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Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: Exclusão, Imprensa e Poder
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Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: Exclusão, Imprensa e Poder

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O livro intitulado Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão, imprensa e poder, discute, por meio da História Oral e recortes de jornais de época, a trajetória de experiências de lutas e de sobrevivência dos trabalhadores rurais da cana circunscritos no campo da produção do setor sucroalcooleiro, em usinas de açúcar e álcool do interior paulista.

Sob as perspectivas da história e imprensa, de processos trabalhistas e da História Oral, a obra em apreço evidencia os arranjos e rearranjos nas relações entre política regional, experiências de trabalho, produção em larga escala e poder político no mundo do agronegócio.

Preenche, decerto, lacunas nem sempre acidentais, desvendando práticas, representações e apropriações ao revelar ocultamentos e ambiguidades. Propõe por intermédio da História Oral a análise das interfaces da compreensão que os trabalhadores rurais da cana detinham sobre a implementação da tecnologia em larga escala no setor sucroalcooleiro paulista, lócus de tensão e poder com fulcro na substituição do corte manual da cana pelo corte mecanizado. Desvela, também, o engajamento político dos trabalhadores rurais da cana em alguns momentos da obra, sem negligenciar a trajetória de vida, diferentes práticas sociais, estratégias de ação política e formas de sobrevivência no complexo "mundo do trabalho".
LanguagePortuguês
Release dateMay 17, 2019
ISBN9788547325916
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: Exclusão, Imprensa e Poder

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    Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias - Antonio Alves Bezerra

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para meus pais,

    Abílio Alves Bezerra e Maria José da C. Bezerra,

    pela lição de vida, de aprendizagem e de humanidade.

    Eterna gratidão!

    AGRADECIMENTOS

    Sou grato à professora doutora Maria Izilda Santos de Matos pela orientação segura e afetuosa ao longo do desenvolvimento da dissertação que deu origem a este livro.

    Sou grato, também, às professoras doutoras Célia Reis Camargo e Tania Regina de Luca, que me iniciaram no exercício da pesquisa histórica ainda no curso de graduação em História, na UNESP, campus de Assis, em nível de Iniciação Cientifica.

    Igualmente, agradeço às professoras doutoras Marcia M. D’Alessio (Unifesp/Guarulhos), Célia Reis Camargo (UNESP/Assis) e Maria Aparecida de Moraes Silva (UFSCar), pelas valiosas observações no exame de qualificação e defesa da dissertação, minha eterna gratidão!

    De forma fraterna, agradeço ao professor doutor Candido Moreira Rodrigues, da Ufmt e ao professor Marcos Paulo dos Santos da SEE/SP, com quem mantive diálogos significativos ao longo da pesquisa, tendo oferecido importantes contribuições desde a coleta de dados até a finalização do trabalho, obrigado pela parceria!

    À Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, pela concessão da bolsa que financiou integralmente a pesquisa em nível de mestrado que deu origem a este livro.

    Aos colegas de turma, com quem pude socializar tantos saberes ao longo da caminhada, especialmente, Elizabete B. Tamas e Fabiana Scoleso, assim como os professores do Programa com quem pude dividir muitas incertezas ao longo da pesquisa.

    Agradeço aos trabalhadores rurais da cana que tornaram possível compreender um pouquinho de seu laborar e de suas experiências de lutas por meio de suas falas, ingrediente necessário para trilhar caminhos ainda pouco conhecidos.

    De forma mais que especial, manifesto eterna gratidão e amor a minha companheira, Valdirene Machado Bezerra e aos nossos filhos, Marco Antonio e João Pedro, assim como aos meus familiares, especialmente ao Silvio Morais Bezerra, pela alegria de viver e desejo de continuar lutando por um mundo possível!

    O açúcar

    O branco açúcar que adoçará meu café

    nesta manhã de Ipanema

    não foi produzido por mim

    nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

    Vejo-o puro

    e afável ao paladar

    como beijo de moça, água

    na pele, flor

    que se dissolve na boca.

    Mas este açúcar

    não foi feito por mim.

    Este açúcar veio

    da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.

