Aproveite milhões de e-books, audiolivros, revistas e muito mais, com uma avaliação gratuita

Apenas $11.99 por mês após o período de teste gratuito. Cancele quando quiser.

Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão
Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão
Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão
E-book424 páginas6 horas

Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O autor faz um retrospecto dos anos 1970 até os dias atuais, mostrando as táticas utilizadas pelos narradores esportivos do rádio e da TV. Traz ainda a biografia dos principais locutores - Pedro Luiz, Fiori Gigliotti, Luciano do Valle, Galvão Bueno entre outros - e a análise do trabalho que eles realizaram ao longo de suas carreiras.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de ago. de 2015
ISBN9788578885229
Manual dos locutores esportivos: Como narrar futebol e outros esportes no rádio e na televisão
Ler a amostra

Relacionado a Manual dos locutores esportivos

Ebooks relacionados

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Manual dos locutores esportivos

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Manual dos locutores esportivos - Carlos Fernando Schinner

    autor

    Prefácio

    Por Mauro Beting

    Defecar regras é característica própria do jornalista — mais que um bom texto, a capacidade de perguntar e argumentar, e a intenção de buscar a melhor versão possível dos fatos. Amamos mandar, procurar, apoquentar, interrogar, gritar, e quase todo verbo conjugado no imperativo. Menos ensinar, trocar ideias e experiências, bater bola. Comunicar.

    Um jornalista humilde (uma contradição em termos) que busca aprender e — acredite! — tenta ensinar é como encontrar uma velha Remington em uma redação moderna. É peça rara. Carlos Fernando não é uma máquina de escrever usada. Mas sabe escrever como máquina. E soube usar o que aprendeu nas looooongas horas à frente do microfone (e na vida toda grudado no rádio e vidrado na televisão) para organizar um livro que ninguém ainda havia escrito. Ou porque não sabia; ou porque não queria; ou porque não há jeito de contar como se conta um espetáculo esportivo.

    Se marcar um gol como Pelé é difícil, imagine narrar um dos seus 1.281 gols. Como descrevê-lo? Como superá-lo? Como narrar o inenarrável?

    Aliás, é locutor ou é narrador? Nem o nome se define. Como definir a profissão? Como descrever Pedro Luiz, Édson Leite, Fiori Gigliotti, Osmar Santos e José Silvério? Luciano do Valle e Galvão Bueno? Ary Barroso e Waldir Amaral? José Carlos Araújo e Doalcey Bueno de Camargo? Como? Quem? Quando? E todas as perguntas que fazemos e não sabemos responder — e que os senhores do controle remoto respondem perguntando: quanto?...

    Carlos Fernando tenta. E entra em campo para ajudar você a estar na lista acima. Uma seleção digna da imprensa brasileira, e do esporte que ela tenta descrever. Se ainda erramos quando não damos bola aos outros esportes, o Manual abre o jogo e as emissoras para eles. A nossa mono(in)cultura esportiva não afeta o trabalho do Cacá, meu amigo e colega há 21 anos, telespectador e ouvinte dele há mais de 26. Um cara que estuda e quer fazer estudar, como devem ser os profissionais de qualquer campo.

    O Manual é dos poucos livros que buscam ensinar o que não se ensina — jornalismo e suas técnicas (que de táticas jornalísticas já estamos cheios). Uma pena. Mas é uma baita pauta, um bom início, uma louvável carta de intenções. Cada jornalista que faça a sua matéria e a sua profissão, buscando ouvir, ver e ler todos os lados. Como o autor. Um dos que aprenderam que, no esporte, só se chuta dentro de campo.

    Mauro Beting, 48, há 25 anos comentando algo com comentários — o futebol brasileiro.

    Apresentação

    Lançado em 2004, o Manual dos locutores esportivos completa sua primeira década feliz da vida. E motivos não faltam para tamanha alegria.

