Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Psicologia e mistério: O desenvolvimento humano
Psicologia e mistério: O desenvolvimento humano
Psicologia e mistério: O desenvolvimento humano
Ebook871 pages9 hours

Psicologia e mistério: O desenvolvimento humano

Rating: 5 out of 5 stars

5/5

()

Read preview

About this ebook

O livro do Padre jesuíta e professor de pscicologia, traz uma proposta de análise dos problemas da educação, visando situá-los e resolvê-los a partir de questões levantadas por educadores. É uma reflexão enriquecedora sobre a deducação, entendida como um progressivo amadurecimento do conhecimento humano.
LanguagePortuguês
PublisherPaulinas
Release dateAug 13, 2019
ISBN9788535645217
Psicologia e mistério: O desenvolvimento humano

Related to Psicologia e mistério

Related ebooks

Anthropology For You

View More

Related articles

Reviews for Psicologia e mistério

Rating: 5 out of 5 stars
5/5

2 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Psicologia e mistério - Franco Imoda

    variedade.

    Capítulo primeiro

    O mistério humano

    "Venho não sei de onde, sou não sei quem...

    vou não sei para onde..." (ditado medieval).

    Muito já se escreveu, direta ou indiretamente, sobre o mistério do ser humano e não é intenção deste capítulo substituir todas estas contribuições ou superar o que já foi produzido.

    Trata-se principalmente de focalizar aqui um tema que não só é fundamental para caracterizar a situação humana, como se revela crucial para abordar o desenvolvimento humano, situando-o em uma perspectiva que não se limite a observações empíricas, mas que ajude a interpretar a contribuição das ciências humanas, em particular aquela da psicologia do profundo, para a compreensão e sobretudo para o desenvolvimento da pessoa tomada em sua complexidade e riqueza.

    Pode acontecer que na obra educativa – que exige responsabilidade de cada indivíduo, não só e sobretudo em relação a si mesmo, mas igualmente em relação aos companheiros desta viagem que é a vida - insista-se alternativamente sobre o ponto de chegada, os fins e os valores a atingir e a realizar ou sobre cada passo isoladamente, de alguma forma perdendo de vista a mediação, a conexão que não só deve existir, mas que de fato existe entre eles.

    Como dizia Kant Os pensamentos sem conteúdo são vazios, as intuições sem conceitos são cegas (1981, p. 94). Na obra educativa, que acompanha o crescimento humano, continuamente corre-se o risco de pregar ao vento, porque os valores, embora em si exatos e bem fundados, acabam por cair no vazio, pois não atingem o coração humano. Ou arrisca-se a procurar dados no infinito como o cego perdido na Floresta escura, perdendo, além de tempo, o rumo. Isto porque cada passo em particular não é orientado na perspectiva de um plano mais geral, no significado, no logos. Um logos que afinal não pode existir separado ou independente daqueles passos isolados, muitas vezes humildes e imperceptíveis, que acontecem no tempo e no espaço.

    Cada pessoa, respondendo ao seu chamado de criatura e de filho de um Pai misericordioso, segue um caminho único e irrepetível. De fato, mesmo com a originalidade maravilhosa de cada um, os caminhos estão já traçados nas suas linhas fundamentais. E cada indivíduo segue de algum modo mais de um, mesmo na sua liberdade impossível de ser suprimida.

    Um destes caminhos é o caminho da aparência, ou da falta (ausência). É a trilha seguida quando e porque se experimenta, pelo viver, que cada realidade tocada, sentida ou vista não é suficiente e não satisfaz, mas cansa, desilude e deixa um vazio. Neste tipo de caminho cada realidade é só aparência e remete, por sua ver, a alguma coisa que é e deve ser eterna, estável, inabalável. O prodigioso abrir-se da vida humana à riqueza do mundo circunstante, como se pode observar no curso do desenvolvimento, é todo ele assinalado pela contínua odisseia de quem deseja sentir, saber, ter e ser mais, não porque o que se recebeu, se tem e se é não tenha valor, mas por não valer o suficiente.

    É a voz da transcendência que mais diretamente repete o som do não, da negação. Entretanto, só pode fazê-lo porque leva em si, como pano de fundo, uma mais profunda e irredutível voz do sim, da afirmação. É o caminho que, no limite, sabe renunciar ao presente, ao imediato, ao prazer do instante ou ao prazer como tal e procura subtrair-se ao tempo para penetrar naquilo que verdadeiramente é, sendo, portanto, eterno. É uma das faces da história humana, uma face da lei do desenvolvimento: para entrar na vida é preciso abandonar o seio materno e com ele tudo aquilo que pertence a este mundo visível e limitado que, em última análise, não existe.

    O caminho da presença, ou da luta pela realidade, ao contrário, é aquele caminho em cujo percurso nunca se crê que a realidade seja exclusivamente aparência, mas, aceitando a limitação e a voz do não, onde se acolhe a presença daquilo que é ofertado e se colhe, ou se toma nas mãos, a realidade que se encontra ou com a qual se confronta.

    Há uma dupla versão deste caminho. Uma, resumida na máxima do carpe diem ou do como é bela a mocidade que, porém, não volta mais! Quem quer ser alegre, seja: do amanhã não se tem certezas (Lorenzo de Medici). Mas do mesmo caminho há também a versão mais séria e trágica do estoico, do herói que vai ao encontro da luta e da morte; a versão da pessoa atormentada e existencialista que, na plena lucidez do sem-sentido, da insignificância ou do absurdo de uma vida que termina com a morte, luta para dar um significado a um fragmento de vida e de universo que por acaso tem nas mãos.

    Movendo-se sobre esta estrada, abandona-se o futuro, mais ou menos distante, à sua função de ilusão e enfrenta-se o presente considerando-o seriamente, talvez com trágica seriedade. A dor é a lei da vida e da realidade e tentar escapar dela seria fugir do real para o mundo da fantasia e da ilusão.

    Se estes dois caminhos são aqui recordados, ainda que esquematicamente, é porque ajudam a aproximação e, mesmo, a completa penetração do mistério humano.

    A via da revelação e do amor, que prodigiosamente consegue realizar as aspirações mais profundas destes dois caminhos, demonstrando a insuficiência de cada um tomado isoladamente, é o caminho de uma fé, a fé crista capaz de aceitar que o presente – o concreto, o temporal e, portanto, também o corpóreo – pode ser o tempo de manifestações do eterno e do absoluto. E o caminho não só de saída, mas de ingresso na realidade

    Se aqui o considerarmos muito rapidamente, não o será por não ser mais importante, mas – embora seja verdadeira, fundamental e, portanto, a única resposta à pergunta do coração humano – por não ser a resposta dada e pacificamente possuída pelos seres humanos. É do fundo deste caminho, considerado como resposta à pergunta a respeito do mistério humano, que toda a ambivalência, fragilidade e precariedade de tal mistério pode emergir.

    Um dos principais fios condutores das reflexões contidas neste livro é a certeza de que, sem uma solução, não há nem mesmo o problema (porque sem solução o problema não é aceito e não emerge: é negado e, ao menos psicologicamente – ou melhor, existencialmente – não existe). Mesmo sem um caminho de saída e um onde ir, não nos sentimos em uma prisão; ainda que o lugar que ocupamos seja apertado e opressivo, podemos nos sentires como na nossa própria casa.¹

    Resta ainda o fato de que este caminho da revelação nos foi dado, está disponível e, no fundo, já nos pertence; mas, conquanto seja tudo isto, ao mesmo tempo não o é. Embora este seja apenas um aspecto do mistério do homem, é talvez o mais profundo.

