Bile Negra
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About this ebook
Ao contar a história de Iago, um jovem recém-chegado à cidade grande, o livro expõe as questões existenciais de alguém se digladiando com seus próprios vazios. Sob a perspectiva de sessões de terapia, o personagem aos poucos vai expondo suas entranhas repletas de conflitos e emoções em ebulição.
A narrativa conduz o leitor aos cantos mais sombrios da alma, explorando-o através de seus diversos personagens aparecendo na cidade erraticamente ao longo da trama, na medida em que se encontram com o protagonista.
Bile Negra é uma grande sessão de terapia; convida o leitor à reflexão pessoal e partilha as questões existenciais às quais estamos submetidos devido à sociedade na qual vivemos. Iago nos oferece alternativas, algumas erradas outras acertadas, para lidar com esta angústia.
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Book preview
Bile Negra - Alexandre Loch
Capa
Rosto
Alexandre Loch
Bile Negra
TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Logo%20Novo%20Seculo%203.pngSão Paulo, 2014
Créditos
Copyright © 2014 by Alexandre Loch
Copyright © 2014 by Novo Século Editora
All rights reserved
Coordenação Editorial: Letícia Teófilo
Diagramação: Luiz Fernando Chicaroni
Capa: Monalisa Morato
Revisão: Patricia Almeida Murari / Patricia Almeida
Diagramação para Ebook: Luiz Fernando Chicaroni
Texto adequado às normas do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Loch, Alexandre
Bile negra / Alexandre Loch. -- Barueri, SP:
Novo Século Editora, 2014. -- (Talentos da literatura brasileira)
1. Ficção brasileira I. Título II. Série.
14-07737
CDD-869.93
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
2014
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À
NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.
CEA - Centro Empresarial Araguaia II
Alameda Araguaia, 2190 - 11° andar
Bloco A - Conjunto 1111
CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SP
Tel. (11) 3699-7107 - Fax (11) 3699-7323
ISBN: 978-85-428-0330-3
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Dedicatória
A Ana, Carol e Gabi
E a aqueles que padecem da bile negra.
Prólogo
A teoria dos quatro humores foi elaborada inicialmente na Antiguidade, no Egito, mas só ficou realmente conhecida através de Hipócrates de Cós, que a disseminou na Grécia por volta do século 4 a.C. Por ela entendia-se que saúde e doença no ser humano seriam influenciadas pelo equilíbrio de quatro humores (as quatro bílis, ou biles): sangue, fleugma, bílis amarela e bílis negra. A melancolia – do grego mélas ( negro) e cholé (bílis) – e outros estados de angústia seriam resultado do desequilíbrio da bile negra. Desta forma, desde os primórdios da civilização o homem já tinha consciência dos problemas que podiam atingir a mente.
Apesar de a teoria ter mais de dois mil anos de idade, alguns aspectos dela ainda permanecem bastante atuais. Não poderia ser diferente uma vez que os conflitos, as angústias, as questões existenciais do ser humano são inerentes à sua natureza. As sociedades mudam, os países modificam-se, a tecnologia avança, o ser humano evolui, mas os conflitos nunca deixam de existir. Alguém poderia pensar que viver sem conflitos seria o ideal. Mas, se por um lado eles podem gerar desconforto e até doença, quando ultrapassam determinado limiar, por outro, são eles também que nos movem. Os conflitos são em parte nossos motores, e são constituintes importantes de uma vida saudável, desde que saibamos administrá-los e dar adequada dimensão a cada um deles.
Não obstante, como psiquiatra, deparo-me com níveis elevados e patológicos de angústia. Estados melancólicos e angustiosos dos mais diversos tipos e com as mais variadas manifestações são muito comuns hoje em dia. Efeito de estarmos diagnosticando mais ou efeito da sociedade em que vivemos? Este autor, como psiquiatra, defende mais a primeira ideia, mas enquanto filósofo tende mais a acreditar na segunda hipótese. No fundo talvez seja uma mistura dos dois, tendo em vista que a pesquisa científica demonstrou que a urbanicidade
(viver em grandes centros urbanos) é um fator importante no desencadeamento de distúrbios mentais. As cidades crescem, superlotam, abarcam cada vez mais gente, e desta forma mais pessoas adoecem.
Surge daí a ideia de escrever Bile Negra. Tentar colocar no papel um pouco destas vivências, comuns ao homem de hoje em dia, que enfrenta os questionamentos e as situações limites resultantes da vida na sociedade contemporânea. Bile Negra é uma ficção; as histórias aqui relatadas não descrevem qualquer situação particular de pacientes que atendo ou que já tenha atendido. No entanto, os fatos e sentimentos aqui descritos são universais. Mais do que isso, são atemporais, inerentes à natureza própria do ser humano.
Bile Negra é, assim, um convite à reflexão. Sob a perspectiva de seu personagem principal, Iago, tenta trazer à tona os sentimentos mais íntimos de seu ser. Sentimentos estes que comumente dividimos silenciosamente, sem que o saibamos, muitas vezes amedrontados por recear que sejamos os únicos a detê-los.