    Primeiro, porque tem cumprido o seu objetivo principal de apoiar e inspirar novos talentos da comunicação esportiva. Jovens estudantes têm usado o livro como referência para o início da tão sonhada carreira.

    Em segundo lugar, porque alguns colegas mais experientes, tanto do microfone como da câmera de vídeo, utilizam o Manual como ferramenta para aprimoramento profissional com as dicas e observações do livro.

    Por fim, porque o Manual foi adotado como livro didático em 2012 pelo prestigioso Senac-SP, instituição formadora de grandes talentos em todas as áreas. Vale dizer que, desde o ano 2000, os estudantes do Senac participam do curso pioneiro de narração esportiva em rádio e TV criado por mim e que o livro foi inspirado nas apostilas desse curso.

    Para comemorar tudo isso, o Manual sai agora em versão de livro eletrônico, pronto para ser levado em seu tablet ou smartphone.

    Neste e-book o leitor ganha dois capítulos extras atualizados: um sobre a revolução da web e das novas mídias, denominado A era do rádio e da televisão acabou! (Agora trabalhamos em plataformas); e o segundo sobre O narrador multimídia e o consumidor de informações, que reflete as significativas transformações que ocorreram desde o lançamento do Manual até os tempos digitais. Detalhe: as mudanças aconteceram nas duas pontas: do lado de quem fala (o narrador/comunicador) e do lado de quem recebe e consome a informação (o ouvinte/telespectador).

    Uma década é tempo suficiente para transformarmos nossas vidas através de novas experiências e de bagagem cultural adquirida em todos os níveis. No meu caso específico, pude cobrir ao vivo grandes eventos esportivos pelos canais Band/BandSports – como Copas do Mundo, Jogos Olímpicos, Fórmula Indy, Torneio de Roland Garros – que se somaram a outras experiências colhidas quando trabalhei nos canais ESPN, SporTV e TV Cultura.

    São pelas observações e estudos profissionais, que divido agora com você, que acredito ser um sonhador. Vivemos de sonhos, mas queremos que nossos ideais se transformem e se materializem. Quase todos os companheiros passaram pelas mesmas fases e imaginaram que, um dia, poderiam trabalhar nas melhores emissoras de rádio ou TV do país. Todos, sem exceção.

    Se você começou a ler este texto, é bem provável que tenha sido motivado por algum interesse específico, pelo desejo de aprimorar suas técnicas de trasmissão ou porque precisa de um empurrãozinho para abraçar a profissão.

    A boa notícia é que eis aí uma carreira promissora, fascinante, surpreendente (os superlativos são propositais, pois quem gosta da profissão costuma usar muitos adjetivos para defini-la!). E sabe por quê? Porque lidamos com emoção, vibração e empolgação o tempo todo, à flor da pele. Seja na hora da vitória ou da derrota; da conquista ou da desclassificação; de uma ultrapassagem alucinante, de um acidente mortal ou de um gol espetacular. Tudo pode acontecer num cenário sem script.

    E há um segredo a revelar, que nos torna muito especiais em nossas escolhas: os narradores esportivos são curiosos, querem saber sempre mais, como verdadeiros repórteres. Somos testemunhos vivos da história, e, quando a contamos pelos microfones e câmeras, fazemos através de uma arte viva, reservada para poucos, a arte do improviso. A cada lance ou jogada de efeito, a cada gol bonito, a cada título, a cada movimento dos atletas, ficamos extasiados, como participantes da competição. Portanto, se você é metódico, sistemático e gosta de monotonia, esqueça a profissão. Ela é feita para curiosos.

    Na metade da década de 1990, quando comecei a colocar no papel as ideias que seriam transformadas em apostilas do primeiro curso de narração esportiva do Senac, e possivelmente do país, não imaginava que a atividade profissional de narrador em rádio e TV mudasse tanto e tão rapidamente.