    Na sequência, apresentamos alguns lugares da manifestação do mistério do homem na tentativa de ilustrar a situação fundamental da pessoa. Neste contexto, o desenvolvimento do ser humano nos interessa e nos interpela sobretudo porque pode – ou não – estar envolvido não apenas em um caminho que vá de A a B, como uma linha unindo dois pontos tomados ao acaso, mas porque não o consegue ou não o quer, no próprio drama da vida humana.

    Drama – mais do que apenas tragédia ou comédia – porque a vida humana, como nos recordam os caminhos acima acenados, está como que suspensa em cada curva, em cada passo até, entre as seguintes possibilidades: de significar uma tragédia total e absurda ou uma irrelevante e ridícula comédia. Assim se entende a vida humana, considerada, ao menos em perspectiva, em toda a sua riqueza ou, em outras palavras, referindo-se ao fundamento último do seu mistério, naquelas que são as dimensões deste mistério: "a altura, o comprimento, a largura e a profundidade" (Ef 3,18).

    Em uma época em que, por influência da mentalidade técnica, lamenta-se a perda do mistério enquanto esquecimento da profundidade do ser (Ricoeur, 1969, pp. 347 e ss.), torna-se importante uma rápida evocação de certas situações vitais, embora comuns e cotidianas, como introdução às reflexões sobre o desenvolvimento humano, mesmo que se expondo a muitos riscos, dentre os quais o da desatenção.

    1. A vida humana como caminho no tempo

    Para Dante, a vida humana é um caminho no qual podemos nos perder como em uma floresta escura. De fato, o caminho é um dos grandes símbolos da vida humana (Underhill, 1961), considerado como uma viagem, um percurso, com um antes e um depois, um passado e um futuro, em que o presente representa o momento fugidio, tornado sutil e esmagado entre duas realidades ameaçadoras: uma que já não é mais e a outra que ainda não é.

    Como o exprime um ditado medieval:

    "Venho não sei de onde,

    sou não sei quem,

    morro, não sei quando,

    vou não sei para onde

    admiro-me de estar contente".²

    O famoso ser ou não ser de Hamlet é, de fato ao mesmo tempo, um ser e um não ser que constituem o ser humano e que encontram uma expressão privilegiada na temporalidade. Sou, mas o meu passado não é mais e o meu futuro ainda não é.

    Esta é a pessoa que, como afirmou Aristóteles e reiterou são Tomás, está de algum modo no limite entre dois universos.³

    Marcel Proust (1954), artista dotado de uma sensibilidade extraordinária, soube colher e exprimir esteticamente este aspecto do mistério da vida humana envolvida na experiência do tempo, pela qual parece que o homem não é. Ele o fez na tentativa de recuperar o tempo que passa ou que é já irremediavelmente passado para tentar salvá-lo, buscando, portanto, salvar-se a si mesmo.

    As sensações, as percepções, os objetos, as pessoas e os encontros que já não são mais, podem – pensa ele – ser salvos da destruição do tempo, empregando-se um extraordinário exercício de memória que, reconstruindo um mundo que não é mais, quer recriar esteticamente alguma coisa que possa ficar, permanecer como monumentum aere perennius. Às suas análises da experiência vivida se sucedem, assim, páginas seguidas, em que os componentes da história passada, os fragmentos de vida, tentam quase compulsivamente encontrar lugar em um quadro ou uma composição que, ao menos pela sua beleza, confira um significado, reconquiste e resgate uma riqueza que, de outro modo, correria o risco de cair no esquecimento e perder-se para sempre.

    Ainda que, neste caso, o significado, o logos, permaneça circunscrito a um horizonte estético e a resposta ao drama da temporalidade como choque do ser e do não ser não atinja as raízes mais profundas e fundamentais, o cenário está colocado: a busca do tempo perdido é uma luta em que, de uma parte o desaparecimento, a perda e o passageiro fazem sentir toda a sua agressividade e, da outra, o desejo de sobrevivência, de perenidade e de salvação não só se recusa a se entregar (se render) a esta espécie de fato, mas reafirma o próprio direito à sobrevivência, à vida que não se deixa absorver pela morte.

    Também Agostinho, percorrendo a história de sua vida, podia recompor, pela memória, os eventos dispersos de seu passado no significado, no logos; também ele, consciente da fragilidade e da precariedade da vida, sentira a necessidade de livrá-la da futilidade e da destruição e salvá-la. A temporalidade lhe aparecera em toda a sua dramaticidade. Para Agostinho, o significado, o logos no qual recolher a dispersão e com o qual contar para resolver a antinomia da vida humana – entendida entre o infinito de fragilidade e o infinito de grandeza – ultrapassará o horizonte estético. Mas, ainda assim, o drama da temporalidade emerge como a expressão de um modo de vida que distingue fundamentalmente o ser humano enquanto mistério no seu ser e não ser, na sua pertença a um universo submisso à decomposição do tempo, bem como a um universo que transcende esta condição de caducidade e de mortalidade.

    Exatamente porque ligada ao ser no mundo com o próprio corpo em um universo sensível, a temporalidade é uma dimensão vivida sem possibilidade de saída. Por si só, portanto, trata-se de um desafio inevitável, a não ser com uma ou mais operações de distorção psicológica. Somos seres temporais e a passagem do tempo nos sinaliza, recordando-nos que "omnis caro foenum" (Is 40,6-8).

    A temporalidade traz consigo um aspecto de promessa fascinante: enquanto há vida, há esperança, se diz, mesmo nos momentos mais tenebrosos, e a possibilidade de um amanhã permite suportar melhor situações difíceis e partir de novo, contra toda esperança. O que é ou o que seria a vida se as expectativas não encontrassem mais lugar no coração humano? E como seriam imagináveis as expectativas sem a dimensão temporal vivida?

    Por outro lado, o inexorável transcorrer do tempo, que se impõe e contra o qual não há humanamente uma vitória possível, significa algo formidável que nos supera e nos assusta. A obsessão com que muitas vezes se acompanha o envelhecimento do próprio corpo e o terror, a raiva e a depressão que seguem, em muitos casos, o processo de decadência física, com os seus sinais e as suas mensagens, são observações de todos conhecidas. Inumeráveis obras humanas, das lápides aos monumentos, ou admiráveis empreendimentos no campo do conhecimento, da ação e das conquistas podem ser entendidos e interpretados igualmente como respostas a esta experiência tão próxima e, ao mesmo tempo, tão inatingível. Nenhuma cultura pode ser indiferente à busca de sobrevivência (Unamuno, 1938; McKenzie, 1956; Grelot, 1971; Becker, 1982).

    Há, portanto, um aspecto de "fascinans e de tremendum" na temporalidade da vida humana, acompanhando e delineando o caráter de mistério.

    2. Riso, jogo

    O ser humano é o único animal que ri. O sorriso na face da criança nos primeiros meses de vida, festejado pelos pais com tanta felicidade, é mais do que o sinal de um desenvolvimento normal. É o sinal de que a face que sorri é a de uma pessoa.

