Ética da alegria no contexto hospitalar
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Book preview
Ética da alegria no contexto hospitalar - Morgana Masetti
Créditos
Copyright © 2000 by Morgana Masetti
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Masetti, Morgana
Ética da alegria no contexto hospitalar / Morgana Masetti; ilustração de Paulo Von Poser. – Rio de Janeiro: MMD, 2013.
Nota: Projeto Gráfico Original: Peter Cheng
ISBN 978-85-65800-01-3
1. Medicina. I. Poser, Paulo Von. II. Saúde. 2. Título.
CDD 610
Índices para catálogo sistemático:
1. Crianças hospitalizadas: Terapia do riso: Bem-estar social 362. 1083
2. Doutores da Alegria: Crianças hospitalizadas: Psicologia hospitalar: Bem-estar social 362. 1083
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998.
É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meio
sem a autorização prévia, por escrito, da Editora.
Os direitos adquiridos para lingua portuguesa pertencem apenas à autora desta obra.
Coedição na 1ª edição
Doutores da Alegria
Rua Alves Guimarães, 73 – 05410-000 – São Paulo – SP – Brasil
Fone/fax: (11) 3061-5523
Facebook https://www.facebook.com/morgana.masetti.1
Twitter @morganama
Blog www.eticadoencontro.com
2013
Folha de Rosto
Apresentação
APRESENTAÇÃO
Ética da alegria no contexto hospitalar resulta do trabalho e das observações que a psicóloga Morgana Masetti realiza sobre os processos vividos por pessoas que estão sob tratamento em instituições hospitalares.
Sua inquietação a respeito da eficácia do papel que deveria exercer nesse ambiente e as dúvidas sobre a forma como poderia se aproximar dos fluxos das experiências vivenciadas pelas pessoas internadas começaram a encontrar respostas quando conheceu Wellington Nogueira, um artista que atuava como palhaço com crianças hospitalizadas.
Ao vê-lo como Dr. Zinho, médico besteirologista interagindo com os jovens pacientes, começou a perceber um pulsar diferente nas relações que se estabeleciam naqueles quartos e corredores. Desde então, a autora exercita uma reflexão cotidiana sobre o trabalho dos Doutores da Alegria, uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 1991, reunindo artistas profissionais que desenvolvem sua arte em hospitais nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Esse esforço de reflexão, o convívio com artistas e profissionais da saúde e o testemunho dos acontecimentos ao longo dos anos resultaram, em 1998, no livro Soluções de Palhaços — transformações na realidade hospitalar (Ed. Palas Athena), em que se relatam as histórias dos encontros entre os palhaços e as crianças.
Agora, com seu novo trabalho, concebido inicialmente como sua Dissertação em Psicologia Social, Morgana Masetti avança em seus questionamentos, busca indícios das transformações que ocorrem com os profissionais de saúde influenciados pela atuação dos Doutores da Alegria.
Seu maior desafio, entretanto, é apontar ao leitor os princípios em que esse grupo de artistas baseia-se para interagir com o ambiente hospitalar, como constrói seus valores e sua ação, e quais os fatores desse universo que podem auxiliar na qualidade das relações estabelecidas nos hospitais e no desenvolvimento do modelo médico atual.
Ética da alegria no contexto hospitalar fala-nos de encontros. Mas procura, sobretudo, questionar se o trabalho desenvolvido pelos Doutores da Alegria pode incentivar os médicos, enfermeiras e demais profissionais a adotarem uma ética da alegria em suas práticas profissionais.
Humanização: verniz para o capitalismo médico?
HUMANIZAÇÃO: VERNIZ PARA O CAPITALISMO MÉDICO?
Por mais que o homem se estenda em seu conhecimento, por mais objetivo que pareça a si mesmo, enfim, nada tirará disso a não ser sua autobiografia.
(Nietzsche)
A organização Doutores da Alegria nasce nos anos 1990 e leva artistas de teatro e de rua para dentro de hospitais. Duas vezes por semana eles se integram à rotina de enfermarias infantis. Vestindo-se de palhaços que acreditam ser médicos realizam exames e consultas em todas as crianças internadas, seus acompanhantes e profissionais da saúde.
