Não por ser mulher
By Poliana Melo
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O processo para tomada dessa decisão se tornou um grande resgate da vida da mulher, desde a infância, passando pela puberdade, sexualidade, entrada no mercado de trabalho, para uma consciente desconstrução do machismo estrutural, que a fez ter tantas dúvidas sobre as suas próprias vontades.
Buscar sua essência, seus sonhos de criança foi o que tornou sua decisão segura e trouxe o aprendizado necessário para lidar com julgamentos e comentários muitas vezes indelicados. Além disso, o livro é uma proposta de despertar para as mulheres e, quem sabe, uma formação de consciência para homens que pretendem construir um mundo melhor!
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Não por ser mulher - Poliana Melo
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1
Introdução
O que as mulheres querem? Como compreender o universo feminino? Você consegue imaginar o quanto de literatura, arte ou revistas já foram produzidas e consumidas ao longo dos anos tentando decifrar essas questões? Você consegue reproduzir ou pensar nas prováveis respostas encontradas e, ao mesmo tempo, associá-las a todas as mulheres com as quais convive? Quem sabe se você escolher três mulheres como, por exemplo, sua avó, mãe e uma irmã e tentar buscar uma resposta que seja compatível entre elas? Ou se preferir, selecionar três amigas com idades próximas, da mesma geração. Será que assim fica mais fácil responder à pergunta?
Se você considerar impossível dar uma resposta única para essas questões, talvez esteja um pouco mais próximo de atingir a consciência que muitas mulheres lutam para despertar. Que elas, na realidade, almejaram ao longo da vida e ainda idealizam muitas coisas. Algumas mulheres já quiseram ser astronautas, cientistas, já se imaginaram super-heroínas, até mesmo em algum momento da vida pensaram em morar sozinhas ou em colocar a mochila nas costas e viajar o mundo, pilotar um avião, dirigir um trator. Muitas delas já desejaram um cara bonito, sexo sem compromisso, realizar alguma fantasia ou ainda passar um tempo sozinha. Enfim, o universo feminino é um grande leque de possibilidades.
Mas se sua resposta ficou entre algo como namorar, casar, ter filhos, vai precisar rever alguns conceitos. É bem possível que você esteja descartando opiniões relevantes e abordando algumas mulheres de forma bastante equivocada. Mesmo que você seja uma mulher, e sabemos que essa resposta pode pertencer a muitas de nós, pode estar falhando com seus pares. É bastante comum e até mesmo compreensível que mulheres relacionem para as outras os seus próprios desejos ou que, muitas vezes, inconscientemente, reproduzam um aprendizado ultrapassado recebido durante toda a vida sobre o papel feminino na sociedade.
Somos todos, homens e mulheres, parte da mesma sociedade de estrutura patriarcal. Se existem preconceitos, eles partem de todos nós, independente do gênero. Nossa sociedade tem como definição ideológica, desde sua origem, a supremacia masculina nas relações sociais. As evoluções e conquistas femininas foram muitas, principalmente no aspecto econômico. As mulheres lutaram e conseguiram espaço no mercado de trabalho, autonomia financeira, muitas inclusive sustentam seus lares. Em contrapartida, ainda buscam igualdade de oportunidades, respeito e autonomia sobre o próprio corpo e liberdade de escolhas sem retaliações ou apedrejamento. Verdade que muitas batalhas foram vencidas ao longo dos anos, mas sabemos que a igualdade de gêneros ainda é algo muito distante. Além disso, os direitos conquistados confrontam a ideologia social padrão, sendo constantemente ameaçados em momentos de crises ou transições de poder.
Muitos conceitos ultrapassados ainda assombram a liberdade feminina. A mulher é constantemente reprimida no direito às próprias escolhas. É desde a infância estimulada a desempenhar o papel de esposa, mãe, equipe de apoio, mas nunca o de protagonista ou, ainda melhor, autora da própria história.
Mulheres que desafiam padrões sociais são alvo de muita pressão e julgamentos. E foi a partir de uma vivência dessas que surgiu a ideia desse livro, especificamente, meu processo de tomada de decisão sobre ter ou não filhos. O dilema, as dúvidas, as cobranças, todas as etapas que me trouxeram a um aprendizado passível de ser replicado para outras mulheres em suas outras escolhas, principalmente as que confrontam os padrões pré-estabelecidos.
O processo não foi fácil, mas a conclusão principal foi que não fazia sentido ser tão sofrido decidir sobre algo pessoal. A resposta já estava ali, no meu interior. Desvendá-la era simplesmente um processo de autoconhecimento. Atividade que não teria sido tão complexa e necessária caso o estímulo que as mulheres recebessem ao longo da vida fosse o da autonomia e do amor próprio para praticar o livre arbítrio. Ou se as expectativas sobre elas fossem menos sobre regras e mais sobre felicidade.