    Só quem pode pertencer a um mundo de objetos e de coisas sensíveis e, ao mesmo tempo, afastar-se, mantendo distância dele, pode rir: só quem não é redutível a um acontecimento biológico, como o animal, mas, mesmo permanecendo em um ambiente deste mundo, consegue manter-se dentro e fora da situação, de modo que lhe seja permitido rir ou sorrir.

    A luta pela vida no reino animal, com a sua necessidade quase trágica, tem pouco ou nada de cômico. O palhaço faz rir exatamente porque nele se pode reconhecer a imagem caricatural do que nós somos, sabendo, entretanto, que não o somos totalmente. Para rir é preciso pertencer a um certo mundo e poder destacar-se dele, de algum modo ser e não ser parte dele.

    O riso do ser humano exprime a sua dignidade e a característica única de ser capaz de viver concomitantemente no mundo da realidade e naquele da aparência. No sorriso contido e sereno, A. Malraux (1957) definiu a presença de uma harmonia quase encontrada entre o ser humano e a natureza: é nas expressões pitorescas e esculturais, não tanto de Buda, mas sobretudo naquelas da arte gótica europeia, que paz e reconciliação parecem manifestar-se sobre a face das estátuas das catedrais após o tormento das figuras características da época românica. É o mesmo pensamento expresso por Chesterton (1924), quando descreve o mundo com o qual são Francisco de Assis se defrontou em seu tempo: um mundo que – depois da orgia pagã e do desmoronamento da ilusão de que as criaturas divinizadas não podiam levar senão à corrupção e depois do período de renúncia penitencial e purificadora da Idade Média – estava pronto para a alegria e para o sorriso, para uma redescoberta do mundo em uma espécie de renovada inocência.

    E é ainda a relação entre o parecer e o ser, considerada sob a forma da incongruência entre os dois, que suscita e sustenta o riso.

    Por meio do riso e do bom humor, podemos nos dizer que não acreditamos plenamente naquela imagem ou naquele personagem fabricado de nós mesmos e podemos implicitamente afirmar que aquela imagem e aquele personagem não são completamente verdadeiros, que há algo de mais ou de menos, alguma coisa de diverso que se procura esconder, que não se quer ou não se pode manifestar, ou talvez que há um vazio maior ou menor a cobrir. Tomas More e Felipe Néri muitas vezes são apontados como os santos do bom humor. E isto não é estranho: uma identidade fundamentada sobre a rocha de uma relação com Deus pode mais facilmente vislumbrar, ao mesmo tempo com desapego e interesse, as mudanças das figuras humanas, próprias e dos outros, que se movem no palco da história.

    Com o riso, o ser humano dispõe de uma arma às vezes cruel para atacar as pretensões das pessoas que o rodeiam. Talvez não exista nada que se preste tanto às flechas da sátira quanto a pretensão de se ser aquilo que não se é. Se rimos do próximo, muitas vezes é porque percebemos esta diferença entre o parecer e o ser, entre a fachada e a realidade, entre a personagem e a pessoa. Objeto e motivo de riso dos outros, alguém pode se sentir tocado ou destruído, na medida em que identificou a própria realidade na imagem presumida. Ao riso que ataca a imagem pretendida, ou à sua incoerência com a realidade, não se consegue opor o humor, que sabe manter a distância entre a imagem e a realidade.

    Isto se pode verificar, seja quando a pretensão tende a ser verdadeira, seja quando é pura fantasia. O justo da Bíblia deve enfrentar o riso de quem o confronta com a falta de coerência entre a sua pretensão de apoiar-se em Deus onipotente, que promete ajuda, e a sua miséria presente. Mas devem enfrentar o riso também o político medíocre, que faz pose de grande personalidade histórica, adotando suas atitudes e insígnias; o indivíduo obeso e desengonçado, que toma ares de um atleta campeão, vestindo um uniforme igual ao dele; a senhora já não mais tão jovem, que pretende personificar um estrela de cinema; e o asceta narcisista, que desempenha o papel do santo. É o que encontramos na sutil análise da risada elaborada por A. Camus no seu romance La caduta (1966).

    Tudo isto pode acontecer porque há, entre ser e parecer uma relação de tensão e de possível harmonia, certamente, mas mais comumente também de incongruência, de desarmonia e de dissonância.

    O riso e o ridículo são também, portanto, lugares de manifestação do mistério da pessoa. Uma pessoa que frequentemente não se tem nas próprias mãos, que não é realmente aquilo que aparenta, que não se compreende e que está exposta na sua vulnerabilidade ao ataque dos seus semelhantes, também pode, eventualmente, com o riso e o sorriso, encontrar a possibilidade de descobrir uma verdade mais profunda si mesma e sobre os outros.

    O aspecto de brincadeira, suscitado pelo riso, introduz também a dimensão da alegria, equivalente a uma erupção do mistério na vida humana. Na brincadeira, o tempo, que pertence ao mundo da seriedade, é suspenso para introduzir quem brinca em um universo de uma natureza diversa. A intenção da brincadeira é a alegria, embora seja típico da alegria tomar de surpresa, no sentido de que quem a recebe não pode trabalhar para produzi-la; chega como um presente que supera, precisamente, as expectativas. Ser surpreendido pela alegria é exatamente como a revelação de um mais que se manifesta na abertura, na expansão e no êxtase que a acompanham. Compreende-se, assim, como, quem encontrou um tesouro em um campo, na sua alegria, vai, vende tudo o que possui e compra aquele campo (Mt 13,44). Existe algo de eterno na alegria, como reconhecia também Nietzsche: Cada alegria quer eternidade, quer profunda, profunda eternidade (Cosi parlò Zaratustra, 1972, fim).

    Antecipando um tema que será retomado mais adiante (capítulo quarto), é oportuno assinalar a conexão entre brincadeira e desenvolvimento. Isto é verdadeiro não só no sentido mais geral e óbvio da importância da brincadeira para cada criança que cresce e descobre a realidade, mas, em particular, com referência ao tipo de intervenção pedagógica de desenvolvimento, que pode ser denominado psicoterapia, ou acompanhamento de crescimento sem implicações de doença ou perturbações graves da psique. Tal intervenção pedagógica tende em geral, a guiar ou a relançar o desenvolvimento e a tornar possível um movimento de transcendência por parte do sujeito à sua realidade atual. De fato, muitas vezes este movimento de transcendência é como que bloqueado: a pessoa se encontra tão tragicamente séria que não ousa e não sabe mais brincar ou explorar livremente ao menos algumas áreas do seu mundo interior e exterior. O medo e a ansiedade, que tornam difícil este livre brincar, parecem, pois, impedir o desenvolvimento, a transcendência e a busca da sabedoria (Pr 27–31). A intervenção pedagógica, entre outras intenções, tem aquela de redescobrir a dimensão da brincadeira como modo de relançar o desenvolvimento e, também, como caminho rumo à transcendência e ao aprofundamento do mistério.