    Naquela época, o rádio ainda desfrutava de enorme prestígio, e os locutores esportivos eram verdadeiras estrelas pop do microfone. Até os anos 1980, uma das grandes diversões do torcedor era ir ao estádio e levar o radinho de pilhas para ouvir o jogo com seu narrador favorito e acompanhar de pertinho as jogadas.

    Para o torcedor que ia ao Pacaembu – e tinha a sorte de se sentar nas tribunas cobertas do tradicional estádio –, o encantamento acontecia ao reparar que, misturado ao público, estava seu maior ídolo irradiando o jogo, ali, no meio do povo! De um lado, num pequeno terraço cercado por um baixo alambrado, ficava o veterano Fiori Gigliotti (1928-2006), da rádio Bandeirantes. Do lado oposto, o garotinho Osmar Santos (1949-), da Jovem Pan. Ambos usavam uma banqueta e um púlpito, como se fossem cantar uma música estilo bossa-nova, com banquinho e violão, como faziam Tom Jobim e João Gilberto.

    Osmar era unanimidade entre os torcedores mais jovens e o público feminino. O narrador – de estilo único – renovou a audiência do veículo, já combalido na época por causa das transmissões da televisão. Ele possuía enorme carisma, capaz de seduzir a todos com muitos bordões, gírias, vinhetas tocadas e cantadas e até replay na hora dos gols. O narrador da Pan formou uma legião de fãs e uma verdadeira escola de jovens narradores, que, assim como eu, seguem em atividade ainda hoje. Em dezembro de 1994, sofreu um gravíssimo acidente de carro numa estrada do interior de São Paulo. Quis o triste destino que Osmar Santos perdesse as aptidões da fala, a joia rara que o consagrou.

    Já Fiori Gigliotti – narrador de estilo sóbrio e poético – atraía a atenção dos ouvintes mais velhos. Era ídolo principalmente nas cidades do interior paulista, onde conquistou títulos de cidadania por divulgá-las durante as transmissões. Emocionava a todos com seu quadro Cantinho de saudade, em que homenageava com crônicas algum jogador do passado. Fiori morreu em 2006. Tanto ele como Osmar Santos são insubstituíveis e tornaram o rádio muito mais pobre quando desligaram seus microfones.

    Houve um tempo em que a violência das torcidas não havia afastado a imprensa do grande público, e os púlpitos permaneceram no meio das tribunas do Pacaembu até os locutores não se sentirem mais seguros e protegidos dos torcedores exaltados. Convenhamos, não é muito confortável ao narrador de futebol gritar o gol de um time visitante no meio da torcida do clube da casa.

    Hoje, radialistas e jornalistas são obrigados à reclusão em cabines ou espaços exíguos chamados midia area (ou midia position), em balcões com divisórias, usados principalmente nos grandes eventos como a Copa do Mundo. Os púlpitos do Pacaembu marcaram época numa era consagrada e de ouro do rádio.

    O próprio torcedor optou por ficar em casa, num ambiente bem mais seguro, trocando as arquibancadas de cimento duro e banheiros químicos pelo conforto do lar. Isso sem contar a falta de bares, restaurantes, estacionamentos etc. na maioria dos estádios do país. Mesmo a construção de novos estádios para a Copa do Mundo no Brasil e da Arena Palmeiras não motivaram o retorno dos torcedores aos estádios.

    Além disso, as transmissões na televisão conquistaram o torcedor de sofá – e principalmente a preferência de quem apenas ouvia os jogos pelo radinho – com dezenas de câmeras, replays e melhor qualidade de imagem. Quando a TV Bandeirantes se transformou no Canal do Esporte na década de 1980, e, anos mais tarde, foram inauguradas as emissoras 100% esportivas nos canais pagos, veio a tal revolução da TV.

    Para o torcedor, um cardápio variado de atrações, num apertar de botões do controle remoto. Para os locutores, a abertura de mercado, com um leque enorme de possibilidades de trabalho. Todos os jogos e campeonatos – dos esportes mais variados – estavam ali, para quem quisesse assistir. O movimento fez com que surgissem narradores e comentaristas especialistas.

