jovens narradores, que, assim como eu, seguem em atividade ainda hoje. Em dezembro de 1994, sofreu um gravíssimo acidente de carro numa estrada do interior de São Paulo. Quis o triste destino que Osmar Santos perdesse as aptidões da fala, a joia rara que o consagrou.
Já Fiori Gigliotti – narrador de estilo sóbrio e poético – atraía a atenção dos ouvintes mais velhos. Era ídolo principalmente nas cidades do interior paulista, onde conquistou títulos de cidadania por divulgá-las durante as transmissões. Emocionava a todos com seu quadro Cantinho de saudade
, em que homenageava com crônicas algum jogador do passado. Fiori morreu em 2006. Tanto ele como Osmar Santos são insubstituíveis e tornaram o rádio muito mais pobre quando desligaram seus microfones.
Houve um tempo em que a violência das torcidas não havia afastado a imprensa do grande público, e os púlpitos permaneceram no meio das tribunas do Pacaembu até os locutores não se sentirem mais seguros e protegidos dos torcedores exaltados. Convenhamos, não é muito confortável ao narrador de futebol gritar o gol de um time visitante no meio da torcida do clube da casa.
Hoje, radialistas e jornalistas são obrigados à reclusão em cabines ou espaços exíguos chamados midia area (ou midia position), em balcões com divisórias, usados principalmente nos grandes eventos como a Copa do Mundo. Os púlpitos do Pacaembu marcaram época numa era consagrada e de ouro do rádio.
O próprio torcedor optou por ficar em casa, num ambiente bem mais seguro, trocando as arquibancadas de cimento duro e banheiros químicos pelo conforto do lar. Isso sem contar a falta de bares, restaurantes, estacionamentos etc. na maioria dos estádios do país. Mesmo a construção de novos estádios para a Copa do Mundo no Brasil e da Arena Palmeiras não motivaram o retorno dos torcedores aos estádios.
Além disso, as transmissões na televisão conquistaram o torcedor de sofá
– e principalmente a preferência de quem apenas ouvia os jogos pelo radinho – com dezenas de câmeras, replays e melhor qualidade de imagem. Quando a TV Bandeirantes se transformou no Canal do Esporte
na década de 1980, e, anos mais tarde, foram inauguradas as emissoras 100% esportivas nos canais pagos, veio a tal revolução da TV.
Para o torcedor, um cardápio variado de atrações, num apertar de botões do controle remoto. Para os locutores, a abertura de mercado, com um leque enorme de possibilidades de trabalho. Todos os jogos e campeonatos – dos esportes mais variados – estavam ali, para quem quisesse assistir. O movimento fez com que surgissem narradores e comentaristas especialistas.
O público também se especializou e ficou mais exigente. Afinal de contas, é ele quem paga pelo serviço na TV por assinatura e hoje se recusa a aceitar profissionais de microfone mal-informados ou desatualizados.
Do ponto de vista tecnológico, a internet transformou o código de comunicação da humanidade. O fenômeno – inimaginável até a chegada do novo milênio – interligou todas as pessoas do planeta numa teia, em tempo real. Grandes portais, sites, blogs, redes sociais e aplicativos encurtaram todas as distâncias a serem percorridas.
Com a democratização do uso, as pessoas passaram a ser protagonistas de um espetáculo de infinitas possibilidades, como se fizessem parte do Show de Truman¹. Todos podem (e querem) aparecer narcisicamente nos vídeos e selfies, se exibir ao mundo, se mostrar, pois, a imagem, agora, se sobrepõe aos outros sentidos.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936-) escreve em A civilização do espetáculo que na tradição cultural o discurso falado, lembrado e escrito foi a espinha dorsal da consciência. Agora, a palavra está cada vez mais subordinada à imagem
. O ser humano – curioso por natureza – quer dar uma espiadela em tudo, num estranho processo de voyeurismo coletivo, a qualquer preço. Corre-se o risco da banalização do ego.
Os portais da internet – capazes de transmitir textos, fotos, arquivos de áudio e vídeo – foram capazes de unir todas as linguagens (que antes estavam restritas aos jornais, rádios e TV), num único local, na tal da convergência.
Os smartphones – a grande invenção de Steve Jobs – possibilitam que qualquer pessoa, a qualquer tempo, conte, escreva, descreva, informe, busque, baixe, fotografe e filme o que bem entender. As mídias sociais e os aplicativos – garantem os especialistas – são a imprensa do terceiro milênio.
O processo tem ajudado nas coberturas jornalísticas, tornando-as bem mais simples e eficazes e substituindo a parafernália técnica das emissoras de rádio e televisão. Com um simples smartphone você pode fazer uma cobertura internacional, gravando, editando e transmitindo para o mundo todo, em tempo real.
Também entraram em cena as webRadios e webTVs (chamadas de internet TV), que passaram a cobrir os grandes eventos esportivos. O processo criou outro fenômeno: o de aglutinação de mídias, em que os veículos de comunicação tradicionais (pagos ou abertos) passaram a se reunir em conglomerados batizados de plataformas.