    3. Busca

    A necessidade de explorar o ambiente e de transpor o dado também é um traço especificamente humano, que introduz o mistério. O habitat do ser humano não está circunscrito ao território em que nasce e encontra meios de subsistência, mas é a insuprimível necessidade de ir além, de descobrir o que há atrás dos montes ou dos mares e o próprio saber que lhe delimitam o horizonte e que se tornam a medida sempre ampliada do seu habitat. O Ulisses de Dante, que instiga os companheiros a ultrapassarem as colunas de Hércules, é apenas um símbolo da dimensão da busca e do impulso para ir além da convicção constitutiva de que somente em um outro, sempre mais transcendente, pode encontrar-se a si mesmo.

    Colombo, Stanley, Scott, assim como Leonardo, Pasteur, Fleming, Eckart, santa Teresa d’Ávila, bem como inumeráveis outros – filósofos, artistas e santos – procuraram e conseguiram empurrar os confins do mundo geográfico, político, científico e espiritual para além dos limites do mundo em que viveram. Se o seu empenho nos apaixona e nos inspira, é porque na aventura de suas vidas podemos reviver uma ambição e uma tensão que nos caracterizam essencialmente.

    Assim, literatos e poetas conseguem tornar presentes mundos diversos e descrever uma outra condição em relação à realidade comum (Musil, 1965; Berger, 1970).

    Podem-se encontrar neste contexto, em um plano mais cotidiano, as dimensões do percorrer e do saber, além daquelas do fazer, que de Finance (1973) analisa como modos com que se enfrenta o outro, a inevitável alteridade da existência humana.

    Em um contexto mais psicossociológico, foi possível falar de uma cultura da busca (seekership) também em um mundo de consumismo que pareceria, sob muitos pontos de vista, satisfeito (Smith, 1978).

    A criança que explora o mundo do próprio corpo e da realidade sensível que encontra e o mundo de relações interpessoais¹⁰ evidencia bem cedo com a sua abertura e, mais, com sua vitalidade, como foi salientado por muitas observações psicológicas, a insuficiência de toda teoria que pretenda tornar a motivação humana fundamental em termos de redução da tensão" (Fiske e Maddi, 1961). Segundo esta visão, a natureza da pessoa seria caracterizada fundamentalmente por uma espécie de vontade de retorno a um estado de tranquilidade, entendido como homeostase, ou harmonia pré-vital.

    Aquela que foi denominada a atenção focal (Schachtel, 1959), com que o ser humano se debruça sobre o universo dos objetos e sobre a realidade que o rodeia, não apenas para satisfazer necessidades primárias, mas para descobrir e explorar toda a riqueza da realidade, enquanto indica o ser incompleto de qualquer indivíduo e busca o que ainda não sabe ou não é, indica também a presença, ao menos potencial, de alguma outra coisa que já habita nele: "Não me procurarias se já me tivesses encontrado" (Pascal, 1962, n. 919 [553]).

    Ao mesmo tempo, o ser humano, levado a explorar e a espalhar-se no meio ambiente, vive fortemente também a necessidade de uma casa, de um lar ao qual pertencer, de um território onde experimentar-se enraizado e seguro. Como dizia Catullo, antecipando o ditado Lar, doce lar: "Existe por acaso coisa mais feliz do que o momento quando, colocadas de lado as preocupações e cansados de um trabalho que nos levou para longe, retornamos à nossa moradia e repousamos na cama desejada?".¹¹ A família, os vários grupos de pertença, a pátria, a cultura e as tradições em que se cresceu e a religião dos pais são pontos de partida dos quais talvez o indivíduo nunca se separe, mesmo quando parte para explorações longínquas nos vários campos das ações e do conhecimento, ou quando se rebela. O sofrimento e o sentido de identidade perdida ou constantemente procurada e defendida por parte de grupos e povos que foram erradicados de seu ambiente, da terra e da cultura nos são bem conhecidos. Basta recordar, entre tantos exemplos possíveis, o tema da terra na tradição de Israel.

    Quem não fez a experiência de pertencer ou quem nunca pôde sentir-se seguro em um ambiente talvez jamais venha a ser um grande explorador; tenderá antes a permanecer fechado e protegido no seu ninho. Como escrevia Marx, uma revolução que vise mudar uma situação social não poderá nunca vir de quem não se sente pertencer sequer a uma classe social.

    O mistério do ser humano se manifesta, portanto, na fundamental e praticamente inesgotável necessidade de descobrir, além do mundo conhecido e familiar, horizontes e mundos novos e dimensões sempre mais vastas, juntamente com a necessidade de pertencer a um mundo bem definido de ligações, de afetos e de interesses sem os quais dominam a incerteza, a dispersão e o senso de alienação.

    O Ulisses que se lança além das colunas de Hércules é o Ulisses (talvez não aquele de Dante) obsessivamente preocupado em retornar à sua Itaca. Quando se está na própria pátria, deseja-se sair em busca de novos mundos e de experiências diversas, talvez mesmo para romper aquela monotonia que nos leva a pensar mais ou menos vagamente na morte; quando se passa algum tempo em viagem, sonha-se em voltar para casa, provavelmente porque a dispersão da contínua variedade suscita o desejo de unidade interior e de repouso.

    O tédio é exatamente aquela situação humana em que se experimenta o vínculo com um conjunto de dados que se impõem, acompanhado do desejo mais ou menos prepotente de estar em outro lugar. A audição de uma conferência tediosa e uma atividade repetitiva e monótona, experimentadas como perda de tempo ou como impedimento para se ocupar com o que efetivamente se deseja, são exemplos da tensão de se estar limitado ao aqui e ao agora, enquanto a mente e o coração gostariam de estar em outro lugar empenhados em outra coisa. Mesmo entretidos, devemos permanecer aqui e agora e, não sendo possível ir em busca, não se pode evitar ter de fato já partido, talvez com o auxílio da imaginação ou da fantasia.

    A dimensão da busca inata no coração humano sugere e implica a presença de possibilidades sempre novas, o fascínio de uma série de possíveis encontros, graças aos quais o indivíduo é ou passa a ser o que ainda não foi.¹² Ao fascínio do novo e da busca, à maravilha e à surpresa contrapõem-se igualmente o temor do desconhecido, a possibilidade do fracasso e o risco de perder-se em áreas não exploradas sem deixar algum sinal do próprio caminho.

    4. Dor

    No itinerário dos místicos, entendidos não como seres sobre-humanos, mas como autênticos representantes da nossa espécie, a dor representa quase sempre a experiência do início da trajetória de descoberta e de crescimento.

    Com a dor, cada ser humano experimenta, na própria carne, a falta de um bem por ele querido e que é seu de direito, a fragilidade de um ser pertencente ao mundo exterior do qual sofre um ataque e que, ao mesmo tempo, se torna e é profundamente consciente da situação diversa em que gostaria ou deveria encontrar-se.

    É na dor e na falta (ausência) que se aprende a distinção entre o ser e o dever ser, entre o real e o ideal e se vive a divisão interna, manifestando até que ponto se pertence a dois mundos que desejaríamos reconciliados, mas incapazes de se reconciliar: um mundo de aspirações infinitas e um mundo de dados e de fatos, que resistem e limitam, restringem, assediam e impõem fronteiras reconhecidas frequentemente como violentas.

    Não obstante, é exatamente nesta tensão dolorosa que ocorre o encontro com a realidade que nos forma e nos sustenta. A procura compulsiva de evitar todo sofrimento leva à ilusão. Os caminhos de busca espiritual e religiosa, sustentados por um sistemático desprezo da realidade sensível e visível – e que consideram esta realidade somente aparência, enquanto conseguem, apenas parcialmente, evitar qualquer dor por um período breve – acabam por fazer encontrar um significado para quem as percorre, ao custo, contudo, da renúncia da própria realidade.