    O público também se especializou e ficou mais exigente. Afinal de contas, é ele quem paga pelo serviço na TV por assinatura e hoje se recusa a aceitar profissionais de microfone mal-informados ou desatualizados.

    Do ponto de vista tecnológico, a internet transformou o código de comunicação da humanidade. O fenômeno – inimaginável até a chegada do novo milênio – interligou todas as pessoas do planeta numa teia, em tempo real. Grandes portais, sites, blogs, redes sociais e aplicativos encurtaram todas as distâncias a serem percorridas.

    Com a democratização do uso, as pessoas passaram a ser protagonistas de um espetáculo de infinitas possibilidades, como se fizessem parte do Show de Truman¹. Todos podem (e querem) aparecer narcisicamente nos vídeos e selfies, se exibir ao mundo, se mostrar, pois, a imagem, agora, se sobrepõe aos outros sentidos.

    O escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936-) escreve em A civilização do espetáculo que na tradição cultural o discurso falado, lembrado e escrito foi a espinha dorsal da consciência. Agora, a palavra está cada vez mais subordinada à imagem. O ser humano – curioso por natureza – quer dar uma espiadela em tudo, num estranho processo de voyeurismo coletivo, a qualquer preço. Corre-se o risco da banalização do ego.

    Os portais da internet – capazes de transmitir textos, fotos, arquivos de áudio e vídeo – foram capazes de unir todas as linguagens (que antes estavam restritas aos jornais, rádios e TV), num único local, na tal da convergência.

    Os smartphones – a grande invenção de Steve Jobs – possibilitam que qualquer pessoa, a qualquer tempo, conte, escreva, descreva, informe, busque, baixe, fotografe e filme o que bem entender. As mídias sociais e os aplicativos – garantem os especialistas – são a imprensa do terceiro milênio.

    O processo tem ajudado nas coberturas jornalísticas, tornando-as bem mais simples e eficazes e substituindo a parafernália técnica das emissoras de rádio e televisão. Com um simples smartphone você pode fazer uma cobertura internacional, gravando, editando e transmitindo para o mundo todo, em tempo real.

    Também entraram em cena as webRadios e webTVs (chamadas de internet TV), que passaram a cobrir os grandes eventos esportivos. O processo criou outro fenômeno: o de aglutinação de mídias, em que os veículos de comunicação tradicionais (pagos ou abertos) passaram a se reunir em conglomerados batizados de plataformas.

    Assim, o profissional de rádio e televisão teve que se transformar num rastreador do novo consumidor de informações, um seguidor das mídias sociais, um ser participativo, que utiliza armas mais modernas e poderosas, como o smartphone, o tablet ou o PC, com seus inúmeros aplicativos. Esse sujeito letal pode estar parado ou em movimento, sabe-se lá onde. Batizei-o de LOTS, uma mistura de leitor, ouvinte, telespectador e seguidor (das mídias sociais). Darei mais detalhes nos capítulos extras e atualizados.

    Quanto a você, querido companheiro de atuais ou futuras transmissões esportivas, esteja preparado para novos voos, pois agora é um narrador multimídia, o comunicador da nova era. Sendo assim, minha missão aqui é ajudá-lo a se preparar para o que der e vier. E, mais uma vez, faço questão de frisar: apesar de a concorrência ser maior do que em tempos passados, o mercado nunca esteve tão aberto e aquecido, aguardando novidades. Eu disse novidades: novas emissoras (das mais variadas mídias), eventos esportivos em profusão e de ótima qualidade e busca por talentos carismáticos e criativos. E que esse possa ser... você!

    Espero que goste dessa versão eletrônica e atualizada do Manual dos locutores esportivos. Boa leitura e muitos gols na sua vida!


