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Tiradentes: Cidade Singular e Romântica
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Tiradentes: Cidade Singular e Romântica

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Neste livro, você é convidado a caminhar pelas ruas, atalhos, largos, praças, ladeiras e vias de Tiradentes. Esta é a melhor forma de se conhecer uma cidade, sobretudo histórica. Pois, assim, quem a visita se familiariza com as pessoas do lugar, seus costumes, casas e edificações; e com os locais onde acontecem suas atividades e os eventos comuns ou históricos.

O premiado Miguel Aun, com suas lindas fotos; o pesquisador e especialista em arte e patrimônio histórico Olinto Rodrigues dos Santos Filho, com ricas informações; e o jornalista Francisco (Chico) Brant, com descrições levantadas também in loco, o levam a percorrer Tiradentes e, principalmente, o seu núcleo antigo.

E aos poucos você passa a usufruir a arquitetura e arte das igrejas e edificações, a bela e verde paisagem natural, com sua montanha azulada. Além de se deleitar com vizinhanças aprazíveis, acolhedoras pousadas, bons festivais, artesanatos, passeios, audições e criações gastronômicas.

É só ler este livro, para você se lembrar da beleza e da história dessa cidade mineira especial, com mais de 300 anos; e a ela querer voltar sempre. E saber porque Tiradentes é uma "cidade singular e romântica", assim definida há quase 200 anos!

LanguagePortuguês
Release dateJun 27, 2019
ISBN9788590950110
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    Book preview

    Tiradentes - Francisco Brant

    Capítulo 1

    1. História, Arte, Natureza, Lazer

    Foto de Tiradentes 2281

    "Singular e romântica". Foi com estas palavras que o médico e capelão Reverendo Robert Walsh resumiu a sua impressão sobre a Vila de São José del-Rei (atual Tiradentes), quando visitou o Brasil entre 1828 e 1829. Em 2018 a cidade completou 300 anos, mas ainda merece a percepção que o visitante inglês teve da beleza acolhedora e lírica da antiga e delicada vila mineira.

    Foto de Tiradentes 2282

    Tiradentes se estende entre a Serra de São José e o Rio das Mortes, que corre num amplo vale. A montanha emoldura e protege a cidade com linda cortina de quartzito cor azul-chumbo, que se alonga por 12 quilômetros até o município de Prados, numa altitude próxima de 1.300 metros acima do nível do mar.

    Foto de Tiradentes 2274

    Um século depois da fundação da vila em 1718, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire também a visitou e a descreveu em Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil, com igual encantamento: Dos montes que, do lado oposto à vila, margeiam o vale descortina-se vista muito agradável. Morros que fazem parte da serra de S. José apresentam sumidades arredondadas, enquanto os flancos, quase a pique e uniformes, formam altas muralhas de rochedos enegrecidos onde crescem, aqui e acolá, alguns arbustos. Abaixo dessas montanhas vê-se a Vila S. José, dominada pela igreja paroquial [a Matriz de Santo Antônio], próximo a qual fica o principal grupo de casas. Outras habitações, cercadas de bananeiras, cafeeiros e laranjeiras, existem esparsas no vale; mais longe se acham vastas minerações e, enfim, abaixo da vila corre o Rio das Mortes, com leito cheio de curvas e sinuosidades.

    De fato, a Serra e a Matriz, respectivamente com a imponência da natureza e a do engenho humano, fazem contraponto entre si. Ao mesmo tempo se integram na bela e bucólica paisagem natural e no conjunto colonial da cidade, que ocupa um lugar ímpar no patrimônio histórico brasileiro. Apesar de já haver completado 300 anos de fundação, Tiradentes atual deve guardar bastante semelhança com o que foi no passado menos remoto. Não se veem mais, porém, as escavações e rejeitos das minerações de ouro, nem edificações antigas que decaíram em ruínas a partir de meados do século 19, por causa da exaustão das jazidas do precioso metal e do empobrecimento econômico.

    Foto de Tiradentes 544

    Final da Rua do Chafariz e início da Rua da Câmara

    Bem mais tarde que as impressões deixadas pelos visitantes estrangeiros, a graciosidade do lugar permanecia. Em 1976 o arquiteto Sylvio de Vasconcellos, renomado professor da UFMG e especialista em arte barroca e cultura mineira, já falecido, pôde também defini-la com lirismo. Apaixonado preservacionista do patrimônio histórico mineiro, disse que a Tiradentes é pequenina e arrumadinha (...) quase uma cidade menina.