Esse livro não tem por interesse militar em causa própria ou condenar qualquer estilo de vida. A ideia principal é defender o direito das mulheres em escolher o que realmente almejam para a própria vida, realizarem seus próprios sonhos e objetivos, independente do que a sociedade definiu como um papel que pertence ao universo feminino. Aqui não são hasteadas bandeiras como o não casamento, a não maternidade ou promovido qualquer movimento contrário a instituições familiares.
É uma resposta que procura muito ser gentil com as pessoas que não compreendem quando uma mulher tem opções de vida que divergem do papel que a sociedade determinou para elas. O livro parte de vivencias pessoais, mas procura não destacar ou tecer críticas a ninguém em específico já que somos todos parte do mesmo contexto social. Não estabelece vítimas ou algozes, mas questiona a manutenção dessa estrutura que oprime e condiciona as mulheres.
Aqui você vai acompanhar uma leve revisão da minha vida, a abordagem é pessoal, porém focada em memórias que retratam como as mulheres são condicionadas desde a infância a sacrificarem a própria individualidade e se esforçarem para agradar o outro. Desde a aparência, onde são estimuladas a travarem batalhas com o próprio corpo, que de tempos em tempos precisa ser moldado aos padrões transitórios de beleza, ou em atitudes como não serem escandalosas, não se vestirem de forma provocante e principalmente nos objetivos de vida que devem priorizar encontrar um parceiro para constituir família e ter filhos.
A reflexão é sobre como desconstruir um conjunto de regras recebidas e impostas ao longo de toda uma vida e propor às mulheres um exercício diário e contínuo para filtrarem a sua própria essência e, assim, conquistarem a confiança e segurança necessárias para assumirem suas próprias decisões.
Também é objetivo desse livro despertar uma consciência de que precisamos rever a criação das nossas meninas, promover empoderamento, encorajá-las a acreditarem que na vida poderão realizar o que realmente quiserem. Que não precisam se encaixar em um padrão específico de corpo ou beleza, a menos que assim desejem, mas que prioritariamente se valorizem e tenham autoestima. Que não dependam de um príncipe encantado ou da aprovação de quem quer que seja para se sentirem realizadas. Que promovam as próprias conquistas e se realizem nos próprios sonhos. Que se transmita a felicidade como um reflexo de quem somos e não do que ou de quem temos. E, assim, aprendam a viver muito mais que esperar, a aproveitar muito mais da vida que da imagem, que sejam também agentes transformadores da sociedade e, acima de tudo, que se apoiem!
E se porventura, quem sabe, modestamente conseguirmos entreter um pouquinho que seja do público masculino por aqui, que eles compreendam que irresistível mesmo são os homens que apoiam, estimulam e empoderam as mulheres. E que, por favor, repassem essa mensagem!
2
Infância: bons tempos! Bons Sonhos!
Me lembro dos sonhos da infância. Onde quando eu crescesse seria uma artista, cantora, desenhista, escritora, atriz, apresentadora. Não me lembro de imaginar ser mãe e essas lembranças resolveram um grande dilema da minha vida, o da maternidade. Dilema que não era para ser meu, não fosse tanta pressão social.
Foi justamente por ter sido tão difícil para eu tomar essa decisão que precisei revisar minha vida. Minha vontade de ser mãe simplesmente não veio e eu comecei a me cobrar, a acreditar que tinha algum problema comigo, que não era normal uma mulher não querer ter filhos. Cheguei a me fazer acreditar que queria, a me fazer sofrer por um tempo tentando engravidar. Só consegui realmente me sentir à vontade com minha decisão quando resgatei da minha infância a minha verdadeira essência. Fiz uma revisão da minha vida para saber quais eram meus desejos quando criança, o que eu sonhava. Tive que aprender a separar meus sonhos do que foi embutido socialmente. Acontece que revisar minha infância, puberdade e juventude me fez entender o que eu queria de verdade não somente para a decisão de ter ou não filhos, mas para todos os aspectos. O que eu quero? Do que eu sou hoje, o que é minha essência? Essa prática eu aprendi para a vida e acredito ser um exercício diário para todas as mulheres. Por isso decidi compartilhar.
Lembro-me das minhas brincadeiras de Barbie quando minha boneca tinha uma loja, era modelo ou uma atriz famosa. E, de repente, conhecia o Ken (o meu era uma boneca Xuxa que cortei o cabelo), namoravam, casavam e quando ela engravidava, minha brincadeira acabava.
Parece que o papel de mãe nunca me atraiu, não por falta de admiração, apenas por não me identificar. Só que me parecia algo natural que aconteceria independente da minha vontade. Quantas vezes ouvimos quando você for mãe, vai entender
. Ou que o amor de mãe é o que dá sentido à vida
.
Por muitas vezes repeti que não me via sem ser mãe, mas na verdade hoje puxando pela memória nunca me imaginei como mãe de verdade. Era algo muito distante e que com o passar dos anos não se aproximou.