    1 Show de Truman (Truman Show), filme de 1998 dirigido por Peter Weir e protagonizado por Jim Carrey, mostra pela TV – para bilhões de lares no mundo – a vida de Truman Burbank, desde que nasceu. Ele não sabe que está vivendo na realidade virtual construída por um programa de televisão, transmitido 24 horas por dia. O diretor do show – Christof (Ed Harris) – controla todos os aspectos da vida do personagem, como mudanças repentinas no gigantesco cenário, alterações do clima (chuva e sol, dia e noite, quente e frio) e ações dos cidadãos que trabalham como protagonistas do espetáculo mundial. Tudo pela audiência. Tudo vai bem, até o dia em que Truman descobre a farsa e passa a tentar fugir para o mundo real, porque sente que está correndo verdadeiro risco de vida.

    O Poder da Mensagem

    Eu sou o rádio

    Meu nome é rádio, minha mãe é dona Ciência, meu pai é Marconi. Sou des­cen­den­te lon­gín­quo do telé­gra­fo, sou o pai da televi­são. Fisicamente sou um ser ele­trô­ni­co. Meu cére­bro foi for­ma­do por vál­vu­las, ­minhas arté­rias são fios por onde corre o san­gue das pala­vras. Meus pul­mões são tão for­tes que con­si­go falar com pes­soas dos mais dis­tan­tes pon­tos deste peque­no pla­ne­ta cha­ma­do Terra. Minha vita­mi­na chama-se quilo­watt. Quanto mais quilo­watt me dão, mais forte eu fico e mais longe eu falo.

    Hoje, gra­ças às bate­rias que me ali­men­tam, eu posso simul­ta­nea­men­te levar infor­ma­ções aos con­tra­for­tes das cor­di­lhei­ras, às bar­ran­cas dos rios, ao inte­rior de veí­cu­los que tra­fe­gam no cen­tro ner­vo­so das gran­des cida­des, à beira plá­ci­da dos lagos, à cabe­cei­ra dos doen­tes nos hos­pi­tais, aos ope­rá­rios nas fábri­cas, aos exe­cu­ti­vos nos escri­tó­rios, aos ido­sos que vivem só, e às crian­ças que só vivem. Eu falo aos reli­gio­sos, aos ateus, às frei­ras, às pros­ti­tu­tas, aos atle­tas, aos tor­ce­do­res, aos pre­sos, aos car­ce­rei­ros, aos ban­quei­ros e deve­do­res. Falo aos estu­dan­tes e pro­fes­so­res... Seja você quem for, eu chego lá, onde quer que você este­ja! Ao meu espí­ri­to resol­ve­ram cha­mar ondas. Eu cami­nho invi­sí­vel pelo espa­ço para ofe­re­cer ao povo a pala­vra, a pala­vra nossa de cada dia. Mas estou sem­pre sujei­to a cair em ten­ta­ção e às vezes não con­si­go me ­livrar de todo mal.

    Quando eu nasci, meu pai me disse que eu tinha uma mis­são: aju­dar a fazer o mundo ­melhor, entre­la­çan­do os povos de todas as par­tes deste pla­ne­ta.