    Reproduzidas na abertura do livro Tiradentes: Monumentos Preservados, de Olinto Rodrigues dos Santos Filho, as palavras do respeitado arquiteto mineiro resumem o que ainda é a cidade. Caçula dentre as primeiras vilas coloniais mineiras, Tiradentes é bonita, graciosa e continua menina. Sua história prossegue em ritmo calmo na história de Minas.

    Mal saiu da formação de sua infância e não atingiu plena maturidade, acrescentou Vasconcellos, ao rememorar que a cidade fora rica em ouro e na agricultura, extensa em território, mas não alcançou o prestígio da sua vizinha, a antiga vila e atual município de São João del-Rei.

    Foto de Tiradentes 137

    Origens

    Tiradentes se originou dos achados de ouro ocorridos aproximadamente em 1702 em terras da margem direita do Rio das Mortes. Logo, surgiu o povoado de Santo Antônio, que deu início ao Arraial Velho do Rio das Mortes. Elevado a vila em 19 de janeiro de 1718 pelo terceiro governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, d. Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, Conde de Assumar, a vila se denominou primeiramente São José do Rio das Mortes e, em seguida, São José del-Rei. Em 1860 foi promovida a cidade com esse mesmo nome, e, em 6 de dezembro de 1889, rebatizada como Tiradentes: homenagem que o regime republicano prestou ao mártir da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier.

    Foto de Tiradentes 2277

    Uma vila tinha sob sua jurisdição os termos, como se fossem hoje distritos de um município ou municípios de um estado. Os de São José se estenderam para áreas cada vez mais distantes da sede: até o Rio Paranaíba, na divisa com a Capitania de Goiás, como se verifica dos autos de posse – relata Herculano Velloso em seu livro Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José nos tempos coloniais, publicado pela primeira vez em 1919. Por isso, desde a sua fundação e durante mais de 150 anos, a vila esbarrou na disputa de limites e poder com povoamentos vizinhos, inconformados.

    No início de sua história, o então Arraial Velho, depois Vila de São José del Rei, teve certa supremacia sobre o Arraial Novo, antecessor da vila de São João del-Rei. Durante as primeiras décadas do século 18, São José extraiu mais ouro e teve mais poder. Dentre os povoados das redondezas, Cuiabá e Córrego tinham jazidas mais abundantes do metal, o que se refletia no movimento de negócios, na expressiva população da vila e na sua riqueza.

    Em abril de 1723, por ocasião do lançamento geral dos Quintos Reais que incidiam sobre o número de escravos e lojas, a Vila de São José, diz Herculano Velloso, recolhia 10.855 oitavas e ¼ de ouro mais 120 réis referentes a 3.871 escravos e 78 lojas, enquanto a receita de Vila de São João del-Rei somava 8.933 oitavas de ouro e 40 réis por 3.167 escravos e 66 lojas.

    Seis anos depois, continua Velloso, a Câmara de São José recenseava 5.419 cativos, 17 lojas, 106 vendas e 75 ofícios, pelos quais o Fisco devia arrecadar 8.740 oitavas e ¾ de ouro. Já São João contava 3.448 escravos, 14 lojas, 49 vendas e 44 ofícios, e devia recolher 5.540 oitavas e ¼ mais 12 grãos de ouro. Tais diferenças em vantagem de São José se explicam, ainda segundo o historiador, pelo fato de a sua jurisdição ter maior extensão e compreender maior número de distritos ou freguesias que o de São João, e ter mantido a posse do território definido no auto de criação da vila, de 3 de fevereiro de 1718.

    Embora tenha participado de episódios decisivos da história, como a Guerra dos Emboabas e a Inconfidência Mineira, São José perdeu terreno político ao longo do tempo. No final do século 18 viu se desmembrarem da sua jurisdição os arraiais de São Bento do Tamanduá, (atual Itapecerica), Borda do Campo (hoje Barbacena), Campanha e outros quatro. Todos pertenciam à vasta Comarca do Rio das Mortes, de sertões inóspitos e perigosos, mas produtivos na mineração e na agropecuária. Por isso acabaram elevados à categoria de vila, embora a autoridade e a lei não conseguissem se impor facilmente. Resistiam contra elas homens ricos e poderosos dessas vilas, bem como bandoleiros que se homiziavam nos ermos, então repletos de perigosas matas fechadas e rios caudalosos, como explica a historiadora Carla Maria Junho Anastasia em Geografia do Crime: Violência nas Minas Setecentistas.