Assim, o profissional de rádio e televisão teve que se transformar num rastreador do novo consumidor de informações, um seguidor das mídias sociais, um ser participativo, que utiliza armas mais modernas e poderosas, como o smartphone, o tablet ou o PC, com seus inúmeros aplicativos. Esse sujeito letal pode estar parado ou em movimento, sabe-se lá onde. Batizei-o de LOTS, uma mistura de leitor, ouvinte, telespectador e seguidor (das mídias sociais). Darei mais detalhes nos capítulos extras e atualizados.
Quanto a você, querido companheiro de atuais ou futuras transmissões esportivas, esteja preparado para novos voos, pois agora é um narrador multimídia, o comunicador da nova era. Sendo assim, minha missão aqui é ajudá-lo a se preparar para o que der e vier. E, mais uma vez, faço questão de frisar: apesar de a concorrência ser maior do que em tempos passados, o mercado nunca esteve tão aberto e aquecido, aguardando novidades. Eu disse novidades
: novas emissoras (das mais variadas mídias), eventos esportivos em profusão e de ótima qualidade e busca por talentos carismáticos e criativos. E que esse possa ser... você!
Espero que goste dessa versão eletrônica e atualizada do Manual dos locutores esportivos. Boa leitura e muitos gols na sua vida!
1 Show de Truman (Truman Show), filme de 1998 dirigido por Peter Weir e protagonizado por Jim Carrey, mostra pela TV – para bilhões de lares no mundo – a vida de Truman Burbank, desde que nasceu. Ele não sabe que está vivendo na realidade virtual construída por um programa de televisão, transmitido 24 horas por dia. O diretor do show – Christof (Ed Harris) – controla todos os aspectos da vida do personagem, como mudanças repentinas no gigantesco cenário, alterações do clima (chuva e sol, dia e noite, quente e frio) e ações dos cidadãos que trabalham como protagonistas do espetáculo mundial. Tudo pela audiência. Tudo vai bem, até o dia em que Truman descobre a farsa e passa a tentar fugir para o mundo real, porque sente que está correndo verdadeiro risco de vida.
O Poder da Mensagem
Eu sou o rádio
Meu nome é rádio, minha mãe é dona Ciência, meu pai é Marconi. Sou descendente longínquo do telégrafo, sou o pai da televisão. Fisicamente sou um ser eletrônico. Meu cérebro foi formado por válvulas, minhas artérias são fios por onde corre o sangue das palavras. Meus pulmões são tão fortes que consigo falar com pessoas dos mais distantes pontos deste pequeno planeta chamado Terra. Minha vitamina chama-se quilowatt. Quanto mais quilowatt me dão, mais forte eu fico e mais longe eu falo.
Hoje, graças às baterias que me alimentam, eu posso simultaneamente levar informações aos contrafortes das cordilheiras, às barrancas dos rios, ao interior de veículos que trafegam no centro nervoso das grandes cidades, à beira plácida dos lagos, à cabeceira dos doentes nos hospitais, aos operários nas fábricas, aos executivos nos escritórios, aos idosos que vivem só, e às crianças que só vivem. Eu falo aos religiosos, aos ateus, às freiras, às prostitutas, aos atletas, aos torcedores, aos presos, aos carcereiros, aos banqueiros e devedores. Falo aos estudantes e professores... Seja você quem for, eu chego lá, onde quer que você esteja! Ao meu espírito resolveram chamar ondas
. Eu caminho invisível pelo espaço para oferecer ao povo a palavra, a palavra nossa de cada dia. Mas estou sempre sujeito a cair em tentação e às vezes não consigo me livrar de todo mal.
Quando eu nasci, meu pai me disse que eu tinha uma missão: ajudar a fazer o mundo melhor, entrelaçando os povos de todas as partes deste planeta.
Meu nome é rádio. Eu não envelheço, me atualizo. Material-mente eu sou aperfeiçoado a cada dia que passa. As grandes válvulas do meu cérebro foram substituídas por minúsculos componentes eletrônicos. Os satélites de comunicação, gigantescos engenhos girando na órbita deste planeta, permitem hoje que eu seja mais universal, mais dinâmico e menos complicado, como meu pai Marconi queria que eu fosse. Minha forma técnica tem sido aperfeiçoada a milhares de anos-luz, mas eu acho que, no todo, o meu conteúdo ainda necessita ser burilado e melhorado, e trabalhado e aperfeiçoado. Tenho noção, mas eu já perdi a conta, do número de pessoas que eu ajudei indicando caminho, devolvendo a esperança, anulando a tristeza, conseguindo remédios, sangue, documento perdido, divulgando nascimentos e passatempos. Mas eu não sou tão sério assim como eu posso estar parecendo. Na verdade, um dos meus principais interesses é fazer com que as pessoas vivam mais alegres. Por isso, passo grande parte do meu tempo ensinando as pessoas a cantar e a dançar. Minha grande vontade é a de ser amigo, sempre. O amigo que todos gostariam de ter: útil nas horas sérias, amável nas brincadeiras e responsável, sempre!
