Dança, Gênero e Sexualidade: Narrativas e Performances
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Concepções essas que, de forma imperceptível, constituem as nossas experiências com a dança. Até o ponto de reproduzirmos certos modos de dançar, supostamente mais "masculinos" ou mais "femininos", como se eles fossem parte da nossa biologia. Quando, na verdade, eles foram profundamente introjetados em nós, por meio de complexos mecanismos culturais que, de tão sutis e eficientes, nós não percebemos a existência.
O objetivo deste livro é fundamentar um referencial teórico para o estudo das relações de gênero e suas articulações com a dança. A dança será aqui um pano de fundo para a análise de como as normas culturais de gênero e de sexualidade regulam os nossos comportamentos sociais e constroem os nossos corpos, bem como as maneiras como negociamos, reagimos ou nos conformamos a elas.
A obra propõe-se, assim, a contribuir com elementos que sirvam para dimensionar o gênero como uma variável pedagógica importante para educação em dança.
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Book preview
Dança, Gênero e Sexualidade - Giuliano Souza Andreoli
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Aos meus pais, Izaura e Dejalme Andreoli.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha companheira, Ana Medeiros, por seu amor e incentivo ao meu crescimento pessoal, mas também pelo seu exemplo profissional na área da dança e da música, enquanto mulher e artista flamenca.
Aos professores e professoras do Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (Geerge): Luis Henrique Sacchi dos Santos, Fernando Seffner, Dagmar Estermann Meyer, Guacira Lopes Louro e Jane Felipe de Souza, pela incomparável seriedade de seus estudos e pelas inestimáveis bases e contribuições teóricas.
À professora Silvana Villodre Goellner, que me introduziu nos estudos de gênero.
À professora Lizete Arnizaut de Vargas, pela sua generosidade.
A todos(as) os(as) colegas de trabalho, profissionais da área da dança, do teatro, da música, das artes visuais, da educação física ou da educação, antropólogos, cientistas sociais e/ou militantes políticos, que também fizeram parte dessa caminhada.
A todas aquelas, aqueles e aquelxs, héteros, homo ou bissexuais, transgêneros ou cisgêneros, que dançam e que enfrentam diariamente o preconceito e a discriminação.
E, por fim, a todos(as) os(as) educadores(as) que lutam diariamente em prol de um projeto de civilização com bases mais democráticas, pela edificação de valores éticos e morais por intermédio da educação, dos livros e do estudo sério e qualificado.
Prefácio
A Dança, como área de conhecimento recém-imersa no ambiente acadêmico e cujas preocupações com premissas de cientificidade estão em concorrência no interior de seu próprio campo, tem assumido a interdisciplinaridade como condição para os estudos dedicados a explicar e compreender situações, procedimentos, acontecimentos e processos que permeiam o fazer Dança. Seja em sua condição de arte vinculada às preocupações estilísticas e procedimentais do ofício ou em seus significados simbólicos oriundos e dinamizados ao ambiente da cultura popular, o diálogo com outras áreas de conhecimento apresenta-se como principal recurso para problematizar e pensar qual o nosso papel dentro da estrutura universitária. Contudo a franca postura crítica e a abertura para diálogos epistemológicos ainda se apresenta, no Brasil, como práxis pouco exercitada entre estudiosxs da Dança.
E é nessa lacuna que se oferece a postura deste livro, que tematiza de modo interdisciplinar as relações entre estudos de dança e estudos de gênero, abordando um tema socialmente candente em nosso tempo e ao mesmo tempo carente de publicações de fôlego dedicadas ao assunto em língua portuguesa. Munido de uma vasta literatura teórica, Andreoli didaticamente introduz x leitxr nos conceitos que alicerçaram os debates sobre o assunto nas últimas décadas, permitindo-nos compreender as dinâmicas que operam as representações de gênero no Ocidente. Ao proceder com essa intenção inicial, o texto edifica os pilares em que se assentam as concepções hegemônicas sobre gênero que atuam nos discursos, mas também se efetivam nas práticas ordinárias, alertando-nos que arte e cultura não lidam somente com seus princípios exclusivos de seus fazeres, pois estão em interação com as convenções sociais e culturais de seu tempo e espaço.
Ao orientar seu pensamento desse modo, o autor trata de dança sem deixar de fora aquilo que incondicionalmente a compõe: as pessoas. E com estas, o mundo que as circundam e as relações culturais que engendram sentidos antes mesmo de estes se tornarem cenas, espetáculos, residências, intervenções, performance art. Agindo desse modo, o texto nos convida a olhar para as pessoas que dançam e não somente para o que elas dançam, investigando as representações e suas imbricações com a práxis cotidiana do fazer em dança. Tratando o corpo, e com ele a dança, como local de disputas sociais, o livro nos convida para entendermos detalhes da condição existencial dxs fazedorxs de dança que os estudos biológicoformalistas alijam de seus processos de investigação.