    Este açúcar veio

    de uma usina de açúcar em Pernambuco

    ou no Estado do Rio

    e tampouco o fez o dono da usina.

    Este açúcar era cana

    e veio dos canaviais extensos

    que não nascem por acaso

    no regaço do vale.

    Em lugares distantes, onde não há hospital

    nem escola,

    homens que não sabem ler e morrem de fome

    aos 27 anos

    plantaram e colheram a cana

    que viraria açúcar.

    Em usinas escuras,

    homens de vida amarga

    e dura

    produziram este açúcar

    branco e puro

    com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

    (GULLAR, f. 1980)

    PREFÁCIO

    Este livro, intitulado Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: exclusão, imprensa e poder, escrito pelo professor do Departamento de História da Universidade Federal de Alagoas Antonio Alves Bezerra, sugere, à primeira vista, um estudo denso e detalhado do avanço do processo de modernização do setor sucroalcooleiro com o consequente aumento da exclusão social e econômica dos trabalhadores rurais, expulsos do trabalho do campo pela acentuação do desemprego, causado especialmente pela introdução desses maquinários e pela tecnologia embarcada a esses equipamentos. Nesse ponto, considero que o autor cumpriu com precisão interpretativa e analítica seu objetivo.

    Contudo, considero que seu texto vai mais além: assume o aspecto da denúncia militante, comprometida com as condições de vida e trabalho sob o qual os segmentos mais vulneráveis da sociedade são obrigados a se submeter para continuarem existindo socialmente, tecendo um relato dramático das relações sociais no campo, que persistem em razão de um verdadeiro consócio exploratório das oligarquias canavieiras com os grandes meios de comunicação e os detentores do poder de Estado. Esse consórcio, unificado em torno da manutenção dos lucros derivados da exploração do trabalho humano, da ação predatória da natureza e da subjugação das pessoas no Oeste Paulista, dadas as circunstâncias e conforme os relatos documentais e orais desse texto, são questões que, sem dúvida, guardam estreita semelhança com a realidade dos trabalhadores boias-frias de qualquer outro lugar do país. Essa característica, aliás, confere a esse texto uma feição importante no tocante à representação das questões sociais mais amplas do cotidiano dos trabalhadores rurais no país.

    Insisto nesse último ponto. As condições precárias de trabalho com suas jornadas intensas, o descaso com os meios de transportes dos operários rurais, o papel dos meios de comunicação de massa na mistificação do real e na manipulação dos fatos, a negligência com a frequência dos acidentes de trabalho, a dupla jornada de trabalho das mulheres, a exploração da mão de obra dos menores, a resistência dos movimentos sindicais, dentre outras, são aspectos que podem ser facilmente verificados em qualquer localidade de exploração do trabalho agrícola em qualquer lugar do Brasil, daí sua importância para, a partir do local, da investigação de uma análise específica, realizar as aproximações historiográficas com outras realidades semelhantes.

    A valorização da realidade singular por meio dos registros documentais e orais colabora com a compressão global da problemática da acumulação capitalista nas economias com um acentuado perfil primário-exportadora, em que os agentes históricos preferenciais são oriundos da classe oprimida, invertendo os termos clássicos privilegiados pelas teorias positivistas sempre que pretendiam abordar as relações conflituosas entre capital e trabalho. Mesmo quando as fontes documentais produzidas pelas classes dominantes são usadas como referências, a exemplo dos grandes jornais, servem ao autor mais como ferramentas metodológicas de problematização das situações examinadas concretamente do que propriamente como comprovação insuspeita de verificação dos fatos.

    Conforme demonstra Antonio Bezerra, o desenvolvimento das lavouras de exportação, como a soja e o arroz, e da cana-de-açúcar para a produção de álcool exigia produção em larga escala com baixos custos, exigindo a modernização rápida da agricultura com recursos subsidiados pelo Estado, que também flexibiliza e ignora os direitos trabalhistas no campo, ainda que em alguns momentos adote posições fiscalizatórias (geralmente tímidas) contra os patrões em favor dos empregados, como no caso dos problemas ligados ao transporte dos trabalhadores. Ou seja, a maximização das taxas de lucro do sistema capitalista intensifica a exploração da mais-valia da classe trabalhadora (responsável pela geração da riqueza socialmente produzida) e exclui ainda mais o conjunto da população dos bens gerados, aumentando a distância secular entre os primeiros e os últimos, reforçando a relação parasitária entre classe dominante e classe dominada.