    Meu nome é rádio. Eu não enve­lhe­ço, me atua­li­zo. Material-mente eu sou aper­fei­çoa­do a cada dia que passa. As gran­des vál­vu­las do meu cére­bro foram subs­ti­tuí­das por minús­cu­los com­po­nen­tes ele­trô­ni­cos. Os saté­li­tes de comu­ni­ca­ção, gigan­tes­cos enge­nhos giran­do na órbi­ta deste pla­ne­ta, per­mi­tem hoje que eu seja mais uni­ver­sal, mais dinâ­mi­co e menos com­pli­ca­do, como meu pai Marconi que­ria que eu fosse. Minha forma téc­ni­ca tem sido aper­fei­çoa­da a milha­res de anos-luz, mas eu acho que, no todo, o meu con­teú­do ainda neces­si­ta ser buri­la­do e melho­ra­do, e tra­ba­lha­do e aper­fei­çoa­do. Tenho noção, mas eu já perdi a conta, do núme­ro de pes­soas que eu aju­dei indi­can­do cami­nho, devol­ven­do a espe­ran­ça, anu­lan­do a tris­te­za, con­se­guin­do remé­dios, san­gue, docu­men­to per­di­do, divul­gan­do nas­ci­men­tos e pas­sa­tem­pos. Mas eu não sou tão sério assim como eu posso estar pare­cen­do. Na ver­da­de, um dos meus prin­ci­pais inte­res­ses é fazer com que as pes­soas vivam mais ale­gres. Por isso, passo gran­de parte do meu tempo ensi­nan­do as pes­soas a can­tar e a dan­çar. Minha gran­de von­ta­de é a de ser amigo, sem­pre. O amigo que todos gos­ta­riam de ter: útil nas horas ­sérias, amá­vel nas brin­ca­dei­ras e res­pon­sá­vel, sem­pre!

    No espor­te estou sem­pre em cima do lance: nos dois lados da rede das boli­nhas de tênis ou de volei­bol... e lá vem bola... na área do fute­bol... jogou na cesta tô lá! Nadou, pulou, sal­tou, pegou, virou, dri­blou... Pode ser no peque­no clube da peri­fe­ria ou nos gran­des está­dios olímpicos. Tenho noção de minha força polí­ti­ca: com uma notí­cia que dou, eu posso aju­dar a ele­ger o dire­tor de um clube ou der­ru­bar um pre­si­den­te. Entendo minha gran­de res­pon­sa­bi­li­da­de de agen­te ace­le­ra­dor das modi­fi­ca­ções ­sociais. E morro de medo que me trans­for­mem em um men­ti­ro­so alie­na­dor. Sem que­rer ser vai­do­so, eu posso até afir­mar que, se eu não tives­se nas­ci­do, o mundo não seria o mesmo.

    Meu nome é rádio. Eu não quero ser mal-enten­di­do, eu sou ape­nas um ins­tru­men­to. Para fazer tudo isso que eu disse que faço, eu pre­ci­so de uma equi­pe, de seres huma­nos, huma­nos! Que não ­tenham medo do tra­ba­lho, que enten­dam de ale­gria, emo­ções, fra­ter­ni­da­de, que sai­bam sen­tir o pulso do campo e o cora­ção da gran­de cida­de. E que ­tenham noção bási­ca de que tudo aqui­lo que faze­mos é para con­quis­tar ouvi­dos. O que ­jamais con­se­gui­re­mos, se nos esque­cer­mos que a minha exis­tên­cia se deve ao núme­ro dos que me ouvem. O rádio vale pelo volu­me e a qua­li­da­de dos seus ouvin­tes.

    Eu podia fazer muito mais, mas às vezes falta dinhei­ro para fazer tudo o que quero. Eu sei que posso rea­li­zar o sonho do meu pai e mudar o mundo para ­melhor. Outro dia ­fiquei muito tris­te quan­do ouvi um tal de Hélio Ribeiro dizer que eu, o rádio, sou a maior opor­tu­ni­da­de per­di­da de melho­rar o mundo. Eu sou ape­nas um ins­tru­men­to. Eu pre­ci­so de gente que me enten­da, me res­pei­te e que me ajude a cum­prir a minha mis­são. Ah, com ale­gria, muita ale­gria se pos­sí­vel!

    Eu sou o Rádio é um texto anto­ló­gi­co, escri­to e inter­pre­ta­do por Hélio Ribeiro na extin­ta Rádio Excelsior em 22 de setem­bro de 1989, no Dia do Rádio. Ele foi res­ga­ta­do em meus arqui­vos pes­soais, onde as fitas cas­se­tes pas­sa­ram por um cui­da­do­so pro­ces­so de decu­pa­gem (foram trans­cri­tas), e em 1995 os tex­tos foram mos­tra­dos ao seu cria­dor. Hélio não pos­suía os regis­tros ori­gi­nais dessa joia rara.

