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Cartas Para Você
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Cartas Para Você

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About this ebook

Após sofrermos a perda irreparável de um ente querido, a fase de luto pode ser, muitas vezes, dolorosa. Externizar os sentimentos na medida do possível é, sem dúvida, uma forma ideal para enfrentar essa difícil fase. Cartas para você é uma árdua e corajosa tentativa de superação. Em formato de diário, a autora desabafa, de modo cativante, toda a sua trajetória de vida, incluindo a época da perda de seu pai, e a incessante busca por aceitação, para, enfim, rumar novos horizontes e reencontrar a alegria de viver.
LanguagePortuguês
Release dateSep 21, 2015
ISBN9788542803785
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    Cartas Para Você - Duda Razzera

    Ao meu herói, meu coaching,

    meu melhor amigo: meu pai, Jorge Razzera.

    Agradecimentos

    Aminha mãe e minha irmã, Margareth e Aline Razzera, que me apoiaram durante todo o processo de escrita deste livro, sempre me incentivaram a continuar e acreditaram no meu talento.

    Sem elas eu não estaria onde estou hoje e não conseguiria escrever metade do que escrevi.

    A minha vó Ceres, sem ela o meu sonho não teria se concretizado.

    Ao meu namorado, que foi o primeiro a ler este livro e me fez acreditar que tudo é possível.

    Aos meus amigos, que me ajudaram a construir esta história.

    Prefácio

    Quando eu tinha dezenove anos e estava sentada na minha cama como uma alucinada, chorando por causa do fim do meu namoro de um ano e meio, achando que eu nunca mais conseguiria ser feliz, meu pai disse para mim:

    – Filha, vai passar. Terminar um namoro é como perder alguém. Sofremos por um tempo e depois nos acostumamos.

    Eu concordei com meu pai, porque ele sempre estava certo.

    Quase três anos depois, descobri, do jeito mais difícil, que meu pai se enganou: levar um pé na bunda nem se compara a perder alguém. Lembrando meus dias de treva por causa do meu ex-namorado idiota – que, diga-se de passagem, não merecia nem um pingo do meu sofrimento! – até me sinto ridícula.

    O dia em que meu pai faleceu, sem dúvida alguma, foi o pior dia dos meus vinte e dois anos, e nem depois de sete meses a dor diminuiu.

    Uns me dizem que é hora de seguir em frente; outros me dizem que ainda é muito cedo. Passei por tantos estágios de luto que já nem consigo contar. Tento enquadrá-los nos números e nomes que os especialistas dão em livros de autoajuda e fico perdida.

    Todo dia meu pai morre de novo, e eu passo pela negação, raiva, barganha e depressão. A aceitação ainda não apareceu por aqui.

    Tenho vontade de virar para ela e dizer:

    – Quem sabe você dá uma passadinha aqui em casa? Estou precisando, querida. Não aguento mais essa montanha-russa diária em que me encontro. Pode ser ou tá difícil?

    Minha psicóloga diz que eu tenho de escrever, por isso estou aqui. Ela diz que ajuda, mas não sinto nada diferente. Fico imaginando se alguém por aí está se sentindo como eu me sinto agora e, quem sabe, talvez, eu não me sinta tão sozinha.

    Sei que minha história não é melhor nem pior que a de ninguém, mas ela é minha. E tanta coisa aconteceu nestes sete meses... Penso que, se você tiver um tempinho, querida Aceitação, contarei a você. Quem sabe depois de ler este projeto autobiográfico você mude de ideia e passe aqui em casa.

    Capítulo 1

    Querida Aceitação,

    Depois que eu li As vantagens de ser invisível fiquei com vontade de escrever cartas. Aliás, eu sempre gostei de escrever cartas quando eu era mais nova. Guardo todas as que recebi até hoje!

    Não sei bem o porquê, mas esse livro me tocou de um jeito impressionante. Acho que é pela empatia que eu senti pelo personagem principal. Eu me sinto um pouco como ele, ainda que por motivos diferentes.

    O fato é: sinto que cartas são chiques, dramáticas e despretensiosas. E eu me sinto assim: embora mais dramática do que chique e despretensiosa.

    Explicado o motivo de minha escolha – nem um pouco criativa, eu sei –, começarei contando um pouco da minha vida de novela mexicana. Acredite, Aceitação, você vai ver o quanto minha vida é mexicana. Bem emocionante, eu arriscaria dizer. Não que seja algo extraordinário que eu ache que você queira ler, mas o caso é que fiz uma promessa pro meu pai: eu iria escrever a história dele com a minha mãe. E nada melhor do que começar pelo início, ou seja, a história antes de mim. Porque sem ela, convenhamos, eu não estaria aqui; e não estaria doendo tanto.

    Então, vamos lá: era uma vez um estudante de engenharia elétrica e administração, 21 anos, gordinho, cabelos cacheados, extremamente inteligente e tímido, filho caçula de uma funcionária pública e um professor de matemática e física, irmão de uma interesseira e um destrambelhado (você vai entender mais tarde, querida amiga) e, muito importante, de uma família de classe média alta e católica.