    Seguindo as pistas do paradigma indiciário trilhado por Carlo Ginzburg, no qual o que importa é o resgate dos elementos ignorados em virtude da sua aparente pouca importância para a compreensão da totalidade, Bezerra, por meio dos relatos orais das suas personagens revela um universo de perseguições, extrema exploração socioeconômica, esperanças improváveis e, sobretudo, o cotidiano de uma classe de trabalhadores que encontram força e perseverança para prosseguir com sua sofrível jornada, apesar dos obstáculos resultantes de contradições da realidade e determinações sociais que lhes escapam à percepção imediata, mas que nem por isso faz com que eles se dobrem aos seus desígnios nada divinos.

    Embora seu autor não tenha manifestado explicitamente essa perspectiva, a contribuição deste livro para História Social, notadamente para a História Operária, é inegável no sentido mencionado anteriormente, de resgate da história contada a partir dos excluídos,daquele que não dispõem de condições próprias de contar sua própria história, de narrar sua versão dos fatos. Neste livro, as grandes questões políticas, as intrigas dos centros de poder, os extraordinários feitos governamentais estão certamente ausentes, como convém ao trabalho de um historiador comprometido com as questões sociais e com os excluídos. Por outro lado, a vida dos trabalhadores rurais, seus desafios, suas angústias, seus sonhos e a sua capacidade de resistência encontraram um intérprete intelectualmente competente e politicamente engajado.

    O fato deste trabalho se ater à experiência histórica dos trabalhadores rurais que labutam nos canaviais do Oeste Paulista pode parecer aos mais desavisados que estão ausentes das suas páginas uma síntese histórica mais global, uma interpretação mais ampla da totalidade histórica por daquela formação social específica; uma leitura mais atenta, porém, demonstrará o contrário: as particularidades descritas neste texto prontamente acompanhadas de argutas análises do autor comprovam que, para além das impressões iniciais, as sínteses históricas mais amplas estão plenamente visíveis por meio do conhecimento e da problematização dos fatos e personagens pesquisados por Antonio Bezerra, que a partir das suas histórias singulares, exibem um mosaico representativo das grandes contradições sociais, econômicas e políticas do nosso tempo.

    Por fim, ao autor amigo Antonio Bezerra, parabéns pelo trabalho. Este livro irá certamente colaborar para a compressão da história dos trabalhadores rurais brasileiros, com recorte para os canavieiros do estado de São Paulo que, embora seja o estado mais rico da federação, ostentando um capitalismo dinâmico e modernizante, por isso mesmo revela suas profundas contradições econômicas e sociais, em que a desigualdade social é a regra na medida em que se distancia do centro desse sistema econômico. Aos leitores, desejo uma excelente leitura.

    Professor Dr. Jailton de Souza Lira

    Presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas

    Professor do Centro de Educação/UFAL

    Maceió, Alagoas, agosto de 2018.

    APRESENTAÇÃO

    Os quatro primeiros anos da década de 1960 do século XX têm início com tensões e conflitos no que tange às políticas públicas agrárias. Esse período pode ser observado como um momento significativo para se pensar as questões sociais, econômicas e políticas da história brasileira. Notadamente, Toledo (1997) faz atentar que o ato de fazer política no período em questão, deixava de ser exclusividade daqueles que ocupavam os espaços do Parlamento e do Poder Executivo, passando tais ações políticas a se reverberarem, também, em outros espaços sociais, sobretudo nos espaços das fábricas, das ruas e dos quarteis.¹