    Afinal, este é o universo de certas formas de psicopatologia em que a tentativa de fugir ao sofrimento, ligada a uma ansiedade incontrolável, desemboca em soluções de irrealidade e em delírios em que a fantasia vivida como ilusão procura conferir um sentido e um significado à ação ou à paixão humanas. Tais soluções, porém, atingem o propósito apenas parcialmente e ao custo de uma perda bastante importante do sentido de realidade. O significado subjetivo, atingido na tentativa compreensível e provavelmente desesperada de evitar o sofrimento, torna-se, como em um círculo vicioso, uma prisão que separa da seiva vital e do contato, da experiência sensível vivida no tempo e no espaço

    Como não preparar, assim, o terreno para divisões internas maiores, desilusões mais profundas, frustrações mais dilacerantes? Para evitar a dor, perde-se a realidade, pois tanto a pena quanto o dano a serem suportados destinam-se a expandir-se e a requisitar territórios sempre mais vastos da experiência pessoal.

    A dor é, portanto, o lugar em que o mistério humano se manifesta: enquanto se apresenta como inimigo e como violência, como alteridade que ameaça e faz sofrer, como um bloqueio que limita e não deixa ser plenamente como se gostaria ou deveria, simultaneamente aparece como lei da realidade, como pulsação no ritmo da vida, fora da qual existe somente a ilusão e um prejuízo mais radical. Evitar a dor significaria, de modo absoluto, evitar a vida.

    A dor é o lugar do mistério exatamente porque, embora constituindo o caminho necessário pelo qual a realidade se impõe, com seus limites dolorosos, ao mesmo tempo transfere a pessoa da realidade atual para um significado do quanto é doloroso encontrar-se em outro lugar.

    Por outro lado, quando a dor é muito violenta, a tentativa de fuga se torna inevitável e a experiência do limite, da vulnerabilidade, da fraqueza e da impossibilidade de sustentar uma situação na qual os dois mundos do ser e do dever ser estão excessivamente separados, impõem uma certa forma de solução, que facilmente pode parecer incompreensível para quem vê de fora.

    A este respeito, ocorre-nos o fenômeno do choro libertador e da alegria verificada somente quando a fonte da dor é removida. Quando uma separação arranca de alguém uma pessoa amada, a dor é tão intensa e forte que pode impedir o sentido do significado da perda, chegando a ocupar na psique humana uma espécie de negação e de separação do próprio mundo emotivo e uma certa apatia, em que o choro não é mais ou ainda não é possível. O encontro com a pessoa amada e reencontrada pode provocar o choro porque a dor já não é mais tão intensa e a crise está superada: o bem perdido foi reencontrado.

    Consideradas no interior da experiência, estas eventuais soluções de negação ou de fuga constituem uma tentativa e uma busca para continuar a existir e para manter ainda um contato com a realidade como fonte da vida, não obstante a presença de uma dor que esmaga e dilacera.¹³

    Portanto, não é possível evitar esta confrontação ou procurar fugir deste desafio da dor: seja qual for a solução oferecida – adiamento, fuga, luta, resignação ou aceitação – a realidade da dor consegue se impor de algum modo como parceira de um inevitável diálogo. A liberdade é chamada a um confronto do qual não é possível fugir: poderá variar o modo da confrontação, mas o dado da confrontação, assim como o da recusa, são apenas temporariamente prorrogáveis.

    Há, portanto, uma série de conexões entre este tema da dor e aquele da busca, bem como entre o da insatisfação e aquele da temporalidade. Em cada um deles, a questão do ser humano, como mistério, apresenta-se como uma sucessão de perguntas e de respostas.

    Diante de alguns temas ou situações que, de per si, tendem a apresentar perguntas fundamentalmente inadiáveis, encontramos uma vastíssima gama de respostas mais ou menos adequadas às próprias perguntas.

    A história humana, ou melhor, a história do indivíduo, portanto, poderá e deverá ser vista como a história destas perguntas e destas respostas, a história de uma busca e de uma série de lutas para se encontrar as respostas: a importância e o desafio deste dinamismo pergunta/resposta está no fato de que não é apenas a resposta que deve ser sempre fortemente condicionada à pergunta, mas também de que a pergunta é sempre condicionada pela resposta. Como consequência, sabemos bem, muitas perguntas também fundamentais jamais serão feitas, e não por qualquer impossibilidade ontológica, mas porque, estando como que presumidas em algumas respostas – que de fato, se não de direito, são já indiscutíveis e não mais questionáveis – tornaram-se elas mesmas não passíveis de serem propostas. As condições psicológicas deste estado de coisas constituirão, mais ou menos explicitamente, o argumento dos capítulos seguintes a respeito do desenvolvimento.

    Pode-se igualmente considerar que estas perguntas se coloquem de tal modo que tendam a prejudicar qualquer busca e solução. Bastaria considerar, neste contexto, como exemplo entre muitos possíveis, o tema da indiferença religiosa: embora a pessoa seja constitucionalmente uma pergunta feita nos confrontos de Deus e a dinâmica do seu espírito de per si leve a se interrogar sobre o fim último e sobre Deus, a questão fundamental sobre Deus, com o apoio de uma cultura que apresenta tipos de respostas pré-fabricadas, acaba por ser colocada entre parênteses, certamente mais do que em outras épocas da história da humanidade.

    5. Solidão

    A solidão é um outro componente do mistério humano. Antes de mais nada, no sentido daquele paradoxo facilmente observável em cada um de nós: de um lado, a nossa vida tem como finalidade, em grande parte, a busca de uma profunda intimidade que, com a aceitação, a comunicação e o dom de si, leva-nos a nos encontrar em uma outra pessoa; de outro, tememos e talvez fugimos durante toda a vida, ou boa parte dela, desta mesma aproximação, comunicação, intimidade. Preferimos – e provavelmente devemos – construir um conjunto de estratégias e de procedimentos que nos permitam defender naquele instante, ou se possível sempre, aquela nossa intimidade, aquele centro mais profundo do eu, do olhar, do contato e da interação com os outros.

    Existe o pressentimento de que o encontro com os outros – aquele mais profundo, mais radical e mais desejado – encerra, mais do que uma promessa, uma ameaça. O discurso poderia se vincular, então, ao que foi mencionado anteriormente quando se abordou o tema do riso e do humorismo, a propósito do ser e do parecer, da personagem e da pessoa. A troca e a comunicação ocorrem, assim, no nível do personagem e do papel, sendo mantido à parte, contudo, o mais profundo do próprio eu.

    Mas isto não é inevitável? Não é verdade que, em última análise, cada ser humano está sozinho? Não é justo que seja assim? Porque o outro, afinal, não pode significar aquele encontro no qual consigamos, ou ao menos aspiremos, ser totalmente autênticos com o outro na comunicação ou na entrega? Diz-se, justamente, que o contrário da solidão não é a comunhão, mas o isolamento. A solidão deve coexistir com a comunicação profunda, embora não constitua (até pelo contrário) um isolamento, igualmente o oposto da comunicação.¹⁴ Se esta tensão da solidão representa um outro modo de exprimir o mistério humano, é na história do desenvolvimento que este mistério sempre se encarna como em uma série de encontros em que se alternam presença e ausência, plenitude e privação.