    Esse estudante, meu pai, obviamente, trabalhava em um escritório e lá conheceu minha mãe: uma secretária de 21 anos, magrinha, cabelos lisos e escorridos, extremamente extrovertida e cativante, filha caçula de uma dona de casa e um sapateiro, irmã de uma alma maravilhosa – que hoje está junto com o meu pai no Céu – e, muito importante, de uma família humilde e Testemunhas de Jeová.

    Essa poderia ser muito bem uma combinação para o desastre, mas não foi. Porque eu estou aqui e minha irmã mais velha também. Só que foi difícil.

    Dificuldade número 1: Minha mãe foi demitida porque o dono da empresa era amigo da família, e a família do meu pai não a aceitava.

    Dificuldade número 2: Quando finalmente meus avós paternos aceitaram minha mãe e meus pais foram se casar depois da formatura do meu pai, com 24 anos (minha irmã já existia então), minha mãe foi expulsa da religião e ninguém foi ao casamento. Minha avó materna (meu avô faleceu quando minha mãe tinha 18 anos) ficou na porta da igreja, mas não entrou.

    Dificuldade número 3: Meu pai é demitido da empresa e fica desolado (quando meus pais eram noivos ainda, só para esclarecer).

    Dificuldade número 4: Meu pai consegue um emprego bom de novo, e ele e minha mãe se casam. Depois de dizer sim e partir para a lua de mel, meu pai fica com as mãos e os pés inchados e, ao voltar para casa, descobre que está com câncer.

    Dificuldade número 5: A luta contra o câncer começa. Meu pai tira o baço, faz radioterapia em todos os locais onde há gânglios linfáticos. Os cabelos caem no travesseiro, todo mundo chora... Enfim, o ritual maldito que é essa batalha.

    Dificuldade número 6: O câncer de meu pai entra em remissão. Eles esperam nove anos para ter um filho e eu apareço na história (finalmente!). Meu pai decide abrir uma empresa em Florianópolis, e, quando eu faço um ano, nós três sofremos um acidente de carro, e eu praticamente quebro meu pescoço. Era para eu ter ficado tetraplégica ou morrido; então, pode-se dizer que meu anjo da guarda é hardcore.

    Dificuldade número 7: Demora um tempo para descobrirem o que tem de errado comigo, mas finalmente tudo dá certo e eu volto a andar. E a vida é linda (com seus contratempos naturais) até o meu pai fazer 40 anos e eu ter 10 anos. Meu pai sofre dois ataques cardíacos e perde praticamente todo o lado esquerdo do coração. Ele quase morre, mas eu e meu pai temos sete vidas, como ele sempre deixou bem claro.

    Dificuldade número 8: Após toda a reabilitação cardíaca, a vida segue seu fluxo novamente. A empresa do meu pai é pioneira em Santa Catarina, tudo está dando certo... Até que uma empresa que não deve ser nomeada resolve sacanear meu pai (corrupção é uma merda!), e ele declara falência.

    Dificuldade número 9: Meu pai ainda está debilitado e prestes a perder tudo o que a gente tem. Em uma atitude desesperada de um pai de família, pede ajuda para minha tia. Meu tio tem uma empresa que não vale nada e a família deles mal sobrevive; por que não unir o útil ao agradável? A vida segue mais uma vez, até meu pai ter que fazer outra intervenção cirúrgica para colocar uma ponte de safena e uma mamária. Eu tinha 17 anos e havia acabado de entrar na universidade.

    Dificuldade número 10: Meu tio vira um inferno. Não mostra as contas da empresa pro meu pai, falta dinheiro, e não entendemos por quê. Meu pai convive com isso durante anos, até que, quando eu faço 21 anos, o médico anuncia que meu pai terá que trocar a válvula numa cirurgia bem arriscada.

    Não preciso dizer o que acontece depois, né, Aceitação? Acho que você consegue ter uma ideia.

    Eu não contei nem de longe tudo pelo que minha família passou – se contar só das coisas pelas quais eu passei já daria um livro, o que dirá de nós quatro. Mas foi só para você ter uma ideia do quão difícil foi para os meus pais conseguirem viver o amor deles, e mesmo assim nunca desistiram.

    Meus pais ficaram casados por quase 30 anos e tiveram duas filhas razoáveis, em minha opinião. A nossa vida era linda. Meu pai amava minha mãe de um jeito que filme de amor nenhum já conseguiu mostrar, e minha mãe era tão dedicada a meu pai que era de dar inveja a qualquer pessoa. Eles são meu casal favorito e de muita gente que eu conheço.