No esporte estou sempre em cima do lance: nos dois lados da rede das bolinhas de tênis ou de voleibol... e lá vem bola... na área do futebol... jogou na cesta tô lá! Nadou, pulou, saltou, pegou, virou, driblou... Pode ser no pequeno clube da periferia ou nos grandes estádios olímpicos. Tenho noção de minha força política: com uma notícia que dou, eu posso ajudar a eleger o diretor de um clube ou derrubar um presidente. Entendo minha grande responsabilidade de agente acelerador das modificações sociais. E morro de medo que me transformem em um mentiroso alienador. Sem querer ser vaidoso, eu posso até afirmar que, se eu não tivesse nascido, o mundo não seria o mesmo.
Meu nome é rádio. Eu não quero ser mal-entendido, eu sou apenas um instrumento. Para fazer tudo isso que eu disse que faço, eu preciso de uma equipe, de seres humanos, humanos! Que não tenham medo do trabalho, que entendam de alegria, emoções, fraternidade, que saibam sentir o pulso do campo e o coração da grande cidade. E que tenham noção básica de que tudo aquilo que fazemos é para conquistar ouvidos. O que jamais conseguiremos, se nos esquecermos que a minha existência se deve ao número dos que me ouvem. O rádio vale pelo volume e a qualidade dos seus ouvintes.
Eu podia fazer muito mais, mas às vezes falta dinheiro para fazer tudo o que quero. Eu sei que posso realizar o sonho do meu pai e mudar o mundo para melhor. Outro dia fiquei muito triste quando ouvi um tal de Hélio Ribeiro dizer que eu, o rádio, sou a maior oportunidade perdida de melhorar o mundo
. Eu sou apenas um instrumento. Eu preciso de gente que me entenda, me respeite e que me ajude a cumprir a minha missão. Ah, com alegria, muita alegria se possível!
Eu sou o Rádio
é um texto antológico, escrito e interpretado por Hélio Ribeiro na extinta Rádio Excelsior em 22 de setembro de 1989, no Dia do Rádio. Ele foi resgatado em meus arquivos pessoais, onde as fitas cassetes passaram por um cuidadoso processo de decupagem (foram transcritas), e em 1995 os textos foram mostrados ao seu criador. Hélio não possuía os registros originais dessa joia rara.
O texto é uma ode ao próprio veículo, e chega a ser também um mea-culpa dos comunicadores sociais, onde todos nós deveríamos assumir nossas fraquezas e excessos diante de tanta responsabilidade. Era o que Hélio Ribeiro (1935-2000) sentia no fundo da alma, ele que mais do que ninguém tinha o verdadeiro poder da mensagem.
Foi na Rádio Globo que trabalhamos juntos pela última vez, ele apresentando seu programa vespertino, e eu sobrevoando a capital paulista como o Repórter Voador. Hélio dizia que sua criação era uma entidade
, e assim eu podia me esconder atrás de um personagem de histórias em quadrinhos, fazendo um tipo diferente em todas as intervenções a que era chamado. Meu trabalho era fazer uma crônica diária de São Paulo, com a visão de quem olha a grande cidade do alto como um gavião. Antes, havíamos trabalhado juntos na Rádio Gazeta.
José Magnoli (1935-2000) — ou simplesmente Hélio Ribeiro, como era nacionalmente conhecido — foi o mais genial comunicador do rádio. Seus programas eram carregados de entusiasmo e de frases extremamente fortes, que obrigavam seus ouvintes a refletir a fundo. Além do quê, com sua voz poderosa e com sua enorme capacidade criativa, trabalhou durante anos nos estúdios cinematográficos dos Estados Unidos. Sem contar as inúmeras emissoras brasileiras que dirigiu ou como as rádios Bandeirantes, Gazeta, Capital e Globo.
E foi na Rádio Capital, na década de 1970, que criou o Sistema Carrossel
de transmissões de futebol. O plano era o seguinte: três narradores² transmitiam o mesmo jogo como se fosse um jogral poético ou escolar. Cada locutor narrava a partida ao seu estilo, à sua maneira, um de cada vez. A passagem do bastão, digo, do microfone, acontecia como numa prova de revezamento: assim que a bola saía de campo pela linha lateral ou pela linha de fundo, o companheiro assumia a transmissão e seguia narrando a partida.
Outra tática de diferenciação das transmissões da Rádio Capital era a de fazer algo que ainda hoje é comum em emissoras do Sul do país, o esquema pingue-pongue
. Isso acontecia quando dois times considerados de grande apelo popular jogavam no mesmo horário. Então, os narradores eram escalados e acompanhavam simultaneamente duas ou três partidas, com o jogral acontecendo em estádios diferentes. Assim, quando a bola saía no campo do time A
, o outro narrador continuava transmitindo no campo do time B
. Era uma maneira de se agradar a todas as torcidas, e para o