    O texto é uma ode ao pró­prio veí­cu­lo, e chega a ser tam­bém um mea-culpa dos comu­ni­ca­do­res ­sociais, onde todos nós deve­ría­mos assu­mir nos­sas fra­que­zas e exces­sos dian­te de tanta res­pon­sa­bi­li­da­de. Era o que Hélio Ribeiro (1935-2000) sen­tia no fundo da alma, ele que mais do que nin­guém tinha o ver­da­dei­ro poder da men­sa­gem.

    Foi na Rádio Globo que tra­ba­lha­mos jun­tos pela últi­ma vez, ele apre­sen­tan­do seu pro­gra­ma ves­per­ti­no, e eu sobre­voan­do a capi­tal pau­lis­ta como o Repórter Voador. Hélio dizia que sua cria­ção era uma enti­da­de, e assim eu podia me escon­der atrás de um per­so­na­gem de his­tó­rias em qua­dri­nhos, fazen­do um tipo dife­ren­te em todas as inter­ven­ções a que era cha­ma­do. Meu tra­ba­lho era fazer uma crô­ni­ca diá­ria de São Paulo, com a visão de quem olha a gran­de cida­de do alto como um ­gavião. Antes, havía­mos tra­ba­lha­do jun­tos na Rádio Gazeta.

    José Magnoli (1935-2000) — ou sim­ples­men­te Hélio Ribeiro, como era nacio­nal­men­te conhe­ci­do — foi o mais ­genial comu­ni­ca­dor do rádio. Seus pro­gra­mas eram car­re­ga­dos de entu­sias­mo e de fra­ses extre­ma­men­te for­tes, que obri­ga­vam seus ouvin­tes a refle­tir a fundo. Além do quê, com sua voz pode­ro­sa e com sua enor­me capa­ci­da­de cria­ti­va, tra­ba­lhou duran­te anos nos estú­dios cine­ma­to­grá­fi­cos dos Estados Unidos. Sem con­tar as inú­me­ras emis­so­ras bra­si­lei­ras que diri­giu ou como as ­rádios Bandeirantes, Gazeta, Capital e Globo.

    E foi na Rádio Capital, na déca­da de 1970, que criou o Sistema Carrossel de trans­mis­sões de fute­bol. O plano era o seguin­te: três nar­ra­do­res² trans­mi­tiam o mesmo jogo como se fosse um ­jogral poé­ti­co ou esco­lar. Cada locu­tor nar­rava a par­ti­da ao seu esti­lo, à sua manei­ra, um de cada vez. A pas­sa­gem do bas­tão, digo, do micro­fo­ne, acon­te­cia como numa prova de reve­za­men­to: assim que a bola saía de campo pela linha late­ral ou pela linha de fundo, o com­pa­nhei­ro assu­mia a trans­mis­são e ­seguia nar­ran­do a par­ti­da.

    Outra táti­ca de dife­ren­cia­ção das trans­mis­sões da Rádio Capital era a de fazer algo que ainda hoje é comum em emis­so­ras do Sul do país, o esque­ma pin­gue-pon­gue. Isso acon­te­cia quan­do dois times con­si­de­ra­dos de gran­de apelo popu­lar joga­vam no mesmo horá­rio. Então, os nar­ra­do­res eram esca­la­dos e acom­pa­nha­vam simul­ta­nea­men­te duas ou três par­ti­das, com o ­jogral acon­te­cen­do em está­dios dife­ren­tes. Assim, quan­do a bola saía no campo do time A, o outro nar­ra­dor con­ti­nua­va trans­mi­tin­do no campo do time B. Era uma manei­ra de se agra­dar a todas as tor­ci­das, e para o

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1