Ao acionar seu pensamento a partir desses pressupostos, o autor não se isenta de fazer críticas às recentes bibliografias do campo acadêmico da dança no Brasil. Tratando a cultura e o corpo como espaço de tensão e disputa cotidiana, alerta-nos que a relação entre dança e sociedade possui uma historicidade, colocando em questão os parâmetros que a modernidade legou à dança no Ocidente e com ela os papéis sociais da mulher e do homem.
Também ciente que ocupa um lugar limitado no universo das discussões sobre gênero, Andreoli dedicou-se às masculinidades singulares na dança e às multiplicações e diferenças do masculino no interior de sua prática. Percorrendo e denunciando uma masculinidade hegemônica, o texto nos convida a adentrar para as experiências de homens e suas relações com diferentes instâncias que tensionam a condição de masculino vinculado ao ato de dançar: com suas famílias, em sua intimidade, círculo de amigos, ambiente escolar, relações amorosas que contribuem na feitura de modos de se ver, de ser visto, de se relacionar, nomear-se e ser nomeado no convívio social rodeado de interesses e relações de poder.
Rafael Guarato
P.h.D em História Cultural
Universidade Federal de Goiás
APRESENTAÇÃO
Em muitas danças na atualidade, vemos que os movimentos coreográficos e a expressão corporal não são construídos da mesma maneira para corpos de homens e para corpos de mulheres. Nem os movimentos corporais são os mesmos, nem as qualidades deles, nem os elementos ligados à forma como se utiliza a força muscular ou como se interage com os pares. Essa diferenciação ocorre tanto ao nível das técnicas corporais e das posturas e gestos quanto das ações. E tem sustentado a falsa noção de que homens e mulheres possuem diferentes energias
, como se essas diferenças fossem produtos de uma essência misteriosa que homens e mulheres já carregam dentro de si.
Nesta obra, procurarei examinar essa questão por uma lente diferente. Este livro lança o desafio de pensar de outro modo algumas opiniões consolidadas no senso comum sobre gênero e sexualidade, mas também sobre dança. A partir de uma ampla revisão bibliográfica sobre temas como: cultura, sociedade, subjetividade, processos de socialização, gênero, sexualidade, corpo e criação em dança, convido os(as) leitores(as) a desnaturalizarem certezas que fazem parte de nosso dia a dia. Tanto no que diz respeito ao que costumamos chamar de masculino
e feminino
na dança, quanto no que diz respeito ao que fundamenta essas certezas: as nossas concepções de corpo, de indivíduo, de subjetividade, de gênero, de sexualidade ou de dança.
Esta obra tem por objetivo trazer para o campo da dança uma fundamentação teórica consistente e condizente com o que os Estudos de Gênero há muito tempo têm debatido na Educação. E, com isso, pretende ajudar a qualificar o campo teórico da dança. Um campo que ainda é muito recente no Brasil, se comparado aos de outras áreas do conhecimento. E que está ainda em desenvolvimento. Este livro também pretende ser útil a outras áreas do conhecimento que já têm esses debates consolidados há tempos. E pretende servir como uma obra introdutória para aqueles que se aproximam pela primeira vez do tema.
No sentido mais prático, este livro pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada do jogo de relações que dão origem às situações concretas de intolerância, preconceito, discriminação e violência psicológica ou física sofridas por mulheres, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, queers e tantos outros grupos sociais cujos sujeitos demandam urgentemente maior reconhecimento social. Sem desprezar a importância de análises que enfocam as especificidades desses grupos, os aspectos mais psicológicos das situações de violência ou os lugares
de onde emergem certas falas
, tenho por intuito, aqui, discutir dimensões que são anteriores a tudo isso. Anteriores no sentido de que se situam, de forma difusa, em um campo mais amplo, que vai além dos indivíduos e habita o terreno da cultura. E com isso, tenho por intuito fornecer parâmetros teóricos para perspectivas educacionais mais inclusivas para o campo da dança.
No sentido teórico, este livro lança-se à difícil tarefa de realizar a crítica daquilo que já se pressupõe crítico. Pois há muito tem sido afirmado que a dança já rompe, por si só, com normas dominantes de corpo, de mundo, de sociedade ou de vida. Seja por ir contra certa tradição racionalista que procura, ainda hoje, relegar o corpo ao domínio da razão, seja por a dança incluir, muitas vezes, a diversidade, contando, em sua história, com dançarinos(as) gays, lésbicas e muitos outros sujeitos discriminados pela sociedade. Embora tudo isso seja verdade, neste livro, eu proponho um mergulho ainda mais profundo na crítica a certos valores e pensamentos consolidados tanto entre dançarinos(as) quanto entre não dançarinos(as), que atravessam e constituem todas as relações sociais.
Esta obra procura apontar novas possibilidades teóricas sobre as questões referentes ao corpo para o campo da dança. Apresenta uma abordagem inovadora, na medida em que se distancia desse campo para pensar os seus limites, lançando um olhar sincrônico com problemáticas há muito discutidas em outras áreas