Parte I - Tormenta
parteI.jpgJá a bile negra, que é naturalmente fria e não se encontra na superfície, estando na condição mencionada anteriormente, liga-se ao corpo, produzindo apoplexia ou torpor, desânimo ou medo. Mas quando ela é superaquecida, ela produz alegria acompanhada por música e frenesi, gera a cicatrização de feridas e assim por diante. Na maioria das pessoas, a bile negra engendrada de seu nutrimento diário não muda o caráter, mas apenas produz uma doença atrabiliária (melancólica).
(Aristóteles. Trabalhos Completos, volume VII, Problemata)
1
01.jpgIsso tudo me dá nojo. Quando olho para trás e vejo o que fiz, sinto asco. Vergonha. Queria nunca ter executado aquilo, queria nunca ter existido aquele momento; queria que aquilo fizesse parte de uma vida alheia, que não a minha. É isso que sinto. Mas isso também não vale.
Porque nestes momentos tudo se corrói. Nestas fases tudo é invalidado, tudo vira mentira, tudo se desmancha e escoa como uma escultura de areia sofrendo com o temporal. É como se eu abrisse, ou alguém abrisse, a tampa de uma pia cheia de água. Tudo começa a esvair-se pelo buraco em uma espiral inexorável, e tudo escoa pelo ralo. Aquele ponto, ali, isolado, na superfície, imperturbado, começa a ser arrastado com tudo à sua volta. Começa a ser contaminado. Ele não consegue ficar ali, quieto, parado, em paz; é arrastado. E tudo fica o mesmo; tudo vira o mesmo, o buraco escuro e nojento do ralo contamina tudo, e deixa tudo igual, negro. Eu não consigo deixar nenhum ponto intacto, não consigo preservar droga nenhuma.
Você está me entendendo? Porque essas coisas são difíceis de falar... São difíceis de descrever... Quanto mais de entender, imagino eu. Às vezes nem eu mesmo entendo; não sei nem por que estou falando isso...
Então, o que eu disse não vale mais, pois tudo é falso. Tudo se torna falso. Tudo vai pelo ralo, mas não porque é seu destino, mas simplesmente porque fora puxado, sugado. Não foi desejo daquele objeto distinto que estava boiando, seguro, de ir para baixo, de ir para o ralo; foi um mero acidente, uma circunstancialidade. E é por isso que digo que não vale. Porque nestas fases, com o ralo aberto, tudo fica contaminado, ilegítimo. Tudo se torna mentira, inválido. E a tendência é achar, de fato, tudo uma porcaria; talvez não devesse olhar para trás neste momento, talvez devesse me focar no aqui e no agora. Talvez devesse preservar um passado que possivelmente foi bom, que provavelmente teve suas boas obras, válidas, de valor.
Se ficar olhando muito para trás, nesta fase, com este olhar crítico, de amargura e de rancor, vou pensar que tudo não passou de uma farsa, de um teatro malfeito, mal-acabado, teatrinho de quinta categoria. O câncer metastatizará para o que já se passou. Se continuar olhando com estes olhos cinzentos, duros e melancólicos, vou descobrir que o hoje é uma mera fatalidade despretensiosa. Vou desvelar que não há sentido em nada, já que tudo o que se passou também não teve sentido. E assim, minando o que já aconteceu, implodo o hoje, e nada restará. Ou melhor, restará, sim, uma coisa: o vazio.
O mais agonizante é que não são momentos; são períodos, épocas. Fases terríveis; parece que o tempo para. Até o dia parece alterar-se, a luminosidade diurna diminui; parece que tudo se recobre de uma densa e espessa neblina. Um eterno e constante anoitecer. Tudo fica então mais distante; as silhuetas ficam mais borradas, é difícil distinguir o contorno de uma pessoa e de outra, de um objeto e de outro, de uma pessoa e de um objeto. As cores perdem a sua vivacidade, a sua vitalidade, parecem aproximar-se todas de um mesmo tom morto, morno, cru. Os sons ficam mais distantes, as pessoas estão mais distantes. Até mesmo aquela que lhe dirige a voz; até mesmo aquela que lhe é mais querida. Não é mais querida, é, agora, indiferente. Os cheiros vão embora; os perfumes, os aromas, os sabores. Vozes abafadas, pessoas indiferentes.
Tudo fica maquinalmente morto, uma angústia calada que não sai, corrói por dentro e tudo mata o que está de fora. Desconexão. Muitas vezes é difícil entender o que estão falando. Mas muitas vezes, a maioria delas, não interessa mesmo o que eles estão falando. O diálogo está aqui dentro, nas ruminações. Um diálogo tenso, repetitivo, melancólico e entediante.
Isso tudo me cansa. Esta conversa sem fim aqui dentro me esgota, suga as minhas energias. O peso é