    Na passagem da década de 80 para a de 90, no século 18, a economia de São José se declinou por causa dessas emancipações, que resultaram em parte, também, da atuação de conjurados da Comarca em prol da Inconfidência Mineira. Em 1795, segundo Herculano Velloso, apenas a sede da Vila, com 1.727 fogos (residências) tinha 10.926 habitantes, dos quais 9.112 eram maiores; e 1.879, menores. Saint-Hilaire observou que em 1818 o ouro já estava quase esgotado; e, abandonadas quase todas as antigas minerações. Mas chamou atenção para a riqueza que fora extraída das colinas que cercam S. José cavadas e reviradas em todos os sentidos:

    Seus arredores fornecem muito ouro e é de crer-se que este lugar foi de grande importância, para que tão perto de S. João, se criasse outra vila – escreveu o naturalista, ao informar ainda que, um século após a sua fundação, a vila propriamente dita [a sede da jurisdição de São José] contava 12.840 habitantes.

    Na Independência

    Em 1822, graças à atuação política do ex-conjurado José Resende Costa Filho, retornado do exílio na África, a Câmara de São José se alinhou aos são-joanenses no entusiasmo pelo movimento pela separação em relação a Portugal. Tão logo a Independência foi proclamada por d. Pedro I, a Vila comemorou com entusiasmo. Em seu Guia da Cidade de Tiradentes, Olinto Rodrigues dos Santos Filho enumera as celebrações: orações rezadas pelo padre Francisco Rodrigues Fortes; missa Te Deum na Matriz de Santo Antônio; descargas de tiros pelos regimentos de milícias auxiliares, iluminação das casas, apresentação de três óperas e farranchos durante três dias seguidos.

    Entretanto, a decadência econômica se aprofundava como consequência da exaustão do ouro, ainda que a população continuasse expressiva em 1826. Segundo o Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais, de Waldemar de Almeida Barbosa, o censo daquele ano contou 23.937 habitantes em todos os termos da vila, dos quais os escravos eram 9.326 negros e 1.119 pardos; e os livres, 1.630 negros, 5.236 pardos e 6.626 brancos.

    Cinco anos depois, habitavam a sede da vila 3.059 habitantes: 1.181 livres e 1.168 escravos. A atividade econômica se traduzia no número, ainda grande para a época, de 189 fiandeiras, 44 costureiras, 15 mineradores, 11 latoeiros, nove jornaleiros, sete ferreiros, seis negociantes, seis alfaiates, seis ourives, seis carpinteiros, quatro músicos, quatro sapateiros, dois pedreiros, fora diversos outros profissionais: parteira, arquiteto, pintor, cabeleireiro, vendedor. Vê-se que a vila ainda estava próspera, observa o historiador no Dicionário, no qual destaca o fato de esse censo haver registrado as profissões.

    Nas primeiras décadas do século 19 ainda existiam, em São José, 14 lojas, 57 vendas e 5 boticas, 6 advogados, 2 médicos, 10 padres e grande número de mestres de ofício. Mas na metade do século, o ouro praticamente se esgotou, e a vila decaiu mais. A Câmara de São José protestava contra o esvaziamento que a fazia perder até os anciãos. Por seu lado, São João del-Rei progredia: em 1838 foi elevada a cidade e absorveu São José. Passados quatro anos, as duas novamente se aliaram na Revolução Liberal de 1842, lideradas por Manuel Feliciano Pinto Coelho da Cunha, Barão de Cocais; e pelo senador serrano Teófilo Otoni, derrotados, porém, por Duque de Caxias em Santa Luzia, hoje cidade vizinha de Belo Horizonte. A subordinação de São José a São João durou apenas 13 meses, veio a decidir o Imperador d. Pedro II. E em 1860, se tornou cidade.