    6. Insatisfação

    E pertinente aqui a referência ao famoso coração inquieto, tão frequentemente citado e comentado por santo Agostinho. É o coração dividido entre dois tipos de tranquilidade, dois tipos de repouso, ambos ilusórios, ao menos no que diz respeito à sua plena realização nos limites desta vida: de uma parte, a tranquilidade do prazer, da qual a dor, a ansiedade e a tensão penosa devem ser excluídas; de outra, a felicidade como a realização do conjunto de todas as potencialidades e expectativas da pessoa.

    Como diz Pascal: Nada é tão insuportável ao homem quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem afazeres, sem divertimento, sem aplicação. Ele sente, então, o seu nada, o seu abandono, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo emergirá do fundo de seu ânimo o tédio, a obscuridade, a tristeza, a aflição, o desgosto, o desespero (1962, 622, [131]).

    Enquanto o animal, que teve suas necessidades imediatas satisfeitas, parece fundamentalmente apagado, o homem, como que no limite de dois universos, não o é nunca.

    Descartes, na sua Quarta Meditação, propõe que o ser humano equivaleria a um ponto mediano entre o ser e o nada e, "Se me considero de algum modo participante do nada ou do não ser, isto é, enquanto não sou eu mesmo o ser supremo, encontro-me exposto a uma infinidade de defeitos, de tal modo que não me devo surpreender se caio no erro" (cf. Ricoeur, 1978a, p. 21).

    Não se deve considerar, pois, o ponto central da antropologia apenas fixando-se sobre o aspecto do limite ou do infinito, mas sobre a tensão entre os dois, que pode ser o tema da mediação ou do intermediário.

    A insatisfação humana aparece enraizada precisamente no fato antropológico enquanto intermediário entre estes dois aspectos. Como é possível haver tamanha desproporção, de tal maneira que o indivíduo não apenas não possui aquilo que deseja, como não é aquilo que quer ser? Como pode existir esta necessidade de mediação, de intermediário ou de uma síntese que reconcilie o infinito com o finito? Como se explica aquela fragilidade nas tentativas de solução? Como se explica a falibilidade fundamental, parte da nossa experiência cotidiana? É o problema classificado por Kant como mal radical.

    Este mal constitui o maior mistério, mesmo porque se encontra no próprio âmago da nossa existência. Ele nos habita e nos forma, permanecendo imperscrutável.

    Mas, se permanece imperscrutável, talvez possamos nos aproximar da compreensão de sua possibilidade. Pode-se procurar compreender de que modo o ser humano é falível e como esta falibilidade implica a desproporção que o torna frágil.¹⁵

    A realidade da insatisfação humana, como dado antropológico de fundo, que contribui para ilustrar o mistério humano, não deve esperar a reflexão e a elaboração filosóficas. Além de constituir um dado de experiência inerente a todo ser humano, encontra expressões culturais inspiradoras: a meditação de Platão sobre a alma concebida como intermediária, a consideração de Pascal sobre a miséria da realidade humana e a reflexão de Kierkegaard sobre consciência.¹⁶

    A história humana, individual e coletiva, por outro lado, está toda marcada por este atributo de insatisfação que, fazendo experimentar a privação, impulsiona a procura por sempre mais. E faz parte da sabedoria popular a ponderação de que, quanto mais se tem, mais se quer ter, e de que não há limite para o desejo humano. A posse, o sucesso e a realização das mais altas metas humanas não põe fim à busca e à inquietude do coração.

    É preciso notar, enfim, que a mesma satisfação encontrada na posse dos bens humanos é condenada como loucura no Evangelho, a propósito do rico que se deleita na abundância de sua colheita (Lc 12,16-21). A insatisfação pode, então, aproximar-se da sabedoria. Dewey deixou registrado que cada obra educativa começa por uma dificuldade experimentada (citado por Rokeach, 1973, p. 226) e que "o início da sabedoria é o temor do Senhor" (Eclo 1,16.18; Pr 1,7; 9, 10; Sl 111,10) ou, como insistem Aristóteles e são Tomás, a sabedoria e o amor da sabedoria – a filosofia – iniciam-se com a maravilha, um tipo de temor de insatisfação surgido quando, conhecendo o efeito, não se conhece a causa.¹⁷

    A meditação de Platão a respeito da alma humana, enquanto intermediária (Il simposio), usa um recurso simbólico e uma linguagem de ordem mitológica para representar a instabilidade da alma, que oscila entre as coisas corruptíveis e as ideias incorruptíveis; a alma humana "está perplexa e procura" (aporei kai zetei); declara opiniões e erra; não enxerga, mas olha; e isto menos por contato com o objeto do que por uma tendência em sua direção. O tema da limitação original se confunde com aquele da queda ou de um mal moral. Pela expressão simbólico-mítica, todavia, expressa-se a realidade do ser humano frágil, falível, consequentemente dividido e interiormente desarticulado e perturbado; inquieto, portanto.

    Também em Pascal o tema é o da miséria e grandeza da pessoa. Utiliza, para tanto, um esquema emprestado da cosmologia de uma época que descobria a grandeza do universo. Partindo de uma desproporção de tipo espacial, em que o ser humano é intermediário entre o maior e o menor, Pascal passa às noções de fim e de origem, para chegar depois àquelas de infinito e de nada, entre as quais se encontra o ser humano como intermediário.

    O erro supremo é o de esconder de si mesmo esta posição intermediária, e "se navega nesta vasta realidade, sempre vagando na incerteza, jogado de uma extremidade à outra...; nada pode fixar o finito entre os dois infinitos que o compreendem e que fogem dele (citado por Ricoeur, 1978, p. 23). A atenção é voltada, portanto, para o mesmo tema de uma composição" entre dois extremos, que tensionam e distendem o homem (puxam e afrouxam).

    A reflexão de Kierkegaard em La malattia mortale (1952) alcança a consciência, o eu, definido como "uma relação que refere o si ao si (liberdade) referindo-se a um outro (Deus)". Ora, o que torna instável a relação com um outro absoluto é precisamente a relação com um eu que, enuncia Kierkegaard, é "uma síntese consciente de finito e de infinito". O desespero, do qual nasce o pecado, consiste em trair o finito em uma existência fantástica sem deveres nem obrigações, ou em trair o infinito em uma existência submissa, trivial e mesquinha.¹⁸

    Foram consideradas, até aqui, algumas figuras da situação humana que exprimem e evocam, sob diversos pontos de vista, o tema comum do mistério, com uma abordagem que se poderia considerar de senso comum. Fez-se referência, de fato, a observações que concretamente refletem a experiência cotidiana, como se fez também àquela literária ou artística e, portanto, a um universo de compreensão pré-filosófica.

    É inútil repetir que tais figuras representam apenas algumas janelas – entre muitas outras que poderiam ter sido consideradas – sobre a condição humana. Evocando-as, pretendia-se sublinhar como a vida humana está marcada por algumas características de mistério e como tais características surgem em vários lugares, bastando para tanto que se preste atenção nelas. Entre estes lugares, destacou-se a temporalidade, a tensão entre o ser e o parecer – que se funda e se revela na capacidade toda humana de rir e de sorrira – a contínua busca e a vulnerabilidade ligada à dor, para finalmente salientar a fundamental característica da insatisfação.