    Destarte, o setor agrário destaca-se a partir da consolidação do Estatuto do Trabalhador Rural sob a Lei n.o 4.214, de 2 de março de 1963, e da aplicação gradativa do Estatuto da Terra sob a Lei n.o 4.504, de 30 de novembro de 1964, seguido da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), instituído pelo Decreto n.o 76.593, de 14 de novembro de 1975. Nesse momento, o governo aspirava a ampliação dos parques sucroalcooleiros em todo o Brasil, concretizando de fato a implantação de centenas de usinas de açúcar e álcool em todo o País, assim como a expansão das áreas canavieiras em todo o território propício a cultura canavieira.² Essas ocorrências possibilitaram às usinas pesquisadas no interior paulista,³ situadas na região de Assis, interior de São Paulo, a se tornarem um cenário passível de transformações agrícola, mas também um palco de tensões sociais envolvendo trabalhadores rurais da cana.

    Notadamente as tensões envolvendo os trabalhadores rurais cognominados de boias-frias⁴ e seu processo de exclusão do mercado de trabalho são os eixos temáticos propostos para reflexão nesta obra.⁵ Reportando-me aos primeiros anos da década de 60, salienta-se que o complexo agroindustrial Usina Nova América, no ano de 1962, transformou-se num cenário de conflitos envolvendo os trabalhadores rurais do corte manual da cana, bem como proprietários da usina, fato esse que teve uma repercussão maior pela forma com que os trabalhadores foram tratados ao retornarem em seus alojamentos. Essa se torna uma das possibilidades para considerar a década de 60 como um marco inicial de transformação e inserção de outros requisitos, para que as usinas em foco assumissem a postura de agroindústria voltando-se para o desenvolvimento do agronegócio, que, segundo Flávia Gubert (et. al., 2016, p. 1), explicitam que a conceituação de

    [...] agronegócio pode ser compreendido como a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção na unidade de produção, do armazenamento, do processamento e da distribuição dos produtos agrícolas e dos itens produzidos por meio deles.

    Alves (1991, p. 7), alerta que nesse momento o processo de modernização da agricultura será chamado de perverso ou conservador, devido às características que ele assume em relação à concentração fundiária, ao êxodo rural, e à concentração da renda [...].

    Dessa maneira, torna-se premente as tensões no setor sucroalcooleiro a partir dessa década, observado na obra em apreço como um marco para se entender os possíveis desdobramentos no campo, inclusive a problemática do desemprego, um dos principais tópicos abordados nesse livro.

    Para ampliar e fundamentar a reflexão sobre essas tensões nos espaços das usinas no recorte temporal (de 1960 a 2000)⁸, recorreu-se a uma bibliografia especializada a respeito das mais diversas questões referentes à agricultura e à cultura canavieira no Brasil. Nesse processo, a figura do trabalhador rural boia-fria foi tomada como ponto de partida para a discussão no espaço das usinas. Posteriormente, nota-se que o termo boia-fria se refere ao trabalhador rural, que leva sua alimentação em marmita, caldeirão ou panelas para as refeições, seja nos canaviais ou em outros tipos de cultura no âmbito rural. Nessa perspectiva, revela que, atualmente, o cognome boia-fria encontra-se em desuso nas regiões agrícolas de São Paulo e na região de Assis com mais intensidade, assim como em outras partes do País onde a cultura canavieira se faz presente, como o estado de Alagoas, por exemplo.

    Nesse aspecto, recorreu-se também às informações produzidas pela imprensa escrita (jornais), além dos recursos da História Oral, com objetivo de refletir sobre as razões que levaram ao desaparecimento não apenas do cognome boia-fria, mas o desaparecimento gradativo do próprio trabalhador rural. Dessa forma, Ferreira e Delgado, destacam o significado de se utilizar a História Oral enquanto

    [...] método de pesquisa que produz uma fonte especial, tem se revelado um instrumento importante no sentido de possibilitar preservação e melhor compreensão da memória coletiva e dos processos de construção de identidades de grupos ou indivíduos nas sociedades.

    Em face disso, a obra encontra-se organizada em quatro seções: a primeira intitulada Tramas de poder: território e usinas, objetiva explicitar, discutir e problematizar as características do espaço ocupado por duas usinas produtoras

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