Eu sou a filha do meio de outras duas irmãs, ambas bailarinas. E esse amor pelo ballet é antigo na família, desde a minha avó. Um amor que não é meu, mas foi uma atividade obrigatória dos meus três aos dez anos. Minhas primas tinham uma academia de dança e nós como classe média não teríamos como pagar por atividades extracurriculares na época para três filhas. Fazer ballet, então, era um privilégio. Afinal, qual menina não gostaria disso? Mas não ser bailarina talvez tenha sido minha primeira resistência.
A sociedade determina desde sempre papéis que cabem às mulheres e é preciso muita coragem para confrontá-los.
Me lembro de gostar de brincar com os carrinhos que pegava escondido do meu pai. Gostava de fazer meus bonecos de papel já que nunca ganhei um Playmobil. Gostava de desenhar, cantar, fingir que era a Xuxa, escrever e brincar de aventuras. A brincadeira de casinha literal nunca foi minha favorita. Não era estimulante fingir que estava dando papinha ou mamadeira, trocando fraldas ou colocando um bebê para dormir.
Mas era natural, era normal que toda menina brincasse assim. Lembro-me de ir para casa de uma amiga para brincar com os bonecos do irmão dela. Lembro-me de ir para a rua, eu e minha irmã mais velha, e arrumar briga com os meninos. Lembro-me do amigo da minha irmã caçula, que brincava conosco de Barbie escondido, ninguém podia saber que um menino brincava com meninas e de bonecas, a propósito, ele não virou gay por isso, é um cara hétero. Só provavelmente deve ser um pai que sabe pentear o cabelo dos filhos.
Já na infância, nos treinam para os papéis que esperam de nós enquanto mulheres ou homens. O homem pegador, a mulher bela e recatada
, à espera do cara perfeito para se casar e, enfim, realizar o sonho da maternidade. Uma história da infância retrata bem essa realidade: certo dia um garoto da escola me beijou a força e eu dei um soco no nariz dele. Como chegamos neste ponto? Meu pai ficou sabendo que os meninos corriam atrás das meninas para beijar e me orientou a dar o soco sempre que acontecesse comigo. E o garoto relatou à professora que o pai dele orientou que beijasse a força as meninas que ele achasse bonitas. Se o meu pai fosse o pai do menino não daria a mesma orientação? E se outro pai tivesse uma menina, como reagiria? A professora nos tirou do castigo dizendo às nossas mães que os nossos pais é que deveriam estar ali.
Tive uma infância muito feliz, porém marcada por estereótipos. O pai que trabalhava viajando e não deixava que nada faltasse à família. A mãe que cuidava sozinha da casa, das filhas, de tudo e esperava o marido para o fim de semana com a casa limpa e muitas recomendações para que nós crianças nos comportássemos. A mulher que abandonou os sonhos de trabalhar fora para ser esposa e mãe. Que carregava lá no fundo aquela frustração, mas também o maior amor do mundo. O pai que, por muitos momentos, demonstrou ser brincalhão, mas foi endurecendo ao longo dos anos com a responsabilidade e o peso de ser o homem da casa.
Os estereótipos de gênero se reproduzem de geração em geração e definem a partir da infância nossa vida adulta. Mesmo hoje que as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho e adquirem formação muitas vezes superior a dos homens, a principal expectativa é que sejam mães, esposas e se comportem de acordo com o esperado de uma mulher.
Por isso, a vaidade e delicadeza são estimuladas desde cedo, logo que se descobre ainda durante a gravidez o sexo do bebê. Para a menina roupas rosa, bonecas e a fantasia de princesas. Elas vão precisar ser magras, bonitas e serão estimuladas a sonhar que o seu final feliz é o beijo e o casamento com seu príncipe encantado. É como se não houvesse alternativas para as mulheres além de depositar nas mãos de um homem sua felicidade. E como se dali para frente, nada fora de padrão possa acontecer na sua vida que mereça ser retratado ou estimulado.
Meu pai, desde a nossa infância, costumava brincar que suas filhas seriam freiras ou que não aceitaria namorados cedo, dando a entender que só aceitaria o namorado certo, aquele que tivesse intenções de casamento. Como se só existissem duas opções: ser freira ou se casar. Apenas hoje compreendo o desespero de um pai que precisa encaminhar três garotas em uma sociedade machista, quando ele próprio foi educado neste contexto.
Existe um receio muito grande e desde muito cedo de que as meninas despertem em algum momento sua sexualidade. Uma vez meu pai, que gostava muito de contar histórias, começou a nos contar a história de um pintinho. Eu, bem à frente, perguntei: Esse pintinho é o pintinho da galinha ou do homem?
. Meu pai me xingou muito, encerrou a história e nunca mais quis contá-la, mesmo nas vezes que eu implorava, afinal nunca fiquei sabendo o que houve com o pintinho que obviamente era o filho da galinha.
Outro dia ouvi uma história bizarra de homens darem um pé de jabuticaba ao amigo quando descobrem que ele será pai de