    Os líderes locais ainda detinham alguma força política e, à custa de muitos protestos, conseguiram recuperar a autonomia em 1849. Mas um ano antes o brilho e o poderio de São José estavam praticamente apagados. Mesmo assim, foi elevada a cidade em 7 de Outubro de 1860. Do final do século 19 restaram como sinais de progresso apenas a navegação a vapor no Rio das Mortes, iniciada em 1880; e a Estrada de Ferro Oeste de Minas, inaugurada por d. Pedro II no ano seguinte e até hoje ativa entre Tiradentes e São João del-Rei, para orgulho de zelosos maquinistas e lazer dos turistas.

    Apesar do seu crescente declínio, a Vila de São José já havia contribuído para a história com muitos filhos e habitantes ilustres: não só vários inconfidentes, mas também diversas personalidades de relevo no cenário cultural e político dos séculos 18 e 19. Dentre eles sobressaíram o alferes Joaquim José da Silva Xavier – cujo berço natal é ainda hoje alvo de disputa entre Tiradentes e São João del-Rei –; o conceituado botânico Frei Veloso, primo do Alferes; o excelente poeta José Basílio da Gama, autor do épico O Uraguai; Estevão Ribeiro de Resende, marquês de Valença, um dos principais suportes de d. Pedro I na proclamação da Independência; Antônio Caetano Villas Boas da Gama, um dos grandes oradores sacros do Brasil Colônia; Basílio de Magalhães, jornalista, historiador, político e exdiretor da Biblioteca Nacional; pintores e vários músicos; e antigos, influentes e ricos cidadãos como Marçal Casado Rotier e João Antônio de Campos.

    Foto de Tiradentes 212

    Uma raridade

    Tiradentes recuperou sua notoriedade somente a partir dos Anos 80 do século 20, graças à sua descoberta pelo turismo contemporâneo. Hoje, é privilegiada dentre as cidades históricas brasileiras, muitas das quais desfiguradas pela desordenada ocupação urbana. Pelo fato de integrar a paisagem natural com um bem conservado patrimônio histórico, artístico, arquitetônico e urbanístico do século 18, Tiradentes constitui raridade no país. Tombados em 1938 pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje IPHAN, o conjunto e quase todas suas principais edificações antigas se acham, hoje, praticamente restaurados.

    No seu antigo núcleo colonial se inclui, por exemplo, o patrimônio representado pela Rua Direita e Rua Padre Toledo, com suas casas baixas, de diferentes tamanhos: algumas com janelas de treliças que já foram antigos exemplares de muxarabiê [grade mourisca de madeira que cobre todo o vão e da qual as mulheres, principalmente, podiam ver a rua sem serem vistas].

    Além do casario, a cidade conta no Centro Histórico com inúmeros monumentos igualmente tombados: a Matriz de Santo Antônio, as igrejas do Rosário, de São João Evangelista e de N. Sra. das Mercês, as capelas de Bom Jesus da Pobreza, São Francisco de Paula, o Santuário de Santíssima Trindade, bem como a Casa do Padre Toledo e o Chafariz de São José, dentre outros.

    Fora do miolo da antiga vila há capelas históricas. E, nos caminhos que contornam os sopés ou transpõem as partes menos elevadas da Serra de São José, ou então acompanham o vale do Rio das Mortes, se alinham propriedades rurais onde funcionam ateliês de arte e artesanato, pousadas e restaurantes.

    Foto de Tiradentes 2268

    Antes e depois

    Pesquisador do IPHAN, lotado no Escritório Técnico do instituto em Tiradentes, e especialista em história regional e arte sacra mineira, Olinto Rodrigues dos Santos Filho, autor do resumo histórico sobre a cidade publicado neste livro e de várias obras, como o conhecido Guia da Cidade de Tiradentes e o recente Tiradentes: Monumentos Preservados, registra as mudanças ocorridas no patrimônio setecentista da vila de São José del-Rei. Segundo ele, a partir de 1860 a decadência econômica passou a deteriorar antigas edificações civis. No ano de 1900 muitas já haviam desabado ou sido demolidas, mas restavam ainda de pé na área urbana 19 sobrados.

    Foto de Tiradentes 356

    Solar da Ponte

    A deterioração cresceu a ponto de a Câmara Municipal publicar, em 1892, a Lei n. 6, que proibiu a demolição de sobrados para aproveitamento do material de construção. Dentre as perdas, o historiador lista as edificações que havia na Rua Direita 184, na Resende Costa 47 e 54, no Largo das Forras 4 e na entrada da Pousada Ponta do Morro.

    Após o tombamento

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