Pioneiro na iniciativa, Dr. Zinho, possibilitou que muitas crianças vissem pela primeira vez um palhaço e um espetáculo teatral. O hospital, então, começou a experimentar fronteiras pouco usuais à sua realidade, reinserindo questões da vida à sua rotina asséptica e controlada. Naquela época, a figura do palhaço era algo incomum ao cenário das macas e enfermarias. Graciosamente destoante, habilmente desconcertante e não ameaçador. Propunha aos adultos que cruzavam seu caminho um tempo de reflexão para juntar mundo médico e circo. Movimento representativo em uma época em que o pensamento médico evoluía no conceito da humanização. Evoluir? Na ocasião não pensávamos nisso, o programa precisava sobreviver em um contexto ainda inerte para investimentos em ações culturais. A semente encontrou um solo propício. Dra. Emily, Dra. Ferrara, Dr. Dog, Dra. Sirena, Dr. Krebes Croc, tantos outros vieram e vivem com suas inúmeras histórias sobre crianças.
O tempo passou e o terceiro setor começou a crescer no país. Hospitais intensificaram a inclusão de atividades extracurriculares
aos diagnósticos e intervenções técnicas. A partir desse movimento vieram: Dr. Escrich, Dra. Manela, Dra. Florinda Jardins, Dr. Zorinho, Dr. Zapatta Lambada… e mais histórias. Histórias da vida de um povo. Da saúde do país.
Desta maneira, com o que víamos nos hospitais, pelos depoimentos dos artistas durante nossas reuniões, com os relatórios de atividade fomos estabelecendo parâmetros para construção de uma ética que valida nossa prática. Não foi apenas a decisão de levar o palhaço ao hospital. Agora era também o que o hospital nos contava e sobre o que nos convidava a pensar. A miséria da morte e da vida. A violência do filho espancado, dos órfãos da AIDS. Mães correndo de assaltantes pelos corredores do hospital com o filho atado ao fio do soro. Recém-nascidos ainda com cordão umbilical chegando da lata de lixo, criança apanhando na saída do hospital dentro de veículo de instituição que abriga menores. Mãe que mora em uma cadeira ao lado do leito de seu filho por meses. Falta de remédio, falta de sabão, de mãos. E a proposta de continuar a se surpreender com esse cenário. Essas imagens passaram a nos habitar junto com o respeito aos profissionais de saúde, que têm suas carreiras repletas dessas imagens e, mesmo assim, continuam a investir nas relações humanas.
Hoje, tanto tempo depois, a humanização ancora como palavra que ordena essas ações: brinquedotecas, bibliotecas circulantes, contadores de histórias, recreacionistas, música, artes plásticas. O número de voluntários cresceu e a quantidade de grupos que se utilizam da máscara do palhaço também.
Nossa inquietude é muito maior que quando iniciamos o programa. O questionamento é inevitável: será que todo esse caminhar, aliado ao reconhecimento crescente dos departamentos de humanização, fará com que corramos o risco de voltarmos para casa e dormirmos tranquilos, acreditando ter dado conta da complexidade do trabalho que nos propusemos? Chegaremos a criar uma ISO da humanização para os hospitais? Dez passos para humanizar? Sinceramente espero que não. Continuemos a cuidar deste mistério que são as questões humanas, honrando a complexidade do tema.
A atualidade nos traz angústia e oportunidade. A angústia: perceber que, irrevogavelmente, estamos conectados em uma enorme rede, tudo o que acontece no mundo nos afeta, nos atinge visceralmente. A guerra no Oriente é também nossa guerra, a pobreza da África fala diretamente à nossa riqueza. Acordamos para a nossa conectividade com outros fusos, com a sociedade planetária da qual fazemos parte. Esse movimento silencioso acontece dentro dos nossos carros, quando o sinal vermelho nos mostra saquinhos