    7. Mistério vivido

    Estes aspectos do mistério humano são principalmente vividos. O ser humano não pode se destacar deles. Sente-se envolvido por eles porque são a sua própria realidade.

    A pessoa é no tempo e não pode impedir a condição de constituir-se de um fluxo que, no entanto, não pode possuir. Descobre-se concomitantemente realidade e aparência, não podendo evitar ver-se e ser vista de fora de si mesma, para, ao mesmo tempo, tomar consciência de não ser apenas a própria aparência. Nesta alternância entre ser e parecer, de identidade externa e interna, que interagem sem poder se harmonizar totalmente, sabe não poder se possuir plenamente e, portanto, é misteriosa para si mesma e para as outras.

    O ser humano não pode abdicar da permanente busca de alguma coisa e, ao mesmo tempo, não consegue renunciar ao retorno constante para junto de si mesmo, para seu lar, para controlar aquele temor permanente de perder-se em um mundo desconhecido e provavelmente alienante. É na dor que toma consciência de si mesmo, pois sem a resistência dolorosa do limite e do outro, a realidade dilui-se em ilusão. Parece, portanto, também precisar do inimigo.

    O ser humano se sente só e inexplicavelmente em busca de um outro que, reconhecendo-o, faça-lhe desaparecer a insignificância da solidão e o ame, embora viva sempre sob a ameaça de que tal encontro e tal intimidade possam significar a perda de si mesmo ou de alguma coisa importante.

    A insatisfação deixa na pessoa marcas equivalentes a uma inquietude fundamental em tensão entre o repouso ilusório do prazer e aquele inatingível da felicidade, ao menos aqui e agora.

    Além do mais, este mistério permanece puramente vivido, implícito e certo. O mistério se encontra em cada indivíduo como um fato pré-consciente, embora possa apresentar-se de modo particularmente novo, surpreendente e desconcertante em algumas situações privilegiadas.

    8. Situações privilegiadas

    Estas situações privilegiadas podem tocar positivamente a vida humana quando, por exemplo, o amor chega a alterar autoritariamente a maneira de se ver, não só a própria pessoa, mas os outros e as coisas. Isto pode ser constatado quando uma experiência religiosa marcante, como a conversão de São Francisco de Assis ou de Santo Inácio de Loyola, supera e muda os horizontes de interesse e as motivações fundamentais; ou quando uma nova relação, como a da maternidade ou a da paternidade, suscita a redescoberta de uma dimensão da própria pessoa desconhecida até aquele momento.

    Uma situação privilegiada se verifica mais dramaticamente no caso do desafio proposto por uma decisão inadiável, que se reconhece determinante para o futuro da própria vida. Ou, em sentido mais negativo, na perda de uma pessoa amada, pelo afastamento da morte, pelo abandono ou pela traição, comprometendo equilíbrios e certezas: sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt (Virgílio, 1981). Pode igualmente representar uma situação privilegiada a ocorrência de um tédio radical relacionado ou consequente à perda de um bem precioso, produzindo um estado de ânimo em que nada mais faz sentido nem provoca interesse.

    Estas situações merecem a qualificação de privilegiadas porque se apresentam, antes de mais nada, como momentos de verdade. Uma verdade que se manifesta como nova e da qual não se pode fugir. Não é possível, pois, esconder-se nas aparências e no faz de contas. A defesa usada até então não funciona mais, e a realidade ataca com toda a sua potencialidade e força. Aquilo que até então, voluntariamente ou não, conscientemente ou não, tinha-se evitado, adiado e colocado entre parênteses, agora se impõe prepotentemente à consciência. É ocasião ou oportunidade de produzir uma nova luz, uma verdadeira descoberta que, se recebida e aceita, pode ser o início de uma mudança e de uma vida nova. Quando um acidente de viagem ou de trabalho, a morte inesperada de uma pessoa ou uma doença talvez erroneamente diagnosticada trazem pressentimentos do fim iminente, emerge do sentido das coisas e da vida uma consciência nova, uma nova verdade sobre si e sobre o mundo. Diante de um apelo para que se ofereçam voluntários a uma missão arriscada, como pode acontecer em um combate ou em uma situação de emergência, verifica-se, além de uma divisão entre quem aceita e quem recusa, uma tomada de consciência totalmente nova no interior da própria psique individual, que distingue o que se é do que se acreditava ser.

    O significado de tais momentos de verdade pode, também, se manifestar e ser observado em tudo aquilo que ocorre no período anterior a uma catástrofe aérea anunciada ou durante as trágicas horas de um desvio de rota: emergem as características do que seja o verdadeiro eu de uma pessoa, além ou aquém das aparências e dos papéis, entre os quais a identidade de cada um pode se ancorar e, ao menos em parte, esconder-se. Mas o ânimo humano consegue frequentemente, ainda uma vez e brevemente, domesticar e anestesiar tais momentos e sua força de impulsão.

    Assim, em algumas experiências religiosas particularmente intensas, a pessoa consegue colher, quase intuitivamente, uma riqueza de significados novos e decisivos; é o que se conta de Santa Juliana de Norwich ou de Santo Inácio de Loyola, por exemplo, na visão do Cardoner.¹⁹

    Há uma característica aniquilante – destrutiva – nestas situações ou momentos privilegiados. O sentido e a segurança adquiridos até aquele momento desaparecem. Apoios e estratégias usados até então para manter um devido senso de segurança não funcionam mais. As coisas antigas não existem mais porque se fazem "novas todas as coisas" (Ap 21,4-5). É impossível que a vida possa voltar a ser exatamente como antes. A vulnerabilidade ligada à pertença ao mundo corpóreo, que pode comportar um prejuízo ou uma destruição, é vivida agudamente.

    Destarte, em algumas formas depressivas precipitadas pela perda traumática de uma pessoa ou de um bem muito importante, pode-se notar esta busca quase desesperada de recriação de um mundo que não mais existe, de manter a realidade também material-ambiental daquela habitação e daquele quarto exatamente como eram no momento da perda (Binswanger, 1971). Na realidade, sob a superfície deste piedoso engano, existe a consciência de que as coisas não serão mais como antes.²⁰

    Além disso, estas situações são, por si mesmas, totalizantes. Destruindo todos os habituais apoios da existência cotidiana, recolocam absolutamente tudo em questão. A luz ou a escuridão que as habitam são tão fortes e impregnantes, que toda a experiência humana é, em certo sentido, invadida. Diante de todo o resto, encontra-se o eu como mistério e, portanto, como pergunta a si mesmo.²¹

    Mas estas experiências ou momentos privilegiados possuem outra característica: a de serem reveladores. Reveladores da própria transcendência da pessoa que, implicada no tempo e no espaço e envolvida pela corporeidade, experimenta a capacidade de ir, mas de também estar além do dado, como que no limite de dois mundos: o da necessidade e o da possibilidade.²² Como seus próprios patrões e responsáveis, no momento exato em que se condicionam e com o peso de um dado, experimentam a liberdade. É a experiência ao mesmo tempo maravilhosa e terrível de poder sempre escolher e de não poder escolher: "muitas são as coisas admiráveis, mas nenhuma é mais admirável que o ser humano".²³

    O aspecto revelador destas experiências privilegiadas pode igualmente se manifestar no sentido de uma revelação construtiva. Encontra-se, assim, a alegria, a consolação espiritual, o momento de verdade reveladora que Santo Inácio designa como consolação sem causa precedente (Esercizi spirituali, nn. 330, 336), mas que tem lugar na concepção de muitos outros (Magister spiritus).²⁴

    O que se revela dramaticamente nestas situações privilegiadas são, de modo particular, as dimensões de possibilidade, tanto aquelas inerentes ao sujeito que as vive, quanto aquelas presentes no mundo que o rodeia.