    E uma simples carta é pouco para eu expressar a imensidão desse amor. Então, para não correr o risco de não fazer jus ao que realmente foi o casamento dos meus pais – porque isso, na verdade, só eles sabem –, eu termino essa carta dizendo que você nunca verá um amor mais puro e sincero, nunca verá opostos tão complementares, nunca verá uma amizade mais companheira e uma relação mais honesta. Meu pai e minha mãe tiveram um amor que muita gente nem vai chegar a conhecer, um amor que transcende passado, presente ou futuro, por mais clichê que isso possa parecer. Meus pais juntos foram únicos, e eu só rezo a Deus para conhecer alguém que um dia me complete assim também.

    Capítulo 2

    Querida Aceitação,

    Apesar de estar um sol de rachar lá fora, o mundo está cinza. Assim como no dia em que meu pai foi enterrado.

    Lembro perfeitamente como o dia foi frio, cinzento e melancólico. Apenas quando terminaram de enterrar meu pai, as nuvens se abriram no céu e um raio único de sol apareceu, como que dando boas-vindas ao meu pai. Obviamente, eu sempre soube que ele seria bem recebido no céu. Meu pai era, de fato, um anjo.

    Ao escrever esta carta, penso no quanto a minha letra é feia e como eu não sei escrever em linha reta. Duas coisas de que meu pai sempre reclamou, a ponto de comprar para mim um caderno de caligrafia! Dignidade zero para mim – porque eu já era velha.

    Hoje combinei de tomar um café com uma amiga e ao tentar escolher meu look do dia só consegui pensar no quanto é difícil me arrumar sem meu pai aqui. A única opinião em que confio é a dele. Minha irmã reclama demais, e minha mãe reclama de menos. O senso de moda dele era no qual eu mais confiava. Não que eu não saiba me arrumar, mas ele me ajudava no toque final, na personalidade da minha roupa.

    O pior de tudo, entretanto, não é o toque final. O meu terror são as camisas. Eu tenho uma paixão por camisas desde que estagiei num banco. Só que eu não sei dobrar os punhos; era meu pai que fazia isso para mim. Minha mãe não dobra como eu quero, e minha irmã tenta me ensinar a dobrar, o que, se você quer saber, me irrita profundamente porque eu nunca consigo e ela podia dobrar para mim! Ou não?

    Você não pode simplesmente deixar de aparecer aqui porque me recuso a dobrar meus punhos sozinha, não é mesmo, Aceitação? Não me venha com a mesma ladainha da minha psicóloga dizendo que isso faz parte do processo: fazer as coisas diferente de como você costumava fazer com seu pai.

    Eu não quero fazer as coisas de um jeito diferente; só quero voltar a me sentir como antes. Já me sinto diferente o bastante. Essa sensação de que nada mais vai ser como antes me corrói por dentro, e eu nem consigo chorar de tão alucinada que estou.

    Penso novamente em minha caligrafia e falta de coordenação motora. Meu pai ficava mal-humorado ao corrigir meus exercícios com letras e números bizarros e minhas tentativas patéticas de cortar o pão de trigo em rodelas. Dependendo do nível de mau humor, ou ele dizia que eu tinha que aprender a cortar sozinha ou cortava para mim. Às vezes acho que meu pai sempre ficou dividido entre me prender e me largar para o mundo. Mas na maioria das vezes ele cortava o pão, passava a manteiga e colocava para torrar e outras vezes até inventava umas firulas a mais.

    É ridículo como um simples pão consegue me deixar deprimida. Não gosto de me sentir assim; é como se meus dias fossem passando sem eu nem perceber. E isso me incomoda. Tudo passa cinzento e sem graça. Às vezes eu melhoro, mas então algo ou alguém me coloca para baixo e eu nem sei explicar direito por quê.

    Como vai ser meu aniversário? Nós sempre comemoramos juntos porque só tem um dia de diferença. Eu adorava aniversários, e agora...

    Às vezes não parece verdade que ele morreu. É algo surreal. Eu me pergunto como as pessoas conseguem passar por isso sem surtar ou se perder no meio do caminho. Penso em um cara com quem eu fiquei – alguém que ainda é muito especial para mim, que perdeu a mãe. Ela cometeu suicídio, na verdade. Como ele conseguiu ser a pessoa que é hoje? Vejo uma tristeza nos olhos dele, mas ele é uma boa companhia. E eu, definitivamente, não me sinto uma boa companhia. Gostaria de saber o que ele fez, mas não tenho coragem de perguntar porque sei como dói.

    É como se eu ainda pudesse sentir a parede do hospital contra as minhas costas enquanto eu deslizava por ela no corredor. Quando o médico nos contou, primeiro eu gritei, surtei, parei de respirar e depois saí correndo. Também consigo me lembrar do último beijo que eu dei em meu pai: foi na testa, porque ele já tinha feito a assepsia para a cirurgia. Ele me olhou meio sonolento e sorriu. Aquele sorriso de hospital que eu já conhecia desde os meus 10 anos. Um sorriso fraco por causa dos efeitos dos remédios, mas com aquele olhar que ele tinha.

    Ah, o olhar daquele homem, Meu Deus! Ele tinha um olhar, né, Georgia?, foi

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