    De um lado, emergem, de fato, possibilidades novas de decisão para a própria liberdade, possibilidades relativas ao significado a dar à própria vida, de um passo talvez fundamental naquela relativa autocriação que é a vida.

    A imagem, que aqui aparece espontânea, é a do enamoramento, mas igualmente aquela do sentido de missão que segue uma conversão ou do entusiasmo resultante de um grande sucesso. Daqui, também, o temor, que surge em todos e sobretudo nos mais jovens – talvez mais sensíveis à amplidão do raio de possibilidades que se desdobram diante deles, pelas consequências das próprias escolhas e a tentação de não escolher – de adiar e até de apagar a luz do momento revelador.

    Por outro lado, o mundo se revela um campo de novas possíveis estradas a se percorrer: oportunidades que se oferecem, microcosmos ou macrocosmos a descobrir, projetos a realizar, valores a experimentar, aos quais responder e pelos quais deixar-se conquistar. O tempo se faz breve. Ulisses já se tornou conhecedor "do mundo e dos vícios humanos e do valor..." (Dante, Inferno, canto XXVI, 97), persegue novas descobertas e se faz amarrar ao navio, tapando os ouvidos dos companheiros para experimentar o canto das sereias sem perigo de ceder ao seu fascínio.

    E como reage a pessoa por ocasião destas experiências? Nem sempre tais experiências se apresentam em toda a sua intensidade, com a capacidade de impor-se e de tirar vantagem. Não são apenas certos acontecimentos totalmente extraordinários que fazem o ser humano sentir os efeitos das características descritas a priori, mas muitos eventos normais da vida que participam, com diversa intensidade, desta possibilidade de tornar-se para o indivíduo um acontecimento privilegiado.

    Desta forma, a vida se torna realmente uma sequência de ocasiões e de oportunidades para se enfrentar o mistério e colocar-se diante dele para avançar na descoberta, de penetrar o drama e alargar os horizontes; ocasião para desenvolver-se, desenvolvendo aquela parte de universo recebida como herança, ou para fechar-se no horizonte mais estreito do dado e parar no caminho, o que muito frequentemente conduz não só a uma parada, mas a um retrocesso.

    É sobre esta tela, situada no desenvolvimento humano, que se desenrola a trama do mistério da pessoa, com as suas possibilidades e os seus determinismos, as ocasiões e os riscos, as luzes e as sombras

    Antes de passar, porém, para uma análise mais empírica ou psicológica dos modos como o indivíduo assume todas as suas estratégias de resposta ao problema fundamental do seu ser mistério no curso de sua história pessoal, é importante refletir (no próximo capítulo) sobre algumas condições fundamentais deste ser mistério.

    De fato, não se trata só de tomar consciência de que existe ou de que se observa, de vários modos, a dimensão do mistério na vida humana, mas, em um certo sentido, de dar-se conta da estrutura fundamental desta realidade de mistério, não reduzida a uma questão de fato ou a um acidente isolado, que hoje é e amanhã já não é mais.

    Por meio de tal reflexão, justifica-se, antes de mais nada, a posição do problema antropológico fundamental (a antinomia), quadro em que se quer situar a realidade do desenvolvimento humano com suas formas empíricas/psicológicas. Mas, além disso e sobretudo, justifica-se precisamente a contribuição que pode e deve dar o conjunto das observações psicológicas relativas ao desenvolvimento humano à realidade antropológica da pessoa.

    Desta forma, deveria parecer possível a leitura de todos os fatos mais específicos do desenvolvimento humano, em que tais eventos não são considerados apenas elementos casuais ou experiências isoladas, mas acontecimentos que podem ser conduzidos a um tema fundamental: o mistério humano.

    A aventura do desenvolvimento pode, então, adquirir uma profundidade e uma densidade que atingem a realidade da pessoa não apenas como conjunto de generalizações empíricas tiradas da observação de fatos mais ou menos exaustivos, mas como manifestações e lugares de uma luta e de uma busca que representam a característica essencial do próprio ser da pessoa.

    Mas é sobretudo a intervenção pedagógica educativa, que não pode ser senão existencial, que encontra comprovação de sua dimensão de profundidade e de respeito do mistério e se aproxima de tal mistério por intermédio dos acontecimentos mais concretos e dos processos mais específicos que as observações psicológicas ajudam a identificar.

    A importância da reflexão sobre a fragilidade humana se completa na aceitação do componente afetivo em que a pessoa se encontra na sua subjetividade.

    A realidade antropológica humana, tão bem evidenciada por algumas expressões pré-filosóficas, como o tema platônico da alma, enquanto intermediária, o tema da miséria, objeto da meditação de Pascal, bem como aquele do finito e do infinito em Kierkegaard, não se esgota na análise transcendental teórica que se lhe pode fazer ao objetivar esta mesma realidade, embora a reflexão seja importante e deva ser mantida.

    À antinomia fundamental, o tema antropológico central da pessoa, tem-se acesso essencialmente por meio do conhecimento, mas, sobretudo, por meio daquela vulnerabilidade afetiva da pessoa e das mediações com as quais ela configurou as suas respostas às perguntas e sua luta contra os obstáculos.

    A história individual, com todos os seus elementos motivacionais de desenvolvimento, está estreitamente ligada ao fato de que estas situações, verificadas no desenvolvimento, tornam-se situações de desenvolvimento. Conhecida e enfrentada na sua dimensão de concretude e de mistério, principalmente em razão da obra educativa, ajudará a enfrentar de modo construtivo aquela vulnerabilidade encontrada no âmago do mistério humano.

    Capítulo segundo

    Reflexão antropológica sobre o mistério humano

    Ex umbris et imaginibus in veritatem

    (do túmulo do cardeal Newman).

    1. Da observação fenomenológica à reflexão antropológica

    A descrição fenomenológica de alguns aspectos do mistério (capítulo primeiro) não é suficiente. Implicitamente levanta questões sobre o que é o ser humano manifestado nesta fenomenologia.

    Resta, portanto, o compromisso de se refletir, neste capítulo, sobre alguns dos elementos essenciais do mistério humano. Nesta reflexão, o mistério ultrapassa a sua aparência fenomenológica.

    Se o símbolo de um certo tipo de filósofo – e, portanto, de um certo tipo de pesquisador da natureza humana, teólogo ou educador – permanece o daquele indivíduo que, caminhando com os olhos voltados para as estrelas, cai em um buraco, é também verdade – como dizia Platão, respondendo a esta imagem – que permanecer no buraco sem nunca ter sequer saído é muito pior. E é o que aconteceria se se permanecesse, em sentido positivista, ligado aos

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1